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Farmacoterapia antitrombótica intra-hospitalar e aos seis meses após intervenção coronária percutânea primária: Análise do Registro da Prática Clínica em Síndrome Coronária Aguda (ACCEPT)

Resumos

INTRODUÇÃO: O registro ACCEPT foi idealizado com o propósito de identificar a incorporação de evidências no tratamento da síndrome coronária aguda. O objetivo da presente análise é descrever a terapia antitrombótica adotada no tratamento de pacientes submetidos a intervenção coronária percutânea (ICP) primária em centros participantes desse projeto nacional. MÉTODOS: Avaliamos o subgrupo de pacientes submetidos a ICP primária, aferindo as variáveis relacionadas às características demográficas bem como à prescrição de intervenções baseadas em evidências, com enfoque na farmacoterapia antitrombótica hospitalar e aos 6 meses de seguimento. RESULTADOS: No período de agosto de 2010 a dezembro de 2011 foram avaliados 588 pacientes com média de idade de 61,8 ± 12,3 anos, 75,2% pertencentes ao sexo masculino e 24,1% portadores de diabetes melito. A terapia antiplaquetária dupla mais comumente administrada foi a associação ácido acetilsalicílico (AAS) e clopidogrel. Heparina não-fracionada e enoxaparina foram a terapêutica anticoagulante predominante durante e após o término do procedimento, respectivamente. Comparativamente à prescrição na fase intra-hospitalar, constatou-se, aos 6 meses de seguimento, queda significativa da taxa de pacientes em uso de AAS (98,3% vs. 93,9%; P < 0,0001) e clopidogrel (95,4% vs. 67,7%; P < 0,0001). CONCLUSÕES: No registro ACCEPT, elevado porcentual de prescrição hospitalar de terapia antiplaquetária dupla foi observado em pacientes submetidos a ICP primária, notadamente da associação AAS e clopidogrel, com redução inadvertida do último aos 6 meses de seguimento, motivando esforços para adequação das práticas fundamentadas por evidências.

Infarto do miocárdio; Angioplastia; Registro; Inibidores da agregação de plaquetas


BACKGROUND: The ACCEPT registry was designed with the purpose of identifying the incorporation of evidence in the treatment of acute coronary syndrome. The objective of this analysis is to describe the antithrombotic therapy adopted in the treatment of patients undergoing primary percutaneous coronary intervention (PCI) in centers participating in this national project. METHODS: We evaluated the subgroup of patients undergoing primary PCI, measuring variables related to demographic characteristics as well as the prescription of evidence-based interventions, focusing on in-hospital and 6-month antithrombotic therapy. RESULTS: From August 2010 to December 2011, 588 patients with mean age of 61.8 ± 12.3 years were studied, 75.2% were males and 24.1% had diabetes mellitus. The dual antiplatelet therapy most commonly given was the combination of acetylsalicylic acid (ASA) and clopidogrel. Unfractionated heparin and enoxaparin were the predominant anticoagulation therapy during and after the procedure, respectively. When compared to in-hospital prescription, a significant decrease in the rate of patients using ASA (98.3% vs 93.9%; P < 0.0001) and clopidogrel (95.4% vs 67.7%; P < 0.0001) was observed at the 6-month follow-up. CONCLUSIONS: In the ACCEPT registry, a high percentage of in-hospital prescription of dual antiplatelet therapy was observed in patients undergoing primary PCI, notably the combination of ASA and clopidogrel, with an inadvertent reduction of clopidogrel at the 6-month follow-up, encouraging efforts to use evidence-based practices.

