Acessibilidade / Reportar erro

Incidência de distúrbios da condução atrioventricular e intraventricular após implante percutâneo da bioprótese valvar aórtica CoreValve

Incidence of atrioventricular and intraventricular conduction disorders after transcatheter aortic valve implantation with the CoreValve bioprosthesis

Resumos

INTRODUÇÃO: O sistema de condução localizado no septo interventricular encontra-se anatomicamente contíguo ao anel valvar aórtico. Por isso, distúrbios na condução atrioventricular e intraventricular podem decorrer de inflamação, edema e estresse mecânico causados pelas hastes metálicas da bioprótese CoreValve. O objetivo deste estudo foi avaliar a incidência de distúrbios da condução atrioventricular e intraventricular após implante percutâneo da CoreValve MÉTODO: Entre janeiro de 2008 e abril de 2010, 23 pacientes portadores de estenose aórtica foram submetidos a implante da CoreValve. A média de idade foi de 81 ± 8,3 anos, e 12 (52,1%) pacientes eram do sexo masculino RESULTADOS: Após o implante valvar, constataram-se as seguintes alterações na condução atrioventricular: 3 (13%) bloqueios atrioventriculares totais, 2 (8,7%) bloqueios atrioventriculares de 2º grau e 8 (34,8%) bloqueios atrioventriculares de 1º grau, sendo 4 (17,4%) novos e 4 preexistentes. Assim, distúrbios de condução mais avançados, como bloqueio atrioventricular de 2º grau e/ou bloqueio atrioventricular total ocorreram em 5 (21,7%) pacientes. Em relação aos distúrbios da condução intraventricular pós-implante, foram detectados 14 (60,9%) bloqueios completos de ramo esquerdo, sendo 2 (8,7%) com bloqueio completo de ramo direito e bloqueio completo de ramo esquerdo alternante. Nesta série, 7 (30,4%) pacientes foram submetidos a implante de marca-passo permanente, 6 (26,1%) deles por indicação absoluta. Todos os pacientes que apresentavam bloqueio completo de ramo direito antes do procedimento necessitaram do marca-passo permanente CONCLUSÃO: Distúrbios da condução atrioventricular e, principalmente, bloqueio de ramo esquerdo são comuns após implante percutâneo da bioprótese CoreValve. O implante de marcapasso permanente é necessário em aproximadamente um quarto dos casos. A presença de bloqueio completo de ramo direito pré-implante valvar está relacionada a maior risco de desenvolvimento de distúrbios da condução de grau avançado.

Estenose da valva aórtica; Próteses valvulares cardíacas; Marca-passo artificial; Bloqueio cardíaco


BACKGROUND: There is a close anatomical relationship between the aortic valve annulus and the conduction system. Therefore, atrioventricular and intraventricular conduction disorders may occur as a result of inflammation, edema and mechanical stress caused by the metallic struts of the CoreValve bioprosthesis. The objective of this study was to evaluate the incidence of atrioventricular and intraventricular conduction disorders after percutaneous CoreValve implantation METHOD: Between January 2008 and April 2010, 23 patients with aortic stenosis were submitted to CoreValve bioprosthesis implantation. Mean age was 81 ± 8.3 years and 12 (52.1%) patients were male RESULTS: After valve implantation, the following atrioventricular conduction disorders were observed: 3 (13%) complete atrioventricular blocks, 2 (8.7%) 2nd degree atrioventricular blocks and 8 (34.8%) 1st degree atrioventricular blocks, of which 4 (17.4%) were new and 4 were preexisting. Therefore, advanced conduction disorders, such as 2nd degree atrioventricular block and/or complete atrioventricular block were observed in 5 (21.7%) patients. As to post-implant intraventricular conduction disorders, 14 (60.9%) left bundle branch blocks were observed, 2 (8.7%) of them with alternating right bundle branch block and left bundle branch block. In this series, 7 (30.4%) patients received a permanent pacemaker, 6 (26.1%) of them with absolute indication. All of the patients with right bundle branch block before the procedure required permanent pacemaker implantation CONCLUSION: Atrioventricular conduction disorders and, specially, left bundle branch block are common after percutaneous implantation of the CoreValve prosthesis. Permanent pacemaker is required in approximately one fourth of the cases. The presence of pre-implant right bundle branch block is related to a greater risk of developing advanced conduction disorders.

