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Valvoplastia mitral pela técnica de inoue: registro do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

Mitral valvuloplasty with the inoue balloon technique: registry of patients treated at Hospital das Clínicas, Ribeirão Preto Medical School

Resumos

INTRODUÇÃO: Apesar da alta prevalência de estenose mitral no Brasil, nota-se impressionante subnotificação dos procedimentos de tratamento percutâneo dessa afecção na literatura nacional. Este artigo tem como objetivo relatar os resultados e a evolução dos pacientes com estenose mitral reumática, tratados pela técnica de Inoue. MÉTODOS: Foram analisados parâmetros clínicos, ecocardiográficos e relacionados ao procedimento de pacientes tratados no período de 1997 a 2009 e acompanhados por pelo menos um mês. RESULTADOS: Foram avaliados 102 pacientes, a maioria do sexo feminino (89,2%), com média de idade de 38,1 ± 11,1 anos, dos quais 80,4% estavam em classe funcional II-III. A área valvar média pela ecocardiografia (ECO) era de 1,01 ± 0,19 cm² e pelo cateterismo (CAT), de 0,87 ± 0,2 cm². O escore de Wilkins & Block estava entre 5 e 8 em cerca de 90% dos pacientes e 88,2% estavam em ritmo sinusal. O procedimento alcançou sucesso em 76,5% dos casos, com aumento da área valvar mitral média de 1,9 ± 0,5 cm² pelo ECO (P < 0,001) e de 2 ± 0,5 cm² pelo CAT (P < 0,001). O gradiente médio átrio esquerdo-ventrículo esquerdo reduziu-se de 16,6 mmHg para 4,2 mmHg (P < 0,001). O débito cardíaco aumentou de 3,75 l/min para 4,67 l/min (P < 0,001), sendo um preditor de sucesso para o procedimento. Em 79,4% dos pacientes obteve-se a evolução de um ano, em que 87,6% dos pacientes estavam em classe funcional I e apenas 2 pacientes necessitaram tratamento cirúrgico. Durante o seguimento de cinco anos não foi observado nenhum caso de acidente vascular cerebral ou óbito de causa cardíaca. CONCLUSÕES: A valvoplastia mitral por técnica de Inoue para o tratamento da estenose mitral reumática é técnica eficaz a médio prazo, e com baixa taxa de complicações.

Estenose da valva mitral; Dilatação com balão; Débito cardíaco; Cardiopatia reumática


BACKGROUND: Despite the high prevalence of mitral stenosis in Brazil, there is a significant underreporting of percutaneous procedures in the treatment of this disease in the national literature. This study is aimed at reporting the results and course of patients with rheumatic mitral stenosis treated with the Inoue balloon. METHODS: Clinical, echocardiographic and procedure-related parameters of patients treated from 1997 to 2009 who were followed-up for at least a month were evaluated. RESULTS: One hundred and two patients were evaluated, most of them females (89.2%), with mean age of 38.1 ± 11.1 years, 80.4% were in functional class II-III. Mean mitral valve area obtained by echocardiography (ECHO) was 1.01 ± 0.19 cm² and 0.87 ± 0.2 cm² by hemodynamic measurements (HEMO). Wilkins & Block score ranged from 5 to 8 in about 90% of the patients and 88.2% of them were in sinus rhythm. The procedure was successful in 76.5% patients with mean mitral valve area increasing to 1.9 ± 0.5 cm² as measured by ECHO (P < 0.001) and to 2 ± 0.5 cm² as calculated by HEMO (P < 0.001). Mean left atrial-left ventricular gradient was reduced from 16.6 mmHg to 4.2 mmHg (P < 0.001). Cardiac output increased from 3.75 L/min to 4.67 L/min (P < 0.001) and this change was a predictor of success. Of 79.4% patients who were followed-up for 1 year, 87.6% were in functional class I and only 2 cases required surgical treatment. During the 5-year follow-up there were no cases of stroke or death due to cardiac causes CONCLUSIONS: Mitral valvuloplasty with the Inoue balloon is effective for the treatment of rheumatic mitral stenosis in the medium term and has a low complication rate.

