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Intervenção coronária percutânea por acesso transradial em pacientes com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST

Resumos

INTRODUÇÃO: A via radial é objeto de interesse crescente de cardiologistas intervencionistas, por oferecer diversas vantagens, entre elas a redução da taxa de sangramento maior, associado a maior risco de morte e eventos isquêmicos. Entretanto, sua utilização como via de acesso na intervenção coronária percutânea (ICP) primária é motivo de controvérsias, pela maior complexidade do procedimento e pelo possível retardo para se obter a reperfusão miocárdica, quando comparada à via femoral. MÉTODOS: Estudo retrospectivo, que incluiu pacientes consecutivos com diagnóstico de infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST) submetidos a ICP primária por via radial. Foram analisados os perfis clínico, angiográfico e do procedimento, assim como a evolução tanto inicial como tardia. RESULTADOS: Entre outubro de 2010 e fevereiro de 2012, 61 pacientes foram submetidos a ICP primária por via radial. A média de idade foi de 59 ± 11,1 anos, 24,6% eram do sexo feminino e 21,3% eram diabéticos. O tempo porta-balão foi de 126,1 ± 44,7 minutos, o tempo de fluoroscopia foi de 16,1 ± 9,5 minutos, o sucesso angiográfico foi alcançado em 98,5%, com obtenção de blush miocárdico graus 2 ou 3 em 77,4%, e resolução do segmento ST > 50% aos 90 minutos em 70,5% dos pacientes. A mortalidade hospitalar foi de 6,6% e a taxa de sangramento grave foi de 1,6%. Na evolução tardia, reestenose clínica ocorreu em 7,2% e óbitos adicionais, em 3,5% dos pacientes. CONCLUSÕES: A utilização da via radial para ICP primária é segura e eficaz quando realizada em serviços familiarizados com a técnica, não apresentou retardo para a reperfusão, comparativamente a dados históricos, e demonstrou baixo risco de sangramento maior.

Infarto do miocárdio; Artéria radial; Angioplastia; Hemorragia


BACKGROUND: Radial access is the object of increasing interest for interventional cardiologists, providing several advantages, including the reduced rates of major bleeding, which is related to increased risk of death and ischemic events. However, its role as an access technique in primary percutaneous coronary intervention (PCI) remains controversial due to the greater complexity of the procedure and possible delay in obtaining myocardial reperfusion, compared to femoral access. METHODS: Retrospective study including consecutive patients with a diagnosis of ST-elevation acute myocardial infarction (STEMI) undergoing primary PCI by radial access. Clinical, angiographic and procedure characteristics were analyzed, as well as early and late follow-up outcomes. RESULTS: From October 2010 to February 2012, 61 patients underwent primary PCI by radial access. Mean age was 59 ± 11.1 years, 24.6% were female and 21.3% were diabetic. Door-to-balloon time was 126.1 ± 44.7 minutes, fluoroscopy time was 16.1 ± 9.5 minutes, angiographic success was achieved in 98.5%, with myocardial blush grades 2 and 3 in 77.4% and ST-segment elevation resolution > 50% at 90 minutes in 70.5% of the patients. Hospital mortality was 6.6% and the rate of major bleeding was 1.6%. In the late follow-up, clinical restenosis was observed in 7.2% and additional deaths in 3.5% of the patients. CONCLUSIONS: The use of radial access for primary PCI is safe and effective when performed at experienced centers and did not present delayed reperfusion when compared to historical data, showing low risk of major bleeding.

Myocardial infarction; Radial artery; Angioplasty; Hemorrhage


ARTIGO ORIGINAL

Intervenção coronária percutânea por acesso transradial em pacientes com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST

Transradial percutaneous coronary intervention in patients with ST-Elevation acute myocardial infarction

Clarissa Campo Dall'OrtoI; Rubens Pierry Ferreira LopesII; Luiz Daniel Silva de OliveiraIII; Giovanni CisariIV; Alexandre de Souza MarquesV; Julio Cesar Castillo PereaVI; Guilherme de Oliveira Silveira CostaVII

IMédica. Diretora do Setor de Cardiologia Invasiva do Hospital Regional de Teixeira de Freitas. Teixeira de Freitas, BA, Brasil

IIMédico do Setor de Cirurgia Endovascular e Radiologia Intervencionista do Hospital Regional de Teixeira de Freitas. Teixeira de Freitas, BA, Brasil

IIIEnfermeiro. Coordenador da Enfermagem do Setor de Hemodinâmica do Hospital Regional de Teixeira de Freitas. Teixeira de Freitas, BA, Brasil

