Acessibilidade / Reportar erro

Segurança e eficácia da intervenção coronária percutânea ad hoc em pacientes com angina estável

Safety and efficacy of ad hoc percutaneous coronary intervention in patients with stable angina

Resumos

INTRODUÇÃO: A realização do cateterismo cardíaco diagnóstico e da intervenção coronária percutânea (ICP) no mesmo procedimento (ICP ad hoc) tem sido uma prática crescente. Estudos têm apontado como vantagens dessa estratégia a redução dos custos hospitalares, a maior comodidade para o paciente e a diminuição das complicações vasculares. MÉTODO: Neste estudo, 651 pacientes com angina estável foram randomizados para ICP ad hoc ou ICP estagiada. O desfecho primário foi a composição de: morte cardíaca, infarto agudo do miocárdio (IAM), cirurgia cardíaca de urgência, acidente vascular cerebral (AVC) ou complicações hemorrágicas. RESULTADOS: O desfecho primário ocorreu em 2,9% na ICP ad hoc vs. 4,4% na ICP estagiada (P = 0,406). A análise isolada dos eventos clínicos não evidencia diferenças significativas entre os grupos: morte por causa cardíaca ocorreu em 1% na ICP ad hoc vs. 0,3% na ICP estagiada (P = 0,354); IAM ocorreu em 1,3% na ICP ad hoc vs. 1,2% na ICP estagiada (P > 0,99) e AVC ocorreu em 0,3% na ICP ad hoc vs. 0,3% na ICP estagiada (P > 0,99). A taxa de complicações hemorrágicas foi significativamente maior na ICP estagiada (1% vs. 3,5%; P = 0,035). Os preditores independentes do desfecho primário foram: IAM prévio (odds ratio [OR] = 6,287; intervalo de confiança de 95% [IC 95%] 1,62-24,36; P = 0,008), vasculopatia periférica (OR = 16,97; IC 95% 6,39-45,01; P = 0,0001) e doença coronária multiarterial (OR = 13,97; IC 95% 3,65-53,50; P = 0,0001). CONCLUSÃO: O estudo demonstrou que a ICP ad hoc é tão segura e eficaz quanto a ICP estagiada em pacientes com angina estável, e está associada a taxa significativamente menor de complicações hemorrágicas relacionadas ao acesso vascular.

Angioplastia transluminal percutânea coronária; Stents; Doença das coronárias; Angina pectoris; Fatores de tempo


INTRODUCTION: Performing diagnostic cardiac catheterization and percutaneous coronary intervention (PCI) in the same procedure (ad hoc PCI) has been an increasing practice. Studies have indicated a reduction in hospital costs, greater patient commodity and less vascular complications as advantages of this strategy. METHODS: Six hundred and fifty-one patients with stable angina were randomized to ad hoc PCI or staged PCI. Primary endpoint was the composition of cardiac death, acute myocardial infarction (AMI), urgent cardiac surgery, stroke, or hemorrhagic complications. RESULTS: Primary endpoint was observed in 2.9% for ad hoc PCI versus 4.4% for staged PCI (P = 0.406). Analysis of isolated clinical events did not find significant differences between groups: death from cardiac cause was observed in 1% for ad hoc PCI versus 0.3% for staged PCI (P = 0.354); AMI in 1.3% for ad hoc PCI versus 1.2% for staged PCI (P > 0.99), and stroke in 0.3% for ad hoc PCI versus 0.3% for staged PCI (P > 0.99). The rate of hemorrhagic complications was significantly greater for staged PCI (3.5% versus 1%; P = 0.035). Independent predictors of primary endpoint were: previous myocardial infarction (OR = 6.287; CI 95% 1.62-24.36; P = 0.008), peripheral vascular disease (OR = 16.97; CI 95% 6.3945.01; P = 0.0001), and multiple coronary artery disease (OR = 13.97; CI 95% 3.65-53.50; P = 0.0001). CONCLUSION: The study showed that ad hoc PCI is as safe and efficient as staged PCI in patients with stable angina, and it is associated to a significantly lower rate of hemorrhagic complications related to vascular access.