Myocardial infarction; Angioplasty; Registry; Platelet aggregation inhibitors


ARTIGO ORIGINAL

Farmacoterapia antitrombótica intra-hospitalar e aos seis meses após intervenção coronária percutânea primária: Análise do Registro da Prática Clínica em Síndrome Coronária Aguda (ACCEPT)

In-hospital and 6-month antithrombotic therapy after primary percutaneous coronary intervention: Analysis of Acute Coronary Care Evaluation of Practice (ACCEPT) Registry

Fábio Salerno RinaldiI; Pedro Beraldo de AndradeII; Mônica Vieira Athanazio de AndradeIII; Luiz Alberto MattosIV; Eliana Vieira SantucciV; Margaret Assad CavalcanteVI; Carisi Anne PolanczykVII; Luiz Eduardo Fonteles RittVIII; Paulo Márcio Sousa NunesIX; Silvio GiopattoX; em nome dos Investigadores do Registro ACCEPT

ICardiologista intervencionista da Santa Casa de Marília. Marília, SP, Brasil

IIDoutorando. Cardiologista intervencionista da Santa Casa de Marília. Marília, SP, Brasil

IIIEnfermeira especialista em Enfermagem Cardiovascular da Santa Casa de Marília. Marília, SP, Brasil

IVDoutor. Médico do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

VPesquisadora do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital do Coração. São Paulo, SP, Brasil

VIMestre. Cardiologista do Hospital Regional Presidente Prudente. Presidente Prudente, SP, Brasil

VIIDoutora. Cardiologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Porto Alegre, RS, Brasil

VIIIDoutor. Cardiologista do Instituto Cardiopulmonar de Salvador. Salvador, BA, Brasil

IXCardiologista intervencionista do Hospital de Terapia Intensiva. Teresina, PI, Brasil

XMestre. Cardiologista intervencionista do Hospital Vera Cruz. Campinas, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Pedro Beraldo de Andrade. Avenida Vicente Ferreira, 828 Marília, SP, Brasil – CEP 17515-900 E-mail: pedroberaldo@gmail.com

RESUMO

INTRODUÇÃO: O registro ACCEPT foi idealizado com o propósito de identificar a incorporação de evidências no tratamento da síndrome coronária aguda. O objetivo da presente análise é descrever a terapia antitrombótica adotada no tratamento de pacientes submetidos a intervenção coronária percutânea (ICP) primária em centros participantes desse projeto nacional.

MÉTODOS: Avaliamos o subgrupo de pacientes submetidos a ICP primária, aferindo as variáveis relacionadas às características demográficas bem como à prescrição de intervenções baseadas em evidências, com enfoque na farmacoterapia antitrombótica hospitalar e aos 6 meses de seguimento.

RESULTADOS: No período de agosto de 2010 a dezembro de 2011 foram avaliados 588 pacientes com média de idade de 61,8 ± 12,3 anos, 75,2% pertencentes ao sexo masculino e 24,1% portadores de diabetes melito. A terapia antiplaquetária dupla mais comumente administrada foi a associação ácido acetilsalicílico (AAS) e clopidogrel. Heparina não-fracionada e enoxaparina foram a terapêutica anticoagulante predominante durante e após o término do procedimento, respectivamente. Comparativamente à prescrição na fase intra-hospitalar, constatou-se, aos 6 meses de seguimento, queda significativa da taxa de pacientes em uso de AAS (98,3% vs. 93,9%; P < 0,0001) e clopidogrel (95,4% vs. 67,7%; P < 0,0001).

CONCLUSÕES: No registro ACCEPT, elevado porcentual de prescrição hospitalar de terapia antiplaquetária dupla foi observado em pacientes submetidos a ICP primária, notadamente da associação AAS e clopidogrel, com redução inadvertida do último aos 6 meses de seguimento, motivando esforços para adequação das práticas fundamentadas por evidências.

DESCRITORES: Infarto do miocárdio. Angioplastia. Registro. Inibidores da agregação de plaquetas.

ABSTRACT

BACKGROUND: The ACCEPT registry was designed with the purpose of identifying the incorporation of evidence in the treatment of acute coronary syndrome. The objective of this analysis is to describe the antithrombotic therapy adopted in the treatment of patients undergoing primary percutaneous coronary intervention (PCI) in centers participating in this national project.

METHODS: We evaluated the subgroup of patients undergoing primary PCI, measuring variables related to demographic characteristics as well as the prescription of evidence-based interventions, focusing on in-hospital and 6-month antithrombotic therapy.

