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Stents farmacológicos para o tratamento de coronárias de fino calibre: experiência muito tardia (até 7 anos) do Registro DESIRE

Drug eluting stents for the treatment of small vessels: very late experience (up to 7 years) of the DESIRE Registry

Resumos

INTRODUÇÃO: Neste estudo, buscamos avaliar os resultados clínicos de pacientes com lesões coronárias em vasos de fino calibre, numa coorte de pacientes do mundo real submetidos a intervenção coronária percutânea (ICP) com stents farmacológicos. MÉTODOS: Entre maio de 2002 e dezembro de 2009, 1.380 pacientes consecutivos do Registro DESIRE (Drug Eluting Stents In the Real World), com 1.683 lesões em vasos de fino calibre (< 2,5 mm de diâmetro), foram submetidos a ICP, eletiva ou de urgência, com implante de 1.818 stents farmacológicos (CypherTM, 89%; TaxusTM, 7,5%; Xience V TM/PromusTM, 3%; EndeavorTM, 0,33%; BiomatrixTM, 0,2%) e incluídos neste estudo. O seguimento clínico de até 7 anos (mediana, 2,8 anos) foi completo em 98%, sendo obtido com 1, 6 e 12 meses e, então, anualmente. Tivemos como objetivo determinar as taxas de eventos cardíacos adversos maiores (ECAM) ao longo do período do acompanhamento clínico. RESULTADOS: A média de idade foi de 64,5 ± 11,7 anos, com predomínio de pacientes do sexo masculino (76,7%). Diabetes melito foi encontrado em 31,6% dos casos e 9,8% eram portadores de insuficiência renal crônica. A artéria descendente anterior foi o vaso mais frequentemente tratado (43,4%) e dois terços das lesões eram de alta complexidade (B2/C). Sucesso angiográfico do procedimento foi obtido em 98,8% dos casos. A taxa de ECAM foi de 12,8% durante o seguimento, com 4,5% de óbito cardíaco, 4,2% de infarto agudo do miocárdio, 4,5% de nova revascularização da lesão-alvo e 1,5% de trombose do stent. CONCLUSÕES: No Registro DESIRE, o tratamento de vasos de pequeno calibre com stents farmacológicos, em pacientes não-selecionados, associou-se a excelentes resultados agudos e tardios, e a baixas taxas de trombose ao longo da evolução.

Stents farmacológicos; Angioplastia transluminal percutânea coronária; Reestenose coronária


BACKGROUND: In this study, we sought to evaluate the clinical outcomes of patients with coronary lesions in small vessels in a cohort of real world patients undergoing percutaneous coronary intervention (PCI) with drug-eluting stents (DES). METHODS: Between May 2002 and December 2009, 1,380 consecutive patients from the DESIRE Registry (Drug Eluting Stents In The Real World), with 1,683 lesions in small vessels (< 2.5 mm in diameter) were consecutively submitted to elective or emergency PCI, with 1,818 DES (CypherTM, 89%; TaxusTM, 7.5%; Xience V TM/PromusTM, 3%; Endeavor, 0.33%; BiomatrixTM, 0.2%) and included in this study. The clinical follow-up of up to 7 years (median, 2.8 years) was completed for 98%, and was obtained at 1, 6, 12 months and then annually. Our objective was to determine the rates of major cardiac events (MACE) during clinical follow-up. RESULTS: Mean age was 64.5 ± 11.7 years, with a prevalence of male patients (76.7%). Diabetes mellitus was observed in 31.6% of the cases and 9.8% had chronic renal failure. Left anterior descending artery was the most frequent vessel treated (43.4%) and two-thirds of the lesions were complex lesions (B2/C). Angiographic success was obtained in 98.8% of the cases. The rate of MACE was 12.8% during follow-up with 4.5% of cardiac death, 4.2% of acute myocardial infarction, 4.5% of repeat target lesion revascularization and 1.5% of stent thrombosis. CONCLUSIONS: In the DESIRE Registry, the use of DES to treat small vessels in non-selected patients was associated with excellent early and late outcomes and low thrombosis rates.