Aortic valve stenosis; Heart valve prosthesis; Pacemaker, artificial; Heart block


ARTIGO ORIGINAL

Incidência de distúrbios da condução atrioventricular e intraventricular após implante percutâneo da bioprótese valvar aórtica CoreValve

Incidence of atrioventricular and intraventricular conduction disorders after transcatheter aortic valve implantation with the CoreValve bioprosthesis

Fábio Sândoli de Brito Jr.; Marco Perin; Breno O. Almeida; Alexandre Abizaid; Marco Aurélio M. Pereira; Adriano Caixeta; Teresa Cristina Nascimento; Elyana R. Santos; Ivanise Gomes; Flávio Tarasoutchi; Romeu Meneghelo; Fábio Sândoli de Brito

Hospital Israelita Albert Einstein - São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Fábio Sândoli de Brito Jr Av. Albert Einstein, 627 - Morumbi São Paulo, SP, Brasil - CEP 05652-000 E-mail: fsbrito@einstein.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: O sistema de condução localizado no septo interventricular encontra-se anatomicamente contíguo ao anel valvar aórtico. Por isso, distúrbios na condução atrioventricular e intraventricular podem decorrer de inflamação, edema e estresse mecânico causados pelas hastes metálicas da bioprótese CoreValve. O objetivo deste estudo foi avaliar a incidência de distúrbios da condução atrioventricular e intraventricular após implante percutâneo da CoreValve

MÉTODO: Entre janeiro de 2008 e abril de 2010, 23 pacientes portadores de estenose aórtica foram submetidos a implante da CoreValve. A média de idade foi de 81 ± 8,3 anos, e 12 (52,1%) pacientes eram do sexo masculino

RESULTADOS: Após o implante valvar, constataram-se as seguintes alterações na condução atrioventricular: 3 (13%) bloqueios atrioventriculares totais, 2 (8,7%) bloqueios atrioventriculares de 2º grau e 8 (34,8%) bloqueios atrioventriculares de 1º grau, sendo 4 (17,4%) novos e 4 preexistentes. Assim, distúrbios de condução mais avançados, como bloqueio atrioventricular de 2º grau e/ou bloqueio atrioventricular total ocorreram em 5 (21,7%) pacientes. Em relação aos distúrbios da condução intraventricular pós-implante, foram detectados 14 (60,9%) bloqueios completos de ramo esquerdo, sendo 2 (8,7%) com bloqueio completo de ramo direito e bloqueio completo de ramo esquerdo alternante. Nesta série, 7 (30,4%) pacientes foram submetidos a implante de marca-passo permanente, 6 (26,1%) deles por indicação absoluta. Todos os pacientes que apresentavam bloqueio completo de ramo direito antes do procedimento necessitaram do marca-passo permanente

CONCLUSÃO: Distúrbios da condução atrioventricular e, principalmente, bloqueio de ramo esquerdo são comuns após implante percutâneo da bioprótese CoreValve. O implante de marcapasso permanente é necessário em aproximadamente um quarto dos casos. A presença de bloqueio completo de ramo direito pré-implante valvar está relacionada a maior risco de desenvolvimento de distúrbios da condução de grau avançado.

Descritores: Estenose da valva aórtica. Próteses valvulares cardíacas. Marca-passo artificial. Bloqueio cardíaco.

