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Seleção de pacientes diabéticos para angioplastia: ampliando o espectro de pacientes

Selection of diabetic patients for angioplasty: expanding patient spectrum

EDITORIAL

Seleção de pacientes diabéticos para angioplastia - ampliando o espectro de pacientes

Selection of diabetic patients for angioplasty - expanding patient spectrum

Claudia Maria Rodrigues Alves

Universidade Federal de São Paulo - São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Claudia Maria Rodrigues Alves Rua Simão Álvares, 527/63 - Pinheiros São Paulo, SP, Brasil - CEP 05417-030 E-mail: cmralves@uol.com.br

O diabetes melito é preditor de pior evolução após angioplastia coronária. Pacientes diabéticos apresentam lesões mais complexas, mais frequentes e evoluem com altas taxas de reestenose após angioplastia coronária com balão ou stent convencional.1 A introdução de stents farmacológicos modificou a evolução desses pacientes, reduzindo as taxas de reestenose, revascularização da artéria e lesão-alvo, tanto em pacientes insulino-dependentes quanto em não-insulino-dependentes.2-4 Ao reduzir a relação direta entre menor diâmetro do vaso/maior extensão da lesão com maiores taxas de reestenose (muitas vezes inaceitáveis na angioplastia coronária por balão ou stent convencional), ampliou o grupo de pacientes considerados para angioplastia coronária.

Em trabalho publicado nesta edição da Revista Brasileira de Cardiologia Invasiva, Tanajura et al.5 apresentam os perfis clínico e angiográfico dos pacientes diabéticos submetidos a angioplastia coronária em dois triênios recentes e consecutivos, arbitrariamente divididos pela disponibilidade de stents farmacológicos. Como o trabalho foi realizado em instituição pública e o sistema público de saúde ainda não contempla o pagamento desse dispositivo, a maior disponibilidade de stents farmacológicos no segundo triênio resultou do aumento de doações, da inclusão em estudos randomizados e de uma pequena parcela de pacientes privados, não sendo seu uso baseado em critérios uniformes. Os autores relatam a maior frequência de uso do dispositivo (23,3% vs. 9,4%; P < 0,0001) e a maior gravidade tanto clínica como angiográfica observadas nos pacientes tratados no período mais recente. Infelizmente, os autores não citam a frequência de uso do dispositivo nos pacientes não-diabéticos, o perfil angiográfico destes últimos nos dois períodos e tampouco é explorada a diferença entre os perfis angiográficos dos pacientes diabéticos que efetivamente utilizaram o stent farmacológico em comparação com os 77% de pacientes que utilizaram o stent convencional no último triênio. Assumindo-se que as diferenças notadas entre os dois períodos sejam resultado apenas da introdução dos stents farmacológicos no armamentário terapêutico e de seu uso em uma ainda pequena proporção dos pacientes (o que é duvidoso), uma série de especulações pode ser derivada desses achados e do que é o conhecimento atual.

Contraintuitivamente, não é o critério anatômico o ganho principal nos pacientes com diabetes melito - obviamente, vasos finos e lesões longas também tiveram seu tratamento ampliado no grupo de pacientes não-diabéticos. Essa flexibilização da anatomia considerada adequada para angioplastia permitiu também o tratamento de pacientes geralmente multiarteriais, em subgrupos de alto risco cirúrgico, nos quais uma das lesões ou a lesão culpada eram anatomicamente desfavoráveis. É a inclusão de grupos clínicos de maior gravidade, nos quais se supõe um tratamento percutâneo ideal, que se destaca como uma evolução. Como demonstrado por Tanajura et al.5, mais pacientes multiarteriais, insulino-dependentes, com falência ventricular ou renais crônicos estão sendo considerados para o procedimento. A redução da frequência de reestenose e sua gravidade anatômica foi passo importante para essa mudança do perfil da população e não necessita de maior defesa.