Drug-eluting stents; Angioplasty, transluminal, percutaneous coronary; Coronary restenosis


ARTIGO ORIGINAL

Stents farmacológicos para o tratamento de coronárias de fino calibre: experiência muito tardia (até 7 anos) do Registro DESIRE

Drug eluting stents for the treatment of small vessels: very late experience (up to 7 years) of the DESIRE Registry

Ederlon Ferreira Nogueira; Amanda G. M. R. Sousa; J. Ribamar Costa Jr.; Adriana Moreira; Ricardo Costa; Galo Maldonado; Cantídio Campos; Manuel Cano; J. Eduardo Sousa

Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital do Coração (HCor) - Associação do Sanatório Sírio - São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: J. Eduardo Sousa Rua Desembargador Eliseu Guilherme, 147 - Paraíso São Paulo, SP, Brasil - CEP 04004-030 E-mail: jesousa@uol.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: Neste estudo, buscamos avaliar os resultados clínicos de pacientes com lesões coronárias em vasos de fino calibre, numa coorte de pacientes do mundo real submetidos a intervenção coronária percutânea (ICP) com stents farmacológicos.

MÉTODOS: Entre maio de 2002 e dezembro de 2009, 1.380 pacientes consecutivos do Registro DESIRE (Drug Eluting Stents In the Real World), com 1.683 lesões em vasos de fino calibre (< 2,5 mm de diâmetro), foram submetidos a ICP, eletiva ou de urgência, com implante de 1.818 stents farmacológicos (CypherTM, 89%; TaxusTM, 7,5%; Xience VTM/PromusTM, 3%; EndeavorTM, 0,33%; BiomatrixTM, 0,2%) e incluídos neste estudo. O seguimento clínico de até 7 anos (mediana, 2,8 anos) foi completo em 98%, sendo obtido com 1, 6 e 12 meses e, então, anualmente. Tivemos como objetivo determinar as taxas de eventos cardíacos adversos maiores (ECAM) ao longo do período do acompanhamento clínico.

RESULTADOS: A média de idade foi de 64,5 ± 11,7 anos, com predomínio de pacientes do sexo masculino (76,7%). Diabetes melito foi encontrado em 31,6% dos casos e 9,8% eram portadores de insuficiência renal crônica. A artéria descendente anterior foi o vaso mais frequentemente tratado (43,4%) e dois terços das lesões eram de alta complexidade (B2/C). Sucesso angiográfico do procedimento foi obtido em 98,8% dos casos. A taxa de ECAM foi de 12,8% durante o seguimento, com 4,5% de óbito cardíaco, 4,2% de infarto agudo do miocárdio, 4,5% de nova revascularização da lesão-alvo e 1,5% de trombose do stent.

CONCLUSÕES: No Registro DESIRE, o tratamento de vasos de pequeno calibre com stents farmacológicos, em pacientes não-selecionados, associou-se a excelentes resultados agudos e tardios, e a baixas taxas de trombose ao longo da evolução.

Descritores: stents farmacológicos. angioplastia transluminal percutânea coronária. reestenose coronária.

ABSTRACT

BACKGROUND: In this study, we sought to evaluate the clinical outcomes of patients with coronary lesions in small vessels in a cohort of real world patients undergoing percutaneous coronary intervention (PCI) with drug-eluting stents (DES).

METHODS: Between May 2002 and December 2009, 1,380 consecutive patients from the DESIRE Registry (Drug Eluting Stents In The Real World), with 1,683 lesions in small vessels (< 2.5 mm in diameter) were consecutively submitted to elective or emergency PCI, with 1,818 DES (CypherTM, 89%; TaxusTM, 7.5%; Xience VTM/PromusTM, 3%; Endeavor, 0.33%; BiomatrixTM, 0.2%) and included in this study. The clinical follow-up of up to 7 years (median, 2.8 years) was completed for 98%, and was obtained at 1, 6, 12 months and then annually. Our objective was to determine the rates of major cardiac events (MACE) during clinical follow-up.

RESULTS: Mean age was 64.5 ± 11.7 years, with a prevalence of male patients (76.7%). Diabetes mellitus was observed in 31.6% of the cases and 9.8% had chronic renal failure. Left anterior descending artery was the most frequent vessel treated (43.4%) and two-thirds of the lesions were complex lesions (B2/C). Angiographic success was obtained in 98.8% of the cases. The rate of MACE was 12.8% during follow-up with 4.5% of cardiac death, 4.2% of acute myocardial infarction, 4.5% of repeat target lesion revascularization and 1.5% of stent thrombosis.