ABSTRACT

BACKGROUND: There is a close anatomical relationship between the aortic valve annulus and the conduction system. Therefore, atrioventricular and intraventricular conduction disorders may occur as a result of inflammation, edema and mechanical stress caused by the metallic struts of the CoreValve bioprosthesis. The objective of this study was to evaluate the incidence of atrioventricular and intraventricular conduction disorders after percutaneous CoreValve implantation

METHOD: Between January 2008 and April 2010, 23 patients with aortic stenosis were submitted to CoreValve bioprosthesis implantation. Mean age was 81 ± 8.3 years and 12 (52.1%) patients were male

RESULTS: After valve implantation, the following atrioventricular conduction disorders were observed: 3 (13%) complete atrioventricular blocks, 2 (8.7%) 2nd degree atrioventricular blocks and 8 (34.8%) 1st degree atrioventricular blocks, of which 4 (17.4%) were new and 4 were preexisting. Therefore, advanced conduction disorders, such as 2nd degree atrioventricular block and/or complete atrioventricular block were observed in 5 (21.7%) patients. As to post-implant intraventricular conduction disorders, 14 (60.9%) left bundle branch blocks were observed, 2 (8.7%) of them with alternating right bundle branch block and left bundle branch block. In this series, 7 (30.4%) patients received a permanent pacemaker, 6 (26.1%) of them with absolute indication. All of the patients with right bundle branch block before the procedure required permanent pacemaker implantation

CONCLUSION: Atrioventricular conduction disorders and, specially, left bundle branch block are common after percutaneous implantation of the CoreValve prosthesis. Permanent pacemaker is required in approximately one fourth of the cases. The presence of pre-implant right bundle branch block is related to a greater risk of developing advanced conduction disorders.

Key-words: Aortic valve stenosis. Heart valve prosthesis. Pacemaker, artificial. Heart block.

A estenose valvar aórtica degenerativa associa-se a distúrbios da condução atrioventricular e intraventricular do estímulo cardíaco.1,2 Estudos de eletrofisiologia demonstraram aumento dos intervalos PR, AH e HV nessa população.3,4 Após a substituição cirúrgica da valva aórtica, os distúrbios de condução intraventricular ocorrem em até 33% dos pacientes e o implante de marca-passo permanente é necessário em 3% a 8% dos casos.5-10 Esses distúrbios de condução são explicados pela proximidade anatômica do ânulo valvar aórtico com o sistema elétrico de condução.11

O implante percutâneo de biopróteses valvares é uma alternativa recente à substituição cirúrgica da valva aórtica em pacientes portadores de estenose aórtica sintomática com alto risco cirúrgico.12-15 Esse tipo de procedimento também pode causar distúrbios da condução atrioventricular e intraventricular.13-18 O presente estudo visa a avaliar a incidência desses distúrbios de condução e a necessidade de implante de marcapasso permanente após o implante da bioprótese CoreValve.

MÉTODO

Entre janeiro de 2008 e abril de 2010, 27 pacientes consecutivos portadores de estenose aórtica sintomática foram submetidos a implante percutâneo da bioprótese CoreValve. Destes, 4 foram excluídos da análise, 2 por terem falecido durante o procedimento e 2 por serem portadores de marca-passo permanente. Os registros eletrocardiográficos dos demais 23 pacientes, obtidos antes e após o procedimento (durante a internação hospitalar), foram analisados e os novos distúrbios de condução atrioventricular ou intraventricular foram computados. Computaram-se, também, os casos em que, em decorrência desses distúrbios de condução, houve necessidade de implantar marca-passo permanente. No período após o procedimento, em que os pacientes se encontravam com marca-passo transvenoso temporário, o eletrocardiograma, sempre que possível, foi obtido com o marca-passo desligado. As indicações de marca-passo foram classificadas como indiscutíveis (Classe I) apenas quando decorreram de bloqueio atrioventricular de 2º ou 3º graus ou, ainda, de bloqueio de ramo alternante, caracterizando comprometimento avançado do sistema de condução, de acordo com as diretrizes para implante de marca-passo permanente da Sociedade Brasileira de Cardiologia.19

