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Uso do escore de propensão na análise de custo-efetividade com utilização seletiva de stents farmacológicos e não-farmacológicos

Resumos

INTRODUÇÃO: Os estudos sobre a razão de custo-efetividade dos stents farmacológicos (SFs) são escassos. Nosso objetivo foi avaliar os resultados e comparar os custos (razão custo-efetividade incremental - RCEI) por reestenose evitada entre SFs e stents não-farmacológicos (SNFs) utilizando o escore de propensão. MÉTODOS: Incluímos na análise 220 pacientes tratados consecutivamente, dos quais 111 com SFs e 109 com SNFs. O escore de propensão foi usado para ajustar o efeito da intervenção por meio de pareamento, estratificação e ponderação. RESULTADOS: Predominaram pacientes do sexo masculino (67,7% vs. 66,9%; P = 0,53), com média de idade de 65,9 anos. Pacientes tratados com SFs apresentaram maior frequência de diabetes (54% vs. 17,4%; P < 0,001) e doença triarterial (18,9% vs. 10,1%; P = 0,029) e pior função ventricular (54,1% vs. 22%; P < 0,0001). O diâmetro dos stents foi de 2,76 ± 0,35 mm vs. 2,91 ± 0,47 mm (P = 0,006) e a soma do comprimento dos stents foi de 37,6 ± 23 mm vs. 24,8 ± 15,8 mm (P < 0,0001). Reestenose ocorreu em 6,3% vs. 12,8% dos pacientes (P = 0,099) e em 4,1% vs. 9,8% das lesões (P = 0,048). Houve incremento de custo de R$ 9.590,00 e a RCEI foi de R$ 147.538,00 por reestenose evitada (acima do limiar da Organização Mundial da Saúde). Entretanto, utilizando o escore de propensão, as variáveis que melhor classificaram os pacientes para SFs e apresentam RCEI máxima de R$ 4.776,96 foram idade > 72 anos, diabetes e lesões com diâmetro < 3,2 mm e comprimento > 18 mm. CONCLUSÕES: Apesar de os SFs não terem sido custo-efetivos na população em geral, o escore de propensão demonstrou que em idosos, diabéticos e pacientes com lesões longas ou vasos de fino calibre o uso de SFs foi custo-efetivo.

Doença das coronárias; Stents farmacológicos; Análise custo-benefício


BACKGROUND: Studies on the cost-effectiveness ratio of drug-eluting stents (DES) are rare. Our objective was to evaluate the results and compare costs (incremental cost-effectiveness ratio - ICER) per restenosis avoided between DES and bare metal stents (BMS) using the propensity score. METHODS: Two hundred and twenty consecutive patients were included in the study, of which 111 were treated with DES and 109 with BMS. The propensity score was used to adjust the effect of the intervention, by means of matching, stratification and weighing. RESULTS: Most patients were male (67.7% vs. 66.9%; P = 0.53), with a mean age of 65.9 years. Patients treated with the DES had a higher rate of diabetes (54% vs. 17.4%; P < 0.001), three-vessel disease (18.9% vs. 10.1%; P = 0.029) and poor ventricular function (54.1% vs. 22%; P < 0.0001). The diameter of stents was 2.76 ± 0.35 mm vs. 2.91 ± 0.47 mm (P = 0.006) and the sum of the lengths of stents was 37.6 ± 23 mm vs. 24.8 ± 15.8 mm (P < 0.0001). Restenosis was observed on 6.3% vs. 12.8% of the patients (P = 0.099) and in 4.1% vs. 9.8% of the lesions (P = 0.048). There was an incremental cost of R$ 9,500.00 and the ICER was R$ 147,538.00 per restenosis avoided (above the World Health Organization threshold). However, when the propensity score was used, the variables that best classified patients for DES and had a maximum ICER of R$ 4,776.96 were age > 72 years, diabetes and lesions with diameter < 3.2 mm and length > 18 mm. CONCLUSIONS: Although DES were not cost-effective in the overall population, the propensity score showed that in elderly patients, diabetics and patients with long lesions or small vessels, the use of DES was cost-effective.