A baixa mortalidade intra-hospitalar da angioplastia coronária, mantida nos grupos de alto risco clínico, acompanhada da redução da chance para conversão cirúrgica em caso de reestenose6,7 têm sido fator decisivo nessa transformação do perfil demográfico, quando as dificuldades anatômicas da intervenção percutânea vão sendo vencidas. Especialmente nos hospitais públicos, taxas de mortalidade na revascularização cirúrgica são muito variáveis conforme a condição basal do paciente, o volume de casos e a experiência da instituição, desfavorecendo a indicação eletiva do procedimento.8

Grandes registros retrospectivos, de relato voluntário, ainda não demonstraram esse aumento da proporção de diabéticos sendo tratados por intervenção.6,9 No registro do Estado de Nova York (Estados Unidos)6, englobando uma análise de mais de 10 mil pacientes em cada período, pré e pós-introdução de stents farmacológicos, cerca de 25% de pacientes diabéticos estavam presentes em cada grupo. No registro CRUSADE9, incluindo apenas pacientes com síndrome coronária aguda, tanto em pacientes uni quanto multiarteriais, a proporção de diabéticos pré e pós-introdução de stents farmacológicos foi semelhante (de 31% a 38%). Esses números são semelhantes aos 29% de diabéticos observados por Tanajura et al.5 e são relativamente repetitivos em diversas séries. Têm influência relevante nesse retardo do aumento da proporção de diabéticos, que, acredito, ainda está por surgir nos registros, o aspecto econômico do alto preço dos stents farmacológicos e a frequente necessidade de múltiplos stents nesse grupo, persistindo a presença de doença triarterial como forte preditor de escolha por revascularização cirúrgica.10 No estudo BARI 2D10, entre pacientes diabéticos selecionados a partir da presença de doença arterial coronária em pelo menos uma artéria, formando um grupo com mais de 60% de pacientes multiarteriais, a opção por cirurgia já ocorreu na minoria dos pacientes diabéticos (44% cirúrgicos vs. 56% para intervenção percutânea). Certamente, a decisão médica ainda é fortemente influenciada pela incerteza quanto ao desfecho de morte tardia nos pacientes tratados por intervenção.11 A capacidade de prover revascularização completa funcional no paciente diabético deve, portanto, ser considerada como uma obrigação na angioplastia coronária12, lembrando-se que essa é uma população que inclui cerca de 65% de pacientes multiarteriais, 25% de lesões do tipo C, e com 10% de oclusões totais ao tempo do cateterismo (dados observados na análise angiográfica do BARI 2D).13 Em Tanajura et al.5, altas taxas de revascularização completa (65%) são reflexo de um serviço experiente e excelente em intervenção, bem como da presença de "apenas" 40% de pacientes multiarteriais (com 12% de intervenção em múltiplos vasos).

Neste momento, dados de diferentes trabalhos com pacientes diabéticos começam a se somar e formar um quadro um pouco mais claro quanto à comparação entre angioplastia e cirurgia e resultados tardios usando stents farmacológicos14-17, embora respostas mais consistentes devam aguardar a publicação do estudo FREEDOM e de outros estudos randomizados. Em conjunto, esses estudos apontam para superior segurança e eficácia dos stents farmacológicos comparativamente ao stent convencional e similaridade de resultados para os dois procedimentos quando excluímos casos de maior complexidade anatômica.

A capacidade de tratar percutaneamente lesões mais complexas e um número maior de lesões no paciente diabético, especialmente de alto risco cirúrgico, é um avanço espetacular. Seu uso racional, moderado e embasado nas melhores evidências provavelmente ainda modificará muitos dos números aqui citados e salvará vidas. Entretanto, esse avanço, que para muitos pacientes diabéticos é o "futuro promissor" que esperávamos há poucos anos, só poderá ser comemorado quando a tecnologia estiver disponível para tantos quantos dela necessitarem, no sistema privado e no sistema público de saúde.

CONFLITO DE INTERESSES

A autora declarou inexistência de conflito de interesses relacionado a este artigo.

Recebido em: 25/5/2010

Aceito em: 26/5/2010

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  • Correspondência:

    Claudia Maria Rodrigues Alves
    Rua Simão Álvares, 527/63 - Pinheiros
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2010
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