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Incidência, manejo e prognóstico de perfurações coronárias

Resumos

INTRODUÇÃO: A perfuração coronária na atualidade é complicação rara, mas potencialmente catastrófica. Nosso objetivo foi avaliar a incidência, os preditores, o manejo e o prognóstico das perfurações coronárias na experiência de um serviço de cardiologia intervencionista com grande volume de intervenções coronárias percutâneas (ICPs). MÉTODOS: Comparamos as características clínicas, angiográficas e do procedimento e a evolução intra-hospitalar de pacientes que apresentaram ou não perfuração coronária. Análise univariada foi realizada para determinar os preditores dessa complicação. RESULTADOS: No período de dezembro de 2007 a janeiro de 2012, 5.585 pacientes consecutivos foram submetidos a ICP e 18 apresentaram perfuração coronária (0,32%), dos quais 55,5% eram do sexo feminino e 38,9% eram diabéticos. Nesse grupo, a artéria descendente anterior foi o vaso mais frequentemente tratado (61,1%), assim como a lesão do tipo C (61,1%), e as oclusões crônicas foram abordadas em 27,8% desses casos. A maioria das perfurações coronárias (11/18) apresentou menor complexidade de acordo com a classificação de Ellis modificada, enquanto as demais foram qualificadas como graus III (6/18) ou IV (1/18). O cateter-balão foi o dispositivo responsável pela perfuração em 61,1% dos casos. Realizou-se insuflação prolongada com cateter-balão e inativação da heparina com protamina em 72,2% e 88,9% dos casos, respectivamente. Apenas 1 paciente (5,6%) necessitou de abordagem cirúrgica de emergência em decorrência de tamponamento cardíaco. Não houve óbito associado à perfuração coronária. Na análise univariada, os preditores de perfuração coronária foram: sexo feminino (P = 0,03), doença pulmonar obstrutiva crônica (P = 0,006) e oclusão crônica (P < 0,01). CONCLUSÕES: Em nossa experiência, a perfuração coronária foi evento raro, controlada conservadoramente na maioria dos casos e com evolução hospitalar satisfatória.

Doença da artéria coronariana; Estenose coronária; Angiografia coronária; Angioplastia


BACKGROUND: Coronary perforation is currently a rare, but potentially catastrophic complication. The aim of the study was to evaluate the incidence, predictors, management and prognosis of coronary perforations at a hospital with a large number of percutaneous coronary interventions (PCIs). METHODS: Clinical, angiographic, procedural and in-hospital outcomes of patients with or without coronary perforations were compared. Univariate analysis was performed to determine the predictors of this complication. RESULTS: From December 2007 to January 2012, 5,585 consecutive patients were submitted to PCI and 18 had coronary perforation (0.32%), of whom 55.5% were female and 38.9% were diabetic. In this group, the left anterior descending artery was the most frequently treated vessel (61.1%) as well as type C lesion (61.1%) and chronic occlusions were approached in 27.8% of these cases. Most of the coronary perforations (11/18) had a lower complexity according to the modified Ellis classification, whereas the remaining perforations were classified as grades III (6/18) or IV (1/18). The balloon-catheter device was responsible for perforation in 61.1% of the cases. Prolonged inflation with a balloon-catheter and heparin reversal with protamine was performed in 72.2% and 88.9% of the cases, respectively. Only 1 patient (5.6%) required an emergency surgery due to cardiac tamponade. There were no deaths associated with coronary perforation. According to the univariate analysis, coronary perforation predictors were: female gender (P = 0.03), chronic obstructive pulmonary disease (P = 0.006) and chronic occlusion (P < 0.01). CONCLUSIONS: In our experience, coronary perforation was a rare event, which was managed conservatively in most of the cases and was associated with a good in-hospital outcome.

