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Stents farmacológicos para todos!: como?

Drug-eluting stents for all!: how?

EDITORIAL

Stents farmacológicos para todos! Como?

Drug-eluting stents for all! How?

Fausto Feres; J. Ribamar Costa Jr.; Ricardo A. Costa

Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia - São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Fausto Feres Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 - Ibirapuera São Paulo, SP, Brasil - CEP 04012-180 E-mail: fferes@lee.dante.br

A introdução dos stents farmacológicos (SFs) na prática clínica brasileira, a partir de 2002, modificou substancialmente o exercício da cardiologia intervencionista no Brasil.1,2 Completaremos, no início de 2012, dez anos de utilização dessa fascinante tecnologia no País. Infelizmente, ainda apenas aqueles com maior poder aquisitivo, ou, mais especificamente, com acesso à rede de saúde suplementar, podem ser tratados com os stents liberadores de fármacos. Numerosos estudos randomizados e observacionais têm demonstrado a eficácia e a segurança desses dispositivos na redução da reestenose coronária, quando comparados aos stents não-farmacológicos (SNFs).3-5 A superioridade dos SFs e seu nítido benefício clínico foram evidenciados mesmo nos subgrupos de pacientes em que seu uso era mais questionado, como naqueles com obstruções em pontes de safena,6 nos vasos de maior calibre7 e nos pacientes que se apresentam com infarto agudo do miocárdio.8 Essa robustez de dados favoráveis a seu emprego levou à expansão de sua utilização em todo o planeta. Os cardiologistas passaram, então, a confrontar duas situações que geralmente se opõem para um uso irrestrito: de um lado, uma nova tecnologia de alto custo; e, de outro, o benefício incontestável que ela proporciona. A seguir estão descritas apenas algumas das questões que emergiram e que merecem especial atenção:

- Como aplicar os stents farmacológicos a todos?

A aplicação universal dos SFs obrigatoriamente passa pelos conceitos de eficácia, eficiência e efetividade. Os SFs são aprovados nos três critérios: são eficazes porque apresentaram benefícios em situações ideais (como redução da reestenose nos estudos randomizados);3,4 são eficientes porque também apresentaram benefícios fora dos estudos controlados;5 e são efetivos na relação com a custo-efetividade porque são efetivos a um custo razoável, pelo menos fora do Brasil.9 Em estudo publicado nesta edição da Revista Brasileira de Cardiologia Invasiva, Oliveira et al.10 avaliaram a expansão das indicações de intervenção coronária percutânea nos pacientes multiarterias submetidos a cirurgia de revascularização do miocárdio. Levantouse a hipótese de que uma eventual e ampla disponibilidade de SFs poderia redirecionar a indicação de revascularização miocárdica, com uma proporção considerável de pacientes submetidos a cirurgia sendo encaminhados ao tratamento percutâneo.

Mesmo nos países em que a relação de preços entre SFs e SNFs não é tão significativa, como em nossa região, e apesar da redução da reestenose em todos os subgrupos analisados com SFs, o desenvolvimento de um modelo para extração máxima dos benefícios conseguidos com esse tipo de stent se faz necessário. Em um desses modelos, recentemente publicado,11 o número necessário de pacientes a serem tratados com SFs para se evitar nova revascularização do vaso-alvo variou de 6 a 80! Isso significa que, em determinados subgrupos, a reestenose foi tão baixa com os SNFs que seria necessário tratar 80 pacientes com SFs para se evitar um novo procedimento. Em outros modelos, no entanto, a reestenose com os SNFs foi mais elevada e o número necessário de pacientes a serem tratados com SFs para se evitar um novo procedimento foi de apenas 6. A importância desses conceitos gera uma apropriada discussão no momento da tomada de decisão e o médico deve ser o julgador do benefício clínico vs. políticas populacionais de saúde pública. Em outras palavras: otimização da utilização das novas tecnologias.

- Quais as condições para uma real análise de custo-efetividade?

O conceito de custo-efetividade pode ser traduzido como a diferença entre o custo de duas intervenções, expresso em valor monetário, dividido pela diferença entre suas efetividades, expressas em anos de vida ganhos (expectativa de vida) ou outros desfechos menos importantes, como complicações prevenidas e eventos não-fatais evitados.12 Em relação aos SFs, a questão é a seguinte: qual o custo adicional para cada nova revascularização evitada? Em nosso meio, três estudos abordaram o tema.13-15 Os valores encontrados para se evitar uma nova revascularização e/ou evento no vaso-alvo foram de 47 mil reais na análise de Polanczyk et al.14, 131 mil reais na análise de Ferreira et al.15, e incríveis 190 mil reais no estudo de Quadros et al.13. Duas variáveis influenciam essas elevadas cifras, bem superiores aos 1.650 dólares encontrados no estudo americano de Cohen et al.9. São elas: a baixa incidência de reestenose clínica com os SNFs (consequentemente, maior número de pacientes a serem tratados com SFs é necessário para se evitar uma reestenose) e os altos preços para ambos os stents, assim como a alta relação de custos SFs-SNFs (sempre superior a 3 ou em números absolutos, com diferença de preços entre eles superior a 8 mil reais). Como esses fatores são multiplicadores (número necessário de pacientes a serem tratados e diferença de preços entre SFs e SNFs), é intuitivo deduzir que, no Brasil, seriam necessários altos valores para se evitar uma nova revascularização da lesão-alvo (RLA). Dessa forma, a solução prática e simples para uma melhor relação custo-efetividade, trazendo para nossa realidade, seria o emprego de SFs naqueles com maior chance de reestenose e, também, uma necessária e óbvia redução dos custos, para o mesmo nível dos países desenvolvidos.