A distância do ânulo valvar até a margem distal das hastes metálicas da CoreValve no interior do ventrículo esquerdo foi medida com angiografia quantitativa, utilizando o sistema CAAS II (Pie Medical, Maastricht, Holanda). Calculou-se, também, a relação entre os diâmetros nominal (26 mm e 29 mm) e real (medido por angiografia quantitativa) da prótese e o tamanho do ânulo valvar (relações prótese nominal/ânulo e prótese real/ânulo). Nesse caso, o tamanho da prótese refere-se ao diâmetro de seu terço distal, dotado de grande força radial para fixar suas hastes metálicas na via de saída do ventrículo esquerdo. O tamanho do anel foi medido pela angiotomografia no plano de inserção dos folhetos da valva aórtica na via de saída do ventrículo esquerdo (Figura 1).


Análise estatística

As variáveis contínuas estão apresentadas como média e desvio padrão e as variáveis categóricas, como frequências (número e porcentagem). Para as comparações entre grupos, os testes do qui-quadrado ou exato de Fisher foram utilizados para a análise de variáveis categóricas. Para variáveis contínuas, utilizou-se o teste t de Student. Valores de P < 0,05 foram considerados significantes.

RESULTADOS

As características demográficas e clínicas e os dados do procedimento dos 23 pacientes incluídos nesta análise estão apresentados na Tabela 1.

Os dados eletrocardiográficos obtidos antes e após o implante da bioprótese CoreValve estão sumarizados na Tabela 2. Na avaliação eletrocardiográfica pré-implante, detectou-se, em relação à condução atrioventricular, 4 (17,4%) casos com bloqueio atrioventricular de 1º grau. Em relação à condução intraventricular, 2 (8,7%) apresentavam bloqueio de ramo direito + bloqueio divisional do fascículo ântero-superior de ramo esquerdo, 1 (4,3%) apenas bloqueio de ramo direito e 4 (17,4%) apenas bloqueio divisional do fascículo ântero-superior de ramo esquerdo.

Após o implante valvar, constataram-se as seguintes alterações na condução atrioventricular: 3 (13%) bloqueio atrioventricular total, 2 (8,7%) bloqueio atrioventricular de 2º grau e 8 (34,8%) bloqueio atrioventricular de 1º grau, sendo 4 (17,4%) novos e 4 preexistentes. Dessa forma, novos distúrbios na condução atrioventricular ocorreram em 9 (39,1%) casos, e distúrbios mais avançados, como bloqueio atrioventricular de 2º grau e/ou bloqueio atrioventricular total, ocorreram em 5 (21,7%) pacientes desta série.

Em relação aos distúrbios da condução intraventricular pós-implante, foram detectados 13 (56,5%) bloqueios de ramo esquerdo, sendo 12 (52,2%) novos (Figura 2) e 1 (4,3%) preexistente, além de 2 (8,7%) casos com bloqueio de ramo direito e bloqueio de ramo esquerdo alternante, ambos em casos com bloqueio de ramo direito preexistente. Assim, novo bloqueio de ramo esquerdo ocorreu em 14 (60,9%) casos, e 3 (75%) dos 4 pacientes que apresentavam bloqueio divisional do fascículo ântero-superior de ramo esquerdo antes do procedimento evoluíram para bloqueio de ramo esquerdo após o implante da bioprótese.


Nesta série, 7 (30,4%) pacientes foram submetidos a implante de marca-passo permanente. As indicações decorreram, em 3 (13%) casos, do desenvolvimento de bloqueio atrioventricular total; em 2 (8,7%), de bloqueio atrioventricular de 2º grau (um deles associado a bloqueio de ramo direito e bloqueio de ramo esquerdo alternante); em 1 (4,3%), de bloqueio atrioventricular de 1º grau associado a bloqueio de ramo direito e bloqueio de ramo esquerdo alternante; e em 1 (4,3%), de bloqueio atrioventricular de 1º grau associado a bloqueio de ramo esquerdo, este último no início de nossa experiência. Posteriormente, outros 4 casos com bloqueio atrioventricular de 1º grau associado a bloqueio de ramo esquerdo não tiveram o marca-passo permanente indicado e tiveram boa evolução clínica, inclusive com regressão do bloqueio atrioventricular de 1º grau documentada em 2 desses pacientes. Dessa forma, a indicação indiscutível de marcapasso permanente nesta série ocorreu em 6 (26,1%) casos. Destaca-se que todos os pacientes que apresentavam bloqueio de ramo direito antes do procedimento necessitaram do marca-passo permanente após o implante da CoreValve (Figura 3), por terem apresentado subsequente distúrbio avançado da condução (1 bloqueio atrioventricular total, 1 bloqueio de ramo direito e bloqueio de ramo esquerdo alternante com bloqueio atrioventricular de 2º grau, e 1 bloqueio de ramo direito e bloqueio de ramo esquerdo alternante com bloqueio atrioventricular de 1º grau).


