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Stent direto na intervenção coronária primária: avaliação de seu uso na prática clínica contemporânea

Direct stenting in primary percutaneous coronary intervention: an evaluation in current clinical practice

Resumos

INTRODUÇÃO: Existem poucos estudos contemporâneos avaliando o implante de stent direto em pacientes com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAM). MÉTODO: Estudo de coorte prospectivo com pacientes consecutivamente atendidos com IAM em um centro de referência em cardiologia entre dezembro de 2009 e janeiro de 2010. Dados clínicos e laboratoriais, características angiográficas e evolução hospitalar foram avaliados. Foram excluídos pacientes com mais de 12 horas de evolução, com menos de 18 anos de idade ou por recusa em participar do estudo. Os pacientes submetidos a implante de stent direto foram comparados àqueles tratados com pré-dilatação. Os dados foram armazenados em banco de dados dedicado e analisados com SPSS 17.0. RESULTADOS: No período do estudo, 98 pacientes foram submetidos a angioplastia primária, dos quais em 33 (34,7%) foi implantado stent direto e em 65 (65,3%) foi realizada pré-dilatação. A média de idade dos 98 pacientes foi de 58,6 ± 10,6 anos e 63% eram do sexo masculino. Os procedimentos com stent direto foram menos frequentes em lesões calcificadas (9% vs. 30%; P = 0,02) e mais frequentes naqueles com TIMI 3 pré-procedimento (41% vs. 18%; P = 0,06), sendo a tromboaspiração mais frequentemente utilizada nestes casos (41% vs. 14%; P = 0,003). Não houve diferença estatisticamente significante em relação aos desfechos clínicos nos dois grupos de pacientes. CONCLUSÃO: A técnica de stent direto foi mais frequentemente utilizada em pacientes com fluxo normal antes do procedimento e em conjunto com tromboaspiração, e menos usada em lesões calcificadas. O implante de stent direto não foi associado a diferenças significativas nas taxas de desfechos clínicos.

Angioplastia; Stents; Infarto do miocárdio


BACKGROUND: There are few contemporary studies assessing direct stenting in patients with acute ST-segment elevation myocardial infarction (AMI). METHOD: Prospective cohort study in consecutive patients with AMI seen at a reference cardiology center from December 2009 to January 2010. Clinical and laboratory data, angiographic characteristics and hospital outcomes were evaluated. Patients with over 12 hours of symptom onset, with less than 18 years of age and those who denied participating in the study were excluded. Patients undergoing direct stenting were compared to those treated with stent with balloon pre-dilatation. Data were entered in a dedicated database and analyzed by SPSS 17.0. RESULTS: During the study period, 98 patients were submitted to primary angioplasty, of which 33 (34.7%) received direct stenting and 65 (65.3%) underwent stent with balloon pre-dilatation. Mean age was 58.6 ± 10.6 years and 63% were men. Direct stenting was less frequent in calcified lesions (9% vs. 30%; P = 0.02) and more frequent in those with TIMI 3 before the procedure (41% vs. 18%; P = 0.06) and thrombus aspiration was more frequently used in these cases (41% vs. 14%; P = 0.003). There was no statistically significant difference for the clinical outcome in both groups of patients. CONCLUSION: Direct stenting was more frequently used in patients with normal flow prior the procedure and in combination with thrombus aspiration and less used in calcified lesions. It was not associated to significant differences in clinical outcome rates.

Angioplasty; Stents; Myocardial infarction


ARTIGO ORIGINAL

Stent direto na intervenção coronária primária: avaliação de seu uso na prática clínica contemporânea

Direct stenting in primary percutaneous coronary intervention: an evaluation in current clinical practice

Alexandre Schaan de Quadros; Felipe A. Baldissera; Anibal P. Abelin; Fernanda O. Camozzatto; Ivan P. Feijó; João Maximiliano Martins; Luis Chamma Sobrinho; Guilherme L. M. Bernardi; Eduardo M. Azevedo; Mauro Régis S. Moura; Cláudio Vasquez Moraes; Cláudio A. Ramos Moraes; Rogério Sarmento-Leite; Carlos Antonio Mascia Gottschall

Instituto de Cardiologia - Fundação Universitária de Cardiologia (IC-FUC) - Porto Alegre, RS, Brasil

Correspondência Correspondência: Alexandre Schaan de Quadros Av. Princesa Isabel, 395 - Santana Porto Alegre, RS, Brasil - CEP 90620-000 E-mail: alesq@terra.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: Existem poucos estudos contemporâneos avaliando o implante de stent direto em pacientes com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAM).