Mitral valve stenosis; Balloon dilation; Cardiac output; Rheumatic heart disease


ARTIGO ORIGINAL

Valvoplastia mitral pela técnica de inoue: registro do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

Mitral valvuloplasty with the inoue balloon technique: registry of patients treated at Hospital das Clínicas, Ribeirão Preto Medical School

Daniel Conterno Lemos; José Antonio Marin-Neto; Moysés de Oliveira Lima Filho; Geraldo Luis Figueiredo; Igor Matos Lago; Leon Gustavo Macedo

Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - Ribeirão Preto, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Daniel Conterno Lemos Av. Bandeirantes, 3.900 - Monte Alegre Ribeirão Preto, SP, Brasil - CEP 14049-900 E-mail: dclemos@hotmail.com

RESUMO

INTRODUÇÃO: Apesar da alta prevalência de estenose mitral no Brasil, nota-se impressionante subnotificação dos procedimentos de tratamento percutâneo dessa afecção na literatura nacional. Este artigo tem como objetivo relatar os resultados e a evolução dos pacientes com estenose mitral reumática, tratados pela técnica de Inoue.

MÉTODOS: Foram analisados parâmetros clínicos, ecocardiográficos e relacionados ao procedimento de pacientes tratados no período de 1997 a 2009 e acompanhados por pelo menos um mês.

RESULTADOS: Foram avaliados 102 pacientes, a maioria do sexo feminino (89,2%), com média de idade de 38,1 ± 11,1 anos, dos quais 80,4% estavam em classe funcional II-III. A área valvar média pela ecocardiografia (ECO) era de 1,01 ± 0,19 cm2 e pelo cateterismo (CAT), de 0,87 ± 0,2 cm2. O escore de Wilkins & Block estava entre 5 e 8 em cerca de 90% dos pacientes e 88,2% estavam em ritmo sinusal. O procedimento alcançou sucesso em 76,5% dos casos, com aumento da área valvar mitral média de 1,9 ± 0,5 cm2 pelo ECO (P < 0,001) e de 2 ± 0,5 cm2 pelo CAT (P < 0,001). O gradiente médio átrio esquerdo-ventrículo esquerdo reduziu-se de 16,6 mmHg para 4,2 mmHg (P < 0,001). O débito cardíaco aumentou de 3,75 l/min para 4,67 l/min (P < 0,001), sendo um preditor de sucesso para o procedimento. Em 79,4% dos pacientes obteve-se a evolução de um ano, em que 87,6% dos pacientes estavam em classe funcional I e apenas 2 pacientes necessitaram tratamento cirúrgico. Durante o seguimento de cinco anos não foi observado nenhum caso de acidente vascular cerebral ou óbito de causa cardíaca.

CONCLUSÕES: A valvoplastia mitral por técnica de Inoue para o tratamento da estenose mitral reumática é técnica eficaz a médio prazo, e com baixa taxa de complicações.

Descritores: Estenose da valva mitral. Dilatação com balão. Débito cardíaco. Cardiopatia reumática.

ABSTRACT

BACKGROUND: Despite the high prevalence of mitral stenosis in Brazil, there is a significant underreporting of percutaneous procedures in the treatment of this disease in the national literature. This study is aimed at reporting the results and course of patients with rheumatic mitral stenosis treated with the Inoue balloon.

METHODS: Clinical, echocardiographic and procedure-related parameters of patients treated from 1997 to 2009 who were followed-up for at least a month were evaluated.

RESULTS: One hundred and two patients were evaluated, most of them females (89.2%), with mean age of 38.1 ± 11.1 years, 80.4% were in functional class II-III. Mean mitral valve area obtained by echocardiography (ECHO) was 1.01 ± 0.19 cm2 and 0.87 ± 0.2 cm2 by hemodynamic measurements (HEMO). Wilkins & Block score ranged from 5 to 8 in about 90% of the patients and 88.2% of them were in sinus rhythm. The procedure was successful in 76.5% patients with mean mitral valve area increasing to 1.9 ± 0.5 cm2 as measured by ECHO (P < 0.001) and to 2 ± 0.5 cm2 as calculated by HEMO (P < 0.001). Mean left atrial-left ventricular gradient was reduced from 16.6 mmHg to 4.2 mmHg (P < 0.001). Cardiac output increased from 3.75 L/min to 4.67 L/min (P < 0.001) and this change was a predictor of success. Of 79.4% patients who were followed-up for 1 year, 87.6% were in functional class I and only 2 cases required surgical treatment. During the 5-year follow-up there were no cases of stroke or death due to cardiac causes

CONCLUSIONS: Mitral valvuloplasty with the Inoue balloon is effective for the treatment of rheumatic mitral stenosis in the medium term and has a low complication rate.

