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Utilização de prótese bioabsorvível para oclusão de defeitos do septo atrial: um passo em direção ao futuro

Use of bioabsorbable device to close atrial septal defects: one step towards the future

Resumos

INTRODUÇÃO: Apesar do sucesso das intervenções por cateter nos defeitos congênitos em geral, a possibilidade de se dispor de um dispositivo percutaneamente implantável e que desapareça sem deixar vestígios é altamente desejável. Neste estudo apresentamos a experiência inicial dos autores com uma nova prótese parcialmente bioabsorvível. MÉTODO: Foram selecionados pacientes portadores de forame oval patente (FOP) com pelo menos um evento embólico prévio, sem defeitos associados, passíveis de correção cirúrgica. O diagnóstico foi feito por meio de ecocardiograma transesofágico (ETE) e teste de bolhas. Durante o procedimento as próteses foram escolhidas de acordo com as medidas de comprimento e abertura do FOP, ao ETE. O seguimento foi realizado por meio de avaliação clínica e ecocardiograma transtorácico com um mês e três meses e ETE aos seis meses após o implante. Os pacientes utilizaram a associação de ácido acetilsalicílico e clopidogrel por três meses e ácido acetilsalicílico isolado nos três meses subsequentes. A profilaxia antimicrobiana para endocardite infecciosa foi mantida por seis meses. RESULTADOS: Foram tratados 9 pacientes (5 do sexo masculino e 4 do sexo feminino), entre fevereiro e agosto de 2010. A média de idade foi de 43,4 ± 13,5 anos e de peso, de 71,4 ± 16,3 kg. A pressão pulmonar foi normal em todos os casos. O comprimento dos túneis variou de 6 mm a 11 mm e a abertura, de 2 mm a 3 mm. A média de variação de abertura não-provocadaprovocada foi de 2,1 ± 0,8 mm. O implante foi possível em todos os casos. Utilizamos 13 dispositivos nos 9 pacientes e um deles necessitou um segundo dispositivo implantado em um orifício adicional. Não houve complicações significativas nem óbitos. CONCLUSÃO: O uso da prótese BioSTAR TM mostrou-se seguro e eficaz, constituindo excelente alternativa para o fechamento do FOP simples.

Forame oval patente; Cateterismo cardíaco; Próteses e implantes


BACKGROUND: Despite the overall high success rate of per-cutaneous intervention in congenital defects, the possibility of having a percutaneous bioabsorbable implantable device is extremely desirable. The initial experience of the authors with a new partially bioabsorbable prosthesis is reported in this study. METHOD: Patients with patent foramen ovale (PFO), with at least one previous embolic event, without additional surgical defects were selected. Diagnosis was made by transesophageal echocardiography (TEE) and the bubble test. Devices were chosen according to length and opening of PFO at the TEE. Patients were followed-up by transthoracic echocardiogram at 1 and 3 months and TEE at 6 months post implantation. Patients received a combination of acetylsalicylic acid and clopidogrel for 3 months and acetylsalicylic acid for another 3 months. Patients were maintained on antimicrobial prophylaxis for infectious endocarditis for 6 months. RESULTS: Nine patients (5 male and 4 female) were treated from February to August 2010. Mean age was 43.4 ± 13.5 years and mean weight was 71.4 ± 16.3 kg. Pulmonary arterial pressure was normal in all of the patients. PFO tunnel lengths ranged from 6-11 mm and the opening ranged from 2-3 mm. Mean range from rest to stretched PFO opening was 2.1 ± 0.8 mm. Prosthesis implantation was possible in all of the cases. Thirteen devices were used in 9 patients, and one of them required a second device for an additional orifice. No major complications or procedure-related deaths were observed. CONCLUSION: The use of the BioSTAR TM device was safe and effective. It is an excellent alternative for PFO closure.