Coronary artery disease; Coronary stenosis; Coronary angiography; Angioplasty


ARTIGO ORIGINAL

Incidência, manejo e prognóstico de perfurações coronárias

Incidence, management and prognosis of coronary perforations

Wersley Araújo SilvaI; Ricardo A. CostaII; Tarcísio CampostriniIII; J. Ribamar Costa Jr.IV; Dimytri A. SiqueiraV; Rodolfo StaicoVI; Fausto FeresVII; Áurea J. ChavesVIII; Luiz F. TanajuraIX; Alexandre AbizaidX; J. Eduardo SousaXI

IMédico cardiologista intervencionista aprimorando do Serviço de Cardiologia Invasiva do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

IIDoutor. Médico cardiologista intervencionista do Serviço de Cardiologia Invasiva do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

IIIMédico cardiologista intervencionista aprimorando do Serviço de Cardiologia Invasiva do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

IVDoutor. Médico cardiologista intervencionista do Serviço de Cardiologia Invasiva do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

VDoutor. Médico cardiologista intervencionista do Serviço de Cardiologia Invasiva do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

VIDoutor. Médico cardiologista intervencionista do Serviço de Cardiologia Invasiva do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

VIIDoutor. Médico cardiologista intervencionista do Serviço de Cardiologia Invasiva do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

VIIIDoutora. Médica cardiologista do Serviço de Cardiologia Invasiva do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

IXDoutor. Chefe da Seção Médica de Angioplastia Coronária do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

XLivre-docente. Diretor do Serviço de Cardiologia Invasiva do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

XILivre-docente. Diretor do Centro de Intervenções em Doenças Estruturais do Coração do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Ricardo A. Costa. Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 – Ibirapuera São Paulo, SP, Brasil – CEP 04012-909 E-mail: rcosta@dantepazzanese.org.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: A perfuração coronária na atualidade é complicação rara, mas potencialmente catastrófica. Nosso objetivo foi avaliar a incidência, os preditores, o manejo e o prognóstico das perfurações coronárias na experiência de um serviço de cardiologia intervencionista com grande volume de intervenções coronárias percutâneas (ICPs).

MÉTODOS: Comparamos as características clínicas, angiográficas e do procedimento e a evolução intra-hospitalar de pacientes que apresentaram ou não perfuração coronária. Análise univariada foi realizada para determinar os preditores dessa complicação.

RESULTADOS: No período de dezembro de 2007 a janeiro de 2012, 5.585 pacientes consecutivos foram submetidos a ICP e 18 apresentaram perfuração coronária (0,32%), dos quais 55,5% eram do sexo feminino e 38,9% eram diabéticos. Nesse grupo, a artéria descendente anterior foi o vaso mais frequentemente tratado (61,1%), assim como a lesão do tipo C (61,1%), e as oclusões crônicas foram abordadas em 27,8% desses casos. A maioria das perfurações coronárias (11/18) apresentou menor complexidade de acordo com a classificação de Ellis modificada, enquanto as demais foram qualificadas como graus III (6/18) ou IV (1/18). O cateter-balão foi o dispositivo responsável pela perfuração em 61,1% dos casos. Realizou-se insuflação prolongada com cateter-balão e inativação da heparina com protamina em 72,2% e 88,9% dos casos, respectivamente. Apenas 1 paciente (5,6%) necessitou de abordagem cirúrgica de emergência em decorrência de tamponamento cardíaco. Não houve óbito associado à perfuração coronária. Na análise univariada, os preditores de perfuração coronária foram: sexo feminino (P = 0,03), doença pulmonar obstrutiva crônica (P = 0,006) e oclusão crônica (P < 0,01).

CONCLUSÕES: Em nossa experiência, a perfuração coronária foi evento raro, controlada conservadoramente na maioria dos casos e com evolução hospitalar satisfatória.

Descritores: Doença da artéria coronariana. Estenose coronária. Angiografia coronária. Angioplastia.

ABSTRACT

BACKGROUND: Coronary perforation is currently a rare, but potentially catastrophic complication. The aim of the study was to evaluate the incidence, predictors, management and prognosis of coronary perforations at a hospital with a large number of percutaneous coronary interventions (PCIs).

METHODS: Clinical, angiographic, procedural and in-hospital outcomes of patients with or without coronary perforations were compared. Univariate analysis was performed to determine the predictors of this complication.