CONCLUSIONS: In the DESIRE Registry, the use of DES to treat small vessels in non-selected patients was associated with excellent early and late outcomes and low thrombosis rates.

Key-words: drug-eluting stents. angioplasty, transluminal, percutaneous coronary. coronary restenosis.

O tratamento percutâneo da doença coronária em vasos de fino calibre representa um dos desafios da cardiologia intervencionista, em decorrência das elevadas taxas de reestenose após o tratamento com balão ou stents não-farmacológicos. Diversos estudos já demonstraram que quanto menor o vaso tratado maior o impacto da perda luminal tardia nas taxas de reestenose.1-3

O advento dos stents farmacológicos na prática clínica promoveu sensível melhora dos resultados no tratamento percutâneo da doença coronária, demonstrando ser mais eficazes em reduzir a proliferação neointimal, a reestenose angiográfica e a necessidade de revascularização da lesão-alvo em populações selecionadas de estudos randomizados. Dessa forma, a partir de 2002, quando os stents farmacológicos foram aprovados para uso clínico no Brasil, sua utilização vem se ampliando em cenários de maior complexidade tanto clínica como angiográfica.

Nesse contexto, o objetivo da presente análise foi identificar as taxas de eventos cardíacos adversos maiores em pacientes submetidos a intervenção coronária percutânea em vasos de fino calibre tratados exclusivamente com stents farmacológicos.

MÉTODO

Casuística e desenho do estudo

O Registro Drug Eluting Stents In the Real World (DESIRE) é um estudo clínico prospectivo, não-randomizado, de braço único, com inclusão consecutiva de pacientes (em andamento), iniciado em maio de 2002, realizado em uma única instituição (Hospital do Coração - Associação do Sanatório Sírio - São Paulo, SP, Brasil), tendo como objetivo investigar a evolução clínica de pacientes tratados com stents farmacológicos. Os resultados gerais do DESIRE já foram previamente publicados, razão pela qual não nos deteremos em pormenores do registro.4,5

Na presente análise, avaliamos 1.380 pacientes com sintomas isquêmicos e/ou exames não-invasivos indicativos de isquemia, com lesão > 50% em vasos com diâmetro < 2,5 mm à angiografia (avaliação visual) e anatomia favorável para intervenção coronária percutânea. O estudo está em consonância com a Declaração de Helsinque no que se refere à investigação em humanos, e foi aprovado pelo Comitê de Ética da referida instituição.

Procedimento

O implante do stent farmacológico seguiu a técnica contemporânea estabelecida nas diretrizes atuais e a estratégia final do procedimento ficou a critério do operador.

Nos pacientes com síndrome coronária aguda, o estudo angiográfico e a intervenção coronária percutânea, quando indicada, foram realizados nas primeiras 48 horas da hospitalização. No pré-tratamento foram administrados ácido acetilsalicílico e clopidogrel nas doses de 100-300 mg e 300-600 mg, respectivamente, 24 horas antes da intervenção, nos casos eletivos, 3 a 6 horas antes, nas síndromes coronárias agudas sem supradesnivelamento do segmento ST, e imediatamente antes, nos casos de intervenção coronária primária. Após o procedimento, o ácido acetilsalicílico era mantido indefinidamente, na dose de 100-200 mg/dia, e o clopidogrel, na dose de 75 mg/dia, mantido por de 3 a 6 meses até 2006. Após essa data, seguindo as recomendações do Food and Drug Administration (FDA), o uso do clopidogrel foi estendido para 12 meses. Durante o procedimento, foi administrada heparina endovenosa (70-100 unidades/kg) para manter o tempo de coagulação ativada > 250 segundos (ou > 200 segundos, no caso de ser administrado conjuntamente um inibidor de glicoproteína IIb/IIIa). Durante a hospitalização, todos os pacientes foram submetidos a avaliação com eletrocardiograma e marcadores bioquímicos, incluindo creatina fosfoquinase (CPK) e creatina quinase fração MB massa (CK-MB), pré-procedimento (< 24 horas), 18-24 horas pós-procedimento, e diariamente até a alta hospitalar.