Angioplasty, transluminal, percutaneous coronary; Stents; Coronary disease; Angina pectoris; Time factors


ARTIGO ORIGINAL

Segurança e eficácia da intervenção coronária percutânea ad hoc em pacientes com angina estável

Safety and efficacy of ad hoc percutaneous coronary intervention in patients with stable angina

José Klauber Roger Carneiro; Joaquim David Carneiro Neto; José Antonio de Lima Neto; Fabiene Lima Parente; Lara Silva Aguiar; Bruno Anderson Magalhães Rocha; Natália Tomaz Bezerra; Maria Christiany Macedo Saraiva; Érico Sá Brito; Edmara Bezerra Guerra; Gustavo Mesquita Landim; José Maria Bezerra Filho

Hospital do Coração de Sobral - Sobral, CE, Brasil

Correspondência Correspondência: José Klauber Roger Carneiro Alameda Amazonas, 247 - Colina Sobral, CE, Brasil - CEP 62040-300 E-mail: hemodina@stacasa.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: A realização do cateterismo cardíaco diagnóstico e da intervenção coronária percutânea (ICP) no mesmo procedimento (ICP ad hoc) tem sido uma prática crescente. Estudos têm apontado como vantagens dessa estratégia a redução dos custos hospitalares, a maior comodidade para o paciente e a diminuição das complicações vasculares.

MÉTODO: Neste estudo, 651 pacientes com angina estável foram randomizados para ICP ad hoc ou ICP estagiada. O desfecho primário foi a composição de: morte cardíaca, infarto agudo do miocárdio (IAM), cirurgia cardíaca de urgência, acidente vascular cerebral (AVC) ou complicações hemorrágicas.

RESULTADOS: O desfecho primário ocorreu em 2,9% na ICP ad hoc vs. 4,4% na ICP estagiada (P = 0,406). A análise isolada dos eventos clínicos não evidencia diferenças significativas entre os grupos: morte por causa cardíaca ocorreu em 1% na ICP ad hoc vs. 0,3% na ICP estagiada (P = 0,354); IAM ocorreu em 1,3% na ICP ad hoc vs. 1,2% na ICP estagiada (P > 0,99) e AVC ocorreu em 0,3% na ICP ad hoc vs. 0,3% na ICP estagiada (P > 0,99). A taxa de complicações hemorrágicas foi significativamente maior na ICP estagiada (1% vs. 3,5%; P = 0,035). Os preditores independentes do desfecho primário foram: IAM prévio (odds ratio [OR] = 6,287; intervalo de confiança de 95% [IC 95%] 1,62-24,36; P = 0,008), vasculopatia periférica (OR = 16,97; IC 95% 6,39-45,01; P = 0,0001) e doença coronária multiarterial (OR = 13,97; IC 95% 3,65-53,50; P = 0,0001).

CONCLUSÃO: O estudo demonstrou que a ICP ad hoc é tão segura e eficaz quanto a ICP estagiada em pacientes com angina estável, e está associada a taxa significativamente menor de complicações hemorrágicas relacionadas ao acesso vascular.

Descritores: Angioplastia transluminal percutânea coronária. Stents. Doença das coronárias/terapia. Angina pectoris. Fatores de tempo.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Performing diagnostic cardiac catheterization and percutaneous coronary intervention (PCI) in the same procedure (ad hoc PCI) has been an increasing practice. Studies have indicated a reduction in hospital costs, greater patient commodity and less vascular complications as advantages of this strategy.

METHODS: Six hundred and fifty-one patients with stable angina were randomized to ad hoc PCI or staged PCI. Primary endpoint was the composition of cardiac death, acute myocardial infarction (AMI), urgent cardiac surgery, stroke, or hemorrhagic complications.

RESULTS: Primary endpoint was observed in 2.9% for ad hoc PCI versus 4.4% for staged PCI (P = 0.406). Analysis of isolated clinical events did not find significant differences between groups: death from cardiac cause was observed in 1% for ad hoc PCI versus 0.3% for staged PCI (P = 0.354); AMI in 1.3% for ad hoc PCI versus 1.2% for staged PCI (P > 0.99), and stroke in 0.3% for ad hoc PCI versus 0.3% for staged PCI (P > 0.99). The rate of hemorrhagic complications was significantly greater for staged PCI (3.5% versus 1%; P = 0.035). Independent predictors of primary endpoint were: previous myocardial infarction (OR = 6.287; CI 95% 1.62-24.36; P = 0.008), peripheral vascular disease (OR = 16.97; CI 95% 6.3945.01; P = 0.0001), and multiple coronary artery disease (OR = 13.97; CI 95% 3.65-53.50; P = 0.0001).