RESULTS: From December 2007 to January 2012, 5,585 consecutive patients were submitted to PCI and 18 had coronary perforation (0.32%), of whom 55.5% were female and 38.9% were diabetic. In this group, the left anterior descending artery was the most frequently treated vessel (61.1%) as well as type C lesion (61.1%) and chronic occlusions were approached in 27.8% of these cases. Most of the coronary perforations (11/18) had a lower complexity according to the modified Ellis classification, whereas the remaining perforations were classified as grades III (6/18) or IV (1/18). The balloon-catheter device was responsible for perforation in 61.1% of the cases. Prolonged inflation with a balloon-catheter and heparin reversal with protamine was performed in 72.2% and 88.9% of the cases, respectively. Only 1 patient (5.6%) required an emergency surgery due to cardiac tamponade. There were no deaths associated with coronary perforation. According to the univariate analysis, coronary perforation predictors were: female gender (P = 0.03), chronic obstructive pulmonary disease (P = 0.006) and chronic occlusion (P < 0.01).

CONCLUSIONS: In our experience, coronary perforation was a rare event, which was managed conservatively in most of the cases and was associated with a good in-hospital outcome.

Descriptors: Coronary artery disease. Coronary stenosis. Coronary angiography. Angioplasty.

A perfuração coronária é uma rara complicação do procedimento de intervenção coronária percutânea (ICP), caracterizada por uma ruptura do lúmen arterial, que resulta no extravasamento de seu conteúdo. Pode ser causada por vários dispositivos percutâneos utilizados durante a ICP, como cordas-guia, aterótomo (direcional ou rotacional), cateteres-balão ou stents metálicos.1 Mesmo com o grande crescimento do número de ICPs ao redor do mundo, a perfuração coronária permanece como um fenômeno infrequente na era atual, contudo potencialmente catastrófica, podendo levar à ocorrência de infarto agudo do miocárdio (IAM), tamponamento cardíaco, cirurgia de urgência e óbito. Em geral, a perfuração coronária acontece em 0,1% a 0,6% dos procedimentos de angioplastia coronária e sua ocorrência tem sido historicamente associada a ICPs em lesões com morfologia complexa, incluindo calcificação grave e oclusão crônica, ao uso de dispositivos de aterectomia e à utilização de cordas-guia hidrofílicas.2-12 Ademais, estudos prévios relataram mortalidade decorrente de perfuração coronária em cerca de 5% a 10% dos casos, sendo idade avançada, tipo (ou gravidade) da perfuração e ocorrência de tamponamento cardíaco, necessitando ou não de cirurgia de emergência, preditores comumente reportados.3,4

Em relação ao tratamento da perfuração coronária, faz-se necessária uma abordagem terapêutica imediata, visando à contenção do vazamento coronário e à descompressão da cavidade pericárdica, se preciso. Tais medidas incluem, mas não estão limitadas a, inativação do agente antitrombínico, insuflação prolongada com cateter-balão, implante de stent revestido, embolização com coil, pericardiocentese ou mesmo cirurgia cardíaca de emergência.3,4

Nosso objetivo foi relatar a incidência, o manejo, o prognóstico e os preditores de perfuração coronária ocorridos em pacientes submetidos a ICP na prática diária de um serviço de cardiologia intervencionista com alto volume de ICPs.

MÉTODOS

Desenho e população do estudo

Realizamos análise retrospectiva dos dados de pacientes tratados no Serviço de Cardiologia Invasiva do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia (São Paulo, SP, Brasil), no período de dezembro de 2007 a janeiro de 2012. Durante esse período, todos os pacientes submetidos a ICP eletiva ou de emergência tiveram as informações relacionadas às características clínicas, angiográficas e do procedimento e à evolução clínica intra-hospitalar coletadas de maneira prospectiva e armazenadas em um banco de dados eletrônico dedicado, seguindo protocolo preestabelecido. Identificamos os pacientes que apresentaram perfuração coronária durante a ICP, os quais foram comparados aos demais que não apresentaram essa complicação.

Classificação de perfuração coronária e definições

As perfurações coronárias seguiram a classificação de Ellis modificada2:

– tipo I: cratera extraluminal, sem extravasamento de contraste linear que sugira dissecção (Figura 1A);



– tipo II: blush pericárdico ou miocárdico, com orifício de saída < 1 mm (Figura 1B);

– tipo III: franco extravasamento de contraste para o pericárdio através de orifício ≥ 1 mm de diâmetro (Figura 1C);

– tipo IV: perfuração com derramamento de contraste diretamente para o ventrículo esquerdo, para o seio coronário ou para outra câmara vascular, excluindo o pericárdio (Figura 1D).