A distância do ânulo valvar até a extremidade distal da CoreValve no interior do ventrículo esquerdo foi de 12,3 ± 2,5 mm nos pacientes que desenvolveram bloqueio de ramo esquerdo e de 13,5 ± 3,7 mm (P = 0,36) naqueles que não apresentaram esse distúrbio da condução intraventricular. Entre os que receberam marca-passo permanente (indicação absoluta), essa distância foi de 13,4 ± 1,1 mm, em comparação com os demais, em que a distância do ânulo valvar até a extremidade distal da bioprótese foi de 12,5 ± 3,5 mm (P = 0,51). As relações prótese (nominal)/ânulo e prótese (real)/ânulo foram, respectivamente, de 1,2 ± 0,1 e 1 ± 0,1 no grupo que desenvolveu bloqueio de ramo esquerdo, em comparação com 1,2 ± 0,1 (P > 0,99) e 0,9 ± 0,2 (P = 0,12) nos que não apresentaram esse distúrbio da condução intraventricular. Entre os que tiveram indicação formal de implante de marca-passo permanente, as relações foram de 1,2 ± 0,2 e de 0,9 ± 0,1, em comparação aos demais, nos quais essa relação foi de 1,2 ± 0,1 (P > 0,99) e 0,9 ± 0,1 (P > 0,99).

DISCUSSÃO

Os principais achados desta série de casos de implante percutâneo da bioprotése CoreValve são: 1) o desenvolvimento de bloqueio de ramo esquerdo pósimplante é frequente e ocorre em aproximadamente dois terços dos pacientes; 2) o implante de marca-passo permanente é necessário em aproximadamente um quarto dos casos.

A proximidade do ânulo valvar aórtico com o nó atrioventricular, com o feixe de His (septo membranoso) e com os fascículos do ramo esquerdo do feixe de His (região muscular do septo interventricular) pode explicar a fisiopatologia pela qual manipulações ou trauma do ânulo valvar aórtico se associam a distúrbios na condução atrioventricular e intraventricular do estímulo cardíaco.11 Edema, inflamação e isquemia podem resultar da manipulação do ânulo valvar durante o ato cirúrgico ou do estresse mecânico causado pelo implante percutâneo de biopróteses valvares. Nas substituições cirúrgicas da valva aórtica, um terço dos pacientes apresentam distúrbios de condução, e em cerca de 5% há necessidade de implante de marca-passo permanente.5-10 Esses números se assemelham aos relatados com o implante percutâneo ou transapical da prótese EdwardsSapien.20-25 Em nossa casuística com o dispositivo CoreValve, a frequência com que ocorreram esses distúrbios de condução foi mais elevada e os achados do presente estudo estão de acordo com outras publicações recentes em que o marca-passo permanente foi necessário em 20% a 30% dos casos e bloqueio de ramo esquerdo ocorreu em mais da metade dos pacientes.17,23,25-28 É interessante ressaltar que, nesta experiência, entre os pacientes que apresentavam bloqueio divisional do fascículo ântero-superior de ramo esquerdo previamente ao implante, 75% evoluíram para bloqueio de ramo esquerdo, indicando que o acometimento parcial do ramo esquerdo na condição basal favoreceu o desenvolvimento de bloqueio completo desse feixe de condução após o implante da CoreValve. A relevância clínica do desenvolvimento do bloqueio de ramo esquerdo após o implante percutâneo de prótese aórtica permanece desconhecida. Após a substituição cirúrgica da valva aórtica, entretanto, o desenvolvimento de bloqueio de ramo esquerdo associa-se a maior ocorrência de síncope, implante de marca-passo e morte súbita no longo prazo.6,9