CONCLUSION: The study showed that ad hoc PCI is as safe and efficient as staged PCI in patients with stable angina, and it is associated to a significantly lower rate of hemorrhagic complications related to vascular access.

Descriptors: Angioplasty, transluminal, percutaneous coronary. Stents. Coronary disease/therapy. Angina pectoris. Time factors.

Os grandes avanços da intervenção coronária percutânea, sobretudo os relacionados à segurança, têm estimulado a realização do cateterismo cardíaco diagnóstico e da angioplastia coronária no mesmo procedimento. Há duas décadas, vários estudos têm discutido as vantagens da intervenção coronária percutânea imediatamente ao cateterismo (intervenção coronária percutânea ad hoc), como redução dos custos do procedimento, maior comodidade para o paciente e potencial redução da taxa de complicações vasculares relacionadas ao local de acesso. No entanto, uma série de desvantagens tem sido também elencada: maior exposição à radiação, maior risco de nefropatia induzida pelo contraste decorrente do maior volume de contraste utilizado, e maior desconforto para o paciente em virtude do maior tempo de procedimento1-9.

As evidências que atualmente dispomos são provenientes, na sua maioria, de estudos observacionais, representando experiências unicêntricas com pequenas amostras de pacientes e com a inclusão de procedimentos realizados em caráter de emergência. Na prática diária, temos utilizado a estratégia ad hoc na maioria dos pacientes com angina instável, naqueles com reestenose após angioplastia prévia e, sistematicamente, nos pacientes com infarto agudo do miocárdio. No entanto, em muitos pacientes com angina estável e candidatos à estratégia combinada há poucos dados, com grupo controle, suportando o uso desse procedimento.

No presente estudo, avaliaremos a segurança e a eficácia da intervenção coronária percutânea ad hoc em pacientes com angina estável, comparando-a à estratégia de cateterismo cardíaco e angioplastia coronária realizados de forma estagiada. É o mais recente estudo, pelo menos do nosso conhecimento, avaliando a intervenção coronária percutânea ad hoc somente em pacientes estáveis, na era dos stents, das grandes incorporações farmacológicas e do refinamento das técnicas de intervenção.

MÉTODO

Desenho do estudo

Estudo randomizado, realizado no período de janeiro de 2005 a agosto de 2008, no Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital do Coração de Sobral, Ceará, desenhado para avaliar a segurança e a eficácia da intervenção coronária percutânea ad hoc em pacientes com angina estável submetidos a cateterismo cardíaco. Os pacientes foram randomizados para cateterismo cardíaco e angioplastia coronária realizados na mesma sessão (intervenção coronária percutânea ad hoc) ou realizados de forma estagiada em dias diferentes. A randomização foi realizada por meio de sorteio de envelopes lacrados imediatamente após a realização da cinecoronariografia e da decisão de que a intervenção coronária percutânea seria a mais adequada estratégia de tratamento para o paciente.

O desfecho primário do estudo foi a composição de complicações maiores durante a fase hospitalar e definidas como: 1) morte cardíaca; 2) infarto agudo do miocárdio evidenciado pelo aumento da creatina quinase fração MB (CK-MB) de pelo menos três vezes o valor normal de referência ou a ocorrência de novas ondas Q no eletrocardiograma dentro de 24 horas do procedimento10; 3) cirurgia cardíaca de urgência como resultado do procedimento; 4) acidente vascular cerebral definido como déficit motor com duração superior a 24 horas ou pela presença de nova área de infarto cerebral por técnicas de imagem, independentemente da duração dos sintomas10; ou 5) complicações hemorrágicas relacionadas ao local do acesso vascular (hematomas > 10 cm, sangramentos que necessitaram de reparo cirúrgico e/ou de transfusão de sangue).

Todos os pacientes que participaram da pesquisa assinaram o termo de consentimento esclarecido, e o protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética local.

População em estudo

Participou do estudo uma população de pacientes com angina estável e/ou assintomáticos submetidos a testes provocadores de isquemia positivos. Os pacientes incluídos evidenciavam, na angiografia coronária quantitativa, estenoses coronárias superiores a 70% e associadas a evidências objetivas de isquemia miocárdica significativa.