IVMédico cardiologista do Hospital Regional de Teixeira de Freitas. Teixeira de Freitas, BA, Brasil

VMédico cardiologista do Hospital Regional de Teixeira de Freitas. Teixeira de Freitas, BA, Brasil

VIMédico cardiologista do Hospital Regional de Teixeira de Freitas. Teixeira de Freitas, BA, Brasil

VIIMédico cardiologista do Hospital Regional de Teixeira de Freitas. Teixeira de Freitas, BA, Brasil

Correspondência Correspondência: Clarissa Campo Dall'Orto. Avenida Presidente Getulio Vargas, 4.579 Teixeira de Freitas, BA, Brasil – CEP 45998-400 E-mail: clarissadallorto@ig.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: A via radial é objeto de interesse crescente de cardiologistas intervencionistas, por oferecer diversas vantagens, entre elas a redução da taxa de sangramento maior, associado a maior risco de morte e eventos isquêmicos. Entretanto, sua utilização como via de acesso na intervenção coronária percutânea (ICP) primária é motivo de controvérsias, pela maior complexidade do procedimento e pelo possível retardo para se obter a reperfusão miocárdica, quando comparada à via femoral.

MÉTODOS: Estudo retrospectivo, que incluiu pacientes consecutivos com diagnóstico de infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST) submetidos a ICP primária por via radial. Foram analisados os perfis clínico, angiográfico e do procedimento, assim como a evolução tanto inicial como tardia.

RESULTADOS: Entre outubro de 2010 e fevereiro de 2012, 61 pacientes foram submetidos a ICP primária por via radial. A média de idade foi de 59 ± 11,1 anos, 24,6% eram do sexo feminino e 21,3% eram diabéticos. O tempo porta-balão foi de 126,1 ± 44,7 minutos, o tempo de fluoroscopia foi de 16,1 ± 9,5 minutos, o sucesso angiográfico foi alcançado em 98,5%, com obtenção de blush miocárdico graus 2 ou 3 em 77,4%, e resolução do segmento ST > 50% aos 90 minutos em 70,5% dos pacientes. A mortalidade hospitalar foi de 6,6% e a taxa de sangramento grave foi de 1,6%. Na evolução tardia, reestenose clínica ocorreu em 7,2% e óbitos adicionais, em 3,5% dos pacientes.

CONCLUSÕES: A utilização da via radial para ICP primária é segura e eficaz quando realizada em serviços familiarizados com a técnica, não apresentou retardo para a reperfusão, comparativamente a dados históricos, e demonstrou baixo risco de sangramento maior.

Descritores: Infarto do miocárdio. Artéria radial. Angioplastia. Hemorragia.

ABSTRACT

BACKGROUND: Radial access is the object of increasing interest for interventional cardiologists, providing several advantages, including the reduced rates of major bleeding, which is related to increased risk of death and ischemic events. However, its role as an access technique in primary percutaneous coronary intervention (PCI) remains controversial due to the greater complexity of the procedure and possible delay in obtaining myocardial reperfusion, compared to femoral access.

METHODS: Retrospective study including consecutive patients with a diagnosis of ST-elevation acute myocardial infarction (STEMI) undergoing primary PCI by radial access. Clinical, angiographic and procedure characteristics were analyzed, as well as early and late follow-up outcomes.

RESULTS: From October 2010 to February 2012, 61 patients underwent primary PCI by radial access. Mean age was 59 ± 11.1 years, 24.6% were female and 21.3% were diabetic. Door-to-balloon time was 126.1 ± 44.7 minutes, fluoroscopy time was 16.1 ± 9.5 minutes, angiographic success was achieved in 98.5%, with myocardial blush grades 2 and 3 in 77.4% and ST-segment elevation resolution > 50% at 90 minutes in 70.5% of the patients. Hospital mortality was 6.6% and the rate of major bleeding was 1.6%. In the late follow-up, clinical restenosis was observed in 7.2% and additional deaths in 3.5% of the patients.

CONCLUSIONS: The use of radial access for primary PCI is safe and effective when performed at experienced centers and did not present delayed reperfusion when compared to historical data, showing low risk of major bleeding.

Descriptors: Myocardial infarction. Radial artery. Angioplasty. Hemorrhage.