O tamponamento cardíaco foi definido pela presença de uma ou mais das seguintes características: a) hipotensão sistêmica (pressão arterial sistólica < 90 mmHg), com evidência de pulso paradoxal pela avaliação clínica ou por método invasivo; b) evidência de derrame pericárdico à angiografia; e c) presença ao exame ecocardiográfico de variação respiratória significativa da velocidade transmitral ao Doppler, veia cava inferior dilatada com falência ao colapsar à inspiração e/ou colapso diastólico da parede livre do ventrículo direito.13 IAM periprocedimento foi definido pela elevação do biomarcador creatinofosfoquinase fração MB ≥ 3 vezes o limite superior da normalidade no exame realizado até 24 horas pós-procedimento. Eventos clínicos adversos maiores (ECAM) foram definidos pelo desfecho combinado de morte por qualquer causa, IAM e cirurgia cardíaca de emergência. Sucesso angiográfico foi definido: a) pela obtenção de fluxo Thrombolysis In Myocardial Infarction (TIMI) grau 3; b) pela ausência de trombo, dissecção ou perfuração com extravasamento de contraste ativo; e c) pela estenose residual < 30% (à angiografia coronária quantitativa) no segmento tratado ao final do procedimento. Já o sucesso do procedimento foi definido como sucesso angiográfico mais ausência de ECAM durante a hospitalização índice.

Procedimento

Os procedimentos de ICP foram realizados de acordo com as recomendações das diretrizes atuais, objetivando resultado angiográfico ótimo após o implante de dispositivo coronário.14 A via de acesso arterial, a escolha do material para realização da ICP (corda-guia, cateter-balão, etc.), o tipo de stent utilizado, a técnica de implante do stent e a terapia medicamentosa adjunta ficaram a critério do operador. Em relação à terapia antitrombótica, o pré-tratamento incluiu aspirina na dose de 100 mg/dia em caso de uso crônico (> 7 dias) ou dose de ataque de 200 mg realizada > 24 horas antes da ICP e clopidogrel, na dose de ataque de 300 mg > 24 horas antes da intervenção ou 600 mg antes do procedimento (preferencialmente > 2 horas) em casos de síndrome coronária aguda. Após o procedimento, os pacientes eram orientados a permanecer em uso de terapia antiplaquetária dupla (aspirina 100 mg mais clopidogrel 75 mg) por pelo menos um mês em caso de implante de stent(s) não-farmacológico(s) e um ano para stent(s) farmacológico(s). Com relação à terapia antitrombínica durante o procedimento, a heparina intravenosa era administrada na dose de 70 U/kg a 100 U/kg de peso para manter um tempo de coagulação ativada > 250 segundos ou > 200 segundos em caso de administração concomitante de inibidor da glicoproteína IIb/IIIa, utilizado a critério do operador.

Exames complementares eram realizados segundo protocolo da institutição e incluíam eletrocardiograma com 12 derivações antes, imediatamente depois e diariamente após o procedimento, até a alta hospitalar. Já os exames laboratoriais incluíam biomarcadores cardíacos no pré-procedimento, nas primeiras 24 horas pós-procedimento e diariamente até a alta hospitalar.

Análise angiográfica

As análises angiográficas qualitativas e quantitativas foram realizadas no pré e no pós-procedimento. A avaliação qualitativa foi realizada de acordo com os critérios utilizados na classificação do American College of Cardiology e da American Heart Association (ACC/AHA),15 sendo consideradas lesões do tipo C quando pelo menos uma das seguintes características estava presente: a) extensão > 20 mm (lesão difusa); b) tortuosidade significativa (3 ou mais ângulos ≥ 75 graus no segmento proximal à lesão); c) angulação significativa da lesão (≥ 90 graus); d) lesão de bifurcação com incapacidade de proteção do ramo lateral com a corda-guia; e) lesão em ponte de veia safena degenerada; e f) oclusão crônica (≥ 3 meses). As análises de angiografia coronária quantitativa foram realizadas off-line por operadores experientes com o método, por meio de um programa validado e disponível comercialmente (QAngio XA versão 7,3 – Medis medical imaging systems bv, Leiden, Holanda). A extensão da lesão foi delimitada pela distância entre os pontos imediatamente antes e após a estenose-alvo considerados isentos de ateromatose, ou seja, a transição entre o segmento estenótico e as referências normais. O diâmetro mínimo do lúmen (DML) e o diâmetro de referência do vaso (DRV) foram utilizados para calcular a estenose do diâmetro (ED) por meio da seguinte fórmula: ED (%) = [1 – (DML / DRV)] x 100. Ganho imediato foi definido como a diferença de DLM pré e pós-procedimento (DLM pós-procedimento – DLM pré-procedimento). A razão balão:artéria foi determinada pela diâmetro máximo do cateter-balão insuflado dividido pelo DRV. As variáveis quantitativas foram reportadas nos segmentos intrastent e intrassegmento, o qual incorpora o segmento intrastent mais as bordas 5 mm nas regiões peristent, segundo metodologia previamente descrita.

