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Identificação de genes envolvidos na síntese de proteínas de células musculares lisas com expressão aumentada em placas ateromatosas associados a hiperplasia neointimal após implante de stents não-farmacológicos: estudo GENESIS-R

Resumos

INTRODUÇÃO: A reestenose coronária é um fenômeno pouco compreendido e que permanece como um desafio mesmo na era dos stents farmacológicos. Este estudo tem como objetivo identificar genes envolvidos na síntese de proteínas estruturais e funcionais de células musculares lisas com expressão aumentada em placas ateromatosas de humanos associados a hiperplasia neointimal após o implante de stents não-farmacológicos. MÉTODOS: Placas ateromatosas foram obtidas mediante aterectomia direcionada, previamente ao implante do stent. A análise da expressão dos genes foi realizada utilizando-se o sistema Affymetrix GeneChip. Os pacientes foram submetidos a ultrassom intracoronário 6 meses após o procedimento para análise volumétrica intrastent. Foi avaliada a correlação entre a expressão gênica de placas ateromatosas e o porcentual de hiperplasia intimal intrastent. RESULTADOS: A maioria dos pacientes era do sexo masculino (85,7%), com 60,2 ± 11,4 anos de idade, 35,7% eram diabéticos e o porcentual de hiperplasia intimal intrastent foi de 29,9 ± 18,7%. Não houve variação do porcentual de hiperplasia intimal intrastent entre os pacientes com ou sem diabetes (29,5% vs. 30,7%; P = 0,89). Não houve correlação entre a extensão do stent e o porcentual de hiperplasia intimal intrastent (r = -0,26; P = 0,26) ou entre o diâmetro do stent e o porcentual de hiperplasia intimal intrastent (r = 0,14; P = 0,56). Oito genes envolvidos na síntese de proteínas estruturais e funcionais de células musculares lisas apresentaram correlação positiva com o porcentual de hiperplasia intimal intrastent. CONCLUSÕES: As lesões coronárias de novo apresentam expressão aumentada de genes relacionados com a síntese de proteínas estruturais e funcionais de células musculares lisas associados a futura hiperplasia neointimal intrastent significativa, surgindo como novos alvos terapêuticos.

Stents; Stents farmacológicos; Reestenose coronária; Expressão gênica; Aterectomia coronária


BACKGROUND: Coronary restenosis is a poorly understood phenomenon that remains a challenge even in the drug-eluting stent era. This study is aimed at identifying the genes involved in structural and functional protein synthesis of smooth muscle cells with increased expression in human atheromatous plaques associated to neointimal hyperplasia after bare-metal stent implantation. METHODS: Atheromatous plaques were obtained by directional atherectomy prior to stenting. Gene expression analysis was performed using the Affymetrix GeneChip system. Patients were submitted to intravascular ultrasound 6 months after the procedure for in-stent volumetric analysis. We evaluated the correlation between gene expression in atheromatous plaques and the percentage of in-stent intimal hyperplasia. RESULTS: Most patients were male (85.7%), with 60.2 ± 11.4 years of age, 35.7% were diabetic and the percentage of in-stent intimal hyperplasia was 29.9 ± 18.7%. There was no change in the percentage of in-stent intimal hyperplasia in patients with or without diabetes (29.5% vs. 30.7%; P = 0.89). There was no correlation between stent length and the percentage of in-stent intimal hyperplasia (r = -0.26; P = 0.26) or between stent diameter and the percentage of in-stent intimal hyperplasia (r = 0.14; P = 0.56). Eight genes related to smooth muscle cell structural and functional protein synthesis had a positive correlation with the percentage of in-stent intimal hyperplasia. CONCLUSIONS: De novo coronary lesions show increased expression of genes related to smooth muscle cell structural and functional protein synthesis associated to future significant in-stent neointimal hyperplasia, emerging as novel therapeutic targets.