RESULTS: From August 2010 to December 2011, 588 patients with mean age of 61.8 ± 12.3 years were studied, 75.2% were males and 24.1% had diabetes mellitus. The dual antiplatelet therapy most commonly given was the combination of acetylsalicylic acid (ASA) and clopidogrel. Unfractionated heparin and enoxaparin were the predominant anticoagulation therapy during and after the procedure, respectively. When compared to in-hospital prescription, a significant decrease in the rate of patients using ASA (98.3% vs 93.9%; P < 0.0001) and clopidogrel (95.4% vs 67.7%; P < 0.0001) was observed at the 6-month follow-up.

CONCLUSIONS: In the ACCEPT registry, a high percentage of in-hospital prescription of dual antiplatelet therapy was observed in patients undergoing primary PCI, notably the combination of ASA and clopidogrel, with an inadvertent reduction of clopidogrel at the 6-month follow-up, encouraging efforts to use evidence-based practices.

DESCRIPTORS: Myocardial infarction. Angioplasty. Registry. Platelet aggregation inhibitors.

A reperfusão coronária precoce, mecânica ou química, e a terapia antitrombótica constituem-se em importantes etapas no atendimento ao paciente com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST), com reconhecida eficácia na redução da morbidade e da mortalidade. No decorrer dos últimos 15 anos, inúmeros ensaios clínicos randomizados, registros e metanálises corroboraram o impacto positivo de novas estratégias de reperfusão e farmacoterapia adjunta nesse cenário, com consequente incorporação nas revisões das diretrizes que norteiam a prática cardiológica.1-3

Análise observacional do registro Can Rapid Risk Stratification of Unstable Angina Patients Suppress Adverse Outcomes with Early Implementation of the ACC/AHA Guidelines (CRUSADE), englobando 64.775 pacientes admitidos em 350 instituições norte-americanas, constatou que, a cada aumento de 10% na aderência às terapias com grau de recomendação classe I pelas diretrizes, alcançava-se redução análoga de 10% no risco de mortalidade hospitalar.4 Esses achados podem ser transpostos para pacientes com IAMCSST, conforme demonstrado em registro sueco envolvendo 61.238 pacientes, em que, ao longo de 12 anos, o aumento da adoção de terapias baseadas em evidências promoveu redução significativa e sustentada da mortalidade.5

No Brasil, são escassas as informações documentando a prática clínica no âmbito federativo em pacientes com síndrome coronária aguda. O registro Acute Coronary Care Evaluation of Practice (ACCEPT) foi idealizado com o propósito de identificar a incorporação de evidências no tratamento dessa afecção.6 O objetivo da presente análise é descrever a terapia antitrombótica adotada no tratamento de pacientes submetidos a intervenção coronária percutânea (ICP) primária, na fase hospitalar e aos 6 meses de seguimento, em centros participantes desse projeto nacional.

MÉTODOS

Racional, metodologia, organização e comitês do registro ACCEPT já foram previamente detalhados.6,7 Em resumo, trata-se de pesquisa prospectiva, voluntária, multicêntrica, idealizada e gerenciada pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), estruturada logisticamente no primeiro semestre de 2010, e com início da coleta de pacientes a partir de agosto do mesmo ano. Analisamos 2.608 pacientes arrolados até dezembro de 2011, correspondentes à fase I do projeto, com preenchimento completo do cadastro eletrônico dedicado (admissão, 30 dias e 180 dias). Para essa finalidade foram reunidos 47 centros investigadores, buscando atender a maior amplitude territorial possível, representando todas as regiões federativas brasileiras, incluindo centros hospitalares com assistência pública (Sistema Único de Saúde), operadoras de saúde ou centros privados.

Esses centros foram reunidos por meio de dois critérios: convite a instituições já capacitadas e busca ativa de novos centros, por meio de exposição desta oportunidade de participação no portal eletrônico da SBC. Os critérios para participação resumiam-se à evidência de comitê de ética em pesquisa disponível e à capacidade de seguimento clínico dos pacientes por até um ano, além da existência de pacientes que atendessem o escopo clínico deste registro.