Análise estatística

As variáveis qualitativas foram expressas como frequências absolutas e porcentuais e comparadas pelo teste qui-quadrado ou teste exato de Fisher, quando apropriado. Já as variáveis quantitativas foram expressas como média e desvio padrão e comparadas com o teste t de Student. Um valor de P < 0,05 foi considerado significante.

RESULTADOS

Foram realizadas ICPs em 5.585 pacientes, em 18 (0,32%) dos quais foi reportada perfuração coronária, sendo 55,5% do sexo feminino, com idade de 62,8 + 13,3 anos, e 38,9% eram diabéticos (Tabela 1). Os pacientes do grupo perfuração coronária apresentavam maior prevalência de sexo feminino (P = 0,03) e histórico de doença pulmonar obstrutiva crônica (P = 0,006).

Os dados angiográficos pré-procedimento são apresentados na Tabela 2. No grupo de pacientes com perfuração coronária, a artéria descendente anterior foi o vaso mais frequentemente tratado (61,1%). As oclusões crônicas foram mais frequentemente abordadas (27,8% vs. 4,5%; P < 0,01), mas a prevalência de lesões com calcificação moderada/grave (50% vs. 43,1%; P = 0,56), lesões > 20 mm (38,9% vs. 26%; P = 0,21), morfologia tipo C (61,1% vs. 51%; P = 0,40) e vasos ≤ 2,5 mm (44,4% vs. 42,3%; P = 0,85) não mostrou diferenças entre os grupos.

Durante o procedimento, um cateter-balão foi o dispositivo causador da perfuração coronária em 61,1% (11/18) dos casos, incluindo 2 rupturas durante a pré-dilatação, 2 no implante do stent e 7 durante a realização de pós-dilatação (Tabela 3). No restante (7/18), uma corda-guia foi responsável pela perfuração coronária, com guia hidrofílica respondendo por 22,2% (4/18) e guia não-hidrofílica por 16,7% (3/18) dos casos. Em relação ao tipo de perfuração coronária, as perfurações mais simples (tipo I) ocorreram em 33,3% (6/18) dos pacientes e seu manejo incluiu tratamento expectante e/ou conservador em 4 dos 6 casos. A perfuração coronária do tipo II (27,8% ou 5/18) esteve associada à corda-guia (n = 2) ou à dilatação por cateter-balão (n = 3). Nesses casos, o tratamento incluiu administração de protamina para inativação da heparina associada a insuflação prolongada do balão, e os resultados intra-hospitalares demonstraram IAM periprocedimento em 2 casos. As perfurações coronárias do tipo III estiveram mais associadas às rupturas causadas por cateteres-balão (50%), e um dos casos apresentou tamponamento cardíaco necessitando de cirurgia de emergência. A Figura 2 apresenta caso com extravasamento pericárdico tratado com insuflação prolongada. A perfuração tipo IV ocorreu em 1 paciente na pós-dilatação. Não ocorreu óbito associado a perfuração coronária em nenhum dos 18 casos e a taxa de sucesso do procedimento foi de 77,8% (n = 14), uma vez que houve falha na tentativa de recanalização da oclusão em 3 casos e resultado angiográfico subótimo (estenose residual > 30%) em 1 caso. A mediana do tempo de hospitalização foi de 3,1 dias (variação de 2 a 58 dias), e 1 paciente submetido a cirurgia de emergência apresentou uma série de complicações no pós-operatório, incluindo insuficiência renal, que necessitou hemodiálise.


