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Fechamento percutâneo da comunicação interatrial ostium secundum: de King e Mills aos dias de hoje

Percutaneous closure of secundum atrial septal defects: from King and Mills to nowadays

EDITORIAL

Fechamento percutâneo da comunicação interatrial ostium secundum: de King e Mills aos dias de hoje

Percutaneous closure of secundum atrial septal defects: from King and Mills to nowadays

Valmir Fernandes Fontes; Sérgio Luiz Navarro Braga; Carlos Augusto Cardoso Pedra

Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Valmir Fernandes Fontes Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 São Paulo, SP - CEP 04038-003 E-mail: vffontes@uol.com.br

King e Mills1, em 1976, publicaram os primeiros casos de fechamento de comunicação interatrial ostium secundum (CIA/OS) no ser humano, utilizando prótese com duas umbrellas independentes, que apresentava estrutura metálica com revestimento de dácron. A cirurgia de CIA já estava bem estandartizada, a prótese utilizada era tosca, de fabricação artesanal, de liberação complicada e exigia cateter liberador de grande diâmetro, razão pela qual não teve seguidores.

Em 1983, Rashkind2 desenvolveu uma umbrella única, com três hastes de aço inoxidável e pequenos ganchos de fixação, recoberta de poliuretano, a qual foi modificada para seis hastes e com ganchos de fixação intercalados, obtendo sucesso em 14 de 23 pacientes submetidos a implante. Os ganchos de fixação foram eliminados e a prótese passou a ter dois discos com armação metálica e quatro hastes cada, passando a ser chamada de umbrella de Rashkind3.

Lock et al.4, em 1989, modificaram a umbrella de Rashkind, que passou a ter quatro hastes articuladas, surgindo, então, a Clamshell septal umbrella.

A década de 90 foi fértil na produção de dispositivos oclusores para fechamento de CIA/OS. Em 1990, Sideris et al.5 introduziram o buttoned device. Em 1991, Babic et al.6 lançaram uma prótese de duas umbrellas, com armação de nitinol revestido de poliuretano, denominado ASDOS. Em 1993, Das introduziu um dispositivo de duas armações quadradas de nitinol revestidas de poliéster, a Angel Wings, posteriormente modificada para Guardian Angel. A empresa Nitinol Medical Technologies (Boston, Estados Unidos) aperfeiçoou a Clamshell e surgiu a CardioSeal, a qual, em 1998, deu origem à Starflex, dotada de mecanismo autocentrável. Em 1997, Sharafuddin et al.7 descreveram a prótese Amplatzer, produzida pela AGA Medical Corporation (Plymouth, Estados Unidos), que ganhou popularidade e passou a ser de uso rotineiro nos Laboratórios de Hemodinâmica. Hoje a experiência é de dezenas de milhares de casos.

Na década de 2000, novos dispositivos chegaram ao mercado, entre eles a Helex (de configuração helicoidal), a Cárdia, a Occlutech Figulla (muito similar à Amplatzer), a BioStar (que é a Starflex com revestimento de tecido biológico reabsorvível) e, mais recentemente, a Solysafe. Todas as próteses mencionadas foram produzidas para oclusão de CIAs/OS e forame oval patente (FOP) e apresentam armação metálica. Dentre essas próteses, as mais utilizadas são as de oclusor central, com dois discos de retenção (Amplatzer, Occlutech), e as de duplo disco (Helex, Cardia, CardioSeal/Starflex, BioStar e a própria Solysafe, ainda não utilizada no Brasil).

A Revista Brasileira de Cardiologia Invasiva, nesta edição, traz o relato de caso de oclusão de uma comunicação interatrial ostium primum (CIA/OP) com a prótese Transcatheter Patch® (Custom Medical Devices - Atenas, Grécia), criada por Sideris e implantada em nosso País pela primeira vez por Chamié et al.8. Trata-se de um dispositivo sem estrutura metálica, que consta de um retalho de espuma de poliuretano, em forma de manga, o qual é expandido por um balão. O retalho adere às bordas do defeito sob uso de cola biológica e a aderência se completa pela formação de fibrina e de células inflamatórias.

Quando Sideris et al.5,9,10 publicaram seus trabalhos baseados em estudo de animais de experimentação e os primeiros resultados na espécie humana, um editorial escrito por Charles Mullins11 contestou a linha de pesquisa, criticou o material usado (poliuretano, tido como cancerígeno em ratos), além de apontar o inconveniente da retirada do sistema liberador da prótese 36-48 horas após o implante, prolongando o tempo de hospitalização. Dentre outras ponderações, Mullins concluiu que as especulações e as conclusões para uso futuro no ser humano não pareciam justificadas.

Sideris e Moulopoulos12 responderam aos comentários apresentados no editorial e fizeram críticas pertinentes às próteses de uso corrente, todas apresentando uma armação metálica com potencial de complicações, como erosão e perfuração do teto do átrio esquerdo e da raiz da aorta, fratura de hastes, formação de trombos com embolização, comprometimento das valvas atrioventriculares, fluxos residuais, etc. Os auto-res ressaltaram que o material empregado para o esqueleto das próteses, em geral, era o nitinol, que era uma liga de níquel 55% e titânio 45%, sendo o primeiro um metal pesado, tóxico e que poderia desencadear reações alérgicas, além de ser cancerígeno na espécie humana. A experiência inicial desses autores, de mais de 70 casos, foi comentada, incluindo CIA/OS, CIA/OP, comunicação interatrial tipo seio venoso (CIA/SV), comunicação interventricular (CIV) e canal arterial, e ponderaram, também, que seguimento de mais de três anos após implante vinha demonstrando bons resultados e que a prótese original estava sofrendo aperfeiçoamentos.

