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Resultados imediatos e seguimento clínico dos pacientes submetidos a implante valvar aórtico transcateter

Resumos

INTRODUÇÃO: Um terço da população idosa portadora de estenose aórtica calcificada sintomática não apresenta condições cirúrgicas em decorrência do elevado risco operatório. O implante valvar aórtico transcateter (IVAT) surgiu como uma alternativa terapêutica para esses pacientes. MÉTODOS: Incluímos, no período de novembro de 2008 a abril de 2012, todos os pacientes submetidos a IVAT em nosso serviço. Relatamos as características clínicas basais, os dados dos procedimentos, os resultados hospitalares e o seguimento clínico dessa população. As definições utilizadas foram baseadas nos critérios do Valve Academic Research Consortium. RESULTADOS: O IVAT foi realizado em 23 pacientes, com 79 ± 6,7 anos de idade, 56% do sexo feminino. O EuroSCORE foi de 20,4 ± 11,1%. A prótese CoreValve® foi utilizada em 19 pacientes (82,6%) e a Edwards SAPIEN TM nos demais. A taxa de sucesso do procedimento foi de 96%. O tempo médio de seguimento clínico foi de 22 ± 12,8 meses, observando-se 6 óbitos (26,1%) nesse período, 3 dos quais ocorreram nos primeiros 30 dias (13%) e outros 2 (21,7%), até o final do primeiro ano. Um paciente apresentou ataque isquêmico transitório na fase hospitalar (4,3%), mas não ocorreram episódios de acidente vascular encefálico ou de infarto do miocárdio no período periprocedimento ou no acompanhamento tardio. O desfecho combinado de segurança aos 30 dias ocorreu em 5 pacientes (21,7%) e o desfecho combinado de eficácia aos 12 meses foi de 78,3%. CONCLUSÕES: Os resultados obtidos neste estudo demonstram o IVAT como procedimento atrativo para o tratamento de pacientes portadores de estenose aórtica calcificada de alto risco cirúrgico.

Estenose da valva aórtica; Próteses valvulares cardíacas; Implante de prótese de valva cardíaca


BACKGROUND: One third of the elderly population with symptomatic calcified aortic stenosis cannot undergo surgery due to their high operative risk. The transcatheter aortic-valve implantation (TAVI) has emerged as an alternative therapy for this group of patients. METHODS: All patients submitted to TAVI from November 2008 to April 2012 were included in our study. We report the baseline clinical characteristics, procedural data, hospital outcomes and clinical follow-up of this population. Definitions were based on the Valve Academic Research Consortium criteria. RESULTS: TAVI was performed in 23 patients, with 79 ± 6.7 years of age, and 56% were female. The EuroSCORE was 20.4 ± 11.1%. The CoreValve® prosthesis was used in 19 patients (82.6%) and the Edwards SAPIEN TM valve was used in the remaining ones. Procedure success rate was 96%. The mean follow-up was 22 ± 12.8 months, with 6 deaths (26.1%) in this period, 3 of which were observed in the first 30 days (13%) and other 2 (21.7%) by the end of the first year. One patient had a transient ischemic attack during hospitalization (4.3%), but there were no episodes of stroke or myocardial infarction in the periprocedural period or in the follow-up. The composite safety endpoint at 30 days was observed in 5 patients (21.7%) and the composite efficacy endpoint at 12 months was 78.3%. CONCLUSIONS: The results of this study demonstrate that TAVI is an attractive procedure for the treatment of patients with calcified aortic stenosis and high operative risk.

Aortic valve stenosis; Heart valve prosthesis; Heart valve prosthesis implantation


ARTIGO ORIGINAL

Resultados imediatos e seguimento clínico dos pacientes submetidos a implante valvar aórtico transcateter

Immediate results and clinical follow-up of patients undergoing transcatheter aortic-valve implantation

Mohamad Said GhandourI; Júlio Flávio Meirelles MarchiniII; Alfredo Moreira da Rocha NetoIII; Eduardo ErudilhoIV; Nádia Mendonça CarnietoV; Bruno Stefani Lelis SilvaVI; Bruno Veras BezerraVII; Daniel Oliveira Neto BarbosaVIII; Ingrid Olah do NascimentoIX; Henry AbensurX; Januário Manoel de SouzaXI; Marco Antônio Praça de OliveiraXII; Sérgio Almeida de OliveiraXIII; Salvador André Bavaresco CristovãoXIV; Maria Fernanda Zuliani MauroXV; José Armando MangioneXVI