Na Tabela 4 encontram-se os resultados da análise de angiografia coronária quantitativa nos pacientes que apresentaram perfuração coronária. A razão balão-artéria foi de 1,2 + 0,1, conforme determinado na mensuração do diâmetro máximo do balão durante a insuflação que resultou na perfuração coronária.

DISCUSSÃO

Os principais achados do estudo atual, que incluiu uma análise retrospectiva de uma grande coorte de pacientes (n = 5.585) submetidos a ICP na prática diária em um hospital público terciário, são os seguintes: a) a perfuração coronária foi um fenômeno raro (0,32%), com incidência semelhante à reportada na literatura (0,1%-0,6%);2-12 b) a maioria das rupturas foi causada por dilatação do cateter-balão; c) o manejo clínico foi bem-sucedido e incluiu conduta conservadora nos casos de perfuração coronária simples e abordagem invasiva nos casos de extravasamento extraluminal acentuado do contraste; d) os preditores na análise univariada incluíram sexo feminino, história de doença pulmonar obstrutiva crônica e oclusão crônica.

A perfuração coronária apresenta-se de diferentes formas, sendo classicamente classificada em tipos I-III ou, mais recentemente, tipos I-IV (classificação de Ellis modificada), segundo o grau e o direcionamento do extravasamento de contraste.3 Digno de nota é o fato de que a incidência de complicações subsequentes varia conforme a gravidade da perfuração. Para os tipos I, II e III-IV, as taxas de eventos adversos são as seguintes: IAM, 0-29%, 13%-29% e 0-30%; tamponamento cardíaco, 6%-8%, 5%-13% e 20%-63%; cirurgia de emergência, 15%-24%, 0-24% e 50%-60%; e óbito, 0-6%, 0-6% e 19%-21%, respectivamente.3,4,11 A mesma tendência foi encontrada em nosso estudo em relação a IAM (0, 40%, 43%), tamponamento cardíaco (0, 0, 14%) e cirurgia de emergência (0, 0, 14%) para as perfurações coronárias tipos I, II e III-IV, respectivamente; no entanto, não se observou fatalidade associada a essa complicação. Tal achado pode estar associado à baixa incidência e ao consequente pequeno número da amostra encontrados em nossa série. No que diz respeito aos dispositivos causadores de perfuração coronária, estudos prévios sugerem que as cordas-guia (principalmente do tipo hidrofílico) poderiam ser os maiores responsáveis pelas perfurações coronárias dos tipos I e II. Todavia, as dos tipos III e IV ocorrem, em geral, por cateteres-balão ou dispositivos ateroablativos.7 É interessante notar que dos 11 casos de perfuração coronária tipos I e II encontrados em nossa análise, 46% (n = 5) foram causados por cordas-guia (hidrofílica e não-hidrofílica) e o restante, por cateteres-balão.