Foramen ovale, patent; Heart catheterization; Prostheses and implants


ARTIGO ORIGINAL

Utilização de prótese bioabsorvível para oclusão de defeitos do septo atrial - um passo em direção ao futuro

Use of bioabsorbable device to close atrial septal defects - one step towards the future

Francisco José Araujo Chamié de QueirozI,II; Luiz Carlos do Nascimento SimõesIII; Daniel Silva Chamié de QueirozIII; Renata MattosIII; Sergio RamosIII; João Carlos TressIII; Maximiliano Otero LacosteIII

IUniversidade do Estado do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IISetor de Hemodinâmica Pediátrica do Hospital dos Servidores do Estado/MS-RJ - Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IIIINTERCAT - Cardiologia Intervencionista - Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Correspondência Correspondência: Francisco Chamié Rua Dois de Dezembro, 38/807 - Flamengo Rio de Janeiro, RJ, Brasil - CEP 22220-040 E-mail: fchamie@pobox.com

RESUMO

INTRODUÇÃO: Apesar do sucesso das intervenções por cateter nos defeitos congênitos em geral, a possibilidade de se dispor de um dispositivo percutaneamente implantável e que desapareça sem deixar vestígios é altamente desejável. Neste estudo apresentamos a experiência inicial dos autores com uma nova prótese parcialmente bioabsorvível.

MÉTODO: Foram selecionados pacientes portadores de forame oval patente (FOP) com pelo menos um evento embólico prévio, sem defeitos associados, passíveis de correção cirúrgica. O diagnóstico foi feito por meio de ecocardiograma transesofágico (ETE) e teste de bolhas. Durante o procedimento as próteses foram escolhidas de acordo com as medidas de comprimento e abertura do FOP, ao ETE. O seguimento foi realizado por meio de avaliação clínica e ecocardiograma transtorácico com um mês e três meses e ETE aos seis meses após o implante. Os pacientes utilizaram a associação de ácido acetilsalicílico e clopidogrel por três meses e ácido acetilsalicílico isolado nos três meses subsequentes. A profilaxia antimicrobiana para endocardite infecciosa foi mantida por seis meses.

RESULTADOS: Foram tratados 9 pacientes (5 do sexo masculino e 4 do sexo feminino), entre fevereiro e agosto de 2010. A média de idade foi de 43,4 ± 13,5 anos e de peso, de 71,4 ± 16,3 kg. A pressão pulmonar foi normal em todos os casos. O comprimento dos túneis variou de 6 mm a 11 mm e a abertura, de 2 mm a 3 mm. A média de variação de abertura não-provocadaprovocada foi de 2,1 ± 0,8 mm. O implante foi possível em todos os casos. Utilizamos 13 dispositivos nos 9 pacientes e um deles necessitou um segundo dispositivo implantado em um orifício adicional. Não houve complicações significativas nem óbitos.

CONCLUSÃO: O uso da prótese BioSTARTM mostrou-se seguro e eficaz, constituindo excelente alternativa para o fechamento do FOP simples.

Descritores: Forame oval patente. Cateterismo cardíaco. Próteses e implantes.

ABSTRACT

BACKGROUND: Despite the overall high success rate of per-cutaneous intervention in congenital defects, the possibility of having a percutaneous bioabsorbable implantable device is extremely desirable. The initial experience of the authors with a new partially bioabsorbable prosthesis is reported in this study.

METHOD: Patients with patent foramen ovale (PFO), with at least one previous embolic event, without additional surgical defects were selected. Diagnosis was made by transesophageal echocardiography (TEE) and the bubble test. Devices were chosen according to length and opening of PFO at the TEE. Patients were followed-up by transthoracic echocardiogram at 1 and 3 months and TEE at 6 months post implantation. Patients received a combination of acetylsalicylic acid and clopidogrel for 3 months and acetylsalicylic acid for another 3 months. Patients were maintained on antimicrobial prophylaxis for infectious endocarditis for 6 months.