Key-words: Mitral valve stenosis. Balloon dilation. Cardiac output. Rheumatic heart disease.

A estenose mitral, descrita há 300 anos por Vieussens, é condição cuja prevalência tem diminuído de forma significativa no mundo, principalmente em países desenvolvidos, mas de forma menos consistente em países em desenvolvimento: 1 caso por 2.000 em países desenvolvidos, comparativamente a 6 por 1.000 crianças na Índia, por exemplo.1 Isso se deve a vários fatores, mas principalmente a melhores condições higiênicas, com consequente diminuição da incidência da febre reumática. Estima-se existirem ainda cerca de 30 milhões de crianças e adultos jovens com febre reumática em todo o mundo, um terço dos quais com estenose mitral.2 A prevalência em estudos brasileiros é de 0,7 a 3,6 por 1.000.3,4 Além da febre reumática, outras causas bastante raras de estenose mitral incluem calcificação ânulo-mitral, deformidades congênitas e doenças infiltrativas.

Introduzida em 1984 por Inoue et al.5 e relatada no Brasil pela primeira vez em 19876, a valvoplastia mitral percutânea é procedimento da cardiologia intervencionista que facilitou de forma marcante o tratamento de doenças estenóticas da valva mitral. O desempenho do procedimento mostrou-se similar, em muitos aspectos e resultados, à abordagem cirúrgica clássica, quando os métodos foram comparados em estudo randomizado.7 Dependendo de características do paciente e do aparelho valvar e subvalvar, o aumento da área valvar obtido é semelhante com ambas as técnicas.8,9

A Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista criou um banco de dados, em 1991, para registrar intervenções coronárias percutâneas. Posteriormente, o registro, denominado Central Nacional de Intervenções Cardiovasculares (CENIC), ampliou-se para também albergar informações sobre procedimentos intervencionistas em cardiopatias congênitas, em valvopatias, e em leitos vasculares não-coronários. As contribuições são voluntárias e foram realizadas por 76% dos membros em 1992.10 Em levantamento realizado de janeiro de 1992 a dezembro de 1993, foram relatados 551 valvoplastias mitrais por via percutânea, com sucesso imediato de 92,9%. Desde então, não foram publicados novos levantamentos sobre valvoplastia mitral com abordagem intervencionista a partir desse banco de dados, e verifica-se notável escassez de dados na atual base de dados sobre esse procedimento registrada pelo CENIC. Portanto, a situação é de impressionante subnotificação desses procedimentos, em todo o território nacional, quanto ao registro CENIC. A experiência de valvoplastia mitral foi subsequentemente publicada por dois grupos nacionais.11-14

O objetivo deste estudo é relatar a experiência, assim como os resultados a curto e médio prazos, dos procedimentos realizados, pela técnica de Inoue, no Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Constituiu também escopo desta publicação a análise de alguns aspectos hemodinâmicos relativos à fisiopatologia da estenose mitral, conforme modificada agudamente pelo procedimento de Inoue.

MÉTODOS

Os dados foram obtidos de forma retroativa, por meio do estudo dos prontuários médicos dos procedimentos realizados nesse Serviço de 17 de outubro de 1997 a 30 de dezembro de 2009, nos pacientes com mais de 14 anos de idade, portadores de estenose mitral reumática. Nesse período, foram feitos 104 procedimentos pela técnica de Inoue, sendo avaliados os seguintes parâmetros: idade, gênero, classe funcional (segundo a NYHA), área valvar mitral antes e após procedimento, gradiente mitral antes e após procedimento, fração de ejeção, escore de Willkins & Block, pressões de artéria pulmonar, presença de fibrilação atrial, desenvolvimento de fibrilação atrial, mortalidade, classe funcional, necessidade de cirurgia para troca valvar em período de até cinco anos, além de características gerais do procedimento (balão utilizado, número de insuflações e complicações do procedimento).