Coronary disease; Drug-eluting stents; Cost-benefit analysis


ARTIGO ORIGINAL

Uso do escore de propensão na análise de custo-efetividade com utilização seletiva de stents farmacológicos e não-farmacológicos

Esmeralci FerreiraI-V; Denizar Vianna AraújoI; Vitor Manuel Pereira AzevedoII; Alcides Ferreira Jr.III,IV; Camillo de Lellis Carneiro JunqueiraI,IV; Bernardo AmorimIII; Edgar Freitas QuintellaI,III; Cyro Vargues RodriguesIII,IV; Antonio Farias NetoV; Denilson Campos de AlbuquerqueI

IServiço de Hemodinâmica - Hospital Universitário Pedro Ernesto - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) - Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IIInstituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras - Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IIIClínica Status Cor - Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IVHospital de Clínicas Mario Lioni - Duque de Caxias, RJ, Brasil

VHospital Prontocor - Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Correspondência Correspondência: Esmeralci Ferreira. Boulevard 28 de Setembro, 77 Vila Isabel - Rio de Janeiro, RJ, Brasil - CEP 20551-030 E-mail: esmeralci@gmail.com

RESUMO

INTRODUÇÃO: Os estudos sobre a razão de custo-efetividade dos stents farmacológicos (SFs) são escassos. Nosso objetivo foi avaliar os resultados e comparar os custos (razão custo-efetividade incremental - RCEI) por reestenose evitada entre SFs e stents não-farmacológicos (SNFs) utilizando o escore de propensão.

MÉTODOS: Incluímos na análise 220 pacientes tratados consecutivamente, dos quais 111 com SFs e 109 com SNFs. O escore de propensão foi usado para ajustar o efeito da intervenção por meio de pareamento, estratificação e ponderação.

RESULTADOS: Predominaram pacientes do sexo masculino (67,7% vs. 66,9%; P = 0,53), com média de idade de 65,9 anos. Pacientes tratados com SFs apresentaram maior frequência de diabetes (54% vs. 17,4%; P < 0,001) e doença triarterial (18,9% vs. 10,1%; P = 0,029) e pior função ventricular (54,1% vs. 22%; P < 0,0001). O diâmetro dos stents foi de 2,76 ± 0,35 mm vs. 2,91 ± 0,47 mm (P = 0,006) e a soma do comprimento dos stents foi de 37,6 ± 23 mm vs. 24,8 ± 15,8 mm (P < 0,0001). Reestenose ocorreu em 6,3% vs. 12,8% dos pacientes (P = 0,099) e em 4,1% vs. 9,8% das lesões (P = 0,048). Houve incremento de custo de R$ 9.590,00 e a RCEI foi de R$ 147.538,00 por reestenose evitada (acima do limiar da Organização Mundial da Saúde). Entretanto, utilizando o escore de propensão, as variáveis que melhor classificaram os pacientes para SFs e apresentam RCEI máxima de R$ 4.776,96 foram idade > 72 anos, diabetes e lesões com diâmetro < 3,2 mm e comprimento > 18 mm.

CONCLUSÕES: Apesar de os SFs não terem sido custo-efetivos na população em geral, o escore de propensão demonstrou que em idosos, diabéticos e pacientes com lesões longas ou vasos de fino calibre o uso de SFs foi custo-efetivo.

DESCRITORES: Doença das coronárias. Stents farmacológicos. Análise custo-benefício

ABSTRACT

BACKGROUND: Studies on the cost-effectiveness ratio of drug-eluting stents (DES) are rare. Our objective was to evaluate the results and compare costs (incremental cost-effectiveness ratio - ICER) per restenosis avoided between DES and bare metal stents (BMS) using the propensity score.

METHODS: Two hundred and twenty consecutive patients were included in the study, of which 111 were treated with DES and 109 with BMS. The propensity score was used to adjust the effect of the intervention, by means of matching, stratification and weighing.

RESULTS: Most patients were male (67.7% vs. 66.9%; P = 0.53), with a mean age of 65.9 years. Patients treated with the DES had a higher rate of diabetes (54% vs. 17.4%; P < 0.001), three-vessel disease (18.9% vs. 10.1%; P = 0.029) and poor ventricular function (54.1% vs. 22%; P < 0.0001). The diameter of stents was 2.76 ± 0.35 mm vs. 2.91 ± 0.47 mm (P = 0.006) and the sum of the lengths of stents was 37.6 ± 23 mm vs. 24.8 ± 15.8 mm (P < 0.0001). Restenosis was observed on 6.3% vs. 12.8% of the patients (P = 0.099) and in 4.1% vs. 9.8% of the lesions (P = 0.048). There was an incremental cost of R$ 9,500.00 and the ICER was R$ 147,538.00 per restenosis avoided (above the World Health Organization threshold). However, when the propensity score was used, the variables that best classified patients for DES and had a maximum ICER of R$ 4,776.96 were age > 72 years, diabetes and lesions with diameter < 3.2 mm and length > 18 mm.