RESULTS: Nine patients (5 male and 4 female) were treated from February to August 2010. Mean age was 43.4 ± 13.5 years and mean weight was 71.4 ± 16.3 kg. Pulmonary arterial pressure was normal in all of the patients. PFO tunnel lengths ranged from 6-11 mm and the opening ranged from 2-3 mm. Mean range from rest to stretched PFO opening was 2.1 ± 0.8 mm. Prosthesis implantation was possible in all of the cases. Thirteen devices were used in 9 patients, and one of them required a second device for an additional orifice. No major complications or procedure-related deaths were observed.

CONCLUSION: The use of the BioSTARTM device was safe and effective. It is an excellent alternative for PFO closure.

Key-words: Foramen ovale, patent. Heart catheterization. Prostheses and implants.

Na última década inúmeros dispositivos foram idealizados para o fechamento de praticamente todos os defeitos cardíacos congênitos estruturalmente menos complexos. Embora sejam tecnicamente viáveis, razoavelmente seguros e bastante eficazes, esses procedimentos causam preocupação no que se refere às consequências do implante de um corpo estranho no organismo, ao comportamento mecânico dessas próteses, fabricadas com material rígido e artificial, a longo prazo, e à possível interferência do dispositivo no desenvolvimento do coração e vasos ou no funcionamento de estruturas nobres circunvizinhas.

Apesar do sucesso das intervenções por cateter nos defeitos congênitos em geral, a possibilidade de se dispor de um dispositivo percutaneamente implantável e que desapareça sem deixar vestígios após cumprida sua missão precípua ainda povoa o imaginário de todos os intervencionistas mundo afora. Nesse sentido, alguns passos já foram dados.1-6

Neste estudo apresentamos a experiência inicial dos autores com uma nova prótese parcialmente bioabsorvível. São discutidos aspectos técnicos do implante e são tecidas considerações sobre o presente e o futuro do dispositivo em questão.

MÉTODO

Desenho do estudo e seleção dos pacientes

Este é um estudo prospectivo, unicêntrico e de braço único, que visa a apresentar a experiência inicial dos autores com a utilização da nova prótese BioSTARTM no tratamento de pacientes portadores de forame oval patente.

Pacientes portadores de forame oval patente com pelo menos um evento embólico paradoxal prévio foram selecionados para inclusão no estudo. O diagnóstico do forame oval patente foi feito em todos os casos por meio de ecocardiograma transesofágico com mapeamento de fluxo em cores e teste de bolhas. Foram feitas medidas do comprimento e a abertura do túnel do forame oval patente. Foram incluídos pacientes com forame oval patente sem aneurisma do septo atrial e que não apresentassem outros defeitos congênitos associados passíveis de correção cirúrgica. As dimensões do defeito não constituíram critério para a seleção dos pacientes.

Dispositivo investigado

A BioSTARTM é uma nova prótese especificamente desenhada para a oclusão dos defeitos do septo atrial. Tem a mesma estrutura metálica da prótese CardioSEALTM (NMT Medical, Boston, MA, Estados Unidos), composta por dois discos de uma liga de níquel-cobalto-cromomolibdênio (MP35N).7 Diferentemente da CardioSEALTM, que possui um tecido de poliéster revestindo os discos metálicos, a nova prótese BioSTARTM possui uma camada composta por matriz biológica de colágeno acelular tipo 1, altamente purificada, derivada de submucosa intestinal suína (ICL - Organogenesis, Canton, Estados Unidos). A prótese é recoberta por um complexo de heparina e cloreto de benzalcônio (HBAC - Celsus, Cincinnati, Estados Unidos), que, em estudos animais, reduziu a deposição de proteínas e a formação de trombos na superfície do dispositivo.8-10 A BioSTARTM, cujos dois discos são articulados por meio de micromolas, que conferem maior resistência a quebras, apresenta um mecanismo autocentralizador que consiste de fios de nitinol.11 O disco direito apresenta, em sua porção central, um pino com uma pequena esfera na extremidade para fixação no sistema de entrega. Na Figura 1, são apresentadas as principais diferenças entre as próteses CardioSEALTM e BioSTARTM.


