Acessibilidade / Reportar erro

Implante transcateter de prótese valvular aórtica: perfil clínico e evolução de uma série consecutiva de 75 casos do registro conjunto Universidade de Bolonha/Hospital Sírio-Libanês

Transcatheter implantation of aortic valve prosthesis: clinical profile and course of a consecutive series of 75 cases of the Bologna University/Hospital Sírio-Libanês joint registry

Resumos

INTRODUÇÃO: O implante transcateter de prótese valvular aórtica (ITVA) tem sido utilizado em nosso meio e em diversos países do mundo como alternativa ao tratamento conservador em pacientes com estenose aórtica grave e elevado risco cirúrgico. Objetivou-se descrever o perfil clínico basal e a mortalidade a curto e médio prazos de uma série consecutiva de casos tratados com ITVA em dois centros localizados, respectivamente, na Itália e no Brasil. MÉTODOS: A população de estudo foi composta pelos primeiros 75 pacientes consecutivos com estenose valvar aórtica grave tratados com a prótese Medtronic CoreValveTM Revalving System (MCV - Medtronic, Minneapolis, Estados Unidos). Tipicamente, a indicação para o ITVA foi motivada pelo alto risco cirúrgico. A média de idade era de 82 anos, 55% eram mulheres, um terço apresentava doença pulmonar grave e 95% apresentavam insuficiência cardíaca sintomática. RESULTADOS: Após o ITVA, houve redução significativa do gradiente transvalvar aórtico máximo (basal: 95,8 ± 32,3 mmHg; pós-procedimento: 18,5 ± 6,1 mmHg) e médio (basal: 45,9 ± 16,9 mmHg; pós-procedimento: 10,4 ± 5,2 mmHg) (P < 0,01 para ambos). Insuficiência aórtica moderada ou acentuada foi evidenciada em 7% dos casos após ITVA. A taxa de sobrevida global aos 30 dias foi de 91,6% e aos 12 meses, de 79%. CONCLUSÕES: O ITVA surge como um método terapêutico de grande relevância para portadores de estenose aórtica de alto risco cirúrgico. As taxas de sobrevida precoce e a médio prazo indicam o benefício potencial do novo procedimento também para pacientes tratados no chamado mundo real.

Estenose da valva aórtica; Cateterismo; Próteses valvulares cardíacas; Implante de prótese de valva cardíaca


BACKGROUND: Transcatheter aortic valve implantation (TAVI) has been used in our country and in several different countries worldwide as an alternative to conservative treatment for patients with severe aortic stenosis and high surgical risk. This paper aimed at describing the baseline clinical profile and the short and medium-term mortality of a consecutive series of cases treated with TAVI in two centers in Italy and Brazil, respectively. METHODS: The study population included the first 75 consecutive patients with severe aortic stenosis treated with the Medtronic CoreValveTM Revalving System (MCV - Medtronic, Minneapolis, USA). Typically, the indication for TAVI was motivated by high surgical risk. Mean age was 82 years, 55% were females, a third had severe lung disease, and 95% had symptomatic heart failure. RESULTS: TAVI was associated with a significant reduction of peak (baseline: 95.8 ± 32.3 mmHg; post-procedure: 18.5 ± 6.1 mmHg) and mean (baseline: 45.9 ± 16.9 mmHg; post-procedure: 10.4 ± 5.2 mmHg) transaortic gradient (P < 0.01 for both). Moderate or severe aortic insufficiency was observed in 7% of the cases. The overall survival rate at 30 days was 91.6% and at 12 months it was 79% CONCLUSIONS: TAVI emerges as an important therapeutic option for high risk patients with aortic stenosis. The short and medium-term survival rates suggest that the new procedure might be of benefit for patients treated in the real world context.

Aortic valve stenosis; Catheterization; Heart valve prosthesis; Heart valve prosthesis implantation


ARTIGO ORIGINAL

Implante transcateter de prótese valvular aórtica: perfil clínico e evolução de uma série consecutiva de 75 casos do registro conjunto Universidade de Bolonha/Hospital Sírio-Libanês

Transcatheter implantation of aortic valve prosthesis: clinical profile and course of a consecutive series of 75 cases of the Bologna University/Hospital Sírio-Libanês joint registry

Pedro A. LemosI; Francesco SaiaII; Antonio MarzocchiII; José Mariani Jr.I; Antonio Esteves FilhoI; Luiz J. KajitaI; Barbara BordoniII; Cinzia MarrozziniII; Cristina CiucaII; Carolina MorettiII; Nevio TaglieriII; Marianna D. A. DracoulakisI; Ariane V. S. MacedoI; Julio C. S. MariñoI; Fabio B. JateneI; Angelo BranziII; Roberto Kalil FilhoI