Foram excluídos os pacientes com contraindicação ao uso de heparina, aspirina ou tienopiridínicos, os portadores de trombocitopenia e/ou diátese hemorrágica e os pacientes com lesões reestenóticas com indicação de intervenção coronária percutânea. Para cada paciente, dados demográficos, clínicos, angiográficos e relacionados ao procedimento foram prospectivamente coletados e armazenados em um banco de dados. Os eventos cardíacos adversos maiores durante a fase hospitalar (morte cardíaca, cirurgia cardíaca de urgência, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral e complicações hemorrágicas) foram da mesma forma documentados.

Procedimentos da cinecoronariografia e da intervenção coronária percutânea

Os procedimentos foram realizados de forma rotineira através da artéria femoral. Ao realizar a intervenção coronária percutânea, após a canulação da artéria, todos os pacientes receberam heparina não-fracionada intravenosa (100 UI/kg) e ajustada a atingir tempo de coagulação ativada de 225 s a 300 s durante a intervenção. Todos os pacientes foram tratados com stent intracoronário e com drogas costumeiramente utilizadas na intervenção coronária percutânea, como ácido acetilsalicílico, clopidogrel ou ticlopidina. O uso ou não de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa ficou a critério do cardiologista intervencionista que realizou o procedimento.

Foi definido como sucesso do procedimento estenose residual inferior a 20% na presença de fluxo TIMI grau 3, sem a presença de eventos cardíacos maiores (morte, infarto agudo do miocárdio ou cirurgia cardíaca de urgência) ou oclusão do vaso culpado durante a hospitalização10.

A fração de ejeção do ventrículo esquerdo foi calculada por meio do delineamento da ventriculografia esquerda, em diástole e em sístole, na projeção oblíqua anterior direita.

Análise estatística

Os valores das variáveis contínuas foram apresentados como média ± desvio padrão. Para verificar a associação entre variáveis categorizadas usaram-se os testes exato de Fisher e qui-quadrado de Pearson. A estimativa do odds ratio (OR) foi realizada para os fatores que se associaram ao nível de significância de 5% com o composto de morte, infarto agudo do miocárdio, cirurgia de urgência, acidente vascular cerebral e complicações hemorrágicas. As variáveis quantitativas foram descritas por meio de medidas de tendência central, de variabilidade e medidas de separatrizes. Os testes t de Student e Mann-Whitney foram usados para a comparação de duas médias. Por meio da regressão logística, pelo método stepwise backward e usando-se a estatística de Wald, a análise de fatores de risco foi realizada para os desfechos clínicos de morte cardíaca, infarto agudo do miocárdio, cirurgia de urgência, acidente vascular cerebral e complicações hemorrágicas.

RESULTADOS

Entre janeiro de 2005 e agosto de 2008, foram randomizados 651 pacientes com angina estável submetidos a cinecoronariografia para intervenção coronária percutânea ad hoc ou intervenção coronária percutânea estagiada. No mesmo período, foram realizadas, na instituição, 2.197 intervenções coronárias percutâneas. As características clínicas dos pacientes são demonstradas na Tabela 1. À exceção da idade significativamente maior (67 ± 10 anos vs. 65 ± 12 anos; P = 0,047) e da maior incidência de hipertensão arterial sistêmica (67,9% vs. 58,4%; P = 0,012) no grupo da intervenção coronária percutânea ad hoc e do maior número de pacientes com história familiar de doença arterial coronária (17,1% vs. 10,6%; P = 0,018) no grupo da intervenção coronária percutânea estagiada, os dois grupos analisados exibiram características clínicas similares. A quantidade de pacientes com características de alto risco, como angina classe IV ou insuficiência renal, não foi significativamente diferente entre os grupos.

A Tabela 2 exibe as características angiográficas. Observa-se, no grupo dos pacientes tratados com intervenção coronária percutânea estagiada, presença significativamente maior de lesões do tipo B (58,4% vs. 46,2%; P = 0,002). O grupo de pacientes tratados com intervenção coronária percutânea ad hoc evidencia tendência para maior presença de doença coronária multiarterial (33,7% vs. 26,8%; P = 0,061). Quanto ao volume de contraste utilizado no procedimento, observa-se quantidade significativamente maior nos pacientes tratados com intervenção coronária percutânea ad hoc (141,3 ± 9,6 ml vs. 137 ± 8,26 ml; P < 0,001).