CONCLUSIONS: Although DES were not cost-effective in the overall population, the propensity score showed that in elderly patients, diabetics and patients with long lesions or small vessels, the use of DES was cost-effective.

DESCRIPTORS: Coronary disease. Drug-eluting stents. Cost-benefit analysis

O uso dos stents farmacológicos (SFs) na prática clínica nacional mostra que, a despeito de sua inquestionável contribuição ao tratamento da doença arterial coronária, ainda é uma tecnologia restrita a pacientes com maior poder aquisitivo ou aos que têm acesso ao sistema de saúde suplementar.1 No Brasil, poucos foram os estudos que abordaram as implicações da custo-efetividade dos SFs.2-5 Mesmo revelando não serem custo-efetivos nas populações avaliadas, nenhum desses estudos mostrou, por não serem randomizados, o verdadeiro impacto financeiro de sua utilização.

Existe um viés de seleção natural quando se encaminham os pacientes de maior complexidade para os procedimentos com SFs e, mesmo assim, os resultados são superiores aos dos stents não-farmacológicos (SNFs). Um pareamento por meio do escore de propensão permite corrigir ou, pelo menos, minimizar o viés de seleção entre o SF e o SNF.

O escore de propensão é definido como a probabilidade de exposição a um tratamento, de acordo com cada variável utilizada no pareamento. O escore é geralmente estimado por regressão logística e varia de 0 a 1, refletindo a probabilidade de cada indivíduo (baseado em suas características) de receber o tratamento de interesse. Assim, indivíduos com o mesmo escore têm a mesma chance de receber o tratamento, apesar de não terem todas as características semelhantes. Analisando os dados com escores de propensão semelhantes, pode-se obter uma "randomização virtual", em que os pacientes comparáveis são separados entre expostos e não-expostos.

O objetivo deste trabalho foi cotejar os resultados clínicos e a razão de custo-efetividade incremental (RCEI) a médio prazo, comparando o mundo real de pacientes submetidos ao uso de SF e de SNF. Em decorrência da impossibilidade de randomização, utilizamos o escore de propensão para calcular a RCEI, objetivando ajustar o efeito da intervenção por meio de pareamento, estratificação e ponderação entre os dois grupos, e assim classificar os pacientes com maior benefício com o uso de SFs.

MÉTODOS

Coorte prospectiva, consecutiva e não-randomizada com 220 pacientes submetidos a intervenção coronária percutânea (ICP) com implante de um ou mais stents em instituições do sistema suplementar de saúde no Rio de Janeiro. Os pacientes foram estratificados em dois grupos: grupo tratado com SF, com 111 pacientes, que utilizaram um ou mais stents Taxus® (Boston Scientific, Natick, Estados Unidos); e grupo tratado com SNF, com 109 pacientes, tratados com um ou mais stents Liberté® (Boston Scientific, Natick, Estados Unidos).

Foram incluídos pacientes com angina estável ou síndrome coronária aguda sem supradesnivelamento do segmento ST. Excluímos pacientes com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST e choque cardiogênico. Os procedimentos foram realizados por 6 operadores das 3 instituições participantes. Os implantes do SNF foram indicados, em sua maioria, para lesões menos complexas, na impossibilidade de utilizar tienopiridínicos por longo prazo ou, ainda, por questões financeiras limitando o uso de SF.

Na fase hospitalar, foram avaliados sucesso, óbito, infarto do miocárdio, revascularização da lesão-alvo, trombose do stent e custos diretos. O seguimento foi realizado por meio telefônico ou consulta e abrangeu todos os pacientes. Foi considerada reestenose clínica aquela relacionada à recorrência de sintomas e apenas nesses pacientes foi realizado cateterismo cardíaco. A dupla terapia antiplaquetária foi mantida por três meses para os SNFs e por no mínimo um ano para os SFs.