A via radial é objeto de interesse crescente para procedimentos diagnósticos e terapêuticos, em todo o mundo e também em nosso meio, por possuir diversas vantagens, como comodidade para o paciente no pós-procedimento imediato, retorno precoce a suas atividades, diminuição do tempo de internação, com consequente redução dos custos hospitalares, e baixo índice de complicação do sítio de punção, quando comparada com a via femoral, reduzindo a taxa de sangramento maior, que, por sua vez, está associado a maior risco de morte e eventos isquêmicos.1-5

Esse acesso torna-se particularmente importante no cenário do infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST), em que o uso das terapias antiagregante e antitrombótica é mais agressivo, aumentando o risco de sangramento. O papel da intervenção coronária percutânea (ICP) por via radial no IAMCSST, no entanto, permanece controverso por questões relacionadas à complexidade do procedimento e a sua possível repercussão em relação ao retardo para uma pronta reperfusão, principal objetivo da ICP primária.

O objetivo deste estudo foi avaliar os perfis clínico, angiográfico e do procedimento, assim como a evolução tanto inicial como tardia, de pacientes com IAMCSST submetidos a ICP primária por via radial, em uma população não-selecionada, representativa da prática clínica diária.

MÉTODOS

Estudo retrospectivo, no qual foram incluídos consecutivamente todos os pacientes com diagnóstico de IAMCSST tratados por ICP primária por via radial nas primeiras 12 horas ou até 24 horas com persistência da dor ou instabilidade hemodinâmica. Foram excluídos os pacientes com cirurgia de revascularização miocárdica prévia, os portadores de insuficiência renal crônica dialíticos com fístula no membro superior direito e aqueles em choque cardiogênico sem pulso radial. Os pacientes em choque cardiogênico que responderam à terapêutica inicial com aminas vasoativas e que apresentaram pulso radial na chegada à sala de hemodinâmica foram incluídos.

A punção da artéria radial foi realizada com o paciente com o membro superior direito estendido ao lado do corpo, com a mão na posição supina, sob anestesia local, realizada com 2 ml a 3 ml de lidocaína 2%. Para puncionar a artéria foi utilizado um jelco 20, e após a punção foram inseridas bainhas arteriais específicas para a artéria radial, de 5 F a 7 F, com 11 cm de comprimento. Após o procedimento, a bainha arterial era retirada em sala, sem reversão da heparina, e feito curativo compressivo com gaze e esparadrapo. O curativo compressivo era retirado habitualmente duas horas após o procedimento.

Todos os pacientes receberam dose de ataque de 300 mg de ácido acetilsalicílico e 600 mg de clopidogrel, seguido por dose de manutenção de 100 mg e 75 mg por dia, respectivamente, e heparina não-fracionada endovenosa, na dose de 70-100 U/kg.

Os pacientes foram seguidos após a alta hospitalar, e o seguimento se deu com um mês, três meses, seis meses e um ano, por consulta médica ou contato telefônico.

O sangramento foi definido de acordo com os critérios Thrombolysis in Myocardial Infarction6 (TIMI – mínimo: qualquer sinal clínico de hemorragia associado a queda da hemoglobina < 3 g/dl; menor: qualquer sinal clínico de hemorragia associado a queda da hemoglobina de 3 g/dl a 5 g/dl; e maior: hemorragia intracraniana, sinal de hemorragia clinicamente significante associada a queda da hemoglobina > 5 g/dl ou sangramento fatal) e Bleeding Academic Research Consortium7 (BARC – tipo 0: ausência de sangramento; tipo 1: sangramentos pequenos que não necessitem de atendimento médico ou internação hospitalar; tipo 2: qualquer sinal de hemorragia que não se encaixe nos tipos 3, 4 ou 5, mas que apresente pelo menos um dos seguintes critérios: intervenção médica não-cirúrgica; necessidade de internação hospitalar ou aumento do nível de cuidados; necessidade de avaliação clínica; tipo 3A: sangramento associado a queda da hemoglobina de 3 g/dl a 5 g/dl ou sangramento que necessite de transfusão sanguínea; tipo 3B: sangramento associado a queda da hemoglobina > 5 g/dl, tamponamento cardíaco, sangramento que necessite de tratamento cirúrgico para controle exceto dental/nasal/pele/hemorroidas ou sangramento que necessite do uso de drogas vasoativas; tipo 3C: sangramento intracraniano exceto micro-hemorragias ou transformação hemorrágica, subcategorias distintas de sangramentos confirmados por autópsia, exames de imagem ou lavado peritoneal ou sangramento intraocular que comprometa a visão; tipo 4: sangramento relacionado à cirurgia de revascularização miocárdica; tipo 5: sangramento fatal).