A presença do desfecho primário, definido como a composição de morte, infarto agudo do miocárdio, cirurgia cardíaca de urgência ou complicações hemorrágicas, foi similar nos dois grupos (2,9% no grupo da intervenção coronária percutânea ad hoc vs. 4,4% no grupo da intervenção coronária percutânea estagiada; P = 0,406). A análise isolada dos eventos maiores não evidencia diferenças significativas nas taxas hospitalares de morte por causa cardíaca (1% para o grupo da intervenção coronária percutânea ad hoc vs. 0,3% para o grupo da intervenção coronária percutânea estagiada; P = 0,354), de infarto agudo do miocárdio (1,3% para o grupo da intervenção coronária percutânea ad hoc vs. 1,2% para o grupo da intervenção coronária percutânea estagiada; P > 0,99), de acidente vascular cerebral (0,3% para o grupo da intervenção coronária percutânea ad hoc vs. 0,3% para o grupo da intervenção coronária percutânea estagiada; P > 0,99) e de cirurgia cardíaca de urgência (Tabela 3). No entanto, a taxa de complicações hemorrágicas relacionadas ao acesso vascular foi significativamente maior no grupo de pacientes submetidos a intervenção coronária percutânea estagiada (1% vs. 3,5%; P = 0,035).

Não houve diferença significativa nas taxas de sucesso do procedimento (97,8% para o grupo da intervenção coronária percutânea ad hoc vs. 98,2% para o grupo da intervenção coronária percutânea estagiada; P = 0,782). A quantidade de pacientes que fizeram uso de inibidor da glicoproteína IIb/IIIa não diferiu de forma significativa entre os grupos.

Quanto à deterioração da função renal pós-procedimento, definida como a incidência de elevação dos níveis de creatinina > 0,5 mg/dl, os dois grupos tiveram taxas similares (5,4% para o grupo da intervenção coronária percutânea ad hoc vs. 4,4% para o grupo da intervenção coronária percutânea estagiada; P = 0,589).

Pela análise multivariada, os seguintes fatores foram preditores independentes do desfecho primário: infarto agudo do miocárdio prévio (OR = 6,28; IC 95% 1,6224,36; P = 0,008), vasculopatia periférica (OR = 16,97; IC 95% 6,39-45,01; P = 0,0001) e doença arterial coronária multiarterial (OR = 13,97; IC 95% 3,65-53,50; P = 0,0001) (Tabela 4). O tipo de procedimento adotado na pesquisa, se ad hoc ou estagiado, não se mostrou preditor independente para o desfecho primário.

DISCUSSÃO

O principal resultado deste estudo é o seguinte: a realização da angiografia coronária e da intervenção coronária percutânea na mesma sessão é segura e eficaz em pacientes com angina estável. Além do mais, quando comparada à estratégia estagiada, a intervenção coronária percutânea ad hoc demonstrou taxa significativamente menor de complicações hemorrágicas relacionadas ao acesso vascular.

Os pontos de maior relevância do presente estudo, a demonstração da intervenção coronária percutânea ad hoc como estratégia segura e eficaz e a vantagem de estar associada a taxa de complicações vasculares significativamente menor comparada à intervenção coronária percutânea estagiada, têm sido frequentemente confirmados em estudos prévios que diferem principalmente desta pesquisa por serem não-randomizados, em sua quase totalidade, e por não avaliarem de forma específica os pacientes com angina estável11-14. Em um desses estudos, Shubrooks et al.15 avaliaram o desempenho da intervenção coronária percutânea ad hoc em

1.748 pacientes, comparando-os com 2.388 pacientes submetidos a intervenção coronária percutânea estagiada. Dentre os pacientes tratados com intervenção coronária percutânea ad hoc, 20% tinham como principal indicação a angina estável. Os resultados hospitalares da intervenção coronária percutânea ad hoc comparados aos da intervenção coronária percutânea estagiada também foram similares quanto ao sucesso do procedimento (93,7% vs. 93,6%) e às incidências de morte (0,6% vs. 0,5%), de infarto agudo do miocárdio (2,4% vs. 2,1%) e de cirurgia de emergência (0,9% vs. 0,8%). Um achado relevante desse estudo e que vem ao encontro de nossa pesquisa é a taxa de complicações vasculares significativamente menor no grupo de pacientes tratados com intervenção coronária percutânea ad hoc (0,63% vs. 1,55%; P = 0,006). Mais recentemente, Krone et al.16 avaliaram o desempenho da intervenção coronária percutânea ad hoc em uma grande população de pacientes somente com angina estável e a compararam com a intervenção coronária percutânea estagiada. Como no nosso estudo, a intervenção coronária percutânea ad hoc cursou com alta taxa de sucesso do procedimento e não demonstrou diferenças significativas nas taxas de morte, acidente vascular cerebral e insuficiência renal.