- Uso seletivo ou liberal?

O grande desafio médico emergente com o advento de novas tecnologias, dada a magnitude da questão, é obter os melhores resultados clínicos a um custo razoável, sem comprometer os orçamentos da saúde, mas, fundamentalmente, não privar aqueles que realmente se beneficiariam dos avanços da medicina. Recentemente, algumas entidades regulatórias americanas estabeleceram que os SFs deveriam ser utilizados somente nos pacientes diabéticos ou naqueles com lesões longas ou ainda com vasos pequenos.16 Essa foi uma das medidas que contribuíram para a acentuada queda da utilização de SFs de 92% entre 2004 e 2006 (uso liberal) para 68% em 2007 (uso seletivo) no registro Evaluation of Drug Eluting Stents and Ischemic Events (EVENT), estudo multicêntrico de mundo real, realizado nos Estados Unidos, que avaliou o impacto tanto clínico como econômico das modificações dessa prática.17 É importante salientar que, após o período de observação de um ano, a incidência de infarto e óbito foi similar nos dois períodos e houve discreto aumento da RLA de 1% em números absolutos (de 4,1% para 5,1%) do primeiro para o segundo períodos. Os custos do "uso seletivo" ao final de um ano, por paciente, foram 400 dólares mais baixos que os do uso liberal, representando 16 mil dólares por RLA evitada, acima dos "aceitáveis" 10 mil dólares, de acordo com os padrões americanos. Esses números não podem ser extrapolados para nossa realidade por razões óbvias, mas seria um momento oportuno para termos uma análise econômica e clínica, em nosso País, do uso liberal e seletivo dos SFs.

- Recursos governamentais podem custear os SFs? Quais as prioridades?

O SNF foi aprovado para uso clínico pelo Food and Drug Administration (FDA), nos Estados Unidos, em 1994. Seis anos após, no Brasil, o Sistema Único de Sáude (SUS) passou a contemplá-lo em suas tabelas de procedimentos, reembolsando os hospitais que o utilizassem. Em 2003, os SFs foram aprovados para uso clínico nos Estados Unidos; no Brasil, seu uso clínico foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2002. Embora os SFs já estejam liberados para uso clínico há quase uma década, os pacientes do SUS ainda não podem ser tratados com esses dispositivos, apesar dos inúmeros estudos comprovando sua superioridade em relação aos SNFs e das hoje inquestionáveis eficácia e segurança.5 Existem recursos governamentais para subsidiá-los nos pacientes do SUS? Essa é a questão que clama por resposta.

Se compararmos o Brasil aos países com sistema de cobertura universal e atendimento integral, os gastos públicos com saúde representam apenas 3,34% do Produto Interno Bruto (PIB), exatamente a metade da média (6,7% do PIB) despendida pelos países que têm sistema de saúde semelhante ao nosso, como Reino Unido, Suécia, Espanha, Itália, Alemanha, França, Canadá e Austrália, segundo dados da Organização Mundial da Saúde, de 2008.* * A.D. Jatene, comunicação pessoal. A utilização média de SFs nesses países é de 50% a 70%, enquanto no Brasil o tratamento com SF é restrito à população com acesso à saúde suplementar. Isso representa no máximo 20% de nossa população ou 40 milhões de pessoas. Há uma escassez de recursos disponíveis, segundo orçamento apresentado pelo Ministério do Planejamento, para deslocamento para a saúde e, especificamente, para os SFs. Existem outras prioridades... Uma solução para que o retardo no oferecimento do mesmo tipo de tratamento para seres iguais não seja ainda maior seria o uso seletivo de SFs, seguindo rigorosamente as normas determinadas, e também a natural redução de custos, consequente à ampliação do uso. Essas medidas reverteriam a prática vigente, que pode ser metaforizada pelas palavras de Rui Barbosa: "Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real".

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 7/9/2011

Aceito em: 8/9/2011

Ver artigo relacionado na página 255

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  • Correspondência:

    Fausto Feres
    Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 - Ibirapuera
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    A.D. Jatene, comunicação pessoal.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Set 2011
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