Técnica de implante

Todos os pacientes foram orientados a tomar ácido acetilsalicílico no dose de 200 mg durante 3 a 5 dias antes do procedimento. Os procedimentos foram realizados sob anestesia geral com intubação orotraqueal. Foi realizada heparinização sistêmica na dose de 100 UI/kg ou 5.000 UI em adultos. Nos caso em que a duração do procedimento excedeu uma hora, foi administrada metade da dose original a cada 30 minutos até o término do exame. Profilaxia antimicrobiana com cefalotina intravenosa foi administrada nas doses de 50 mg/kg (máximo de 2 g) no momento do procedimento, seguida por mais duas doses de 500 mg de cefalexina, por via oral, em intervalos de oito horas.

A via de acesso utilizada foi a veia femoral direita. Após obtenção do acesso venoso, era administrada, através da bainha venosa, uma solução salina aerada para realização do teste de bolhas, visualizado ao ecocardiograma transesofágico. A seguir, era realizado cateterismo cardíaco direito e esquerdo com registro das pressões no tronco da artéria pulmonar. Com o auxílio do cateter diagnóstico multipropósito (MPA2) 5 F, o forame oval patente era cruzado, posicionando-se o cateter na veia pulmonar superior esquerda. No interior dele era avançado um fio guia rígido, de troca, com a extremidade distal ancorada na veia pulmonar. Os dispositivos eram selecionados com base na morfologia e nas dimensões do forame oval patente, obtidos pela ecocardiografia. Ao invés da medida do diâmetro estirado do forame oval patente por meio dos balões de medida, era realizada medida da abertura com a guia através dela, forçando o septo primo para longe do septo secundo, aumentando, dessa forma, a abertura e fazendo as vezes do diâmetro estirado. Foi avaliada, também, a taxa de variação entre o diâmetro em repouso e a abertura forçada.

O sistema de entrega consiste de uma bainha branca, longa, de 11 F, e de uma bainha curta, preta, de 14 F. A bainha longa era encaixada no interior da bainha curta e introduzida sobre a guia. A bainha curta era deixada fora da pele para só ser utilizada em caso de necessidade de resgate do dispositivo. A prótese era capturada por meio de uma mandíbula, acionada por um cabo flexível, no interior de um cateter cinzento, com o auxílio de uma manopla (Figura 2).


O carregamento do dispositivo iniciou-se pela colocação de uma seringa de 10 ml (fornecida com o sistema de entrega) no cabo da manopla. O cateter cinza era preenchido com solução salina até o aparecimento de gotas em sua extremidade distal. Em seguida, o cateter era posicionado sobre a manopla e preso a uma ranhura apropriada em sua porção superior, de forma a que a extremidade do cateter ficasse à esquerda da manopla, procedimento que facilita o acionamento do sistema de engate. Esse sistema consiste de um botão vermelho que deve ser tracionado de encontro a um botão cinzento e, ambos, avançados para abrir a mandíbula (Figura 3). A prótese, nessa fase, deverá estar totalmente seca e no interior da caixa em que vem acondicionada. Segura-se a caixa com a mão esquerda (é importante evitar contato manual com a membrana de ICL, para não avariá-la) e com a outra mão aproxima-se a mandíbula aberta e encaixa-se o pino no interior da mandíbula. Ao liberar os dois botões, a mandíbula se retrai e captura com firmeza o pino, conectando a prótese ao sistema liberador.


A prótese selecionada era conectada ao sistema de entrega, tomando-se o especial cuidado de não tocar sua superfície, mantendo-a seca durante essa fase. Em seguida, a prótese era colocada no interior de uma cuba com solução salina, por, pelo menos, cinco minutos, para hidratar o ICL. Após a hidratação, o dispositivo era introduzido no carregador plástico especial, esticando-se o disco distal pela tração dos fios cirúrgicos, e o disco proximal pela tração exercida pelo sistema de entrega. O carregador, com a prótese em seu interior, era conectado a uma valva hemostática em formato de Y e o sistema exaustivamente irrigado para retirar o ar de seu interior. Os fios cirúrgicos eram cortados e, delicadamente, puxados; a extremidade distal do carregador era, então, removida, deixando o sistema pronto para introdução na bainha longa. Isso foi feito encaixando-se o carregador na válvula hemostática da bainha longa. Ao se empurrar o cateter cinza, a prótese era transferida para o interior da bainha e, daí, até o septo atrial sob visão fluoroscópica.