O fato de os dispositivos atuais apresentarem armação metálica, tanto do tipo de oclusor central como de duplo disco, está em debate. O futuro aponta para uma prótese totalmente de matriz biológica e reabsorvível. O Transcatheter Patch® não tem esqueleto metálico, porém o material do patch é sintético, com os inconvenientes já citados, e é uma prótese de fabricação artesanal e de pouca aceitação. Até agora não tem sido considerada pelos intervencionistas dos grandes centros.

A NMT Medical já está produzindo uma prótese, a BioStar (estrutura metálica da Starflex), cujo tecido de revestimento é uma matriz biológica oriunda do colágeno intestinal do porco, rapidamente incorporada ao septo, oferece baixo perfil e, além disso, com o tempo, o colágeno é reabsorvido e substituído por uma cápsula fibrosa. Já existe experiência no ser humano, ainda investigacional e com limitação de uso, alcançando CIAs/OS de até 16 mm de diâmetro. A engenharia da NMT Medical caminha para produzir uma prótese totalmente biológica e reabsorvível. Outras linhas de pesquisa de outras indústrias deverão trilhar no mesmo sentido.

Chamié et al.8 questionam: "Nova opção terapêutica ou apenas um golpe de sorte?". Não parece um golpe de sorte, os autores têm qualificação e credibilidade. A prótese Transcatheter Patch® tem sido implantada em vários centros do mundo, ainda de maneira investigacional. A surpresa para nós foi a escolha do defeito septal, tipo CIA/OP, pois esperava-se o início da experiência com uma CIA/OS, de indicação muito mais tranqüila. Além disso, não é uma opção terapêutica para oclusão de defeitos cardíacos de fluxo arteriovenoso, porque as atuais próteses, apesar de terem um componente metálico, são efetivas, seguras e com experiência de 12 anos.

O trabalho mostra a viabilidade do método. Concordamos com os autores que o procedimento é factível e deve ser feito por grupos experimentados. A prótese, ainda de produção artesanal, deverá sofrer modificações e ser aperfeiçoada, e como a experiência é inicial não autoriza que seja a substituta natural das próteses atuais em uso. Precisamos de tempo.

Recebido em: 11/11/2008

Aceito em: 13/11/2008

  • 1. King TD, Thompson SL, Steiner C, Mills NL. Secundum atrial septal defect. Nonoperative closure during cardiac catheterization. JAMA. 1976;235(23):2506-9.
  • 2. Rashkind WJ. Transcatheter treatment of congenital heart disease. Circulation. 1983;67(4):711-6.
  • 3. Rashkind WJ, Cuaso CC. Transcatheter closure of atrial septal defects in children. Eur J Cardiol. 1987;8:119-20.
  • 4. Lock JE, Hellembrand WE, Latson L, Mullins CE, Benson L, Rome JJ. Clamshell umbrella closure of atrial septal defect: initial experience. Circulation. 1989;80 Suppl II:592-6.
  • 5. Sideris EB, Sideris CE, Toumanides S, Moulopoulos SD. From disk devices to transcatheter patches: the evolution of wireless heart defect occlusion. J Interv Cardiol. 2001;14(2):211-4.
  • 6. Babic UU, Grujicic S, Popovic Z, Djurisic Z, Vucinic M, Pejcic P. Double-umbrella device for transvenous closure of patent ductus arteriosus and atrial septal defects. First experience. J Interv Cardiol. 1991;4(4):283-94.
  • 7. Sharafuddin MJ, Gu X, Titus JL, Urness M, Cervera-Ceballos JJ, Amplatz K. Transvenous closure of secundum atrial septal defects: preliminary results with a new self-expanding nitinol prosthesis in a swine model. Circulation. 1997;95(8):2162-8.
  • 8. Chamié F, Queiroz DSC, Haddad JL, Meurer ML, Aragão ML, Sideris E. Oclusão percutânea de uma comunicação interatrial tipo ostium primum: nova opção terapêutica ou apenas um golpe de sorte? Rev Bras Cardiol Invas. 2008;16(4):489-94.
  • 9. Sideris EB, Toumanides S, Macuil B, Gutierrez-Leonard H, Poursanov M, Sokolov A, et al. Transcatheter patch correction of secundum atrial septal defects. Am J Cardiol. 2002;89(9):1082-6.
  • 10. Sideris EB. Advances in transcatheter patch occlusion of heart defects. J Interv Cardiol. 2003;16(5):419-24.
  • 11. Mullins CE. Frameless patch occlusion of atrial septal defects: Frameless - Less secure. Catheter Cardiovasc Interv. 2002;57(3):408-9.
  • 12. Sideris EB, Moulopoulos SD. Transcatheter patch occlusion of heart defects. Catheter Cardiovasc Interv. 2004;61(1):150-1.
  • Correspondência:

    Valmir Fernandes Fontes
    Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia
    Av. Dr. Dante Pazzanese, 500
    São Paulo, SP - CEP 04038-003
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      2008
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