IHospital Sírio-Libanês - São Paulo, SP, Brasil

IIUniversità di Bologna - Policlinico S. Orsola-Malpighi - Bolonha, Itália

Correspondência Correspondência: Pedro A. Lemos R. Dona Adma Jafet, 91 - Bela Vista São Paulo, SP, Brasil - CEP 01308-050 E-mail: pedro.lemos@hsl.org.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: O implante transcateter de prótese valvular aórtica (ITVA) tem sido utilizado em nosso meio e em diversos países do mundo como alternativa ao tratamento conservador em pacientes com estenose aórtica grave e elevado risco cirúrgico. Objetivou-se descrever o perfil clínico basal e a mortalidade a curto e médio prazos de uma série consecutiva de casos tratados com ITVA em dois centros localizados, respectivamente, na Itália e no Brasil.

MÉTODOS: A população de estudo foi composta pelos primeiros 75 pacientes consecutivos com estenose valvar aórtica grave tratados com a prótese Medtronic CoreValveTM Revalving System (MCV - Medtronic, Minneapolis, Estados Unidos). Tipicamente, a indicação para o ITVA foi motivada pelo alto risco cirúrgico. A média de idade era de 82 anos, 55% eram mulheres, um terço apresentava doença pulmonar grave e 95% apresentavam insuficiência cardíaca sintomática.

RESULTADOS: Após o ITVA, houve redução significativa do gradiente transvalvar aórtico máximo (basal: 95,8 ± 32,3 mmHg; pós-procedimento: 18,5 ± 6,1 mmHg) e médio (basal: 45,9 ± 16,9 mmHg; pós-procedimento: 10,4 ± 5,2 mmHg) (P < 0,01 para ambos). Insuficiência aórtica moderada ou acentuada foi evidenciada em 7% dos casos após ITVA. A taxa de sobrevida global aos 30 dias foi de 91,6% e aos 12 meses, de 79%.

CONCLUSÕES: O ITVA surge como um método terapêutico de grande relevância para portadores de estenose aórtica de alto risco cirúrgico. As taxas de sobrevida precoce e a médio prazo indicam o benefício potencial do novo procedimento também para pacientes tratados no chamado mundo real.

Descritores: Estenose da valva aórtica. Cateterismo. Próteses valvulares cardíacas. Implante de prótese de valva cardíaca.

ABSTRACT

BACKGROUND: Transcatheter aortic valve implantation (TAVI) has been used in our country and in several different countries worldwide as an alternative to conservative treatment for patients with severe aortic stenosis and high surgical risk. This paper aimed at describing the baseline clinical profile and the short and medium-term mortality of a consecutive series of cases treated with TAVI in two centers in Italy and Brazil, respectively.

METHODS: The study population included the first 75 consecutive patients with severe aortic stenosis treated with the Medtronic CoreValveTM Revalving System (MCV - Medtronic, Minneapolis, USA). Typically, the indication for TAVI was motivated by high surgical risk. Mean age was 82 years, 55% were females, a third had severe lung disease, and 95% had symptomatic heart failure.

RESULTS: TAVI was associated with a significant reduction of peak (baseline: 95.8 ± 32.3 mmHg; post-procedure: 18.5 ± 6.1 mmHg) and mean (baseline: 45.9 ± 16.9 mmHg; post-procedure: 10.4 ± 5.2 mmHg) transaortic gradient (P < 0.01 for both). Moderate or severe aortic insufficiency was observed in 7% of the cases. The overall survival rate at 30 days was 91.6% and at 12 months it was 79%

CONCLUSIONS: TAVI emerges as an important therapeutic option for high risk patients with aortic stenosis. The short and medium-term survival rates suggest that the new procedure might be of benefit for patients treated in the real world context.

Key-words: Aortic valve stenosis. Catheterization. Heart valve prosthesis. Heart valve prosthesis implantation.