IMédico estagiário da Equipe Ariê Cardiologia Intervencionista do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

IIMédico estagiário da Equipe Ariê Cardiologia Intervencionista do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

IIIMédico estagiário da Equipe Ariê Cardiologia Intervencionista do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

IVMédico assistente da Equipe Ariê Cardiologia Intervencionista do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

VMédica assistente da Equipe Ariê Cardiologia Intervencionista do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

VIMédico estagiário da Equipe Ariê Cardiologia Intervencionista do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

VIIMédico estagiário da Equipe Ariê Cardiologia Intervencionista do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

VIIIMédico estagiário da Equipe Ariê Cardiologia Intervencionista do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

IXCoordenadora de pesquisa da Equipe Ariê Cardiologia Intervencionista do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

XMédico titular. Chefe da Equipe de Ecocardiografia do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

XIMédico titular. Chefe da Equipe de Cirurgia Cardiovascular do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

XIIMédico assistente da Equipe de Cirurgia Cardiovascular do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

XIIIMédico titular. Chefe da Equipe de Cirurgia Cardiovascular do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

XIVMédico assistente da Equipe Ariê Cardiologia Intervencionista do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

XVMédica assistente da Equipe Ariê Cardiologia Intervencionista do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

XVIMédico titular. Chefe da Equipe Ariê Cardiologia Intervencionista do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Mohamad Said Ghandour. Rua Maestro Cardim, 769 – 1ºsubsolo – Bloco 1 – sala 73 – Paraíso São Paulo, SP, Brasil – CEP 01323-001 E-mail: ghandour@terra.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: Um terço da população idosa portadora de estenose aórtica calcificada sintomática não apresenta condições cirúrgicas em decorrência do elevado risco operatório. O implante valvar aórtico transcateter (IVAT) surgiu como uma alternativa terapêutica para esses pacientes.

MÉTODOS: Incluímos, no período de novembro de 2008 a abril de 2012, todos os pacientes submetidos a IVAT em nosso serviço. Relatamos as características clínicas basais, os dados dos procedimentos, os resultados hospitalares e o seguimento clínico dessa população. As definições utilizadas foram baseadas nos critérios do Valve Academic Research Consortium.

RESULTADOS: O IVAT foi realizado em 23 pacientes, com 79 ± 6,7 anos de idade, 56% do sexo feminino. O EuroSCORE foi de 20,4 ± 11,1%. A prótese CoreValve® foi utilizada em 19 pacientes (82,6%) e a Edwards SAPIENTM nos demais. A taxa de sucesso do procedimento foi de 96%. O tempo médio de seguimento clínico foi de 22 ± 12,8 meses, observando-se 6 óbitos (26,1%) nesse período, 3 dos quais ocorreram nos primeiros 30 dias (13%) e outros 2 (21,7%), até o final do primeiro ano. Um paciente apresentou ataque isquêmico transitório na fase hospitalar (4,3%), mas não ocorreram episódios de acidente vascular encefálico ou de infarto do miocárdio no período periprocedimento ou no acompanhamento tardio. O desfecho combinado de segurança aos 30 dias ocorreu em 5 pacientes (21,7%) e o desfecho combinado de eficácia aos 12 meses foi de 78,3%.

CONCLUSÕES: Os resultados obtidos neste estudo demonstram o IVAT como procedimento atrativo para o tratamento de pacientes portadores de estenose aórtica calcificada de alto risco cirúrgico.

Descritores: Estenose da valva aórtica. Próteses valvulares cardíacas. Implante de prótese de valva cardíaca.

ABSTRACT

BACKGROUND: One third of the elderly population with symptomatic calcified aortic stenosis cannot undergo surgery due to their high operative risk. The transcatheter aortic-valve implantation (TAVI) has emerged as an alternative therapy for this group of patients.

METHODS: All patients submitted to TAVI from November 2008 to April 2012 were included in our study. We report the baseline clinical characteristics, procedural data, hospital outcomes and clinical follow-up of this population. Definitions were based on the Valve Academic Research Consortium criteria.