Diferentemente de duas outras recentes publicações, em nossa série não detectamos relação entre a profundidade do implante da bioprótese em direção à via de saída do ventrículo esquerdo com os distúrbios de condução do estímulo cardíaco.17,28 Também, não houve associação entre a relação dos diâmetros da prótese e do ânulo valvar (relação prótese/ânulo) com a ocorrência de alterações na condução. A medida da profundidade do implante e as relações prótese/ânulo podem representar a intensidade do estresse mecânico causado pelas hastes metálicas da prótese no septo interventricular e, consequentemente, nos tecidos de condução. A despeito de o presente estudo não demonstrar associação entre essas variáveis e a ocorrência dos distúrbios da condução atrioventricular ou intraventricular após o implante da CoreValve, faz sentido especular que o estresse mecânico das hastes metálicas no septo interventricular seja a causa da maior frequência de ocorrência desses distúrbios com a prótese de nitinol autoexpansível CoreValve, em comparação com a substituição cirúrgica e com a bioprótese balão-expansível Edwards-Sapien.23,25 Com estas últimas,

o trauma ao septo interventricular é menor ou inexistente, pois a fixação desses tipos de prótese restringese ao ânulo valvar, avançando, no máximo, 4 mm a 6 mm na via de saída do ventrículo esquerdo. Parece, portanto, que a simples existência do estresse mecânico no septo interventricular, independentemente de sua extensão e intensidade, pode desencadear alterações nos tecidos de condução, que, dependendo do grau de comprometimento prévio, podem ou não desenvolver alterações na condução elétrica do estímulo cardíaco. Logicamente, como mostram nossos dados e os de outras séries, pacientes com bloqueio de ramo direito prévio são altamente propensos ao desenvolvimento de distúrbios avançados da condução, pois, nesses casos, resta-lhes apenas a condução pelo ramo esquerdo, que, frequentemente, é acometido pelo implante da bioprótese CoreValve.17,25 Por isso, diante desses casos, deve-se ter atenção especial com o posicionamento e a fixação do eletrodo do marca-passo transvenoso provisório e planejar o implante do marcapasso permanente com brevidade, já que é muito provável que, após o implante da prótese CoreValve, o paciente se torne dependente do marca-passo para garantir o ritmo cardíaco.

Limitações do estudo

O presente estudo tem as limitações inerentes ao pequeno número de pacientes analisados. Por esse motivo, não foi possível realizar a análise de regressão logística multivariada para a determinação dos preditores independentes da ocorrência de distúrbios da condução atrioventricular e intraventricular após o implante da CoreValve. Entretanto, as associações causais demonstradas neste estudo entre implante da bioprótese e distúrbios de condução têm a utilidade de gerar hipóteses que devem ser confirmadas em estudos futuros, com maior número de pacientes.

CONCLUSÃO

Em conclusão, distúrbios da condução atrioventricular e, principalmente, bloqueio de ramo esquerdo são comuns após o implante percutâneo da bioprótese CoreValve. O implante de marca-passo permanente é necessário em aproximadamente um quarto dos casos. A presença de bloqueio de ramo direito préimplante valvar está relacionada a maior risco de desenvolvimento de distúrbios da condução de grau avançado. O estresse mecânico causado pelas hastes metálicas da prótese, independentemente de sua intensidade, pode desencadear tais distúrbios em tecidos de condução que já apresentem algum grau de degeneração.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declararam inexistência de conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 3/4/2010