MÉTODO: Estudo de coorte prospectivo com pacientes consecutivamente atendidos com IAM em um centro de referência em cardiologia entre dezembro de 2009 e janeiro de 2010. Dados clínicos e laboratoriais, características angiográficas e evolução hospitalar foram avaliados. Foram excluídos pacientes com mais de 12 horas de evolução, com menos de 18 anos de idade ou por recusa em participar do estudo. Os pacientes submetidos a implante de stent direto foram comparados àqueles tratados com pré-dilatação. Os dados foram armazenados em banco de dados dedicado e analisados com SPSS 17.0.

RESULTADOS: No período do estudo, 98 pacientes foram submetidos a angioplastia primária, dos quais em 33 (34,7%) foi implantado stent direto e em 65 (65,3%) foi realizada pré-dilatação. A média de idade dos 98 pacientes foi de 58,6 ± 10,6 anos e 63% eram do sexo masculino. Os procedimentos com stent direto foram menos frequentes em lesões calcificadas (9% vs. 30%; P = 0,02) e mais frequentes naqueles com TIMI 3 pré-procedimento (41% vs. 18%; P = 0,06), sendo a tromboaspiração mais frequentemente utilizada nestes casos (41% vs. 14%; P = 0,003). Não houve diferença estatisticamente significante em relação aos desfechos clínicos nos dois grupos de pacientes.

CONCLUSÃO: A técnica de stent direto foi mais frequentemente utilizada em pacientes com fluxo normal antes do procedimento e em conjunto com tromboaspiração, e menos usada em lesões calcificadas. O implante de stent direto não foi associado a diferenças significativas nas taxas de desfechos clínicos.

Descritores: Angioplastia. Stents. Infarto do miocárdio.

ABSTRACT

BACKGROUND: There are few contemporary studies assessing direct stenting in patients with acute ST-segment elevation myocardial infarction (AMI).

METHOD: Prospective cohort study in consecutive patients with AMI seen at a reference cardiology center from December 2009 to January 2010. Clinical and laboratory data, angiographic characteristics and hospital outcomes were evaluated. Patients with over 12 hours of symptom onset, with less than 18 years of age and those who denied participating in the study were excluded. Patients undergoing direct stenting were compared to those treated with stent with balloon pre-dilatation. Data were entered in a dedicated database and analyzed by SPSS 17.0.

RESULTS: During the study period, 98 patients were submitted to primary angioplasty, of which 33 (34.7%) received direct stenting and 65 (65.3%) underwent stent with balloon pre-dilatation. Mean age was 58.6 ± 10.6 years and 63% were men. Direct stenting was less frequent in calcified lesions (9% vs. 30%; P = 0.02) and more frequent in those with TIMI 3 before the procedure (41% vs. 18%; P = 0.06) and thrombus aspiration was more frequently used in these cases (41% vs. 14%; P = 0.003). There was no statistically significant difference for the clinical outcome in both groups of patients.

CONCLUSION: Direct stenting was more frequently used in patients with normal flow prior the procedure and in combination with thrombus aspiration and less used in calcified lesions. It was not associated to significant differences in clinical outcome rates.

Key-words: Angioplasty. Stents. Myocardial infarction.

A terapia de reperfusão primária realizada nas primeiras horas após a apresentação clínica do infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST diminui a mortalidade e eventos cardíacos adversos maiores recorrentes.1,2 Diversos estudos e meta-análises demonstraram que a intervenção coronária percutânea primária diminui a mortalidade, o reinfarto agudo do miocárdio e a hemorragia intracraniana quando comparada ao tratamento trombolítico.3-6 Com base nessas evidências, as diretrizes atuais recomendam que os pacientes com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST com menos de 12 horas de evolução sejam submetidos a intervenção coronária percutânea primária como estratégia de reperfusão, desde que um centro e operadores com experiência no procedimento estejam disponíveis.7-9

Os stents são utilizados de rotina na intervenção coronária percutânea primária, pois diminuem episódios isquêmicos recorrentes e novas revascularizações.10 A pré-dilatação tem sido tradicionalmente a técnica mais empregada, mas recentemente têm sido sugeridos benefícios do uso de stent direto nessa situação, incluindo menor volume de contraste, menor tempo de irradiação e procedimentos mais curtos.11-13 Além disso, o implante de stent direto poderia também reduzir a incidência de embolização distal, fenômeno de no-reflow, e melhorar as taxas de salvamento miocárdico. O objetivo deste estudo foi avaliar as características angiográficas e os resultados clínicos e angiográficos da comparação das técnicas de implante de stent direto e pré-dilatação em pacientes com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST submetidos contemporaneamente a intervenção coronária percutânea primária em um centro cardiológico de referência.