O sucesso da valvoplastia foi aferido por meio da redução imediata do gradiente médio átrio esquerdoventrículo esquerdo (AE/VE), bem como por estimativas da área valvar mitral pelos dados hemodinâmicos do cateterismo (CAT) antes e imediatamente após o procedimento (fórmula de Gorlin, com o débito cardíaco estimado por termodiluição com cateter de Swan-Ganz) ou por ecocardiografia (ECO) antes e dentro do primeiro mês após o procedimento (utilizou-se o método de planimetria ou PHT quando o primeiro não estava disponível). Foram critérios de sucesso do procedimento: aumento da área valvar mitral > 1,5 mm2 e/ou aumento > 50% relativamente à área valvar inicial, na ausência de insuficiência mitral > grau II (método de Sellers et al.15).

Foi utilizado o programa SPSS 17.0 para a análise estatística. Utilizou-se o teste do qui-quadrado ou exato de Fischer para a comparação de variáveis categóricas. O teste t de Student foi usado para análise das variáveis contínuas.

RESULTADOS

No período mencionado, foram realizados 104 procedimentos de valvoplastia mitral percutânea, sempre pela técnica de Inoue, dos quais foram excluídos da análise 2 procedimentos em crianças portadoras de estenose mitral congênita. Todos os 102 pacientes eram portadores de lesão mitral de origem reumática, e tinham o procedimento indicado de acordo com as diretrizes vigentes na época. Foram analisados todos os casos com seguimento mínimo de 30 dias. O período médio de seguimento foi de 38,6 meses, sendo o mais longo de 13 anos. Mulheres representaram 89,2% dos casos, das quais 6 (5,8%) eram gestantes. A média de idade foi de 38,1 ± 11,1 anos. Com relação à classe funcional, 37 (36,3%) dos pacientes estavam em classe funcional II antes do procedimento e 45 (44,1%), em classe funcional III. Em 90% dos pacientes se realizava na ocasião sua primeira intervenção na valva mitral. Análise ecocardiográfica mostrou: fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) média de 66,4 ± 7,3%. A pressão da artéria pulmonar variou entre 20 mmHg e 119 mmHg de pressão sistólica e 12 mmHg e 80 mmHg de pressão média, e 91 (89,2%) pacientes apresentavam hipertensão pulmonar. A área valvar média préprocedimento, medida pelo ECO, era de 1,01 ± 0,19 cm2 (variando entre 0,6 cm2 e 1,5 cm2). Pelo CAT, em apenas 68 dos procedimentos (63%) foi também realizada medida do débito cardíaco por termodiluição e estimativa da área valvar pré-procedimento, sendo a média de 0,87 ± 0,2 cm2 (variando entre 0,5 cm2 e 1,3 cm2). O gradiente médio AE/VE pré-procedimento estimado pelo ECO foi de 13,5 ± 4,8 mmHg, enquanto pelo CAT registrou-se gradiente médio AE/VE de 16,6 ± 6 mmHg; O escore de Wilkins & Block em cerca de 90% dos pacientes estava entre 5 e 8, 98% dos pacientes não apresentavam insuficiência mitral ou apresentavam insuficiência mitral grau I, enquanto 90 (88,2%) pacientes estavam em ritmo sinusal (Tabelas 1 e 2).

Em todos os procedimentos foi utilizado apenas um balão de Inoue, sendo as medidas de 26 mm e 28 mm as mais utilizadas (84 vezes, 91,3% dos casos). Até 3 insuflações consecutivas do balão foram necessárias para a conclusão do procedimento em 84 (82,7%) casos.

Obteve-se sucesso hemodinâmico da valvoplastia em 78 (76,5%) casos, observando-se aumento da área valvar mitral média para 1,9 ± 0,5 cm2 (P < 0,001) quando se comparou a área medida pelo ECO e 2 ± 0,5 cm2 (P < 0,001) quando se comparou a área estimada pelo CAT (Tabela 3; Figuras 1 e 2). Houve redução do gradiente médio (CAT) para 4,2 ± 2,8 mmHg (P < 0,001). Quando se comparou o método utilizado para avaliar a área valvar mitral após o procedimento e definir o sucesso (ECO x CAT), não se verificou diferença estatística (P = 0,96). Após a valvoplastia houve aumento do débito cardíaco de 3,75 l/min para 4,67 l/min (P < 0,001) (Figura 3).