RESULTS: TAVI was performed in 23 patients, with 79 ± 6.7 years of age, and 56% were female. The EuroSCORE was 20.4 ± 11.1%. The CoreValve® prosthesis was used in 19 patients (82.6%) and the Edwards SAPIENTM valve was used in the remaining ones. Procedure success rate was 96%. The mean follow-up was 22 ± 12.8 months, with 6 deaths (26.1%) in this period, 3 of which were observed in the first 30 days (13%) and other 2 (21.7%) by the end of the first year. One patient had a transient ischemic attack during hospitalization (4.3%), but there were no episodes of stroke or myocardial infarction in the periprocedural period or in the follow-up. The composite safety endpoint at 30 days was observed in 5 patients (21.7%) and the composite efficacy endpoint at 12 months was 78.3%.

CONCLUSIONS: The results of this study demonstrate that TAVI is an attractive procedure for the treatment of patients with calcified aortic stenosis and high operative risk.

Descriptors: Aortic valve stenosis. Heart valve prosthesis. Heart valve prosthesis implantation.

A estenose aórtica calcificada é a doença valvar mais comum diagnosticada nos Estados Unidos e na Europa1, atingindo em sua forma grave 2% da população com mais de 65 anos de idade.2 Considerando que seja essa a taxa de estenose aórtica grave prevalente na população brasileira, espera-se que sejam diagnosticados 380 mil casos em 2020 e por volta de um milhão de casos em 2050.3

Inicialmente considerada uma degeneração natural do tecido valvar, atualmente existem dados que apoiam a hipótese de que a estenose aórtica calcificada seja decorrente de um processo inflamatório semelhante à aterosclerose. Observa-se acúmulo de lipoproteínas oxidadas na íntima, ativação do endotélio e recrutamento de linfócitos T e monócitos.4 Vários mecanismos têm sido propostos para a calcificação do tecido valvar, e a transdiferenciação de miofibroblastos em osteoblastos é um deles.5

Nos pacientes adultos portadores de estenose aórtica, a obstrução ao fluxo sanguíneo aumenta gradualmente ao longo dos anos. Durante esse período ocorre uma adaptação progressiva do ventrículo esquerdo a essa sobrecarga de pressão por meio do desenvolvimento de hipertrofia miocárdica concêntrica, que resulta em disfunção diastólica, reserva de fluxo coronário reduzida, isquemia miocárdica e, eventualmente, disfunção sistólica ventricular esquerda.6

Tipicamente os pacientes portadores de estenose aórtica evoluem assintomáticos por um longo período; entretanto, após o aparecimento dos sintomas, o prognóstico é desfavorável, com um intervalo para a ocorrência de óbito de 2 anos para os que apresentam insuficiência cardíaca, de 3 anos para síncope e de 5 anos para angina do peito.7

O tratamento padrão de referência para os pacientes sintomáticos é a substituição cirúrgica da valva aórtica.8 Entretanto, cerca de um terço da população idosa portadora dessa afecção não pode se beneficiar desse procedimento em decorrência da presença de comorbidades ou condições que desfavoreçam a cirurgia.9,10 Esses pacientes têm evolução adversa, com sobrevida em 1 ano a 2 anos de 50%.11,12

O implante valvar aórtico transcateter (IVAT), introduzido por Cribier et al.13, surgiu como alternativa atrativa de tratamento para esses pacientes, ocorrendo, desde então, rápida expansão de sua utilização. Os resultados iniciais mostraram-se favoráveis.14,15 O uso na população com contraindicação à cirurgia mostrou-se superior ao tratamento clínico12,16, e vem se difundindo em diversos serviços por todo o mundo, tendo iniciado em nosso serviço em 2008. Este estudo visa a apresentar os resultados imediatos e tardios de nossos pacientes, utilizando os critérios propostos pelo Valve Academic Research Consortium (VARC).17

MÉTODOS

Pacientes

A partir de novembro de 2008, no Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, foi iniciado o programa de IVAT conduzido por um time multidisciplinar, composto por especialistas em anestesia, cardiologia, ecocardiografia, hemodinâmica, radiologia intervencionista e cirurgia cardíaca. Todos os pacientes submetidos ao procedimento nesse serviço foram incluídos neste registro até abril de 2012.

Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética e pesquisa da instituição sob o número de protocolo 669-11 / CAAE: 0104.1.360.000-11.