Análise estatística

Foram utilizados os testes qui-quadrado ou exato de Fisher, e foram calculados o intervalo de confiança de 95% (IC 95%) e a média ± desvio padrão. Na análise de sobrevivência e na sobrevivência livre de eventos, utilizou-se o método de Kaplan-Meier e o teste de log rank e na análise multivariada, o método de Cox. O programa estatístico empregado na análise foi o Statistica 8 (Statsoft Inc., Houston, Estados Unidos). Considerou-se significância estatística quando P < 0,05.

Análise de custos

Desenvolveu-se o modelo analítico de decisão para estimar as probabilidades de desfechos e de custos do SF vs. SNF. Esses modelos são elaborados pela sequência cronológica de identificação do problema; estruturação do problema (árvore de decisão); parametrização do modelo de decisão (probabilidades de ocorrências dos desfechos de acordo com análise crítica da literatura) e análise do modelo (estimativa dos custos, desfechos e riscos).6 Os dados de efetividade foram obtidos da coorte. Foram computados como custos diretos aqueles resultantes das intervenções: internação hospitalar, exames complementares, preço dos stents, medicamentos e honorários profissionais. Foram atribuídos custos em reais, baseando-se em valores do ano de 2005. O câmbio foi fixado para cálculo em 31 de dezembro de 2005 (U$ 1,00 = R$ 2,34). Os preços dos medicamentos foram calculados pela tabela Brasíndice em 30 de junho de 2005 (Preço Máximo ao Consumidor - PMC).7 Os valores dos exames complementares foram obtidos na Classificação Brasileira de Hierarquização de Procedimentos Médicos (CBHPM, 2003).8 No preço dos stents foi considerado o valor das aquisições pelas instituições participantes, com o valor unitário de cada dispositivo sendo de R$ 4.200,00 para os SNFs e de R$ 11.762,00 para os SFs.

A RCEI9 foi calculada pela divisão da diferença de custos diretos entre o SF e SNF e pela diferença de efetividade (sobrevivência livre de reestenose em um ano). A Figura 1 apresenta a fórmula para o cálculo da RCEI entre implante com SF vs. SNF. O valor incremental sugerido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é de até três vezes o produto interno bruto (PIB) per capita por ano de vida salvo. Nesse período, para base de cálculo sugerida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), esse valor total foi de US$ 20.313,00.10 A análise estatística do modelo de decisão foi obtida pelo programa Tree Age Pro Health Care version 2005 (TreeAge Software Inc., Williamstown, Estados Unidos).


Escore de propensão

Foi utilizado o procedimento de pareamento com escore balanceado, computado a partir de um modelo de regressão logística que varia de 0 a 1, refletindo a probabilidade de cada indivíduo, com base em suas características, de receber o tratamento de interesse. Especificamente usa-se o logaritmo das chances de participar (log odds). Estima-se um modelo logit utilizando todas as variáveis observadas como preditoras para obter a probabilidade e computar a razão das chances (log odds-ratio) para cada observação na amostra de cada grupo.11,12

O escore de propensão foi desenvolvido para prever com a máxima discriminação a probabilidade de um paciente receber um SNF, e caracterizou-se por um modelo logístico superajustado. Além disso, foi garantido, por meio da otimização da variância na entrada de cada característica clínica, que para qualquer probabilidade gerada pelo modelo teria representantes dos tipos de stents. Por fim, foram gerados seis estratos com faixas de probabilidades para garantir o pressuposto descrito. Após o cálculo do escore de propensão para estimar os subgrupos classificados para receber os SFs, analisamos a RCEI.

Aspectos éticos

O protocolo de estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PROJETO 681A) e foi estabelecido em respeito às diretrizes científicas vigentes.13

RESULTADOS

Houve predomínio de pacientes do sexo masculino (67,7% vs. 66,9%; P = 0,53), com média de idade de 65,9 anos (42 anos a 91 anos). Pacientes tratados com SF apresentaram maior frequência de diabetes (54% vs. 17,4%; P < 0,001), infarto do miocárdio prévio (48,6% vs. 28,4%; P = 0,002) e procedimentos de revascularização prévia (21,7% vs. 5,5%; P = 0,005) (Tabela 1).