Quando necessária, a pré-dilatação era realizada com balões curtos insuflados a baixas pressões, visando a evitar injúria nos segmentos adjacentes à lesão. O stent foi implantado de forma a recobrir por completo a lesão; quando necessário, mais de um stent foi empregado com a sobreposição de suas bordas. Após o implante do stent, a pós-dilatação, quando indicada, foi realizada com balões de extensão menor que a do stent implantado, não ultrapassando suas bordas. Os seguintes stents farmacológicos foram utilizados: CypherTM (Cordis, Johnson & Johnson, Warren, Estados Unidos), TaxusTM (Boston Scientific, Natick, Estados Unidos), EndeavorTM (Medtronic, Santa Rosa, Estados Unidos), XienceTM (Abbott Vascular, Abbott Park, Estados Unidos) e BiomatrixTM (Biosensor International, Cingapura). A escolha do tipo de stent farmacológico ficou a critério do operador.

A angiografia coronária quantitativa foi realizada imediatamente antes e após o implante do stent, por operadores experientes, utilizando um sistema de análise quantitativa com detecção semiautomática das bordas (Quantcor QCA-ACOM.PC versão 4.0 - Siemens, Munique, Alemanha). A análise do segmento tratado envolveu a área coberta pelo stent e as bordas (5 mm) proximal e distal. As mensurações angiográficas incluíram os diâmetros de referência proximal, distal e interpolado, o diâmetro mínimo da luz, o porcentual de obstrução, a extensão da lesão, e o ganho imediato (obtido pela diferença entre o diâmetro mínimo da luz imediatamente após e antes do procedimento).

Objetivos do estudo, definições e seguimento clínico

O objetivo primário deste estudo foi a avaliação da ocorrência de eventos cardíacos adversos maiores (morte cardíaca, infarto agudo do miocárdio, revascularização da lesão-alvo) e trombose do stent na fase hospitalar e no seguimento clínico a longo prazo.

Os óbitos foram classificados em cardíacos e nãocardíacos, sendo os óbitos de causas indeterminadas relatados como cardíacos. O diagnóstico de infarto agudo do miocárdio foi definido como aparecimento de nova onda Q patológica em > 2 derivações contíguas do eletrocardiograma e/ou elevação da CK-MB massa > 3 vezes o limite superior da normalidade. A revascularização da lesão-alvo foi definida como nova reintervenção, percutânea ou cirúrgica, resultante da recorrência de obstrução (> 50%) no segmento tratado.

A trombose do stent foi definida de acordo com a classificação proposta pelo Academic Research Consortium (ARC): definitiva (síndrome coronária aguda com confirmação angiográfica ou anatomopatológica da oclusão do vaso), provável (ocorrência de morte súbita < 30 dias após o procedimento índice ou infarto agudo do miocárdio relacionado à região da artéria tratada, mesmo sem confirmação angiográfica) e possível (ocorrência de morte súbita > 30 dias após o procedimento índice). Ainda quanto à distribuição temporal, a trombose do stent foi classificada como aguda (< 24 horas do procedimento), subaguda (> 24 horas e < 30 dias), tardia (>1 mês e < 12 meses) e muito tardia (> 12 meses pós-procedimento).

O sucesso angiográfico foi definido como a presença de lesão residual < 20%, com fluxo coronário final TIMI 3 na ausência de trombos e/ou dissecções.

O sucesso do procedimento foi definido como sucesso angiográfico na ausência de eventos cardíacos maiores.

A insuficiência renal crônica foi definida como taxa de filtração glomerular (clearance de creatinina) < 60 ml/min/1,73 m2.

A função ventricular esquerda foi avaliada pelo cálculo da fração de ejeção (%FE) e classificada como: normal (%FE > 55%), disfunção discreta (%FE > 40% e < 55%), disfunção moderada (%FE > 30% < 40%) e disfunção grave (%FE < 30%).

O seguimento clínico foi realizado 1 mês, 6 e 12 meses após o procedimento e anualmente a seguir e obtido por visita médica ou por contato telefônico, seguindo protocolo pré-definido.

As variáveis categóricas estão descritas como porcentuais e as variáveis contínuas como média ± desvio padrão. A sobrevida livre de eventos cardíacos maiores foi estimada pela curva de Kaplan-Meier. Utilizou-se o programa estatístico SPSS (versão 16.0) para realizar esta análise.