Critérios de seleção

Os indivíduos foram selecionados com base nos critérios clínicos e em parâmetros morfológicos da valva aórtica/aorta e da via de acesso, objetivando determinar a exequibilidade técnica da substituição valvar percutânea.18 Para isso foram realizados ecocardiograma transtorácico com Doppler em cores, angiotomografia de múltiplos detectores e angiografia da aorta ascendente, do território ilíaco-femoral e das artérias coronárias.

Foram incluídos pacientes com área valvar aórtica < 1 cm² ou área valvar aórtica indexada ≤ 0,6 cm²/m², sintomáticos, com diâmetro do anel valvar aórtico ≥ 20 mm e ≤ 27 mm, diâmetro da aorta ascendente ≤ 45 mm, EuroSCORE logístico ≥ 15% ou alto risco cirúrgico por avaliação multidisciplinar, levando-se em conta as seguintes comorbidades: cirrose hepática, hipertensão pulmonar > 60 mmHg, aorta extensamente calcificada (em porcelana), embolia pulmonar recorrente, insuficiência ventricular direita ou recusa do paciente ao procedimento cirúrgico.

Descrição do dispositivo e do procedimento

Para o implante, foi utilizada uma de duas próteses disponíveis comercialmente: a terceira geração da prótese CoreValve® (Medtronic Inc., Minneapolis, Estados Unidos) ou a prótese Edwards SAPIENTM XT (Edwards Lifesciences Inc., Irvine, Estados Unidos).

A prótese CoreValve® (Figura 1) consiste em três folhetos de pericárdio porcino, montados em um stent autoexpansível de nitinol. Os diâmetros da prótese utilizados foram de 26 mm, para um anel valvar de 20 mm a 23 mm, e de 29 mm, para um anel valvar > 23 mm a 27 mm. A prótese Edwards SAPIENTM XT (Figura 2) consiste de três folhetos de pericárdio bovino montados em um stent de cromocobalto, expansível por balão. Esse dispositivo está disponível em nosso meio nos diâmetros de 23 mm, para um anel valvar de 21 mm a 23 mm, e de 26 mm, para um anel valvar > 23 até 24,5 mm. Ambos os sistemas utilizam bainhas de 18 F de diâmetro.



Os procedimentos foram realizados sob anestesia geral ou sedação, dependendo das condições clínicas do paciente e da prótese escolhida, já que para implante da prótese Edwards SAPIENTM XT houve a necessidade do uso de ecocardiograma transesofágico para guiar o procedimento. Todos os pacientes receberam 200 mg de ácido acetilsalicílico e 300 mg de clopidogrel por via oral 24 horas antes do procedimento e foram mantidos 6 meses após com 100 mg de ácido acetilsalicílico e 75 mg de clopidogrel diário. No início de cada procedimento foi administrada heparina não-fracionada por via endovenosa (100 UI/kg) com correções suficientes para atingir tempo de coagulação ativada entre 300 segundos e 350 segundos.

As técnicas de implante dessas duas próteses já foram descritas em detalhes.14,19 Resumidamente, foi utilizado o acesso retrógrado, preferencialmente por punção da artéria femoral. Após a cateterização seletiva do ventrículo esquerdo, realizou-se valvoplastia aórtica com balão nos casos de utilização da prótese Edwards SAPIENTM XT ou, quando necessário, nos casos de utilização da prótese CoreValve®. Durante a pré-dilatação com o balão, utilizamos marca-passo provisório para elevar a frequência cardíaca entre 180 batimentos e 220 batimentos por minuto, evitando, dessa maneira, o deslocamento do balão no momento de sua insuflação. A seguir, procedeu-se o implante da endoprótese. No final do procedimento foi realizada aortografia ascendente de controle para avaliar a presença de regurgitação perivalvar. A hemostasia foi realizada com o dispositivo de oclusão vascular Perclose ProGlide (Abbott Inc., Abbott Park, Estados Unidos). Os pacientes foram encaminhados à unidade de terapia intensiva, onde permaneceram pelo menos por 48 horas, com manutenção preventiva de marca-passo transvenoso nesse período, pela possibilidade da ocorrência de bloqueio atrioventricular total.

O seguimento clínico foi realizado por meio de consulta médica ou por contato telefônico.

Definições e desfechos do estudo

O sucesso do procedimento foi definido como o implante de única prótese em posição correta e com funcionamento adequado.