Stents; Drug-eluting stents; Coronary restenosis; Gene expression; Atherectomy, coronary


ARTIGO ORIGINAL

Identificação de genes envolvidos na síntese de proteínas de células musculares lisas com expressão aumentada em placas ateromatosas associados a hiperplasia neointimal após implante de stents não-farmacológicos: estudo GENESIS-R

Alexandre C. ZagoI; Marco A. CostaII; Alcides J. ZagoIII; Juliane S. RossatoIV; Bruno S. MatteV; German Iturry-YamamotoVI; Márcio MossmannVII, Ricardo SavarisVIII; Mariano AlbertalIX; Cristiane S. RochaX; Aileen M. HealyXI; Russell WalkerXII; Satoko TaharaXIII; Daniel I. SimonXIV

I Pós-doutorado em Cardiologia. Professor do Programa de Pós-Graduação em Cardiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Médico cardiologista intervencionista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Porto Alegre, RS, Brasil

II Doutor em Cardiologia. Chefe da Unidade de Hemodinâmica do UH Hospitals – Case Western University. Cleveland, Estados Unidos

III Doutor em Cardiologia. Professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS, Brasil

IV Mestre em Ciências. Biomédica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Porto Alegre, RS, Brasil

V Mestrando em Cardiologia. Médico cardiologista intervencionista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Porto Alegre, RS, Brasil

VI Doutor em Cardiologia. Médico cardiologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Porto Alegre, RS, Brasil

VII Médico residente em Cardiologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Porto Alegre, RS, Brasil

VIII Doutor em Ginecologia. Médico especialista em Estatística do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Porto Alegre, RS, Brasil

IX Doutor em Cardiologia. Médico cardiologista intervencionista do Instituto Cardiovascular de Buenos Aires. Buenos Aires, Argentina

X Doutora em Estatística. Estatística da Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP, Brasil

XI Doutora em Ciências. Bióloga da Millennium Pharmaceuticals. Cambridge, Estados Unidos

XII Biólogo da Millennium Pharmaceuticals. Cambridge, Estados Unidos

XIII Médica cardiologista e cardiologista intervencionista do UH Hospitals – Case Western University. Cleveland, Estados Unidos

XIV Médico cardiologista e cardiologista intervencionista. Chefe do Serviço de Cardiologia do UH Hospitals – Case Western University. Cleveland, Estados Unidos

Correspondência Correspondência: Alexandre do Canto Zago Rua Ramiro Barcelos, 2.650 – 2 º andar Porto Alegre, RS, Brasil – CEP 90035-903 E-mail: zagoac@uol.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: A reestenose coronária é um fenômeno pouco compreendido e que permanece como um desafio mesmo na era dos stents farmacológicos. Este estudo tem como objetivo identificar genes envolvidos na síntese de proteínas estruturais e funcionais de células musculares lisas com expressão aumentada em placas ateromatosas de humanos associados a hiperplasia neointimal após o implante de stents não-farmacológicos.

MÉTODOS: Placas ateromatosas foram obtidas mediante aterectomia direcionada, previamente ao implante do stent. A análise da expressão dos genes foi realizada utilizando-se o sistema Affymetrix GeneChip. Os pacientes foram submetidos a ultrassom intracoronário 6 meses após o procedimento para análise volumétrica intrastent. Foi avaliada a correlação entre a expressão gênica de placas ateromatosas e o porcentual de hiperplasia intimal intrastent.

RESULTADOS: A maioria dos pacientes era do sexo masculino (85,7%), com 60,2 ± 11,4 anos de idade, 35,7% eram diabéticos e o porcentual de hiperplasia intimal intrastent foi de 29,9 ± 18,7%. Não houve variação do porcentual de hiperplasia intimal intrastent entre os pacientes com ou sem diabetes (29,5% vs. 30,7%; P = 0,89). Não houve correlação entre a extensão do stent e o porcentual de hiperplasia intimal intrastent (r = -0,26; P = 0,26) ou entre o diâmetro do stent e o porcentual de hiperplasia intimal intrastent (r = 0,14; P = 0,56). Oito genes envolvidos na síntese de proteínas estruturais e funcionais de células musculares lisas apresentaram correlação positiva com o porcentual de hiperplasia intimal intrastent.

CONCLUSÕES: As lesões coronárias de novo apresentam expressão aumentada de genes relacionados com a síntese de proteínas estruturais e funcionais de células musculares lisas associados a futura hiperplasia neointimal intrastent significativa, surgindo como novos alvos terapêuticos.

Descritores: Stents. Stents farmacológicos. Reestenose coronária. Expressão gênica. Aterectomia coronária.

ABSTRACT

BACKGROUND: Coronary restenosis is a poorly understood phenomenon that remains a challenge even in the drug-eluting stent era. This study is aimed at identifying the genes involved in structural and functional protein synthesis of smooth muscle cells with increased expression in human atheromatous plaques associated to neointimal hyperplasia after bare-metal stent implantation.

METHODS: Atheromatous plaques were obtained by directional atherectomy prior to stenting. Gene expression analysis was performed using the Affymetrix GeneChip system. Patients were submitted to intravascular ultrasound 6 months after the procedure for in-stent volumetric analysis. We evaluated the correlation between gene expression in atheromatous plaques and the percentage of in-stent intimal hyperplasia.