Não houve sucesso em 24 procedimentos. Em 2 casos não se conseguiu abordagem adequada da veia femoral, e em outros 2 pacientes não se obteve sucesso na punção transeptal. Em 9 pacientes não foram obtidos área valvar mitral > 1,5 cm2 ou aumento > 50% relativamente à área pré-procedimento. Em 6 casos houve complicação durante a punção transeptal, ocorrendo derrame pericárdico; em apenas 2 casos foi necessária cirurgia de urgência, em decorrência de tamponamento cardíaco não resolvido com a punção de Marfan. Em 2 casos não foi possível o cruzamento da valva mitral pelo balão. Ocorreram 3 casos de insuficiência mitral > grau II, mas em nenhum deles foi necessária cirurgia de urgência. Não ocorreram casos de acidente vascular cerebral ou óbito relacionados ao procedimento.

Na análise estatística das variáveis pré-procedimento observou-se que o débito cardíaco foi um fator preditor de sucesso (P = 0,034). Nas demais variáveis não foi observada correlação estatisticamente significante.

Em 81 pacientes (79,4%) obteve-se a evolução de um ano após o procedimento. Desses pacientes, 71 (87,6%) estavam em classe funcional I e 10 (12,4%) estavam em classe funcional II-III (Figura 4), e 5 pacientes que estavam em ritmo sinusal desenvolveram fibrilação atrial/flutter atrial no primeiro ano de evolução. Foi necessária correção cirúrgica em 2 pacientes, nos quais o procedimento índice não teve sucesso. Ocorreu apenas um óbito de causa não diretamente cardíaca (secundário a quadro infeccioso em membros inferiores).


Dos 27 pacientes (26,5%) acompanhados até cinco anos após o procedimento, 24 estavam em classe funcional I e não se observou nenhum caso de morte de causa cardíaca. Entretanto, 11 pacientes precisaram ser submetidos a nova intervenção (nova valvo-plastia em 2 pacientes e cirurgia de comissurotomia mitral em outros 9).

A análise estatística revelou correlação significativa entre a área valvar obtida após o procedimento < 1,5 cm2 e o desenvolvimento de fibrilação atrial em dois anos e três anos após o procedimento (P = 0,061 e P = 0,041, respectivamente).

DISCUSSÃO

A valvoplastia mitral por técnica de Inoue é atualmente a forma de tratamento da estenose mitral mais utilizada no Brasil. Ao longo de duas décadas, pelos poucos relatos de experiência no País,11-14,16,17 mostrou ser procedimento seguro, eficaz e com bons resultados a longo prazo. Nesta casuística, observa-se que as características dos pacientes estão de acordo com as publicadas por outros grupos nacionais: predomínio de mulheres (89,2%), média de idade de 38,1 anos, área valvar estimada pelo ECO de 1,01 cm2, e 88,2% em ritmo sinusal.11-14,16 Esse fato salienta a representatividade dessa população no âmbito nacional. Na casuística deste estudo observou-se taxa de sucesso inferior à relatada por outros autores (Chen et al.18 = 96%; Cardoso et al.16 = 95%; Peixoto et al.17 = 91%). Essa discrepância possivelmente se deve ao fato de que para o presente cálculo de insucessos foram incluídos os casos em que o procedimento foi abortado por passos técnicos iniciais, como a abordagem da veia femoral e a punção transeptal, além de outros nos quais, mesmo conseguindo-se ampliar satisfatoriamente a área valvar, ocorreu significante insuficiência mitral. Todavia, é plausível que também o relativamente escasso número de procedimentos realizados (média de 8,5 por ano) contribua para elevar a taxa de insucesso. Ainda assim, a valvoplastia mitral com técnica de Inoue pode ser considerada procedimento seguro (nenhuma morte de origem cardíaca nos pacientes seguidos e nenhum caso de acidente vascular cerebral), com taxas de complicações semelhantes às relatadas na literatura: 9 casos (8,8%) com insuficiência mitral > 2 ou tamponamento cardíaco não-fatal.5,17 Dos 102 procedimentos analisados, 100 (98%) pacientes tinham valva mitral competente ou insuficiência mitral grau I, e apenas 2 tinham insuficiência mitral grau II. Após o procedimento, apenas 8 (7,8%) pacientes tiveram aumento do grau de regurgitação: 5 apresentavam insuficiência mitral grau II, 2 apresentavam insuficiência mitral grau III, e 1, insuficiência mitral grau IV. Em todos os casos o manejo clínico foi suficiente para o controle dos sintomas e apenas 2 pacientes necessitaram de correção cirúrgica antes de completar o primeiro ano de seguimento. Na comparação com resultados de grupos nacionais, foram observados resultados semelhantes (3,4% dos pacientes com insuficiência mitral graus III ou IV, conforme Peixoto et al.17).