O desfecho primário do estudo foi definido como a mortalidade por qualquer causa aos 30 dias e 1 ano. O desfecho combinado de segurança aos 30 dias foi definido como a ocorrência de morte por qualquer causa, acidente vascular encefálico maior, infarto agudo do miocárdio periprocedimento, sangramento com ameaça de vida, necessidade de diálise ou complicação vascular grave até 30 dias do procedimento. O desfecho combinado de eficácia em 1 ano foi definido como sobrevivência livre de morte por qualquer causa, falência do tratamento para estenose aórtica ou disfunção da prótese.

Outros desfechos avaliados foram a mortalidade cardiovascular em 30 dias e 1 ano, a ocorrência de acidente vascular encefálico e infarto agudo do miocárdio, a ocorrência de complicações vasculares maiores, a necessidade de implante de marca-passo definitivo e o surgimento de novo bloqueio do ramo esquerdo do feixe de His.

RESULTADOS

Até abril de 2012 foram incluídos 23 pacientes no registro, os quais foram seguidos por um período médio de 22 ± 12,8 meses, com variação de 3 meses a 44 meses. A média de idade foi de 79 ± 6,7 anos, sendo 56% do sexo feminino e todos caucasianos. Foram observados 87% de indivíduos com hipertensão arterial sistêmica, 65% com dislipidemia, e 30% com diabetes melito.

Os pacientes apresentaram área valvar aórtica de 0,53 ± 0,14 cm², 35% dos quais tinham relato de episódios de síncope, 30% apresentavam angina do peito e 96% apresentavam dispneia de esforço, estando 9% em classe funcional II, 74% em classe funcional III e 17% em classe funcional IV da New York Heart Association (NYHA). O EuroSCORE logístico médio foi de 20,4 ± 11,1%. As principais características basais estão descritas na Tabela 1.

O diâmetro do anel aórtico foi de 22,4 ± 2,2 mm e da aorta ascendente, de 35,3 ± 3,9 mm. A fração de ejeção do ventrículo esquerdo foi de 66 ± 11%, com 3 pacientes apresentando disfunção sistólica de ventrículo esquerdo. O gradiente de pico máximo observado entre o ventrículo esquerdo e a aorta foi de 92,1 ± 23,2 mmHg e o médio, de 54,1 ± 14,5 mmHg. Os dados ecocardiográficos estão apresentados na Tabela 2.

Dados do procedimento

Sedação foi utilizada em 12 procedimentos (52%) e os demais foram realizados sob anestesia geral. A via de acesso utilizada foi a artéria femoral direita, em 15 (65%) pacientes por meio de punção arterial e nos demais, por dissecção cirúrgica. A prótese CoreValve® foi implantada em 19 casos e a Edwards SAPIENTM XT, em 4. A pré-dilatação com cateter-balão foi empregada em 7 (37%) pacientes da prótese CoreValve®. A pós-dilatação foi realizada em 7 (30%) procedimentos. Os principais dados do procedimento estão apresentados na Tabela 3.

Obteve-se sucesso técnico do implante em 95,7% dos casos. Um paciente apresentou critério de insucesso, ocasionado pela falha de implante em posição correta, evoluindo com insuficiência aórtica moderada e necessidade de reposicionamento da prótese, que foi realizada utilizando-se laço de captura com sucesso. O gradiente máximo entre o ventrículo esquerdo e a aorta após implante valvar foi de 17,9 ± 7,3 mmHg. A fração de ejeção ventricular esquerda obtida foi de 71 ± 6,6% após o procedimento, com aumento porcentual de 7,3% em relação ao pré-procedimento. Em 17 (74%) pacientes foi observada insuficiência aórtica de grau discreto ou ausente.

Desfechos clínicos

O tempo médio de seguimento dos pacientes foi de 22 ± 12,8 meses, observando-se 6 óbitos por qualquer causa (26,1%) nesse período, 3 dos quais ocorreram nos primeiros 30 dias (13%) e outros 2 (21,7%), até o final do primeiro ano. Ocorreram 3 óbitos cardiovasculares, todos no primeiro mês pós-procedimento, 3 óbitos não-cardiovasculares, aos 4 meses, por pneumonia, e outros 2 aos 12 meses e 33 meses após o procedimento, por complicações gastrointestinais.

O desfecho combinado de segurança aos 30 dias foi de 21,7% (5/23). Ocorreram 3 óbitos cardiovasculares, 1 trombose arterial e 1 sangramento com necessidade de transfusão. Um (4,3%) paciente apresentou ataque isquêmico transitório na fase hospitalar, mas não ocorreram episódios de acidente vascular encefálico ou de infarto agudo do miocárdio tanto no período periprocedimento como no seguimento clínico.