RESULTS: Most patients were male (85.7%), with 60.2 ± 11.4 years of age, 35.7% were diabetic and the percentage of in-stent intimal hyperplasia was 29.9 ± 18.7%. There was no change in the percentage of in-stent intimal hyperplasia in patients with or without diabetes (29.5% vs. 30.7%; P = 0.89). There was no correlation between stent length and the percentage of in-stent intimal hyperplasia (r = -0.26; P = 0.26) or between stent diameter and the percentage of in-stent intimal hyperplasia (r = 0.14; P = 0.56). Eight genes related to smooth muscle cell structural and functional protein synthesis had a positive correlation with the percentage of in-stent intimal hyperplasia.

CONCLUSIONS: De novo coronary lesions show increased expression of genes related to smooth muscle cell structural and functional protein synthesis associated to future significant in-stent neointimal hyperplasia, emerging as novel therapeutic targets.

Descriptors: Stents. Drug-eluting stents. Coronary restenosis. Gene expression. Atherectomy, coronary.

A reestenose intrastent tem como principal mecanismo fisiopatológico a proliferação neointimal e, mesmo após o advento dos stents farmacológicos, ainda persiste como problema a ser resolvido, pois é responsável pela maior parte de eventos adversos cardiovasculares em pacientes tratados por intervenção coronária percutânea.1-3. A proliferação neointimal constitui um processo cicatricial decorrente de trauma exercido pelo implante do stent na parede do vaso, em que células musculares lisas, as quais constituem a base celular da reestenose, migram da camada média para a camada íntima da artéria coronária, proliferam e ocasionam a produção abundante de matriz extracelular.1-4 Vários estudos com angiografia coronária e ultrassom intracoronário demonstram que a placa ateromatosa possui características de base preditoras de reestenose.5-7 Por outro lado, estudos planejados para identificar preditores genéticos de reestenose somente avaliaram tecido neointimal.8,9 Assim, os dados genéticos atualmente disponíveis sobre placas ateromatosas em humanos são limitados e praticamente nulos quando se avalia sua relação com reestenose.

O objetivo deste estudo foi avaliar a relação entre a expressão de genes envolvidos na síntese de proteínas estruturais e funcionais de células musculares lisas em placas ateromatosas (lesão de novo) de humanos e a proliferação neointimal após o implante de stents não-farmacológicos.

MÉTODOS

Casuística

No total, 40 pacientes com doença arterial coronária e indicação de intervenção coronária percutânea foram submetidos a aterectomia direcionada seguida de implante de stent não-farmacológico. Os critérios de exclusão foram: lesão em ponte de safena, lesão em óstio de artéria coronária direita, reestenose intrastent e história de transplante cardíaco ou cardiomiopatia dilatada ou restritiva. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (Porto Alegre, RS) e todos os pacientes foram incluídos somente após a assinatura do termo de consentimento.

Procedimento

Os pacientes foram submetidos a avaliação com ultrassom intracoronário previamente a intervenção coronária percutânea para determinar dados referentes à placa ateromatosa e ao tamanho do vaso. A seguir, foi realizada aterectomia direcionada com cateter Flexicut (Guidant Corp., Temecula, Estados Unidos) para a retirada de placa ateromatosa. A aterectomia direcionada foi realizada com cateter-guia 8 F, o balão foi insuflado a baixa pressão (aproximadamente 0,5 atm) e o dispositivo foi acionado a uma velocidade de 2.000 rpm, visando à excisão da placa ateromatosa.9 O procedimento foi realizado com sucesso e sem intercorrências nos 40 pacientes, obtendo-se quantidade satisfatória de material (placa ateromatosa). Finalmente, os pacientes foram submetidos a implante de stent não-farmacológico seguido de avaliação com ultrassom intracoronário para assegurar adequada expansão e aposição do stent. Quando necessário, foi realizada pós-dilatação seguida de nova avaliação com ultrassom intracoronário.