Em relação às características angiográficas, pacientes tratados com SF apresentaram-se mais frequentemente com doença triarterial (18,9% vs. 10,1%; P = 0,029) e pior função ventricular (54,1% vs. 22%; P < 0,0001). Não houve diferença quanto ao número de lesões tratadas por paciente (1,51 vs. 1,31; P = 0,18), mas o grupo tratado com SF mostrou maior número de lesões complexas tipo B2 (30,4% vs. 18,1%; P = 0,01). A artéria mais abordada foi a descendente anterior (35,6% vs. 37,6%; P = 0,69) e os enxertos de mamária (4,3% vs. 0,7%; P = 0,052) e as lesões de tronco de coronária esquerda (3,6% vs. 0; P = 0,02) foram mais frequentemente tratados com SF (Tabela 2).

Em relação ao procedimento, o diâmetro dos stents foi de 2,76 ± 0,35 mm vs. 2,91 ± 0,47 mm (P = 0,006) e a soma do comprimento dos stents foi de 37,6 ± 23 mm vs. 24,8 ± 15,8 mm (P < 0,0001). O tempo médio de internação foi semelhante em ambos os grupos (1,75 dia vs. 1,49 dia; P = 0,21).

No seguimento tardio (média de 17 meses), a frequência de pacientes assintomáticos foi de 85,6% vs. 79,8% (P = 0,25) para os grupos tratados com SF e SNF, respectivamente. O número de óbitos cardíacos (4 vs. 6; P = 0,50) e não-cardíacos (1 vs. 1; P = 0,96) não foi diferente entre os grupos (Tabela 3). Das 4 mortes de origem cardíaca do grupo tratado com SF, 1 foi decorrente de reestenose com infarto do miocárdio tratado com angioplastia primária e 3 foram decorrentes de insuficiência cardíaca congestiva. Dentre os 6 óbitos de pacientes tratados com SNF, 1 apresentou morte súbita e os demais apresentaram síndrome coronária aguda sem supradesnivelamento do segmento ST.

Reestenose ocorreu em 6,3% vs. 12,8% (P = 0,099) dos pacientes e em 4,1% vs. 9,8% (P = 0,048) das lesões. Houve 11 revascularizações no grupo SF, 7 para tratar reestenose e 4 para tratar lesões de novo. Entre as reestenoses, 2 foram tratadas com nova ICP, 4 com cirurgia de revascularização miocárdica e 1 foi tratada conservadoramente. No grupo SNF, houve 15 novas revascularizações, 14 para tratar reestenose e 1 para tratar lesão de novo. Dentre as 14 reestenoses, 7 foram tratadas clinicamente, 6 por meio de ICP e 1 com cirurgia.

A sobrevivência em dois anos foi de 96,2% vs. 89,3% (P = 0,76).

No que se refere a custos, a árvore de decisão foi modelada na reestenose dos grupos SF (6,3%) vs. SNF (12,8%), na média de acompanhamento de 17 meses. A Figura 2 representa a árvore de decisão com as frequências de ambos os grupos e seus custos, e resume a relação entre custo e efetividade.


O benefício líquido do implante do SF foi de 6,3% de redução de reestenose, com incremento de custo de R$ 9.590,00. A RCEI foi de R$ 147.538,00 por reestenose evitada, cujo valor incremental encontra-se acima do limiar sugerido pela OMS (R$ 47.532,00).10 Assim, o implante de SFs revelou-se uma estratégia de tratamento não custo-efetiva (Tabela 4).

A análise do escore de propensão para RCEI, considerando-se separadamente reestenose (Tabela 5) e sobrevivência (Tabela 6), demonstrou que pacientes com idade > 72 anos, diabetes, e lesões com diâmetro < 3,2 mm e comprimento > 18 mm foram o grupo mais adequado para receber SF. Esses subgrupos apresentam estratos em que a RCEI varia de R$ 536,33 a R$ 4.776,96, dentro do limiar preconizado pela OMS.