Atualmente, pacientes com estenose valvar aórtica sintomática são encaminhados para tratamento cirúrgico, considerado a forma terapêutica de escolha para esses indivíduos. Na prática clínica, no entanto, o perfil típico da população com estenose aórtica degenerativa - com elevada faixa etária e alta taxa de comorbidades - não raro contraindica a cirurgia de troca valvar aórtica, em decorrência do alto risco de complicações pós-operatórias nesse subgrupo.1 De fato, estudos prévios indicam que até um terço dos pacientes com estenose aórtica grave diagnosticada é mantido em tratamento clínico.1

Nos últimos anos, o implante transcateter de prótese valvular aórtica (ITVA) tem sido utilizado tanto em nosso meio como em outros países como alternativa ao tratamento conservador em pacientes com estenose aórtica grave e elevado risco cirúrgico. Evidências recentes sugerem que o ITVA está associado a redução significativa da mortalidade em pacientes com estenose aórtica e contraindicação para o tratamento cirúrgico.2

No presente estudo objetivou-se descrever o perfil clínico basal e a mortalidade a curto e médio prazos dos primeiros 75 casos consecutivos tratados com ITVA em dois centros cardiológicos terciários localizados, respectivamente, na Itália e no Brasil.

MÉTODOS

Os programas de tratamento por ITVA da Universidade de Bolonha (Policlinico S. Orsola-Malpighi, Bolonha, Itália) e do Hospital Sírio-Libanês (São Paulo, SP, Brasil) iniciaram-se em fevereiro de 2008 e julho de 2009, respectivamente. A presente população de estudo é composta pelos primeiros 75 pacientes consecutivos tratados em ambos os centros (Bolonha = 61 pacientes; São Paulo = 14 pacientes) com a prótese Medtronic CoreValveTM Revalving System (MCV - Medtronic, Minneapolis, Estados Unidos), atualmente a única disponível no Brasil para essa aplicação. Todos os pacientes eram portadores de estenose aórtica grave, definida como área valvar aórtica < 1 cm2 e/ou gradiente médio > 40 mmHg. Tipicamente, a indicação para o tratamento transcateter foi motivada pelo alto risco cirúrgico. Nenhum paciente foi excluído da presente análise.

Os pacientes foram selecionados por critérios anatômicos, que incluíam anel valvar com diâmetro entre 20 mm e 27 mm, diâmetro da raiz aórtica > 27 mm, e diâmetro da aorta ascendente < 43 mm. Todos os pacientes ou responsáveis assinaram o termo de consentimento esclarecido. Para o implante, foi utilizada a terceira geração da prótese CoreValve™, constituída por endoprótese metálica de nitinol, com folheto trivalvular de pericárdio porcino, em sistema de liberação com diâmetro externo de 18 F.

O ITVA foi considerado bem-sucedido em pacientes cuja prótese foi liberada na topografia desejada e estava normofuncionante em ecocardiograma de controle, e na ausência de complicações maiores durante o procedimento. Todos os pacientes receberam 200 mg de ácido acetilsalicílico por via oral e 300 mg de clopidogrel, também por via oral, previamente ao procedimento. Durante a intervenção, foi administrada heparina não-fracionada endovenosa, com controle do tempo de coagulação ativada, com alvo entre 250 segundos e 350 segundos.

As características basais e intra-hospitalares foram coletadas prospectivamente e a condição vital de todos os pacientes foi conferida em consulta presencial ou por meio de contato telefônico.

Variáveis contínuas são apresentadas como média e desvio padrão e variáveis categóricas, como porcentagens. Comparações entre valores pré- e pós-procedimento foram realizadas com o teste t de Student pareado. As estimativas de sobrevida foram realizadas pelo método de Kaplan-Meier.

RESULTADOS

As características basais são sumarizadas na Tabela 1. A média de idade era de 82 anos, com aproximadamente metade da população composta por mulheres. Todos os pacientes apresentavam estenose aórtica grave, com insuficiência cardíaca sintomática em 95% dos casos. Aproximadamente um terço da população apresentava doença pulmonar grave e elevado risco cirúrgico, de acordo com os algoritmos STS e EuroSCORE.3,4

O acesso arterial para o ITVA foi obtido através da artéria femoral em 84%, tendo sido o restante dos casos tratados por via subclávia (Tabela 2). Após o ITVA, houve redução significativa do gradiente transvalvar aórtico máximo (basal: 95,8 ± 32,3 mmHg; pós-procedimento: 18,5 ± 6,1 mmHg) e médio (basal: 45,9 ± 16,9 mmHg; pós-procedimento: 10,4 ± 5,2 mmHg) (P < 0,01 para ambos). Insuficiência aórtica moderada ou acentuada foi evidenciada em 7% dos casos após o implante. Dos 65 pacientes sem marca-passo definitivo prévio, 22% necessitaram implante de marca-passo definitivo após o ITVA.