Análises quantitativas

Análise coronária quantitativa e avaliação com ultrassom intracoronário foram realizadas após administração de bolus de nitrato intracoronário durante a intervenção coronária percutânea e os reestudos angiográfico e ultrassonográfico. As imagens de ultrassom intracoronário foram adquiridas com dispositivo de tração motorizado a uma velocidade de 0,5 mm/s. A análise angiográfica quantitativa foi realizada por investigadores independentes no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, enquanto as análises ultrassonográficas foram realizadas por investigadores independentes no UH Hospitals (Cleveland, Estados Unidos). Reestenose intrastent foi definida como estenose com diâmetro > 50% intrastent no reestudo angiográfico. Diâmetro luminal mínimo e porcentual de estenose intrastent foram medidos em cada stent. A perda luminal tardia intrastent foi calculada como diâmetro luminal mínimo pós-implante de stent menos diâmetro luminal mínimo no reestudo angiográfico. O volume de hiperplasia intimal foi calculado como volume do stent menos volume do lúmen. O porcentual de hiperplasia intimal foi definido como volume de hiperplasia intimal dividido pelo volume do stent. O porcentual de hiperplasia intimal foi escolhido para a correlação com a expressão gênica porque é o parâmetro mais representativo de proliferação neointimal e permite a equalização de diferentes diâmetros e extensões dos stents analisados.

Análise da expressão gênica

Os fragmentos de placa ateromatosa (lesão de novo) foram colocados em tubos Eppendorf contendo RNA Stat 60, armazenados em nitrogênio líquido e posteriormente enviados ao Laboratório Millennium Pharmaceuticals (Cambridge, Estados Unidos) para análise da expressão gênica. O ácido ribonucleico (RNA) foi isolado das amostras de placa ateromatosa por homogenização com o equipamento PowerGen modelo 125 (Thermo Fisher Scientific, Waltham, Estados Unidos), seguido de extração com clorofórmio, precipitação com isopropanol, lavagem com etanol 75% e suspensão em água RNase-free. A concentração de RNA foi mensurada com o uso de espectrofotômetro NanoDrop (Thermo Fisher Scientific) e a qualidade e a pureza do RNA foram avaliadas com o uso do RNA 6000 pico ou nano assay (Agilent 2100 Bioanalyzer, Agilent Technologies, Santa Clara, Estados Unidos). Por fim, o RNA das amostras foi amplificado mediante protocolo específico e a expressão gênica de cada amostra foi mensurada utilizando-se os chips e o sistema de microarranjo Affymetrix GeneChip (Affymetrix, Santa Clara, Estados Unidos).

Análise estatística

As variáveis categóricas foram expressas como números absolutos e porcentuais e as varáveis contínuas, como média ± desvio padrão. O teste t de Student foi utilizado para avaliar a associação entre diabetes melito e porcentual de hiperplasia intimal. A correlação de Pearson foi utilizada para avaliar a relação entre a extensão e o diâmetro do stent com o porcentual de hiperplasia intimal e a relação entre a expressão gênica e a quantidade de hiperplasia neointimal expressa como porcentual de hiperplasia intimal. Um total de 29 placas ateromatosas foi calculado como necessário para rho (r) > 0,5, poder estatístico de 80% e erro alfa (P) < 0,05, e um total de 19 placas ateromatosas foi requerido para r > 0,6, poder estatístico de 80% e

P < 0,05 (bicaudal).10

RESULTADOS

No total, 40 pacientes foram submetidos a aterectomia direcionada seguida de implante de stent não-farmacológico, em 28 dos quais foi obtida placa ateromatosa com quantidade de RNA adequada para análise (1 placa ateromatosa/paciente). As características clínicas e relativas ao procedimento mostram média de idade de 60,2 ± 11,4 anos e diabetes melito em 35,7% dos pacientes analisados (Tabela 1). O volume de hiperplasia intimal no reestudo foi de 52,8 ± 28,2 mm³, enquanto o porcentual de hiperplasia intimal foi de 29,9 ± 18,7% (Tabela 2).

Não houve variação significativa do porcentual de hiperplasia neointimal no reestudo entre os pacientes com ou sem diabetes melito (29,5% nos diabéticos e 30,7% em não-diabéticos; P = 0,89). Também não houve correlação significativa entre a extensão do stent e o porcentual de hiperplasia intimal (r = -0,26; P = 0,26), assim como entre o diâmetro do stent e o porcentual de hiperplasia intimal (r = 0,14; P = 0,56).

A análise da expressão gênica evidenciou correlação positiva entre 8 genes envolvidos na síntese de proteínas estruturais e funcionais de células musculares lisas e o porcentual de hiperplasia intimal (Tabela 3).