O critério de reinfarto após o procedimento adotado foi o do TIMI6, que considera que para pacientes dentro de 48 horas do procedimento índice, três condições têm que estar presentes: documentação de que a creatina quinase fração MB (CK-MB) estava em queda (ou CPK total, se a CK-MB não estiver disponível), CK-MB obtida pelo menos 4 horas após o procedimento > 3 vezes o limite superior da normalidade (ou CPK total, se a CK-MB não estiver disponível), e aumento da CK-MB de pelo menos 50% sobre o valor prévio.

O sucesso angiográfico foi definido como porcentual do diâmetro da estenose < 30% com fluxo final TIMI 3. A trombose do stent foi classificada em aguda, subaguda, tardia e muito tardia e em possível, provável e definitiva de acordo com os critérios do Academic Research Consortium (ARC).8

As variáveis contínuas foram expressas como média e desvio padrão e as variáveis categóricas, como números e porcentagens.

RESULTADOS

Entre outubro de 2010 e fevereiro de 2012, 61 pacientes consecutivos com IAMCSST foram submetidos a ICP por via radial, com 71 lesões tratadas e 77 stents implantados. Desses pacientes, 26 (42,6%) foram inicialmente atendidos em unidades básicas em pequenas cidades vizinhas sem alternativa a não ser a transferência para o centro de referência, a qual foi realizada pelo Serviço Móvel de Urgência (SAMU). A média de idade foi de 59 ± 11,1 anos, 24,6% eram do sexo feminino e 21,3%, diabéticos. A maioria dos pacientes tinha risco TIMI de 2 a 7 e estava em Killip I, e 6 (9,8%) pacientes estavam em choque cardiogênico (Tabela 1).

Com relação às características angiográficas, 34,4% eram uniarteriais, 31,1% eram biarteriais e 34,4%, triarteriais. A maioria das lesões era do tipo B2 ou C (84,5%) segundo a classificação da American Heart Association (AHA), e tipo III ou IV da Society for Cardiac Angiography and Interventions (Tabela 2).

O tempo entre o início dos sintomas e a chegada ao hospital (∆t) foi de 5,5 ± 4,2 horas e o tempo porta-balão, de 126,1 ± 44,7 minutos. Das 71 lesões abordadas, foram implantados 77 stents, em 21,3% foi utilizado o cateter aspirador de trombo e 81,7% foram pré-dilatadas. O tempo de fluoroscopia foi de 16,1 ± 9,5 minutos. Houve necessidade de troca da via de acesso para artéria femoral em 3 pacientes (4,9%), um por espasmo grave não-solucionado com fármacos vasodilatadores e sedação, outro por artéria subclávia lusória, e outro por tortuosidade importante na artéria radial que impediu a progressão do cateter. O inibidor da glicoproteína IIb/IIIa abxicimab foi utilizado em 37,7% dos casos, a critério do operador. O sucesso angiográfico foi alcançado em 98,5%, com blush miocárdico graus 2 ou 3 em 77,4% e resolução do supradesnivelamento do segmento ST > 50% aos 90 minutos em 70,5% dos pacientes (Tabelas 3 e 4).

Com relação à evolução intra-hospitalar e até 30 dias (Tabela 5), sucesso clínico foi alcançado em 90,2% e ocorreram 2 (2,8%) casos de IAM em decorrência de trombose subaguda do stent. Nos 2 casos houve interrupção do clopidogrel (um no quinto dia e outro no oitavo dia pós-ICP, depois da alta hospitalar), sendo reabordados por reintervenção percutânea. Houve 4 óbitos (6,6%), 3 por causa cardíaca (os pacientes em choque cardiogênico foram incluídos na amostra) e 1 por sepse secundária a pneumonia associada a ventilação mecânica. Sangramento ocorreu em 3 pacientes, sendo 2 de pequena importância (classificados como mínimos pelo critério TIMI e 1 e 2 pelo critério BARC) e 1 de grande importância (maior e tipo 3B pelos critérios TIMI e BARC, respectivamente), que ocorreu em um dos pacientes que tiveram troca da via de acesso para a artéria femoral e que necessitou de intervenção cirúrgica vascular. O período médio de internação foi de 5,2 ± 5,8 dias. A Tabela 6 discrimina os fármacos prescritos na alta hospitalar.

O tempo médio de seguimento foi de 146,7 ± 116,5 dias, com 94,7% dos pacientes acompanhados por 3 meses, 91,2% por 6 meses e 61,4% por 1 ano. Nesse período, 29,8% dos pacientes necessitaram de nova intervenção, sendo 21% percutânea e 8,8% cirúrgica. A maioria (20,8%) foi submetida a segunda intervenção para tratamento de lesões não abordadas na fase aguda, pois se excetuando os casos de choque cardiogênico, na fase aguda abordou-se apenas a artéria culpada. A taxa de reestenose clínica foi de 7,2%. Ocorreram 2 óbitos adicionais (3,5%), ambos por causa não-cardíaca: um por complicações de doença arterial periférica e outro por tromboembolia pulmonar maciça. Não ocorreram casos de IAM nesse período (Tabela 7).