Em seguida, recuando a bainha longa, empurrava-se a prótese, exteriorizando o disco esquerdo, observando-se, à fluoroscopia, se todas as hastes estavam expostas e livres. Feito isso, o conjunto era tracionado, trazendo o disco esquerdo de encontro ao septo, ocluindo a extremidade esquerda do forame oval patente. Mantendo a tração no sistema, a bainha longa era recuada, expondo o restante da prótese, formando o disco direito de forma a ocluir a extremidade direita do forame oval patente. Mais uma vez era feita cuidadosa inspeção do dispositivo à fluoroscopia, para detectar algum mau posicionamento das hastes, e o septo atrial era avaliado pelo Doppler em cores para a detecção de shunts residuais. Se a posição era considerada satisfatória, o dispositivo era liberado do sistema de entrega, apertando-se o botão vermelho e tracionando-o juntamente com o botão cinzento, abrindo assim as mandíbulas do fórceps. O procedimento era, então, encerrado e o paciente encaminhado a uma unidade fechada para acompanhamento pós-procedimento.

Antes da alta hospitalar, na manhã seguinte ao implante, a posição da prótese era avaliada pelo ecocardiograma transtorácico. No seguimento, os pacientes eram orientados a utilizar clopidogrel na dose de 75 mg por três meses e ácido acetilsalicílico na dose de 200 mg por seis meses. Profilaxia antimicrobiana para endocardite infecciosa era mantida por até seis meses após o procedimento. O acompanhamento constituiu-se de reavaliações clínicas e com ecocardiograma transtorácico imediatamente após o procedimento e um mês, três e seis meses após o implante, e, a partir de então, foram realizadas revisões anuais com ecocardiograma transtorácico.

RESULTADOS

De fevereiro a agosto de 2010 foram encaminhados 9 pacientes com forame oval patente para oclusão percutânea com prótese BioSTARTM, sendo 55,5% do sexo masculino. As idades variaram de 20 anos a 60 anos (43,4 ± 13,5 anos) e os pesos, de 50 kg a 96 kg (71,4 ± 16,3 kg). A pressão sistólica, medida no tronco da artéria pulmonar, foi normal em todos os pacientes.

Na Tabela 1, apresentamos as características morfométricas dos defeitos em cada paciente. O comprimento do túnel do forame oval patente variou de 6 mm a 11 mm (8 ± 1,8 mm) e a abertura não-provocada mediu entre 2 mm e 3 mm. A abertura provocada, medida no longo eixo do túnel, com o fio-guia cruzando o forame oval patente, mediu de 4 mm a 6 mm e a média de variação da abertura foi de 2,1 ± 0,8 mm.

O implante do dispositivo foi possível em todos os casos. Foram utilizados 13 dispositivos nos 9 pacientes (9 de 23 mm e 4 de 28 mm). Em 4 ocasiões foram utilizados 2 dispositivos em um mesmo paciente: nos casos 1, 4 e 5, a primeira prótese foi substituída por um segundo dispositivo; e no caso 9, o paciente apresentava um segundo orifício próximo à veia cava inferior, que foi ocluído com um novo dispositivo (Figura 4).


Ao final do procedimento todos os casos apresentaram oclusão satisfatória ao ecocardiograma transeso fágico, que demonstrou apenas pequena passagem de fluxo em cores pelo interior da prótese. Nenhum paciente apresentou teste de bolhas positivo imediatamente após a oclusão dos defeitos. Não foram observadas complicações significativas diretamente ligadas ao procedimento em nenhum caso. Não houve óbitos relacionados ao procedimento em nossa casuística.