DISCUSSÃO

A reestenose constitui importante limitação da intervenção coronária percutânea. Apesar de os stents farmacológicos terem reduzido as taxas de reestenose em comparação com os stents não-farmacológicos, a reestenose intrastent ainda ocorre em 7% a 8%, particularmente em situações de alto risco, como lesões longas, vasos de fino calibre e pacientes com diabetes melito ou insuficiência renal crônica.2,3 Por essa razão e em decorrência de outros problemas, como trombose intrastent e necessidade de terapia antiagregante plaquetária dupla prolongada, há o contínuo interesse em entender melhor os mecanismos envolvidos na fisiopatologia da reestenose.

Após o trauma mecânico ocasionado pelo implante do stent ocorre uma série de eventos que determinam a proliferação de células musculares lisas e a síntese abundante de matriz extracelular, que constituem os principais componentes da neoíntima1,10-13 Os resultados do presente estudo evidenciam que as placas ateromatosas tratadas com implante de stent não-farmacológico e que desenvolvem hiperplasia neointimal significativa apresentam expressão aumentada de genes relacionados com a síntese de proteínas estruturais e funcionais de células musculares lisas previamente ao implante do stent. Consequentemente, os resultados deste estudo sugerem que a placa ateromatosa possui uma predisposição inerente à formação expressiva de neoíntima que precede o implante do stent. Esses dados estão sendo descritos pela primeira vez, pois não há relatos de estudos semelhantes na literatura.

A identificação da expressão aumentada de genes relacionados com a síntese de proteínas estruturais e funcionais de células musculares lisas, as quais constituem a base celular da reestenose, em placas ateromatosas com predisposição para reestenose intrastent abre um novo caminho para o desenvolvimento de fármacos antiproliferativos celulares que possam agir na proteína formada. Em nossos resultados, a análise de microarranjo identificou duas isoformas de RNAm de miosina de cadeia pesada 11, que embasam o papel da produção aumentada de proteínas relacionadas ao desenvolvimento estrutural de células musculares lisas. As isoformas são RNAm com sequências distintas de nucleotídeos formados por splicing alternativos, as quais são capazes de produzir a mesma proteína. Cada gene produz múltiplos RNAm e isoformas.14 A identificação de isoformas de RNAm em genes específicos com expressão aumentada enfatiza a obtenção de achados não-aleatórios e fortalece ainda mais os resultados encontrados.

As células são capazes de seguir rotas metabólicas alternativas que permitam a progressão do ciclo celular, o que explica parte significativa do índice de falha dos stents farmacológicos eluidores de fármacos antiproliferativos celulares comercialmente disponíveis em prevenir a reestenose. Outro aspecto importante a ser discutido é o retardo da endotelização do stent que requer o uso prolongado de terapia de dupla antiagregação plaquetária pelo risco de trombose do stent, o que constitui grave limitação para pacientes que necessitam a realização de cirurgia programada ou alto risco para pacientes que necessitam cirurgia de urgência, além do risco aumentado de sangramentos menores e/ou maiores.15-19 Portanto, a terapia gênica visando à inibição da síntese de proteínas estruturais e funcionais de células musculares lisas constitui um novo paradigma para a produção de stents farmacológicos que possam atuar inibindo seletivamente a proliferação de células musculares lisas, sem afetar a produção fisiológica de células endoteliais e, consequentemente, a endotelização do stent em um curto intervalo de tempo, como ocorre nos stents não-farmacológicos.

A influência de fatores clínicos, como o diabetes melito, e de fatores angiográficos, como a extensão da lesão e o calibre do vaso, na reestenose intrastent de stents não-farmacológicos é bem estabelecida.2,20-23 Estudos clínicos demonstram que o diabetes melito é um forte preditor independente de reestenose intrastent e que lesões longas e lesões em vasos de fino calibre também constituem fatores preditores independentes de reestenose intrastent. Assim sendo, esses fatores clínicos e angiográficos preditores de reestenose intrastent bem conhecidos foram avaliados para analisar sua influência em nossa casuística, com o objetivo de identificar e, se necessário, corrigir estatisticamente possíveis fatores de confusão. Os resultados demonstraram que não houve associação entre diabetes melito e volume de hiperplasia neointimal intrastent. Também não houve correlação entre a extensão do stent, diretamente associada à extensão da lesão, e o volume de hiperplasia neointimal, assim como não houve correlação entre o diâmetro do stent, diretamente associado com o diâmetro do vaso, e o volume de hiperplasia neointimal. Os resultados obtidos neste estudo, portanto, não sofreram a influência de fatores clínicos e angiográficos, ficando a análise desses resultados restrita a fatores gênicos e celulares.

