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Implante de valva aórtica transcateter sem pré-dilatação com o balão: sofisticação simplificada

EDITORIAL

Implante de valva aórtica transcateter sem pré-dilatação com o balão: sofisticação simplificada

Marco Aurelio de MagalhãesI; Eberhard GrubeI,II

I Hospital Alemão Oswaldo Cruz São Paulo, SP, Brasil

II Hospital Universitário de Bonn Bonn, Alemanha

Endereço para correspondência

Há uma década iniciou-se um capítulo marcante na história da cardiologia com o primeiro implante de valva aórtica transcateter (IVAT) para correção de estenose aórtica.1

Hoje, pode-se inferir que o IVAT modifica a história natural da estenose aórtica sintomática, consagrando-se como indicação real em pacientes inoperáveis e como alternativa àqueles de alto risco cirúrgico.2,3 É importante salientar que o sucesso tanto imediato como a médio prazo está próximo ao da intervenção coronária (> 95%) em um universo de pacientes complexos, outrora pouco conhecidos pela cardiologia intervencionista. Entretanto, algumas taxas de complicações, particularmente os fenômenos embólicos cerebrais e os distúrbios de condução atrioventricular, permanecem elevadas.4,5

Daí a necessidade de simplificação do procedimento e da criação de novas estratégias que minimizem as complicações. Nesse contexto, há uma tendência de torná-lo inteiramente percutâneo e de eliminar etapas do procedimento, como a valvoplastia.6 Embora considerada recomendação, a pré-dilatação não apresenta força de evidência.7 Além disso, aumenta o tempo de procedimento, torna-o mais laborioso, pela necessidade de estimulação cardíaca, e carrega seus próprios atributos numéricos de complicações. Portanto, quando incorporada à estratégia do IVAT, haveria a possibilidade de efeito aditivo ou multiplicativo no risco. Por outro lado, entre as desvantagens de não se realizar a pré-dilatação, destacam-se a subexpansão valvar com necessidade de pós-dilatação e regurgitação aórtica, a não-obtenção de geometria circunferencial pós-implante, e a impossibilidade de avaliar o risco de compressão dos óstios coronários e de dimensionar o tamanho anular em casos com imagens discordantes.

Nesta edição da Revista Brasileira de Cardiologia Invasiva, Bernardi et al.8 examinam uma série de casos de IVAT transfemoral sem valvoplastia com a prótese CoreValveTM 18 F (Medtronic, Minneapolis, Estados Unidos). Trata-se de um estudo de delineamento observacional, em que 8 pacientes portadores de estenose aórtica acentuada sintomática e com alto risco cirúrgico (EuroSCORE médio: 21 + 20%) foram selecionados por critérios "subjetivos" de um universo de 27 pacientes. As características basais correspondem às dos registros previamente descritos; entretanto, 37,5% dos casos apresentavam antecedente de acidente vascular cerebral (AVC) ou de acidente isquêmico transitório (AIT), valor superior ao esperado e que condiz com uma seleção de pacientes de alto risco.4

A taxa de sucesso, segundo os critérios do Valve Academic Research Consortium (VARC), foi de 62,5% (5 de 8 pacientes), 1 óbito hospitalar (12,5%), 2 embolizações/posicionamento supra-anular (25%), ambas com o uso adicional de outra prótese, e 1 caso (12,5%) de subexpansão com regurgitação aórtica acentuada. Documentou-se a queda sustentada do gradiente ventrículo esquerdo-aorta em todos os pacientes e em linha com o trabalho original, o que aponta para a suficiência da força radial da prótese em aumentar a área valvar. Além disso, embora posicionamento inadequado ou embolização tenham ocorrido em 2 casos, não podemos inferir sobre sua associação com a não realização de pré-dilatação.

Embora 4 pacientes fossem portadores de marca-passo definitivo, não houve casos de arritmia com necessidade de implante nos remanescentes. De fato, aproximadamente 80% dos pacientes desenvolvem algum distúrbio de condução durante o procedimento.9 A incidência reportada de marca-passo definitivo pós-IVAT com a prótese CoreValveTM varia de 9,3% a 30%. Alguns fatores determinantes são o bloqueio de ramo direito prévio, o implante baixo (> 6 mm do ânulo) e a espessura do septo interventricular.10 Curiosamente, o Registro do Reino Unido11 capturou um efeito independente marginal da pré-dilatação na incidência de marca-passo definitivo [odds ratio (OR) 4,1, intervalo de confiança de 95% (IC 95%) 0,87-19,60]. Estudo recente, que avaliou os distúrbios de condução em cada etapa do procedimento, documentou que a valvoplastia está associada a maior frequência de distúrbios de condução (46%).9 Na série de casos de Grube et al.6, a incidência de marca-passo definitivo foi de 11,7%, menor que no "controle" histórico (27,8%) e também em relação a outros estudos, apontando para o plausível efeito aditivo ou multiplicativo no risco.

Outra questão de importância maior são os eventos embólicos cerebrais reportados em mais de 80% dos casos de IVAT,12 dos quais 1,5% a 6% tornam-se clinicamente manifestos como AVC, com impacto na sobrevida a curto e médio prazos. Portanto, qualquer possibilidade de redução dessa complicação é relevante. A etiologia é multifatorial e está temporalmente mais associada a embolizações intraprocedimento. Em estudo de mecanismo causal com Doppler transcraniano, documentou-se que o momento de maior embolização ocorre durante a valvoplastia pré-IVAT,13 o que corrobora um potencial efeito no risco. Além da temporalidade, há nitidamente um gradiente "dose-resposta" na incidência de embolizações do complexo valvar-arco aórtico, desde as de ocorrência espontânea (calcificação de arco), passando pelas que ocorrem no cruzamento da valva no cateterismo diagnóstico (22%) e durante a valvoplastia isolada (46%), até o IVAT (81%). Portanto, esses critérios causais nos induzem a supor que quanto menor a manipulação menor a embolização. Na série de casos de Bernardi et al.8, a despeito de todas as considerações metodológicas e do tamanho da amostra, não foram reportados casos de AVC até um ano em uma população com 37,5% desse antecedente. Ressalta-se que um dos principais preditores de eventos cerebrovasculares no IVAT é o AVC prévio [hazard ratio (HR) 4,23, IC 95% 1,6-11,1]. Outrossim, a série de Grube et al.6 documenta incidência de AVC/AIT de 5% no grupo sem valvoplastia, comparativamente a 11,9% no "controle" histórico.

Diante disso, pode-se afirmar que a realização de IVAT com a prótese CoreValveTM sem a realização de valvoplastia é factível e simplifica o procedimento, sem perder a sofisticação. Além da redução eficiente do gradiente, do menor tempo de procedimento e do custo, é plausível que a menor manipulação do complexo aórtico-valvar influencie o risco de complicações embólicas e de condução atrioventricular. Estudos randomizados são a próxima etapa para que essa estratégia seja recomendada formalmente.

CONFLITO DE INTERESSES

Eberhard Grube é instrutor da Medtronic. Marco Aurelio de Magalhães declara não haver conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Correspondência

Eberhard Grube. Rua João Julião

331 Paraíso São Paulo, SP, Brasil

CEP 01323-903

E-mail: GrubeE@aol.com

Recebido em: 20/12/2011

Aceito em: 21/12/2011

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011
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