O tempo médio de seguimento pós-procedimento foi de 304 ± 224 dias. Aos 30 dias, 91,6% dos pacientes encontravam-se vivos, enquanto a sobrevida global após um ano foi de 79% (Figura 1). A necessidade de marcapasso definitivo após o ITVA não influenciou o risco de óbito durante a evolução (hazard ratio 0,63, intervalo de confiança de 95% 0,13-2,88; P = 0,5) (Figura 2).



DISCUSSÃO

Esta série consecutiva de casos tratados com ITVA reflete o perfil clínico esperado para pacientes com estenose aórtica crítica de alto risco cirúrgico. No entanto, apesar da idade avançada - em sua maioria octogenários - e da alta prevalência de comorbidades, os procedimentos foram realizados com bom índice de segurança, resultando em taxa de mortalidade global aos 30 dias de somente 8,4%. O ITVA também associou-se a alta eficácia, traduzida pela redução drástica do gradiente pressórico transvalvar aórtico.

A mortalidade geral após um ano foi de 21%, semelhante à relatada no recente estudo randomizado Placement of Aortic Transcatheter Valve (PARTNER), que demonstrou o potencial do ITVA em reduzir a mortalidade de pacientes com estenose aórtica grave.2 Esse achado indica que o benefício do novo procedimento também pode ser extrapolado para o cenário de pacientes tratados no chamado mundo real. De fato, a taxa de sobrevida de aproximadamente 80% após um ano configurou-se amplamente promissora quando comparada à evolução natural esperada para uma população de risco muito elevado.

Após o tratamento cirúrgico, o implante de mar-ca-passo definitivo é necessário em até 8% dos casos.1,5,6 Em nossa série, do total de pacientes sem mar-ca-passo prévio, 22% necessitaram de marca-passo definitivo. Essa taxa parece excessiva quando comparada às séries cirúrgicas. Além disso, apesar de não haver estudos comparativos diretos, a necessidade de marcapasso após o implante de CoreValve™ parece ser maior que a observada em séries que utilizaram outro tipo de prótese transcateter expansível por balão (ainda não disponível no Brasil).2 No entanto, é importante notar que, nos pacientes avaliados neste estudo, a necessidade de novo marca-passo não alterou significativamente a evolução clínica, e também não influenciou a mortalidade ao longo do primeiro ano de evolução.

CONCLUSÕES

O ITVA surge como um método terapêutico de grande relevância para portadores de estenose aórtica de alto risco cirúrgico, anteriormente mantidos em tratamento clínico. As taxas de mortalidade precoce e a médio prazo observadas nesta série indicam o benefício potencial do novo procedimento também para pacientes tratados no chamado mundo real.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 1º/2/2011

Aceito em: 4/3/2011

  • 1. Iung B, Cachier A, Baron G, Messika-Zeitoun D, Delahaye F, Tornos P, et al. Decision-making in elderly patients with severe aortic stenosis: Why are so many denied surgery? Eur Heart J. 2005;26(24):2714-20.
  • 2. Leon MB, Smith CR, Mack M, Miller DC, Moses JW, Svensson LG, et al. Transcatheter aortic-valve implantation for aortic stenosis in patients who cannot undergo surgery. N Engl J Med. 2010;363(17):1597-607.
  • 3. Roques F, Michel P, Goldstone AR, Nashef SA. The logistic EuroSCORE. Eur Heart J. 2003;24(9):881-2.
  • 4. Piazza N, Wenaweser P, van Gameren M, Pilgrim T, Tzikas A, Otten A, et al. Relationship between the logistic EuroSCORE and the Society of Thoracic Surgeons Predicted Risk of Mortality score in patients implanted with the CoreValve ReValving System-a Bern-Rotterdam study. Am Heart J. 2010;159(2): 323-9.
  • 5. El-Khally Z, Thibault B, Staniloae C, Theroux P, Dubuc M, Roy D, et al. Prognostic significance of newly acquired bundle branch block after aortic valve replacement. Am J Cardiol. 2004;94(8):1008-11.
  • 6. Kolh P, Lahaye L, Gerard P, Limet R. Aortic valve replacement in the octogenarians: perioperative outcome and clinical follow-up. Eur J Cardiothorac Surg. 1999;16(1):68-73.
  • Correspondência:

    Pedro A. Lemos
    R. Dona Adma Jafet, 91 - Bela Vista
    São Paulo, SP, Brasil - CEP 01308-050
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Aceito
      04 Mar 2011
    • Recebido
      01 Fev 2011
    Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista - SBHCI R. Beira Rio, 45, 7o andar - Cj 71, 04548-050 São Paulo – SP, Tel. (55 11) 3849-5034, Fax (55 11) 4081-8727 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: sbhci@sbhci.org.br