A análise de expressão gênica com tecnologia de microarranjo de RNAm vem se tornando uma ferramenta popular para avaliar a expressão de milhares de genes simultaneamente, e tem sido aplicada extensamente em pesquisa cardiovascular para detectar padrões de expressão gênica em diferentes afecções. Há poucos estudos disponíveis na literatura utilizando essa técnica para avaliar a expressão gênica em placas ateromatosas e na neoíntima intrastent em humanos. Em um estudo, 10 amostras de neoíntima retiradas por aterectomia direcionada foram comparadas com 7 amostras de artéria coronária e 7 amostras de artéria gastrointestinal.9 Os autores reportaram diferentes genes com expressão aumentada na neoíntima em comparação com as artérias citadas. Em outro estudo, Ashley et al.8 compararam amostras de placas ateromatosas com tecido oriundo de reestenose intrastent mediante histologia e análise de expressão gênica. A histologia demonstrou maior quantidade de células e menor quantidade de infiltrados inflamatórios e lagos lipídicos no grupo reestenose, comparativamente ao grupo placa ateromatosa. A análise da expressão gênica evidenciou predominância de proliferação celular e resposta inflamatória/imune no grupo reestenose, em comparação com o grupo placa ateromatosa. A análise de rede revelou dois módulos de expressão gênica como candidatos para a prevenção da reestenose (procolágeno tipo 1a2 e ADAM 17/enzima conversora do fator de necrose tumoral).8 Os resultados obtidos em nosso estudo contribuem para o melhor entendimento da expressão gênica na reestenose mediante uma abordagem diferente, ou seja, demonstram a correlação entre a expressão de genes envolvidos na síntese de proteínas estruturais e funcionais de células musculares lisas em placas ateromatosas (lesão de novo) e a quantidade de neoíntima intrastent. Na revisão de literatura realizada, este é o primeiro estudo a reportar essa correlação.

Na prática clínica, o desfecho reestenose pode variar no mesmo paciente ou na mesma artéria coronária. Portanto, a reestenose intrastent parece estar mais relacionada a fatores intrínsecos da placa ateromatosa que a variáveis específicas do paciente ou da artéria coronária. Alguns fatores relacionados à placa ateromatosa, como carga de placa volumosa, presença de conteúdo lipídico e remodelamento positivo, têm sido associados à reestenose.5-7 Em concordância com essas observações, os resultados obtidos neste estudo apoiam o conceito de predisposição local para o desenvolvimento da reestenose intrastent mediante a presença de genes envolvidos com a síntese de proteínas estruturais e funcionais de células musculares lisas com expressão aumentada, os quais provavelmente atuam exercendo função de destaque no processo da reestenose.

Limitações do estudo

No presente estudo, algumas limitações devem ser consideradas. A extração e a dosagem do RNAm isoladamente de cada placa ateromatosa constituem fatores muito importantes e diferenciais neste estudo; entretanto, também ocasionaram a inutilização de várias placas ateromatosas pelo não preenchimento da quantidade celular mínima necessária para extração e análise do RNAm, pois placas ateromatosas contêm grande quantidade de ésteres de colesterol e pequena quantidade de células. Outra limitação é a necessidade de validação dos resultados por meio da medida direta da expressão proteica na placa ateromatosa pela técnica de Western Blot, que não foi realizada em decorrência da pequena quantidade de conteúdo celular nas amostras obtidas por aterectomia direcionada.

As limitações citadas constituem essencialmente limitações técnicas do método (análise da expressão gênica) e do objeto de estudo (fragmentos de placa ateromatosa). Desse modo, essas limitações não comprometem o estudo, cujo objetivo não é esclarecer definitivamente os mecanismos fisiopatológicos envolvidos na reestenose, mas apontar novos fatores, além dos já conhecidos, e contribuir para nortear o caminho para o entendimento desse complexo processo denominado reestenose, para a busca de soluções mais seguras e eficazes.

CONCLUSÕES

As lesões coronárias de novo apresentam expressão aumentada de genes relacionados com a síntese de proteínas estruturais e funcionais de células musculares lisas associados a futura hiperplasia neointimal intrastent significativa, surgindo como novos alvos terapêuticos.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 26/3/2012

Aceito em: 30/5/2012

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  • Correspondência:
    Alexandre do Canto Zago
    Rua Ramiro Barcelos, 2.650 – 2
    º andar
    Porto Alegre, RS, Brasil – CEP 90035-903
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012

    Histórico

    • Recebido
      26 Mar 2012
    • Aceito
      30 Maio 2012
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