Fatores relacionados com o sucesso do procedimento, como as características morfológicas da valva mitral avaliadas pelo escore de Wilkins & Block, estão bem descritos na literatura, inclusive com relatos de grupos nacionais.16,17 Nesta casuística não foram encontradas diferenças nas taxas de sucesso quando considerado o escore ou mesmo quando consideradas características mais específicas (por exemplo, as alterações do aparato subvalvar). Esse aspecto persiste mesmo quando os pacientes são separados pelo escore < 8 ou > 8 (P = 0,21). A seleção de pacientes antes do procedimento, em que apenas 10 (9,8%) tinham escore > 8, pode ser responsável por esse tipo de resultado.

Na análise dos casos considerados como insucesso em decorrência do não incremento da área valvar em 50% ou valor absoluto de 1,5 cm2 (9 casos, 8%) pela perspectiva de sua evolução, observa-se que 6 dos 8 pacientes encontravam-se em classe funcional I ou II no primeiro ano pós-procedimento. Essa observação poderia indicar que não somente o aumento da área valvar mitral seria responsável pela melhora clínica dos pacientes, mas também outros fatores, como o aumento do débito cardíaco. Na análise da classe funcional, observa-se que a dilatação com balão da valva mitral apresenta excelentes resultados a curto prazo (71 de 81 pacientes, 87,6% em classe funcional I ao final do primeiro ano de seguimento) assim como manutenção desses resultados a médio prazo (24 de 27 pacientes, 88% em classe funcional I ao final de cinco anos). Esses dados são comparáveis aos relatados por Cardoso et al.12.

O aumento imediatamente registrado no valor do débito cardíaco após o procedimento de valvoplastia indica que a estenose mitral constituía obstáculo suficientemente grave para determinar a redução desse parâmetro hemodinâmico fundamental, nas condições de repouso dos pacientes. Esse fato contraria a visão fisiopatológica de que, salvo em circunstâncias de extrema limitação da reserva cardiovascular, o débito cardíaco seria determinado primariamente pelas necessidades metabólicas do organismo, funcionando o coração de forma relativamente passiva.

Outro fato que merece realce é que, enquanto a estenose mitral esteve sempre avaliada como grave, de forma a se indicar a valvoplastia, a repercussão nas pressões em AE e no setor arterial pulmonar em vários pacientes foi apenas discreta. Isso, muito provavelmente, decorre de condições variadas de tratamento medicamentoso vigentes entre os pacientes, principalmente no que se refere aos diuréticos.

CONCLUSÕES

Em resumo, os presentes resultados ilustram que a adaptação fisiopatológica à estenose mitral grave inclui restrição ao débito cardíaco mesmo em repouso, o que é imediatamente revertido pela valvoplastia bem-sucedida. Também se pode concluir que a valvoplastia mitral pela técnica de Inoue, para o tratamento da estenose mitral de etiologia reumática, é uma técnica segura, eficaz e com baixas taxas de complicações, de óbito e de acidente vascular cerebral a médio prazo, com boa melhora da classe funcional dos pacientes.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses relacionado a este artigo.

Recebido em: 9/1/2011

Aceito em: 7/3/2011

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  • Correspondência:

    Daniel Conterno Lemos
    Av. Bandeirantes, 3.900 - Monte Alegre
    Ribeirão Preto, SP, Brasil - CEP 14049-900
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Aceito
      07 Mar 2011
    • Recebido
      09 Jan 2011
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