Todos os centros receberam treinamento do protocolo e do sistema eletrônico, presencial ou por telefone, respaldados pela equipe de coordenação. O controle de qualidade dos dados do estudo foi aferido por meio de variadas estratégias, como a utilização de ficha eletrônica dedicada para coleta das variáveis clínicas, checagem centralizada das variáveis coletadas, monitoria presencial dos cinco centros com maior número de pacientes recrutados e sorteio aleatório de 20% dos centros para monitoria presencial. O protocolo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa do Hospital do Coração (São Paulo, SP) e, na sequência, cada centro participante teve sua aprovação local. Todos os pacientes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido e o estudo clínico foi conduzido de acordo com os princípios da revisão atual da Declaração de Helsinque, das Diretrizes de Boas Práticas Clínicas e da Resolução CNS 196/96.

Nesta análise, avaliamos pacientes na vigência de IAMCSST, submetidos a ICP primária, aferindo as variáveis relacionadas às características demográficas bem como à prescrição de intervenções baseadas em evidências, com enfoque na farmacoterapia antitrombótica. Os desfechos clínicos analisados foram mortalidade cardiovascular, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular encefálico e sangramento grave. A ocorrência dos desfechos clínicos mencionados foi efetivada após a admissão hospitalar e aos 180 dias. Em conformidade com a classificação do Bleeding Academic Research Consortium,8 sangramento grave foi definido como do tipo 3 (3a, sangramento com queda de hemoglobina > 3 g/dl e < 5 g/dl ou transfusão de concentrado de hemácias; 3b, sangramento com queda de hemoglobina > 5 g/dl, ou tamponamento cardíaco, ou sangramento que requeira intervenção cirúrgica, ou sangramento que requeira uso de drogas vasoativas intravenosas; 3c, hemorragia intracraniana, ou subcategorias confirmadas por autópsia, exame de imagem ou punção lombar, ou sangramento intraocular com comprometimento da visão) ou do tipo 5 (5a, sangramento fatal provável; 5b, sangramento fatal definitivo).

Este registro é de propriedade da SBC, utilizando recursos financeiros próprios e dedicados a esta finalidade para sua execução. O Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital do Coração (IEP/HCor – São Paulo, SP) foi contratado para operacionalizar este registro, sob a coordenação da SBC.

Análise estatística

Variáveis contínuas foram descritas como média e desvio padrão e variáveis categóricas, como frequências absolutas e relativas. Proporções foram comparadas entre dois grupos independentes, utilizando-se teste exato de Fisher. O programa SAS 9.3 (Statistical Analysis System, Cary, Estados Unidos) foi utilizado na análise estatística dos dados. Valores de P < 0,05 (bicaudal) foram considerados estatisticamente significantes.

RESULTADOS

No período de agosto de 2010 a dezembro de 2011 foram avaliados 2.608 pacientes, referentes à fase I do registro ACCEPT, dos quais 640 foram submetidos a ICP primária. Com perda de seguimento aos 6 meses de 8,1% (52 casos), a análise final restringiu-se a 588 pacientes, cujas características clínicas e demográficas basais se encontram expressas na Tabela 1. A média de idade dos pacientes foi de 61,8 ± 12,3 anos, sendo 75,2% do sexo masculino, 24,1% portadores de diabetes melito e 20,6% com história pregressa de infarto agudo do miocárdio.

O porcentual de obtenção de fluxo epicárdico normal (TIMI 3) ao término do procedimento com estenose residual < 20% foi elevado (> 96%). Stents foram empregados de forma rotineira, com predomínio das endopróteses não-farmacológicas, sendo os stents farmacológicos utilizados em 22,4% das intervenções. A via de acesso preponderante foi a femoral, correspondendo a 69,7% dos casos (Tabela 2).