Diante desses dados, a questão que emerge é a seguinte: a intervenção coronária percutânea ad hoc pode ser sistematicamente recomendada aos pacientes com angina estável? Talvez nosso estudo seja o único de caráter randomizado e especificamente desenhado para avaliar esses pacientes. No entanto, sua natureza unicêntrica restringe o poder de seus resultados. Em 2004, a Society for Cardiovascular Angiography and Interventions (SCAI), a American Heart Association e o American College of Cardiology publica-ram um conjunto de sugestões para a seleção de pacientes para intervenção coronária percutânea ad hoc17. Nesse documento, a utilização para os pacientes com angina estável se restringiu àqueles com lesões reestenóticas, com características clínicas de baixo risco ou com lesões angiograficamente não complexas. Nosso posicionamento diante de todos os dados atualmente disponíveis, especialmente os que estamos expondo, é que a intervenção coronária percutânea ad hoc pode ser utilizada na maioria dos pacientes que se apresentam com angina estável. Nos últimos anos, essa estratégia tem se tornado cada vez mais comum em nosso cotidiano. A melhoria em nossas habilidades técnicas, equipamentos e instrumentais disponíveis, sobretudo o emprego sistemático dos stents, e a incorporação de protocolos amplamente validados têm garantido a segurança e a eficácia ao procedimento combinado. No entanto, alguns pressupostos devem ser rigorosamente atendidos: a) adequada discussão com o paciente, familiares e corpo clínico/cirúrgico sobre as possíveis estratégias de revascularização; b) garantia de retaguarda cirúrgica, apesar de cada vez menos atuante em nossos serviços; e c) paciente apropriadamente preparado: pré-tratamento antiplaquetário, sobretudo diante do emprego de stents farmacológicos, e preparo renal nos pacientes de alto risco para nefropatia induzida pelo contraste.

Os resultados aqui apresentados demonstram que o sucesso, a eficácia e a segurança da intervenção coronária percutânea não estão relacionados à escolha das estratégias ad hoc ou estagiada. Como evidenciado na análise multivariada, foram as características clínicas dos pacientes, como presença de infarto agudo do miocárdio prévio, vasculopatia periférica ou doença coronária multiarterial, que determinaram o desempenho da intervenção coronária percutânea. Essa evidência também é suportada no estudo de Krone et al.16, ao demonstrarem que a intervenção coronária percutânea ad hoc não se apresentou como variável independentemente relacionada ao sucesso e às complicações do procedimento.

Limitações do estudo

A principal limitação deste estudo é ter sido realizado em um único centro.

CONCLUSÕES

A realização da angiografia coronária e da intervenção coronária percutânea na mesma sessão é tão segura e eficaz quanto a intervenção coronária percutânea estagiada em pacientes com angina estável. Além do mais, quando comparada à estratégia estagiada, a intervenção coronária percutânea ad hoc demonstrou taxa significativamente menor de complicações hemorrágicas relacionadas ao acesso vascular.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declararam inexistência de conflito de interesses.