DISCUSSÃO

Este estudo demonstrou que, em uma análise de mundo real comparando SF vs. SNF, os pacientes do grupo SF apresentaram perfil tanto clínico como angiográfico mais complexo, mas eventos clínicos similares. A incidência de reestenose clínica não apresentou diferenças significativas, assim como as curvas de sobrevivência. As taxas de reestenose por lesão foram maiores no grupo tratado com SNF, mas os resultados desse grupo superaram as expectativas, talvez pela seleção criteriosa de pacientes com perfil mais favorável. Assim, o cotejamento da RCEI dos dois grupos mostrou que os SFs não são custo-efetivos quando comparados aos SNFs. O escore de propensão utilizado demonstrou que idade

> 72 anos, diabetes, e lesões com diâmetro < 3,2 mm e comprimento > 18 mm foram as variáveis que melhor classificaram os grupos, levando a uma RCEI custo-efetiva.

A despeito de o escore de propensão ser uma ferramenta para o entendimento das diferenças entre grupos, essa "randomização fictícia" não substitui a principal vantagem da randomização, que é produzir grupos homogêneos em relação a variáveis desconhecidas.

Em que pese o fato de o aparecimento de novas tecnologias e novos dispositivos relacionados à intervenção ajudar competitivamente a diminuir os custos, o aporte financeiro de capital necessário ao implante desses dispositivos ainda é muito elevado. sendo esse, atualmente, o maior desafio para a classe médica.

A diferença de resultados entre os grupos se reflete na melhor evolução tardia nos pacientes que receberam SFs. A tradução real da restrição dos SFs, tanto no Brasil como em países desenvolvidos, está relacionada exclusivamente aos custos,1-5 ainda muito elevados. A perspectiva de resultados em pacientes mais graves, proporcionando resultados melhores que os encontrados em pacientes menos graves, é o grande aval para sua utilização.14,15 Procurou-se, então, investigar o quanto a utilização de SFs nesse cenário mais complexo representa para a sociedade em termos de custos.

A OMS sugere que o valor incremental do tratamento apresente um limiar de três vezes o PIB per capita. O PIB, em 2005, foi de U$ 6.771,00, segundo dados do IBGE, o que redunda em um limiar de U$ 20.313,00 (R$ 47.532,00) para o valor incremental do tratamento.10

Nesta casuística, o custo incremental de R$ 9.590,00 (U$ 4.098,00) para cada SF corresponde a uma custo-efetividade de R$ 18.452,00 (U$ 7.885,00) por reestenose evitada. A custo-efetividade de R$ 8.830,00 (U$ 3.773,00) por reestenose evitada com o SNF corresponde a RCEI de R$ 147.538,00 (U$ 63.050,00), acima dos R$ 47.532,00 aceitáveis. Sendo assim, o implante de SFs revelou-se uma estratégia de tratamento não custo-efetiva.

A árvore de decisão da análise da custo-efetividade demonstra que os SFs apresentam benefício líquido de 6,3% de redução de reestenose. Entretanto, os fatores incremento de custo por stent, preço pago por reestenose evitada e RCEI confirmam a hipótese de que eles não são custo-efetivos quando comparados ao SNFs no cenário do sistema privado de saúde.

Além do custo adicional dos SFs, a baixa taxa de reestenose e de novas intervenções entre os pacientes tratados com SNFs contribuiu para a redução de custos nesses pacientes. Essa boa resposta pode ser explicada pelo bom desempenho dos SNFs e pela indicação seletiva dos pacientes. Consequentemente, a diferença de custos tornou-se preponderante no que se refere à não custo-efetividade dos SFs, quando comparados aos SNFs.

A melhor explicação para o presente estudo não alcançar a RCEI favorecendo o uso dos SFs é o tratamento de uma população bastante heterogênea, na qual os eventos no grupo SNF foram abaixo das expectativas. A não realização de um protocolo angiográfico de controle também apresentou impacto no resultado. O modelo de decisão em que os cálculos econômicos foram baseados é fortemente dependente da efetividade e utiliza uma taxa de reestenose de 30% nos SNFs vs. taxa de reestenose de 6% nos SFs.

Os dados da literatura demonstram resultados díspares, relacionados à população analisada e ao preço do SF. No Brasil, o modelo estabelecido para comparar os stents com sirolimus e os convencionais, em pacientes com o mesmo tipo de lesão, demonstrou que os custos dos stents com sirolimus são parcialmente compensados já no primeiro ano, com ênfase para os subgrupos de alto risco. Entretanto, os autores concluem que, no Brasil, não estão estabelecidos os custos adicionais considerados aceitáveis para determinado benefício clínico da intervenção.2-5

No mundo real, os SFs são menos custo-efetivos que nos estudos controlados. O uso desses stents deve ser, preferencialmente, para pacientes de alto risco. Estudos randomizados16-21 demonstram que o uso de SFs foi custo-efetivo. Kaiser et al.22, no Basel Stent Kosten Effektivitats Trial (BASKET), incluíram 826 pacientes e demonstraram que o elevado preço dos SFs não compensou a redução dos custos no acompanhamento. Contudo, os SFs foram custo-efetivos em idosos e em pacientes de alto risco.