MÉTODOS

Pacientes

Todos os pacientes com diagnóstico clínico de infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST internados em nossa instituição no período de 1º de dezembro de 2009 a 31 de janeiro de 2010 foram prospectivamente avaliados para inclusão no estudo, sendo elegíveis aqueles com diagnóstico clínico e eletrocardiográfico de infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST e indicação de intervenção coronária percutânea primária pelo médico assistente. Infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST foi definido de acordo com os seguintes critérios: presença de dor típica em repouso associada a supradesnivelamento do segmento ST de pelo menos 1 mm em duas derivações contíguas no plano frontal ou 2 mm no plano horizontal; e presença de dor típica em repouso em pacientes com bloqueio de ramo esquerdo novo. Foram excluídos pacientes com mais de 12 horas de evolução, com menos de 18 anos de idade ou que se recusaram a participar do estudo. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da instituição e todos os pacientes assinaram termo de consentimento esclarecido. Os autores são responsáveis pelo desenho e condução do estudo, todas as análises, a redação e edição do manuscrito, e seu conteúdo final.

Procedimentos de intervenção coronária percutânea primária

A instituição onde o estudo foi realizado é um centro terciário para o tratamento de pacientes cardiológicos. O Serviço de Hemodinâmica realiza cerca de 10 mil procedimentos percutâneos diagnósticos e terapêuticos por ano, dos quais 600 procedimentos são de intervenção coronária percutânea primária. O hospital disponibiliza o serviço de intervenção coronária percutânea primária durante 24 horas por dia nos sete dias da semana.

As medicações utilizadas no atendimento inicial ao paciente e a indicação da realização de intervenção coronária percutânea primária ficaram a critério do médico plantonista, conforme as rotinas institucionais. Todos os pacientes foram medicados com a dose de ataque de ácido acetilsalicílico (300 mg) e de clopidogrel (300-600 mg). Após a cinecoronariografia, foi administrada heparina 60-100 U/kg. O procedimento de intervenção coronária percutânea primária foi realizado de acordo com as rotinas descritas na literatura.14 Aspectos específicos do procedimento, como via de acesso, administração de inibidores de glicoproteína IIb/IIIa e tromboaspiração, ficaram a critério dos operadores. A técnica de trombectomia realizada foi a aspiração manual, com uso dos cateteres ProntoTM, ExportTM ou DiverTM. Balão intra-aórtico foi colocado somente em pacientes com choque cardiogênico.

Avaliação clínica e angiográfica

A entrevista inicial foi realizada por um dos investigadores e incluiu o registro de dados demográficos, fatores de risco para cardiopatia isquêmica, história médica pregressa e apresentação clínica do evento.

Quanto aos fatores de risco, foram utilizadas as seguintes definições:

a) tabagismo: fumo regular de cigarros ou interrupção do uso no último ano;

b) hipertensão arterial sistêmica: diagnóstico prévio de hipertensão arterial sistêmica e/ou uso de fármacos anti-hipertensivos;

c) diabetes melito: diagnóstico prévio de diabetes melito e/ou uso de drogas para o tratamento do diabetes;

d) dislipidemia: colesterol sérico de jejum maior que 240 mg/dl, diagnóstico prévio e/ou uso de medicação hipolipemiante;

e) história familiar: infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST ou morte súbita do pai (< 55 anos) ou da mãe (< 65 anos).

As avaliações angiográficas foram realizadas por um sistema eletrônico digital previamente validado, sendo avaliadas as seguintes variáveis: número de vasos com estenose > 50% da luz do vaso, artéria coronária tratada, segmento coronário comprometido pela estenose, e presença de trombo e de calcificação angiográfica. Quanto às mensurações angiográficas, o diâmetro do vaso-alvo foi definido como a média dos diâmetros proximais e distais à lesão. O diâmetro luminal foi mensurado antes e após o implante do stent e a gravidade da estenose foi avaliada em duas projeções ortogonais, sendo considerada aquela mais grave, tanto antes quanto após o implante do stent. O comprimento da lesão foi medido "ombro a ombro", e lesões longas foram consideradas únicas na presença de segmento arterial normal < 10 mm entre elas.