Recebido em: 5/3/2009

Aceito em: 3/5/2009

  • 1. Feldman RL, MacDonald RG, Hill JA, Conti R, Pepine CJ, Carmichael MJ, et al. Coronary angioplasty at the time of initial cardiac catheterization. Cathet Cardiovasc Diagn. 1986;12(4):219-22.
  • 2. Myler RK, Stertzer SH, Clark DA, Shaw RE, Fishman-Rosen J, Murphy MC. Coronary angioplasty at the time of initial cardiac catheterization: "ad hoc" angioplasty possibilities and challenges. Cathet Cardiovasc Diagn. 1986;12(4):213-4.
  • 3. Haraphongse M, Tymchak W, Rossall RE. Coronary angioplasty at the time of initial diagnostic coronary angiography in patients with unstable angina. Cathet Cardiovasc Diagn. 1988;14(2):73-5.
  • 4. O'Keefe JH Jr, Reeder GS, Miller GA, Bailey KR, Holmes DR Jr. Safety and efficacy of percutaneous transluminal coronary angioplasty performed at time of diagnostic catheterization compared with that performed at other times. Am J Cardiol. 1989;63(1):27-9.
  • 5. O'Keefe JH Jr, Gernon C, McCallister BD, Ligon RW, Hartzler GO. Safety, and cost effectiveness of combined coronary angiography and angioplasty. Am Heart J. 1991;122(1 Pt 1):50-4.
  • 6. Rozenman Y, Gilon D, Zelingher J, Lotan C, Mosseri M, Geist M, et al. One-stage coronary angiography and angioplasty. Am J Cardiol. 1995;75(1):30-3.
  • 7. Kimmel SE, Berlin JA, Hennessy S, Strom BL, Krone RJ, Laskey WK. Risk of major complications from coronary angioplasty performed immediately after diagnostic coronary angiography: results from the Registry of the Society for Cardiac Angiography and Interventions. J Am Coll Cardiol. 1997;30(1):193-200.
  • 8. Adele C, Vaitkus PT, Wells SK, Zehnacker JB. Cost advantages of an ad hoc angioplasty strategy. J Am Coll Cardiol. 1998;31(2):321-5.
  • 9. Goldstein CL, Racz M, Hannan EL. Impact of cardiac catheterization-percutaneous coronary intervention timing on in-hospital mortality. Am Heart J. 2002;144(4):561-7.
  • 10. Smith SC Jr, Feldman TE, Hirshfeld JW Jr, Jacobs AK, Kern MJ, King SB 3rd, et al. ACC/AHA/SCAI 2005 Guideline Update for Percutaneous Coronary Intervention - Summary Article. J Am Coll Cardiol. 2006;47:e1-e121.
  • 11. Blankenship JC, Mishkel GJ, Chambers CE, Hodgson JM, Holmes DR, Sheldon W, et al. ad hoc coronary intervention. Catheter Cardiovasc Interv. 2000;49(2):130-4.
  • 12. Hill JA. Single-stage coronary angiography and angioplasty: a new standard? Am J Cardiol. 1995;75(1):75-6.
  • 13. Rozenman Y, Gotsman MS, Penchas S. Single-stage coronary angiography and angioplasty: a new standard. Am J Cardiol. 1995;76(17):1321.
  • 14. Blankenship JC. Ethics in interventional cardiology: combining coronary intervention with diagnostic catheterization. Am Heart Hosp J. 2004;2(1):52-4.
  • 15. Shubrooks SJ Jr, Malenka DJ, Piper WD, Bradley WA, Watkins MW, Ryan TJ, et al. Safety and efficacy of percutaneous coronary interventions performed immediately after diagnostic catheterization in northern New England and comparison with similar procedures performed later. Am J Cardiol. 2000;86(1):41-5.
  • 16. Krone RJ, Shaw RE, Klein LW, Blankenship JC, Weintraub WS. ad hoc percutaneous coronary interventions in patients with stable coronary artery disease - a study of prevalence, safety, and variation in use from the American College of Cardiology National Cardiovascular Data Registry (ACCNCDR). Catheter Cardiovasc Interv. 2006;68(5):696-703.
  • 17. Blankenship JC, Klein LW, Laskey WK, Krone RJ, Dehmer GJ, Chambers C, et al. SCAI statement on ad hoc versus the separate performance of diagnostic cardiac catheterization and coronary intervention. Catheter Cardiovasc Interv. 2004;63(4):444-51.
  • Correspondência:

    José Klauber Roger Carneiro
    Alameda Amazonas, 247 - Colina
    Sobral, CE, Brasil - CEP 62040-300
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2009

    Histórico

    • Aceito
      03 Maio 2009
    • Recebido
      05 Mar 2009
    Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista - SBHCI R. Beira Rio, 45, 7o andar - Cj 71, 04548-050 São Paulo – SP, Tel. (55 11) 3849-5034, Fax (55 11) 4081-8727 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: sbhci@sbhci.org.br