Os resultados de custos demonstrados nos estudos randomizados não refletem a realidade dos registros e dos estudos no mundo real, sobretudo pelas diferentes taxas de novas revascularizações entre as duas metodologias de estudo.

Lemos et al.23, no estudo Rapamycin-Eluting Stent Evaluated At Rotterdam Cardiology Hospital (RESEARCH), avaliaram o uso de SNFs (450 pacientes) vs. SFs (508 pacientes) no mundo real. Em um ano, a taxa de eventos foi de 14,8% nos SNFs e de 9,7% nos SFs, revelando que seu uso não foi custo-efetivo. Ferreira et al.24 acompanharam 217 pacientes com doença arterial coronária uniarterial tratada com único stent e mostraram uma RCEI de R$131.647,84 por reestenose evitada. O presente estudo confirma os achados da RCEI encontrados por Lemos et al.23 e por Ferreira et al.24, corroborando o enunciado de que os estudos não-randomizados não são custo-efetivos.

As estimativas de custo-efetividade são muito sensíveis a diversas variações e mudanças. Ainda é um desafio estabelecer o verdadeiro impacto dos SFs na prática clínica. Fatores regionais, preço de mercado e número de stents por paciente também interferem na custo-efetividade. A decisão de limitar o uso de SFs somente para pacientes de alto risco de reestenose pode melhorar sua custo-efetividade, mas cada vez mais será preciso procurar evidências para comparar o benefício absoluto entre os grupos de pacientes.

A importância deste estudo para nossa realidade se reflete no fato de que pela primeira vez, com o auxílio do escore de propensão, uma coorte demonstra de forma clara o benefício do uso dos SFs resultante de sua custo-efetividade em determinados subgrupos. O acompanhamento de todos os pacientes e o uso do escore de propensão permitiram demonstrar, a despeito da impossibilidade de randomização, que, em subgrupos específicos, a utilização de SFs é custo-efetiva.

Limitações do estudo

Por ser um registro realizado em instituições privadas, não foi possível fazer a devida randomização com grupo controle. Pelo fato de os pacientes terem sua rotina de acompanhamento decidida por seus respectivos médicos assistentes, o estudo não permitiu o controle angiográfico global, principalmente nos assintomáticos. Por esse motivo, torna-se impossível afirmar que não houve perda de pacientes com reestenose clinicamente silenciosa. O número de pacientes dessa população foi limitado, mas permitiu ilações a respeito da evolução desses pacientes no período analisado.

CONCLUSÕES

Este estudo demonstrou que, na prática clínica nacional, os pacientes tratados com SFs apresentaram perfil tanto clínico como angiográfico mais complexo que os tratados com SNFs, mas eventos clínicos similares. Apesar de as taxas de reestenose por lesão terem sido maiores no grupo tratado com SNFs, a RCEI demonstrou que os SFs não são custo-efetivos na população global. A utilização do escore de propensão para diminuir as diferenças entre os grupos demonstrou que os SFs são custo-efetivos nos subgrupos de idosos, diabéticos e de pacientes com vasos de fino calibre ou lesões longas.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

AGRADECIMENTOS

Este artigo fez parte do projeto de doutoramento do primeiro autor pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e não teria sido possível sem o inestimável apoio dos diretores médicos e funcionários dos Hospitais Mario Lioni (Amil Par), Prontocor e Clínica Status Cor e dos cardiologistas clínicos, que informaram diretamente os dados ou permitiram o contato com seus respectivos pacientes. Agradecimento especial a Bernardo Tura, pelas orientações estatísticas.

Recebido em: 4/1/2012

Aceito em: 1º/3/2012

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  • Correspondência:
    Esmeralci Ferreira.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2012

    Histórico

    • Recebido
      04 Jan 2012
    • Aceito
      01 Mar 2012
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