Aceito em: 1/6/2010

  • 1. Ablaza SG, Blanco G, Maranhao V, Morse DP, Nichols HT. Calcific aortic valvular disease associated with complete heart block. Case reports of successful correction. Dis Chest. 1968;54(5):457-60.
  • 2. Schwartz LS, Goldfischer J, Sprague GJ, Schwartz SP. Syncope and sudden death in aortic stenosis. Am J Cardiol. 1969; 23(5):647-58.
  • 3. Dhingra RC, Amat-y-Leon F, Pietras RJ, Wyndham C, Deedwania PC, Wu D, et al. Sites of conduction disease in aortic stenosis: significance of valve gradient and calcification. Ann Intern Med. 1977;87(3):275-80.
  • 4. Friedman HS, Zaman Q, Haft JI, Melendez S. Assessment of atrioventricular conduction in aortic valve disease. Br Heart J. 1978;40(8):911-7.
  • 5. Del Rizzo DF, Nishimura S, Lau C, Sever J, Goldman BS. Cardiac pacing following surgery for acquired heart disease. J Card Surg. 1996;11(5):332-40.
  • 6. El-Khally Z, Thibault B, Staniloae C, Theroux P, Dubuc M, Roy D, et al. Prognostic significance of newly acquired bundle branch block after aortic valve replacement. Am J Cardiol. 2004;94(8):1008-11.
  • 7. Kolh P, Lahaye L, Gerard P, Limet R. Aortic valve replacement in the octogenarians: perioperative outcome and clinical follow-up. Eur J Cardiothorac Surg. 1999;16(1):68-73.
  • 8. Limongelli G, Ducceschi V, D'Andrea A, Renzulli A, Sarubbi B, De Feo M, et al. Risk factors for pacemaker implantation following aortic valve replacement: a single centre experience. Heart. 2003;89(8):901-4.
  • 9. Thomas JL, Dickstein RA, Parker FB Jr, Potts JL, Poirier RA, Fruehan CT, et al. Prognostic significance of the development of left bundle conduction defects following aortic valve replacement. J Thorac Cardiovasc Surg. 1982;84(3):382-6.
  • 10. Dawkins S, Hobson AR, Kalra PR, Tang AT, Monro JL, Dawkins KD. Permanent pacemaker implantation after isolated aortic valve replacement: incidence, indications, and predictors. Ann Thorac Surg. 2008;85(1):108-12.
  • 11. Piazza N, Jaegere P, Schultz C, Becker AE, Serruys PW, Anderson RH. Anatomy of the aortic valvar complex and its implications for transcatheter implantation of the aortic valve. Circ Cardiovasc Intervent. 2008;1(1):74-81.
  • 12. Grube E, Schuler G, Buellesfeld L, Gerckens U, Linke A, Wenaweser P, et al. Percutaneous aortic valve replacement for severe aortic stenosis in high-risk patients using the second- and current third-generation self-expanding CoreValve prosthesis: device success and 30-day clinical outcome. J Am Coll Cardiol. 2007;50(1):69-76.
  • 13. Perin MA, Brito FS Jr, Almeida BO, Pereira MA, Abizaid A, Tarasoutchi F, et al. Percutaneous aortic valve replacement for the treatment of aortic stenosis: early experience in Brazil. Arq Bras Cardiol. 2009;93(3):299-306.
  • 14. Piazza N, Grube E, Gerckens U, den Heijer P, Linke A, Luha O, et al. Procedural and 30-day outcomes following transcatheter aortic valve implantation using the third generation (18 Fr) CoreValve ReValving System: results from the multicentre, expanded evaluation registry 1-year following CE mark approval. EuroIntervention. 2008;4(2):242-9.
  • 15. Webb JG, Pasupati S, Humphries K, Thompson C, Altwegg L, Moss R, et al. Percutaneous transarterial aortic valve replacement in selected high-risk patients with aortic stenosis. Circulation. 2007;116(7):755-63.