Entre os pacientes avaliados, 4 eram portadores de marca-passo previamente ao procedimento, 4 necessitaram implante de marca-passo definitivo na fase hospitalar e 1 paciente implantou o dispositivo 3 meses após o IVAT. Bloqueio de ramo esquerdo pré-procedimento foi observado em 5 pacientes e 9 pacientes (50%) apresentaram novo bloqueio de ramo esquerdo. As alterações eletrocardiográficas pós-IVAT estão descritas na Tabela 4.

A classe funcional dos pacientes ao longo da evolução está ilustrada na Figura 3.


O desfecho combinado de eficácia aos 12 meses foi de 78,3% (18/23), com a ocorrência de 2 óbitos adicionais não-cardiovasculares entre 30 dias e 1 ano. Não ocorreram nesse período internações por falência do tratamento da estenose aórtica, assim como não foram detectadas disfunções das próteses implantadas.

DISCUSSÃO

O IVAT torna possível a abordagem de pacientes com contraindicação cirúrgica por alto risco operatório ou características excludentes como aorta em porcelana. Em nossa casuística foram selecionados pacientes com perfil de alto risco, idosos (média de idade de 79 anos), com múltiplos fatores de risco para aterosclerose e EuroSCORE de 20,4.

Obtivemos implante com sucesso em 22 dos 23 pacientes. O indivíduo definido como insucesso apresentou insuficiência aórtica moderada no final do procedimento, resolvida com reposicionamento da prótese dois dias depois do implante.

A mortalidade geral em 30 dias, de 13%, teve resultado próximo ao de outros registros publicados: Gilard et al.20, 9,7%; Lemos et al.21, 8,4%; Gurvitch et al.22, 9,4%; e Stähli et al.23, 11,5%. O desfecho de segurança obtido nesta casuística, de 21,7%, é comparável ao de Gurvitch et al.22, de 18,4%, e ao de Stähli et al.23, de 20,8%. Esse desfecho avalia eventos relacionados a complicações técnicas do procedimento até 30 dias. Já o desfecho combinado de eficácia em um ano de 78,3% foi semelhante ao do registro de Stähli et al.23, de 70,2%. Esse desfecho de eficácia avalia a sobrevivência livre da falência terapêutica e com o desempenho adequado da prótese.

O IVAT proporcionou acentuada melhora clínica, como pode ser observado na Figura 3. Na avaliação basal, 74% dos pacientes estavam em classe funcional III e 17% em classe funcional IV. Na avaliação pós-operatória imediata e aos 30 dias, 94,7% e 91,3%, respectivamente, encontravam-se em classe funcional I ou II, mantendo-se em níveis satisfatórios no seguimento tardio.

A realização do procedimento com a técnica de punção femoral e hemostasia por meio do sistema Perclose ProGlide mostrou-se factível com apenas uma complicação vascular em nosso estudo. Um paciente necessitou de abordagem cirúrgica para trombose de artéria femoral.

O principal efeito adverso observado com essa técnica foi a necessidade de implante de marca-passo definitivo, que ocorreu em 4 pacientes (21,1%), nos quais foi utilizada a prótese CoreValve™, mas é importante salientar que esse tipo de complicação pode ocorrer em até 8% dos submetidos ao procedimento cirúrgico convencional.24,25 Em algumas séries, foram observadas taxas de até 30,4% de necessidade de marca-passo após o IVAT.25

Limitações do estudo

O estudo é limitado por sua natureza observacional, por ter sido realizado em um único centro e por apresentar pequeno número de pacientes.

CONCLUSÕES

Estes resultados favoráveis demonstram o IVAT como alternativa atrativa para o tratamento da estenose aórtica calcificada grave nos pacientes com alto risco cirúrgico. A avaliação criteriosa é de fundamental importância para o sucesso do procedimento e para a redução das complicações. Entretanto, a efetividade a longo prazo necessita ser demonstrada e os desenvolvimentos tecnológicos adicionais poderão melhorar os resultados e expandir as indicações para pacientes de menor risco.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 28/6/2012

Aceito em: 5/9/2012

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  • Correspondência:

    Mohamad Said Ghandour.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Nov 2012
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      28 Jun 2012
    • Aceito
      05 Set 2012
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