A terapia antiplaquetária dupla mais comumente administrada foi a associação ácido acetilsalicílico (AAS) e clopidogrel. Heparina não-fracionada e enoxaparina constituíram-se na terapêutica anticoagulante predominante durante e após o término do procedimento, respectivamente (Tabela 3). Betabloqueadores foram prescritos para 76,7% dos pacientes, inibidores da enzima conversora de angiotensina ou bloqueadores do receptor de angiotensina para 68%, e estatinas para 89,5% dos casos. Comparativamente à prescrição na fase intra-hospitalar, constatou-se, aos 6 meses de seguimento, queda significativa da taxa de pacientes em uso de AAS (98,3% vs. 93,9%; P < 0,0001) e clopidogrel (95,4% vs. 67,7%; P < 0,0001), com uma parcela mínima de pacientes em uso dos novos inibidores do receptor de ADP P2Y12 prasugrel (0,7% vs. 0,3%) ou ticagrelor (1,2% vs. 0,3%) (Figura 1).


A Figura 2 ilustra a ocorrência de desfechos clínicos adversos ao final de 180 dias, com taxa acumulada de eventos combinados de 10,4%, à custa, sobretudo, de novos casos de infarto do miocárdio em 6,8% da população.


DISCUSSÃO

Os principais achados referentes à farmacoterapia antitrombótica empregada em pacientes com infarto agudo do miocárdio submetidos a ICP primária na primeira fase do registro ACCEPT residem na elevada taxa de prescrição hospitalar de terapia antiplaquetária dupla, constituída fundamentalmente por AAS e clopidogrel, utilização restrita de inibidores do receptor da glicoproteína IIb/IIIa e opção pela heparina não-fracionada como anticoagulante padrão durante o procedimento. Como ressalva à prescrição da dupla antiagregação plaquetária aos 6 meses, constata-se redução em sua utilização, em especial de inibidores do ADP, denotando a necessidade de esforços buscando melhor implementação das diretrizes, cuja recomendação é de extensão da terapia por um período de 12 meses, haja vista o impacto positivo da maior aderência às evidências consolidadas no prognóstico dos pacientes.2,3

Clopidogrel foi administrado a mais de 95% da população analisada, fato justificado pela ampla experiência adquirida com o fármaco, pela redução de seu custo após perda de patente e pelo lançamento de formulações genéricas, propiciando maior facilidade de acesso, inclusive no sistema de saúde público, com sua incorporação na Linha do Cuidado do Infarto Agudo do Miocárdio na Rede de Atenção às Urgências, pelo Ministério da Saúde. Além disso, os novos inibidores do receptor P2Y12 prasugrel e ticagrelor tornaram-se comercialmente disponíveis no Brasil no fim de 2010 e em meados de 2011, respectivamente. Considerando-se que os dados apresentados refletem pacientes incluídos no registro entre agosto de 2010 e dezembro de 2011, explica-se o baixo número de indivíduos em uso dos novos agentes.

De fato, prasugrel e ticagrelor representam fármacos antiplaquetários de primeira linha no tratamento do IAMCSST, por apresentarem início de ação mais precoce, maior potência antiplaquetária e eficácia anti-isquêmica quando comparados ao clopidogrel.9,10 No estudo Trial to Assess Improvement in Therapeutic Outcomes by Optimizing Platelet Inhibition – Thrombolysis in Myocardial Infarction 38 (TRITON-TIMI 38), dentre os pacientes submetidos a ICP primária o prasugrel promoveu redução do desfecho combinado primário (morte cardiovascular, infarto do miocárdio e acidente vascular encefálico), consistente com os achados da análise principal, porém sem incremento significativo do risco de sangramento grave não relacionado à cirurgia de revascularização miocárdica.11 Por sua vez, no estudo Platelet Inhibition and Patient Outcomes (PLATO), o uso de ticagrelor determinou redução de reinfarto, mortalidade total e trombose definitiva de stent, analisados isoladamente, à custa de aumento da taxa de acidente vascular encefálico, sem elevar o risco de sangramento grave.12

Os inibidores do receptor da glicoproteína IIb/IIIa, cuja eficácia fora demonstrada em estudos anteriores à utilização rotineira de terapia antiplaquetária dupla, exibiram queda na prescrição, comparativamente a publicações prévias.13,14 A consolidação da dupla inibição plaquetária oral, a busca constante pelo equilíbrio entre eficácia anti-isquêmica e segurança, bem como o advento de inibidores do ADP de maior potência justificam esse achado, reservando-se o uso dos agentes parenterais a situações pontuais e de resgate, tais como grande carga trombótica, distúrbios de fluxo coronário e complicações trombóticas.