RESULTADOS

Entre maio de 2002 e dezembro de 2009, foram tratados, no total, 1.380 pacientes portadores de lesões coronárias em vasos de fino calibre, perfazendo 41,5% da população total do Registro DESIRE.

A Tabela 1 apresenta as principais características dos pacientes incluídos neste estudo. A maioria era do sexo masculino (76,7%), com média de idade de 64,5 ± 11,7 anos. Cerca de um terço dos pacientes (31,6%) era portador de diabetes melito, 25,4% tinham história de intervenção coronária percutânea prévia e 27,2% tinham cirurgia de revascularização miocárdica prévia. Síndrome coronária aguda como apresentação clínica inicial ocorreu em 40,2% dos casos (25,8% de angina instável e 14,4% de infarto agudo do miocárdio). A artéria descendente anterior foi o território mais frequentemente tratado (43,4%).

A angiografia quantitativa pré-intervenção demonstrou que o diâmetro de referência e a extensão das lesões tratadas eram de 2,33 ± 0,18 mm e 16,6 ± 9 mm, respectivamente. Após a intervenção, a lesão residual foi de 4,2 ± 4%. O stent CypherTM foi utilizado na maioria dos casos (89%). As taxas de fluxo coronário TIMI 3 e de sucesso angiográfico foram de 99,6% e 98,8%, respectivamente (Tabela 2).

O seguimento clínico em até 7 anos (mediana, 2,8 ± 1,8 anos) foi obtido em 98,1% dos pacientes, não sendo o reestudo angiográfico obrigatório pelo protocolo. Durante o período de seguimento, a taxa combinada de eventos cardíacos adversos maiores foi de 12,8% (Figura 1), incluindo óbito cardíaco em 4,5%, infarto agudo do miocárdio em 4,2% e revascularização da lesão-alvo em 4,5% dos pacientes.


A taxa de trombose de stent nessa população foi de 1,5% (21 casos), sendo 14 casos (66%) classificados como trombose definitiva. Quanto à distribuição temporal, 9 tromboses definitivas ocorreram no primeiro ano do procedimento (6 subagudas e 3 tardias), e 5 ocorreram após o primeiro ano (muito tardias).

DISCUSSÃO

O principal achado do presente estudo refere-se à segurança e à eficácia bastante tardia dos stents farmacológicos no tratamento de vasos finos, cenário em que historicamente a intervenção percutânea com cateter-balão ou stents não-farmacológicos apresenta resultados menos expressivos.

O conceito de vaso fino varia bastante entre di-versos estudos publicados, o que dificulta a tarefa de pôr em contexto nossos resultados diante de outros estudos. Enquanto alguns autores consideram vasos finos aqueles com calibre < 3 mm, outros utilizam como valor de referência diâmetros de 2,75 mm e 2,5 mm. O que se sabe, de fato, é que há progressivo aumento das taxas de eventos adversos, sobretudo reestenose, proporcionalmente à diminuição do diâmetro de referência do vaso tratado. Na presente análise foram incluídos os vasos que consideramos realmente finos, ou seja, aqueles com diâmetro < 2,5 mm.

Ainda que os stents não-farmacológicos tenham impulsionado de forma marcante o desenvolvimento da cardiologia intervencionista, melhorando sobremaneira os resultados imediatos e tardios das intervenções apenas com cateter-balão, o uso desses dispositivos em alguns cenários de maior complexidade clínica e anatômica, dentre os quais tratamento de vasos finos, ainda representa um desafio, dada as elevadas taxas de eventos adversos, sobretudo recorrência da lesão na lesão-alvo. Recente meta-análise a respeito do uso de stents não-farmacológicos no tratamento de lesões em vasos finos demonstrou, ao final de um ano, taxa de eventos cardíacos adversos maiores de 27,8%, sobretudo em decorrência da elevada necessidade de nova revascularização da lesão-alvo (17,6%).5

Com o advento dos stents farmacológicos, com sua marcante capacidade de reduzir a proliferação neointimal e, consequentemente, a reestenose, nos mais variados e complexos cenários clínicos e angiográficos, o tratamento de lesões em vasos finos ganhou novo alento.