Um dos pacientes (caso 7) queixou-se de episódio de cefaleia frontal fixa, após o procedimento, que desapareceu no terceiro dia após o implante. Outra paciente (caso 1) apresentou episódio de flutter atrial agudo três meses após o implante. Foi inicialmente medicada com antiarrítmicos e, três meses após, submetida a ablação por radiofrequência com sucesso, estando atualmente assintomática e em ritmo sinusal. Não houve qualquer alteração de posicionamento da prótese durante ou após o episódio arrítmico, bem como durante o procedimento de ablação, o que atesta a boa resistência do dispositivo.

Até o presente momento, a média de seguimento é de 5,2 ± 2,3 meses, e 5 dos 9 pacientes (55,5%) já completaram seis meses de seguimento, todos assintomáticos e sem presença de shunts residuais ao ecocardiograma transesofágico e/ou distorções da estrutura metálica do dispositivo, preocupações que poderiam surgir como consequência do processo de absorção do ICL. Ademais, nenhum paciente apresentou recidiva dos eventos embólicos.

DISCUSSÃO

A oclusão percutânea dos defeitos do septo atrial com diferentes tipos de dispositivos tornou-se o método de escolha para o tratamento de comunicação interatrial e forame oval patente. A presença de fluxos de baixa velocidade nas cavidades atriais, com o subsequente risco de tromboembolismo na prótese, exige que o dispositivo ideal seja capaz de promover a completa oclusão dos defeitos, com o mínimo possível de metal, tenha baixo perfil e promova a mais completa e precoce endotelização de seus discos. A prótese BioSTARTM se aproxima bastante dessas especificações, uma vez que é um dispositivo de baixo perfil, com pouco metal e que apresenta baixa trombogenicidade.

O ICL é um material fino, transparente e flexível e, por causa disso, apresenta uma interface mais suave entre o dispositivo e a superfície septal. Estudos com animais demonstraram que, cerca de 14 dias após o implante, a superfície do ICL já estava completamente coberta por neoendotélio. A trombogenicidade dos dispositivos explantados mostrou-se bastante baixa. Comparativamente, dispositivos CardioSEALTM demonstraram a mesma endotelização somente após 30 dias.12-15 Pequena quantidade de tecido de granulação foi encontrada no ICL entre a superfície endotelizada e o implante de matriz de colágeno. A espessura da camada do tecido de granulação era maior na periferia do dispositivo e a espessura global dessa camada aumentava com o tempo, sugerindo o crescimento de tecido a partir das bordas do dispositivo. Próteses explantadas após três meses estavam cobertas por tecido autólogo do hospedeiro. Apenas as micromolas e o pino central do disco direito permaneciam visíveis. Apesar disso, a superfície das micromolas apresentava-se brilhante, indicando a cobertura por uma fina camada de neoendotélio (Figura 5).


Comparando com os dispositivos convencionais recobertos de poliéster, a matriz de colágeno do ICL exibiu menor reação imunológica do tipo antígenoanticorpo e, durante todo o tempo de seguimento, mostrou nenhuma ou apenas mínima infiltração de células inflamatórias. Raramente granulócitos ou macrófagos foram observados no tecido de granulação. Em muitos cortes histológicos de dispositivos CardioSEALTM foi notada uma reação inflamatória granulomatosa envolvendo as fibras do poliéster. Embora geralmente leve, essa reação se manteve durante todo o período de seguimento.

Após um mês e, mais evidentemente, três meses, a matriz de tecido colágeno começou a mostrar os primeiros sinais de remodelamento. Durante todo o período de seguimento, entretanto, o ICL manteve estabilidade mecânica sem apresentar ruptura na camada de tecido colágeno. O ICL, portanto, apresenta maior consistência estrutural que outros materiais biologicamente derivados, como o pericárdio, sendo suficientemente forte para ser suturado num esqueleto metálico e introduzido por cateteres. A aplicação desse material no sistema cardiovascular resultou em endotelização mais rápida, com baixa trombogenicidade e menor resposta imunológica do hospedeiro, comparativamente aos dispositivos convencionais de poliéster.8,11