O fluxo coronário antes e após os procedimentos foi avaliado e descrito conforme os critérios de TIMI.15 A perfusão miocárdica foi avaliada pelo blush miocárdico, conforme descrito previamente.16,17

Desfechos e seguimento

Todos os pacientes foram acompanhados durante a internação por um dos investigadores, sendo registrada a incidência de trombose do stent, revascularização de urgência, reinfarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST e óbito. Trombose do stent foi caracterizada como oclusão do vaso submetido a intervenção coronária percutânea até 24 horas após o procedimento, confirmada por angiografia e demonstrando a oclusão do stent ou do vaso tratado. Reinfarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST foi definido como nova elevação enzimática após primeiro descenso da curva natural das enzimas marcadoras de necrose, acompanhada de nova alteração eletrocardiográfica com supradesnivelamento do segmento ST. Revascularização de urgência foi definida como a realização de um novo procedimento no seguimento intrahospitalar (seja por intervenção percutânea ou por cirurgia), em decorrência de sinais ou sintomas de isquemia recorrente.

Análise estatística

Foi utilizado um banco de dados dedicado, no programa ACCESS. Para análise, utilizou-se o programa estatístico SPSS versão 17.0 para Windows. Os resultados são apresentados como média e desvio padrão ou números absolutos e porcentuais. Para comparação entre os grupos, utilizou-se o teste t para as variáveis contínuas e o teste de qui-quadrado para as variáveis categóricas. Teste de Mann-Whitney foi utilizado em casos de variáveis com distribuição não normal. Foi considerada significância estatística valor de P bicaudal < 0,05.

RESULTADOS

No período do estudo, 115 pacientes foram avaliados, dos quais 98 preencheram os critérios de inclusão e foram submetidos a intervenção coronária percutânea primária na fase aguda do infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST. Desses pacientes, 33 foram submetidos a implante de stent direto e 65 realizaram o implante de stent após prédilatação com balão. Na Tabela 1 são apresentadas as características clínicas dos dois grupos de pacientes, conforme a técnica utilizada. A média de idade dos 98 pacientes foi de 58,6 ± 10,6 anos e 63% eram do sexo masculino. Os grupos apresentaram características clínicas semelhantes, exceto por uma frequência significativamente menor de dislipidemia nos pacientes tratados com stent direto (18% vs. 43%; P = 0,01). As características angiográficas e relacionadas aos procedimentos realizados nos pacientes com e sem implante de stent direto estão apresentadas na Tabela 2. Os pacientes tratados com stent direto apresentaram menos frequentemente calcificação angiográfica quando comparados ao grupo da pré-dilatação (9% vs. 31%; P = 0,02), e foram mais frequentemente tratados com tromboaspiração manual antes do implante (41% vs. 14%; P = 0,003). A média do diâmetro de referência dos vasos tratados no grupo stent direto foi significativamente maior (3,3 ± 0,5 mm vs. 3,09 ± 0,4 mm; P = 0,03), bem como o diâmetro luminal final (3,54 ± 0,53 mm vs. 3,3 ± 0,35; P = 0,03). Em relação aos resultados angiográficos dos procedimentos, não foram observadas diferenças estatisticamente significantes em relação a estenose residual, fluxo TIMI 3 e blush 3 após os implantes de stents. Em relação aos resultados clínicos (Tabela 3), também não houve diferenças estatisticamente significantes entre os grupos estudados.

DISCUSSÃO

Neste estudo realizado em um centro de referência de cardiologia intervencionista com alto volume de intervenção coronária percutânea primária (> 600 procedimentos/ano), avaliamos a utilização da técnica de stent direto e sua influência nos resultados angiográficos e clínicos de uma coorte prospectiva de pacientes. Observou-se que a técnica de stent direto foi utilizada menos frequentemente em pacientes com história de dislipidemia e com evidência de calcificação angiográfica, e mais frequentemente associada a tromboaspiração manual, vasos mais calibrosos e com fluxo TIMI 3 antes do procedimento. Na amostra estudada, a técnica de stent direto foi realizada em um terço dos procedimentos, e nos outros casos foi utilizada prédilatação antes do implante do stent. Em relação aos resultados angiográficos imediatos e à incidência de desfechos clínicos, não observamos diferença estatisticamente significante entre os grupos de pacientes tratados com stent direto ou pré-dilatação.

O implante de stent direto em pacientes com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST apresenta as vantagens teóricas de diminuição da microembolização distal, com melhor preservação e salvamento miocárdico, menor tempo de procedimento, menor uso de contraste e menor custo.18 Esses aspectos foram associados a menor ocorrência de fenômeno de no-reflow em alguns estudos.12,19,20 No entanto, ainda não está definido se essa técnica deve ser rotineiramente empregada em pacientes submetidos a intervenção coronária percutânea e/ou intervenção coronária percutânea primária, e esse aspecto foi pouco estudado em nosso meio.