No estudo Canadian study of the sirolimus-eluting stent in the treatment of patients with long de novo lesions in small native coronary arteries (C-SIRIUS), Schampaert et al.6 avaliaram de forma randomizada o desempenho do stent farmacológico CypherTM vs. seu análogo não-farmacológico no tratamento de 100 pacientes com lesões longas em vasos finos. Nesse estudo, o uso do stent farmacológico associou-se a marcante redução da taxa de reestenose ao final de nove meses (4% vs. 18%; P = 0,05).6

Em 2007, Seabra-Gomes et al.7 publicaram os resultados do estudo multicêntrico PORTO, que avaliou o desempenho do stent farmacológico CypherTM no tratamento de 324 lesões situadas em vasos de diâmetro < 2,5 mm. No estudo angiográfico de seis meses, a perda luminal no interior do stent foi de 0,07 ± 0,37 mm, a reestenose binária foi de 9,1%, a taxa de eventos cardíacos adversos maiores ao final de um ano foi de 8,6%, com apenas 5,6% de novas intervenções na lesão-alvo.7

A série de estudos TAXUS avaliou o desempenho do stent paclitaxel no tratamento de vasos finos. No estudo TAXUS IV, 176 pacientes com lesões em vasos de 2,5 mm foram randomizados para receber o stent TaxusTM ou seu análogo sem fármaco.8 Ao final de 12 meses, os pacientes que receberam stent farmacológico tiveram marcante redução da necessidade de nova intervenção na lesão-alvo (5,6% vs. 20,6%; P < 0,001).8 No estudo TAXUS V, analisou-se um subgrupo de pacientes (17,6% do total da população do estudo) randomizados para receber stent TaxusTM 2,25 mm ou seu equivalente não-farmacológico. Mais uma vez, o uso de stent farmacológico em vasos de muito pequeno calibre associou-se a significante redução das taxas de reestenose (31,2% vs. 49,4%; P = 0,03).9

Na comparação direta entre os stents farmacológicos com sirulimus e paclitaxel para tratamento de pequenos vasos, o uso de stent com sirulimus esteve associado a menores taxas de perda luminal intrastent, reestenose binária e necessidade de nova revascularização da lesão-alvo.10

Os resultados do presente estudo corroboram a eficácia dos stents farmacológicos nesse cenário de maior complexidade angiográfica. A despeito de a população aqui avaliada ter um perfil clínico e angiográfico mais complexo que os pacientes incluídos nos estudos controlados supracitados, as taxas de eventos cardíacos adversos maiores e de reestenose mimetizaram os resultados dos ensaios randomizados. Esses achados devem-se, em parte, a dois principais fatores: uso preponderante de stents com sirolimus e ausência de reestudo angiográfico de rotina. Aliado a isso, o uso rotineiro de angiografia quantitativa on-line para guiar a intervenção e a realização de pré e pós-dilatação sempre que necessário ajudam a explicar os excelentes resultados aqui apresentados.

Limitações do estudo

Uma das principais limitações deste estudo referese à ausência de um grupo controle tratado com stents não-farmacológicos, uma vez que o Registro DESIRE representa a experiência clínica de uma única instituição, onde os stents farmacológicos vêm sendo utilizados como estratégia preferencial em pacientes com indicação de intervenção coronária percutânea no mundo real. Ademais, a predominância na utilização de um stent farmacológico (CypherTM) sobre os demais em proporções não-balanceadas, com indicações baseadas na disponibilidade, nas características anatômicas e da lesão, na apresentação clínica e na preferência do operador, impossibilitaram a comparação de diferentes stents farmacológicos disponíveis nesse cenário.

CONCLUSÕES

Na presente análise do Registro DESIRE, a utilização dos stents farmacológicos associou-se a excelentes resultados agudos e tardios no tratamento de lesões de vasos de fino calibre em pacientes não selecionados. Merece destaque o fato de no seguimento clínico tardio não terem sido observados problemas relacionados à segurança desses dispositivos, com baixas taxas de trombose em todas as fases de evolução desses pacientes.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declararam inexistência de conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 7/8/2010

Aceito em: 12/9/2010

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  • Correspondência:

    J. Eduardo Sousa
    Rua Desembargador Eliseu Guilherme, 147 - Paraíso
    São Paulo, SP, Brasil - CEP 04004-030
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Recebido
      07 Ago 2010
    • Aceito
      12 Set 2010
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