Quanto à escolha do anticoagulante administrado durante o procedimento, na indisponibilidade de novas opções, como bivalirudina, a heparina não-fracionada permanece o agente preferencial. A primeira, não comercializada no Brasil, demonstrou redução de mortalidade hospitalar aos 30 dias, com manutenção do benefício aos 3 anos, quando comparada à associação heparina não-fracionada e inibidor da glicoproteína IIb/IIIa, resultado atribuído à redução da ocorrência de sangramento grave.15,16 Constata-se no registro ACCEPT uma fração de pacientes tratados com enoxaparina durante a ICP primária, prática fundamentada pelos resultados do estudo Acute myocardial infarction treated with primary angioplasty and intravenous enoxaparin or unfractionated heparin to lower ischaemic and bleeding events at short- and long-term follow-up (ATOLL). Neste, a enoxaparina intravenosa promoveu redução do desfecho combinado secundário principal (morte, síndrome coronária aguda recorrente ou revascularização de urgência), quando comparada à heparina não-fracionada, sem diferença no desfecho combinado primário (morte, complicação do infarto agudo do miocárdio, insucesso do procedimento ou sangramento grave).17

Por fim, a mortalidade cardiovascular aos 6 meses de 2,6% aproxima-se de taxas obtidas em estudos randomizados, caracterizados por pacientes com menor perfil de gravidade clínica, diferindo assim dos resultados publicados de grandes registros similares internacionais.18,19 Entretanto, análises comparativas do registro ACCEPT com os demais registros devem ser efetuadas com cautela, dadas suas limitações: restringe-se à realidade dos centros terciários envolvidos e seu perfil de atendimento; exclusão de centros de menor infraestrutura desprovidos de comitê de ética em pesquisa; pacientes incluídos de forma voluntária e não-consecutiva; e número restrito de pacientes quando comparado a seus congêneres internacionais.

CONCLUSÕES

No registro ACCEPT, entre pacientes com infarto agudo do miocárdio submetidos a ICP primária, atesta-se um elevado porcentual de prescrição hospitalar de terapia antiplaquetária dupla, notadamente da associação AAS e clopidogrel, com redução inadvertida do último aos 6 meses de seguimento, motivando esforços para adequação das práticas fundamentadas por evidências. A queda na utilização de inibidores do receptor da glicoproteína IIb/IIIa segue uma tendência coletiva, amparada pelas diretrizes, e a heparina não-fracionada, a despeito do tempo, permanece como o agente anticoagulante preferencial no Brasil.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

AGRADECIMENTOS

Os autores expressam seus agradecimentos aos colaboradores Rodolfo Vieira e William Duraes, da SBC, e Luis Duprat, do IEP/HCor.