Morice et al.19 randomizaram 206 pacientes com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST para o implante de stent direto vs. pré-dilatação, demonstrando benefício clínico significativo do implante de stent direto quanto à melhor resolução do segmento ST, porém sem efeito na incidência de desfechos maiores. É importante ressaltar que, nesse ensaio clínico randomizado, somente 50% dos pacientes inicialmente considerados foram incluídos no estudo, e os demais não foram considerados elegíveis para a possibilidade de implante de stent direto. Esse achado é compatível com os resultados relatados no presente estudo, em que somente um terço dos pacientes foi tratado com stent direto. Por outro lado, no ensaio clínico randomizado realizado por Gasior et al.21, o stent direto não demonstrou benefício clínico ou angiográfico, e esteve associado a maiores taxas de reestenose no seguimento clínico tardio. Esse desfecho desfavorável poderia estar relacionado ao subdimensionamento do stent em relação ao real diâmetro do vaso, em virtude da vasoconstrição, espasmo e trombose associados ao infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST.

Outra questão relevante nesse contexto é a associação e a provável sinergia existente entre a tromboaspiração realizada pré-procedimento e o implante direto do stent. No presente estudo, observamos que os pacientes tratados com stent direto tinham sido mais frequentemente tratados com tromboaspiração previamente. A tromboaspiração tem sido recomendada pelas diretrizes brasileiras, europeias e norte-americanas como classe II-A no contexto do infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST, pois melhora a perfusão miocárdica e diminui a mortalidade.7-9 Em um estudo recente, Migliorini et al.22 avaliaram o papel da trombectomia reolítica em pacientes com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST, demonstrando melhora de desfechos combinados. É digno de nota o fato de os pacientes de ambos os grupos de estudo terem recebido tratamento preferencialmente com stent dire-to, independentemente da randomização.

A utilização da técnica de implante de stent direto em somente um terço dos pacientes incluídos neste estudo é uma observação interessante. Embora uma análise multivariada não tenha sido realizada em virtude do número de pacientes incluídos, o implante de stent direto esteve associado a vasos mais calibrosos, fluxo normal antes do procedimento e tromboaspiração, e foi menos frequente em casos com calcificação angiográfica. Esses achados demonstram que o stent direto não tem sido utilizado de rotina na intervenção coronária percutânea primária, sugerindo que os operadores têm tendência a eleger casos mais favoráveis para essa técnica, o que também foi observado no estudo de Antoniucci et al.12.

Limitações do estudo

Nosso estudo tem algumas limitações que merecem ser ressaltadas. A análise de registros e de amostras de pacientes representativos do mundo real tem a vantagem de analisar tratamentos e seus efeitos exatamente nas populações em que serão empregados, mas existe o potencial viés de confusão por variáveis distintas do fator em estudo. Embora nossa instituição tenha um volume de procedimentos de intervenção coronária percutânea primária muito elevado, trata-se de estudo unicêntrico em que foi incluído número modesto de pacientes. Os desfechos foram analisados somente na fase hospitalar, e a influência da técnica de stent direto na evolução a longo prazo de desfechos como novas revascularizações, reinfarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST ou mortalidade não pôde ser avaliada.

CONCLUSÃO

Este estudo demonstra que a técnica de implante de stent direto foi utilizada em aproximadamente um terço dos pacientes submetidos a intervenção coronária percutânea primária no centro de referência estudado. Esses pacientes apresentavam, com mais frequência, vasos maiores e fluxo normal antes do procedimento, e foram mais amiúde tratados com tromboaspiração, sendo a calcificação angiográfica menos frequente. O implante de stent direto não foi associado a diferenças estatisticamente significantes nos resultados angiográficos e clínicos.

As implicações clínicas desses achados são de que o stent direto pode ser empregado com segurança nessa situação, principalmente em vasos de bom calibre nãocalcificados e após a realização de tromboaspiração. No entanto, os operadores devem ter especial cautela com o correto dimensionamento da prótese em relação ao vaso tratado, utilizando a pré-dilatação quando houver dúvida significativa quanto a esse aspecto.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a Henrique Basso Gomes, Júlio Vinícius Teixeira, Flávio Celso Leboute, La Hore Corrêa Rodrigues, Luis Maria Yordi, Carlos Roberto Cardoso, Cristiano de Oliveira Cardoso e Alexandre Damiani Azmus, pela colaboração na realização do estudo.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declararam inexistência de conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 5/10/2010

Aceito em: 29/11/2010

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  • Correspondência:

    Alexandre Schaan de Quadros
    Av. Princesa Isabel, 395 - Santana
    Porto Alegre, RS, Brasil - CEP 90620-000
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Aceito
      29 Nov 2010
    • Recebido
      05 Out 2010
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