Embora desenvolvido para o fechamento de defeitos do septo atrial, existe uma importante limitação de tamanho no que diz respeito às comunicações interatriais. Como o maior dispositivo apresenta discos de 33 mm e a recomendação, como para todos os outros dispositivos de disco, é de que a relação do dispositivo para o orifício seja de 1,6:1 a, no máximo, 2:1, só poderão ser fechadas comunicações interatriais de até 16 mm de diâmetro, o que o torna mais adequado para o fechamento de forame oval patente.16

A maior dificuldade no uso desse dispositivo, conforme descrito no item "Método", talvez seja sua montagem. Um obstáculo inicial se apresenta: em virtude da sensibilidade do ICL, não é aconselhável manipulá-lo, principalmente após sua hidratação. O fabricante enfatiza que a montagem do dispositivo no sistema de entrega deve ser feita sem contato manual com a prótese e sem que ela seja molhada. A melhor forma de conseguir isso é segurar com uma das mãos a caixa em que a prótese vem acondicionada, cuidando para que o pino de engate esteja voltado para cima. Enquanto isso, com a outra mão, manipular a manopla com o cabo preso em sua parte superior, perpendicularmente ao longo eixo do sistema. A mandíbula aberta deve ser aproximada, cuidadosamente, do pino de engate até que, fechando-se a mandíbula, o pino seja capturado. Essa dificuldade deverá ser contornada na nova versão da prótese, que será fornecida já conectada ao sistema de entrega. Outra recomendação do fabricante é para que o ICL seja hidratado por, aproximadamente, cinco minutos antes de sua utilização. Uma das maneiras mais lógicas de se proceder é conectar a prótese ao sistema de entrega e, em seguida, colocá-la no interior da solução salina e deixá-la hidratar enquanto a bainha longa é preparada e introduzida no sistema vascular. Isso produzirá o tempo necessário para a adequada hidratação do produto, sem prolongar o tempo do procedimento.

Não houve maiores dificuldades no restante do processo de montagem do sistema de entrega nem na introdução do dispositivo. A bainha longa tem a curvatura correta e permite o deslizamento da prótese sem qualquer esforço pelo seu interior, tornando a exteriorização do disco esquerdo bastante fácil e precisa. Uma vez configurado o disco esquerdo, deve ser feita cuidadosa inspeção à fluoroscopia para garantir que as quatro hastes do disco estejam bem expostas e apresentando leve curvatura para o interior. Esse aspecto assegura que todas as hastes estão livres e o disco, completamente expandido. Em seguida o conjunto é tracionado de encontro ao septo e, com um único movimento, a bainha é recuada para permitir a formação do disco direito, que se articula de encontro ao esquerdo, fechando o dispositivo. Nova inspeção deve ser feita para garantir que os dois discos estão corretamente configurados e que conseguiram capturar o septo em seu interior. Por causa das micromolas existentes em ambos os discos, a força de preensão deles é bastante boa, mantendo a prótese bem aderida ao septo. Naturalmente, quanto maior o diâmetro do disco menor será essa força, que será compensada pela maior superfície dos discos, que, por sua vez, vão conferir maior estabilidade ao implante.

Outro aspecto digno de nota é que, pela presença das micromolas, depois de configurados, os discos ficam curvados, diminuindo seu diâmetro efetivo. Isso deverá ser levado em conta ao se escolher o tamanho das próteses, e em caso de dúvida deve ser escolhido um número imediatamente acima.

Algumas vezes o disco esquerdo se aproxima do septo em um ângulo considerado desfavorável ao implante pelo operador ou não faz completo contato, deixando alguma haste afastada. Isso é facilmente corrigido recuando-se o disco para o interior do átrio esquerdo e reaproximando-o, fazendo uma "torção" da manopla. Essa manobra modifica o ângulo de abordagem, facilitando o correto posicionamento do dispositivo.