Recebido em: 7/1/2013

Aceito em: 4/3/2013

APÊNDICE

Centros investigadores participantes (cidade, UF) e investigador principal (número de pacientes incluídos por centro): Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia (São Paulo, SP): Elisabete Silva dos Santos (318); Hospital de Clínicas Gaspar Vianna (Belém, PA): Helder José Lima Reis (154); Hospital do Coração (São Paulo, SP): Edson Renato Romano (151); Hospitais da Rede D'Or do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, RJ): João Luiz Fernandes Petriz (148); Hospital São Lucas (Aracaju, SE): Antônio Carlos Sobral Sousa (140); Hospital Vera Cruz (Belo Horizonte, MG): Fernando Neuesnchwander (137); Hospital Regional de Presidente Prudente (Presidente Prudente, SP): Margarete Assad Cavalcante (135); Hospital de Clínicas de Porto Alegre (Porto Alegre, RS): Carisi Polanczyk (120); Santa Casa de Marília (Marília, SP): Pedro Beraldo de Andrade (88); Instituto Cardiopulmonar (Salvador, BA): Luiz Eduardo Ritt (73); Hospital de Terapia Intensiva (Teresina, PI): Paulo Márcio Sousa Nunes (60); Hospital Vera Cruz (Campinas, SP): Silvio Giopatto (58); Instituto de Cardiologia de Santa Catarina (São José, SC): Ilnei Pereira Filho (57); Hospital São Vicente (Passo Fundo, RS): Hugo Vargas Filho (56); Hospital São Paulo (São Paulo, SP): Antônio Carlos C. Carvalho (52); Santa Casa de Votuporanga (Votuporanga, SP): Mauro Esteves Hernandes (49); Hospital Madre Teresa (Belo Horizonte, MG): Roberto Luiz Marino (44); Sociedade Hospital Angelina Caron (Campina Grande do Sul, PR): Dalton Bertolim Precoma (43); Hospital Lifecenter (Belo Horizonte, MG): Estevão Lanna Figueiredo (43); Hospital do Coração do Cariri (Barbalha, CE): Francisco Carleial Feijó de Sá (42); Hospital do Coração de Poços de Caldas (Poços de Caldas, MG): Frederico Toledo Campos Dall'Orto (42); Hospital Santa Izabel (Salvador, BA): Gilson Soares Feitosa Filho (37); Hospital Santa Paula (São Paulo, SP): Otávio Celso Gebara (35); Hospital Regional do Mato Grosso do Sul (Campo Grande, MS): Christiano Pereira (35); Hospital Pró-Cardíaco (Rio de Janeiro, RJ): Luiz Antônio Almeida Campos (33); Hospital Universitário Francisca Mendes (Manaus, AM): Mariano Terrazas (31); Hospital Bandeirantes (São Paulo, SP): Hélio Castelo (30); Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro (Rio de Janeiro, RJ): Roberto Bassan (30); Hospital do Coração do Brasil (Brasília, DF): Alberto Gomes Fonseca (29); Santa Casa de Porto Alegre (Porto Alegre, RS): Paulo Ernesto Leães (26); Hospital Santa Rita (Maringá, PR): Raul D'Aurea Mora Júnior (26); Centro Hospitalar Unimed (Joinville, SC): Rogério Carregoza Dantas (25); Hospital Sírio Libanês (São Paulo, SP): Roberto Kalil Filho (21); Hospital Universitário São Francisco (Bragança Paulista, SP): Murilo de Oliveira Antunes (20); Instituto de Moléstias Cardiovasculares (São José do Rio Preto, SP): Gilmar Valdir Greque (16); Hospital Estadual e Pronto-Socorro João Paulo II (Porto Velho, RO): Sérgio de Paulo Melo (15); Hospital Mãe de Deus (Porto Alegre, RS): Euler Manenti (11); Instituto de Cardiologia de Uruguaiana (Uruguaiana, RS): Sydnei Campodonico Filho (11); Real Hospital Português (Recife, PE): Sérgio Montenegro (9); Hospital Beneficência Portuguesa (São José do Rio Preto, SP): Gilmar Valdir Greque (7); Hospital da Cidade (Salvador, BA): Marcelo S. Teixeira (6); Hospital de Base da Sétima Região (Bauru, SP): Adriana F. Daher Berbel (5); Hospital Santa Izabel (Blumenau, SC): Sérgio L. Zimmermann (4); Instituto Nacional de Cardiologia (Rio de Janeiro, RJ): Marco Antônio de Mattos (4); Instituto do Coração do Triângulo Mineiro (Uberlândia, MG): Roberto Botelho (4); Hospital Prontocor (Rio de Janeiro, RJ): Paulo Henrique Godoy (3); e Instituto de Cardiologia do Distrito Federal (Brasília, DF): Núbia W. Vieira (2).

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  • Correspondência:

    Pedro Beraldo de Andrade.
    Avenida Vicente Ferreira, 828
    Marília, SP, Brasil – CEP 17515-900
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      07 Jan 2013
    • Aceito
      04 Mar 2013
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