  • 16. Cribier A, Eltchaninoff H, Tron C, Bauer F, Agatiello C, Nercolini D, et al. Treatment of calcific aortic stenosis with the percutaneous heart valve: mid-term follow-up from the initial feasibility studies: the French experience. J Am Coll Cardiol. 2006;47(6):1214-23.
  • 17. Piazza N, Onuma Y, Jesserun E, Kint PP, Maugenest AM, Anderson RH, et al. Early and persistent intraventricular conduction abnormalities and requirements for pacemaking after percutaneous replacement of the aortic valve. JACC Cardiovasc Interv. 2008;1(3):310-6.
  • 18. Leite RS, Quadros AS, Prates PRL, Voltolini I, Conti E, Giusti I, et al. Marca-passo permanente após implante percutâneo valvular aórtico: a necessidade é maior que imaginávamos? Rev Bras Cardiol Invasiva. 2009;19(4):476-83.
  • 19. Andrade JC, Avila Neto V, Braile DM, Brofman PR, Costa AR, Costa R, et al. [Guidelines for permanent cardiac pacemaker implantation]. Arq Bras Cardiol. 2000;74(5):475-80.
  • 20. Webb JG, Altwegg L, Boone RH, Cheung A, Ye J, Lichtenstein S, et al. Transcatheter aortic valve implantation: impact on clinical and valve-related outcomes. Circulation. 2009;119(23): 3009-16.
  • 21. Sinhal A, Altwegg L, Pasupati S, Humphries KH, Allard M, Martin P, et al. Atrioventricular block after transcatheter balloon expandable aortic valve implantation. JACC Cardiovasc Interv. 2008;1(3):305-9.
  • 22. Gutiérrez M, Rodés-Cabau J, Bagur R, Doyle D, DeLarochellière R, Bergeron S, et al. Electrocardiographic changes and clinical outcomes after transapical aortic valve implantation. Am Heart J. 2009;158(2):302-8.
  • 23. Bleiziffer S, Ruge H, Horer J, Hutter A, Geisbusch S, Brockmann G, et al. Predictors for new-onset complete heart block after transcatheter aortic valve implantation. J Am Coll Cardiol Interv. 2010;3(5):524-30.
  • 24. Bleiziffer S, Ruge H, Mazzitelli D, Schreiber C, Hutter A, Laborde JC, et al. Results of percutaneous and transapical transcatheter aortic valve implantation performed by a surgical team. Eur J Cardiothorac Surg. 2009;35(4):615-20; discussion 620-1.
  • 25. Erkapic D, Kim WK, Weber M, Mollmann H, Berkowitsch A, Zaltsberg S, et al. Electrocardiographic and further predictors for permanent pacemaker requirement after transcatheter aortic valve implantation. Europace. 2010 Mar 30. [Epub ahead of print]
  • 26. Calvi V, Puzzangara E, Pruiti GP, Conti S, Di Grazia A, Ussia GP, et al. Early conduction disorders following percutaneous aortic valve replacement. Pacing Clin Electrophysiol. 2009; 32 Suppl 1:S126-30.
  • 27. Jilaihawi H, Chin D, Vasa-Nicotera M, Jeilan M, Spyt T, Ng GA, et al. Predictors for permanent pacemaker requirement after transcatheter aortic valve implantation with the CoreValve bioprosthesis. Am Heart J. 2009;157(5):860-6.
  • 28. Baan J Jr, Yong ZY, Koch KT, Henriques JP, Bouma BJ, Vis MM, et al. Factors associated with cardiac conduction disorders and permanent pacemaker implantation after percutaneous aortic valve implantation with the CoreValve prosthesis. Am Heart J. 2010;159(3):497-503.
  • Correspondência:

    Fábio Sândoli de Brito Jr
    Av. Albert Einstein, 627 - Morumbi
    São Paulo, SP, Brasil - CEP 05652-000
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Recebido
      03 Abr 2010
    • Aceito
      01 Jun 2010
    Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista - SBHCI R. Beira Rio, 45, 7o andar - Cj 71, 04548-050 São Paulo – SP, Tel. (55 11) 3849-5034, Fax (55 11) 4081-8727 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: sbhci@sbhci.org.br