O sistema de engate desse dispositivo é bastante seguro, e, apesar de sua aparente fragilidade, o pino não escapa da mandíbula mesmo quando são exercidas forças de tração muito maiores que as necessárias. O pino só escapa da mandíbula quando ela é aberta. Essa abertura só ocorrerá em duas circunstâncias: por meio da manipulação do botão vermelho, que é a forma correta, ou se for exercida tração no cateter cinza. Se a prótese for puxada pelo cateter cinza, essa tração faz abrir a mandíbula, liberando a prótese. A maneira correta de se tracionar o dispositivo é puxá-lo pela manopla, sem ativar o botão vermelho.

Em nosso estudo, foi preciso utilizar mais de uma prótese em um mesmo paciente em quatro casos. No caso número 1 (VARS), a prótese atravessou o septo durante o procedimento de encaixe no lado esquerdo do defeito; ao se tentar reembainhá-la, a prótese foi puxada pelo cateter cinza, causando a abertura da mandíbula e a consequente liberação do dispositivo no átrio direito. A prótese embolizou para o tronco pulmonar, de onde foi retirada, sem maiores dificuldades, por um laço de 20 mm pelo interior da bainha curta, e, em seguida, foi implantada nova prótese de 23 mm, sem dificuldades. Nos casos 4 (CFSS) e 5 (MAC), o diâmetro da primeira prótese, de 23 mm, foi mal avaliado, por não se levar em conta a curvatura dos discos, e foi considerada pequena depois de posicionada. Em ambos os casos a prótese ainda estava conectada ao cabo de liberação e foi retirada sem maiores dificuldades, sendo substituída por uma de número imediatamente superior (28 mm), ficando satisfatoriamente posicionada nos dois pacientes. E no caso 9 (VJAM) existia um segundo pertuito próximo à veia cava inferior, não visualizado nos ecocardiogramas prévios, que foi ocluído com sucesso com uma nova prótese.

O futuro

Embora seja considerado um dispositivo bioabsorvível, na realidade a estrutura metálica do BioSTARTM não tem essa propriedade. Esse foi apenas o primeiro passo. A nova geração dos dispositivos bioabsorvíveis da NMT é chamada de BioTREKTM. Trata-se de um dispositivo 100% bioabsorvível, facilmente reposicionável e recapturável, radiopaco e ecogênico, de baixa trombogenicidade (Figura 6). O esqueleto desse dispositivo é composto de um polímero poli(4-hidroxibutirato) (P4HB), que tem sido usado no desenvolvimento de fios de sutura, dispositivos para guiar o reparo tecidual, implantes cardíacos, pinos ortopédicos, stents, túbulos para regeneração nervosa e membranas para regeneração de pele.17 É um poliéster biologicamente produzido, isolado de bactérias modificadas por tecnologia genética, que não possui catalisadores metálicos que possam causar reação inflamatória. Material mais flexível e menos inflamatório que os comumente bioabsorvíveis, é absorvido como o metabólito natural 4-hidroxibutirato. Em animais, demonstrou completa endotelização em 30 dias. BioTREKTM tem o potencial de obter reparo estrutural do coração sem reação inflamatória crônica e sem manutenção de um corpo estranho, mantendo as mesmas técnicas de implante atuais.


CONCLUSÃO

Em nossa limitada experiência, a prótese BioSTARTM mostrou-se confiável, segura e efetiva, constituindo excelente alternativa para o tratamento percutâneo de forame oval patente não-complicado. Embora os resultados iniciais sejam altamente promissores, este estudo deverá ser ampliado para estabelecer a efetividade e a segurança desse produto em um seguimento mais longo e em pacientes mais complexos, como os portadores de aneurisma do septo atrial, túneis mais longos e com maiores aberturas.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declararam inexistência de conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 29/9/2010

Aceito em: 26/11/2010

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  • Correspondência:

    Francisco Chamié
    Rua Dois de Dezembro, 38/807 - Flamengo
    Rio de Janeiro, RJ, Brasil - CEP 22220-040
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Recebido
      29 Set 2010
    • Aceito
      26 Nov 2010
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