Com relação aos preditores clínicos e angiográficos, observou-se associação significativa na análise univariada entre a ocorrência de perfuração coronária e sexo feminino, história de doença pulmonar obstrutiva crônica e oclusão crônica. Hendry et al.16 demonstraram que sexo feminino, idade avançada, calcificação coronária, uso de cutting balloon e aterectomia rotacional, e tratamento de oclusão crônica eram preditores de perfuração coronária; no entanto, a perfuração coronária não se relacionou com o uso de altas pressões de insuflação dos balões, sugerindo a segurança de tal prática, que tem por objetivo proporcionar um resultado angiográfico ótimo com expansão adequada do stent, o que poderia, pelo menos em tese, minimizar complicações tardias como reestenose e trombose do stent. De maneira geral, recomenda-se uma razão balão:artéria entre 1 e 1,1 para implante ótimo dos stents, objetivando resultado angiográfico com estenose residual < 30%.14 No entanto, a factibilidade de tal procedimento está muitas vezes limitada ao grau de rigidez e à resistência da placa aterosclerótica, principalmente nas lesões calcificadas. Dessa forma, resultados subótimos muitas vezes levam à utilização de cateteres-balão mais calibrosos, os quais podem ser insuflados a pressões muito elevadas no intuito de otimizar a expansão do stent. Consequentemente, tal procedimento pelo levar à ruptura coronária. Em nosso estudo, metade dos pacientes apresentava calcificação moderada ou grave da lesão, e a média da razão balão:artéria dos casos de perfuração coronária causadas por cateter-balão (seja na pré ou pós-dilatação ou durante o implante do stent) foi de 1,2 (maior que o recomendado na prática clínica). Ademais, os autores Fasseas et al.17 e Gruberg et al.4 identificaram o uso de dispositivos ateroablativos e o sexo feminino na perfuração coronária. Já na análise multivariada de Shimony et al.18, o tratamento de uma oclusão crônica total foi o mais forte preditor independente de perfuração coronária, e as outras variáveis independentes encontradas incluíam calcificação da lesão e quadro de IAM. Em relação ao sexo feminino, estudos prévios sugerem que a área de superfície corporal, mas não o gênero, seria o fator determinante da associação comumente encontrada entre sexo feminino e perfuração coronária, uma vez que as mulheres possuem, em média, menor peso e menor área de superfície corporal, comparativamente aos homens.19 Digno de nota é o fato de que os vasos coronários de pequeno calibre têm sido identificados, de maneira sistemática, como importante preditor de falência de ICP, incluindo complicações agudas, como perfuração coronária, e também tardias, como reestenose e trombose de stent.18 Em nossa análise, 44% dos pacientes com perfuração coronária tinham vasos de pequeno calibre (≤ 2,5 mm), no entanto sem diferença estatística.

Com relação ao manejo e ao tratamento, diversos autores demonstraram que a maioria das perfurações dos tipos I e II de Ellis é tratada conservadoramente, com inativação da heparina não-fracionada com protamina (dose sugerida: 1 mg para cada 100 unidades de heparina não-fracionada), insuflação prolongada com cateter-balão, e uso de coils e de stents revestidos. Já as perfurações dos tipos III e IV podem apresentar maiores complicações, necessitando frequentemente de medidas mais invasivas, como pericardiocentese e cirurgia de emergência.4,16-18,20 Em nossa série com 18 pacientes, apenas 1 caso com perfuração coronária tipo III necessitou de tais procedimentos. De maneira geral, nossa população apresentou perfil de alto risco, quer seja por suas características clínicas quer seja pela complexidade das lesões, como já demonstrado nas Tabelas 1 e 2. Mesmo assim, a incidência de perfuração coronária está de acordo com a literatura.2-12 Quando essa complicação ocorre procura-se manejá-la de forma imediata, com reversão da heparina não-fracionada com protamina e insuflação prolongada do cateter-balão por período mínino entre 15 minutos e 30 minutos, utilizando-se injeções de controle para a confirmação da parada do extravasamento do meio de contraste pelo lúmen arterial. Adicionalmente, recomenda-se realizar ecocardiograma transtorácico ainda na sala de hemodinâmica e outros seriados na unidade de terapia intensiva, pela possibilidade da formação mais tardia de derrame pericárdico volumoso, que poderá acarretar comprometimento hemodinâmico futuro. Reserva-se a pericardiocentese ou a cirurgia de emergência para os casos com tamponamento cardíaco e/ou significativo comprometimento hemodinâmico. Mesmo assim, casos específicos podem requerer abordagens individuais, sendo de extrema importância a experiência do(s) operador(es) e a infraestrutura do serviço. A embolização com coils ou stents revestidos é uma alternativa, no entanto questões logísticas e de disponibilidade podem dificultar seu uso na rotina.

CONCLUSÕES

Em pacientes complexos da prática diária, a incidência de perfuração coronária foi rara e esteve associada, de maneira significante, com sexo feminino, histórico de doença pulmonar obstrutiva crônica e lesão coronária tipo oclusão crônica. Esses pacientes foram manejados de maneira bem-sucedida, sendo utilizada conduta conservadora (sem necessidade de pericardiocentese e/ou cirurgia de emergência) na maioria dos casos, com evolução hospitalar satisfatória.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 2/7/2012

Aceito em: 3/9/2012

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  • Correspondência:

    Ricardo A. Costa.
    Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 – Ibirapuera
    São Paulo, SP, Brasil – CEP 04012-909
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Nov 2012
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      02 Jul 2012
    • Aceito
      03 Set 2012
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