DISCUSSÃO

Em nossa experiência, a ICP primária por via radial mostrou-se tão efetiva quanto por via femoral, com alta taxa de sucesso técnico, baixo índice de crossover e muito segura, uma vez que as taxas de sangramento e complicações do sítio de punção praticamente não ocorreram na amostra avaliada. O tempo de fluoroscopia, um medidor indireto da dificuldade do exame, que vários autores acreditam ser maior na ICP por via radial que por via femoral, foi compatível com o descrito por Farman et al.9 para ICP por via radial e menor que o demonstrado por Alli et al.10 para a via femoral. É importante mencionar que os operadores devem estar familiarizados com a técnica para obter sucesso angiográfico, ter baixa taxa de troca de via de acesso e, dessa maneira, não retardar a reperfusão coronária. Em nosso centro, a via radial é a primeira escolha para todos os procedimentos, sejam diagnósticos ou terapêuticos.

Em pacientes com síndrome coronária aguda, o sangramento maior é tão comum quanto infarto recorrente, e ocorre em torno de 5% dos pacientes, dependendo da definição utilizada. Uma grande proporção do sangramento ocorre no sítio de acesso vascular.11 Achados de diversos estudos sugerem que o sangramento maior está associado a risco elevado de óbito e eventos isquêmicos recorrentes.12,13 O acesso vascular através da artéria radial, que é uma artéria superficial e facilmente compressível, resulta em taxa menor de sangramento através do sítio de acesso que pela artéria femoral. Além disso, achados de estudos observacionais sugerem menor risco de óbito e infarto do miocárdio quando o procedimento é realizado pela artéria radial.14,15

Uma série de estudos comparou as vias radial e femoral em diversos cenários. O estudo RadIal Vs femorAL access for coronary intervention (RIVAL) demonstrou que para operadores com alto volume anual de ICP por via radial os pacientes com IAMCSST se beneficiaram mais com a via de acesso radial que com a femoral com relação ao desfecho composto de óbito, IAM e acidente vascular cerebral (P = 0,011) e óbito (P = 0,001).11 O estudo Prospective REgistry of Vascular Access in Interventions in Lazio region (PREVAIL) evidenciou melhores resultados da ICP por via radial em pacientes contemporâneos do mundo real, demonstrando que o uso do acesso radial de rotina foi um fator independente associado com a diminuição do risco dos desfechos primários, composto de hemorragias menor e maior, acidente vascular cerebral periprocedimento e complicação do sítio vascular [odds ratio (OR) 0,37, intervalo de confiança de 95% (IC 95%) 0,16-0,84) e dos desfechos secundários, composto de óbito hospitalar e reinfarto (OR 0,14, IC 95%, 0,03-0,62).16 O estudo Acute Catheterization and Urgent Intervention Triage strategY (ACUITY) demonstrou que o acesso transradial diminui a taxa de sangramento maior quando comparado ao femoral em pacientes com síndromes coronárias agudas (3% vs. 8,4%; P = 0,03).17

Por fim, Andrade et al.18 publicaram, em nosso meio, uma série de pacientes consecutivos submetidos a ICP primária por via radial e evidenciaram que a realização desse procedimento por operadores experientes é segura, com ocorrência de complicações vasculares graves relacionadas ao sítio de punção virtualmente nula, achados reproduzidos em nossa casuística.

Limitações do estudo

Este estudo apresenta as limitações inerentes aos estudos retrospectivos e observacionais. O número de pacientes da amostra é reduzido, não apresenta um grupo controle com ICP realizada por acesso femoral e foi realizado em um único centro.

CONCLUSÕES

A utilização da técnica radial na ICP primária é segura e eficaz, desde que realizada por operadores familiarizados com a técnica, tem elevado índice de sucesso técnico, não apresentando retardo para a reperfusão comparativamente a dados históricos, e mostrou baixo risco de sangramento maior.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 28/6/2012

Aceito em: 6/9/2012

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  • Correspondência:

    Clarissa Campo Dall'Orto.
    Avenida Presidente Getulio Vargas, 4.579
    Teixeira de Freitas, BA, Brasil – CEP 45998-400
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Nov 2012
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      28 Jun 2012
    • Aceito
      06 Set 2012
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