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Intervenção coronária percutânea em diabéticos tratados com insulina

Resumos

INTRODUÇÃO: Diabéticos, especialmente os tratados com insulina, apresentam aterosclerose coronária mais extensa e remodelamento vascular comprometido. Nosso objetivo foi avaliar os resultados hospitalares contemporâneos da intervenção coronária percutânea (ICP) em série consecutiva de diabéticos tratados com (DMI) ou sem (DMNI) insulina. MÉTODOS: Análise retrospectiva de um registro multicêntrico com 1.896 diabéticos, dos quais 397 (20,9%) eram do grupo DMI e 1.499, do grupo DMNI. Comparamos os eventos cardíacos e cerebrovasculares adversos maiores (ECCAM) entre os dois grupos. RESULTADOS: O grupo DMI mostrou maior proporção de mulheres e de portadores de insuficiência renal crônica, mas apresentou características de menor complexidade angiográfica, quando comparado ao grupo DMNI, com menor número de lesões tipo B2/C e presença de trombo, oclusões e lesões com fluxo TIMI 0/1 pré-ICP. Foi tratado 1,4 ± 0,7 vaso/paciente com 1,3 ± 0,7 stent/paciente em cada grupo, e o diâmetro e a extensão dos stents não diferiram entre os grupos. Os desfechos clínicos hospitalares não mostraram diferença quanto à ocorrência de ECCAM (3,8% vs. 2,8%; P = 0,40), acidente vascular cerebral (0 vs. 0,1%; P > 0,99), infarto do miocárdio (2,5% vs. 2,1%; P = 0,72), cirurgia de revascularização miocárdica de emergência (0 vs. 0,1%; P > 0,99) ou óbito (1,5% vs. 0,8%; P = 0,24). Foram preditores independentes de ECCAM, em diabéticos, sexo feminino, pacientes com doença multiarterial e fluxo TIMI 0/1 pré-ICP. CONCLUSÕES: Em nosso estudo, o DMI não foi preditor independente de ECCAM hospitalares.

Diabetes mellitus; Insulina; Angioplastia; Stents


BACKGROUND: Diabetics, especially insulin-treated diabetics, have more extensive coronary atherosclerosis and impaired vascular remodeling. Our objective was to evaluate in-hospital results of contemporaneous percutaneous coronary intervention (PCI) in a consecutive series of diabetics treated with (ITD) or without (NITD) insulin. METHODS: Retrospective analysis of a multicenter registry with 1,896 diabetics, of which 397 (20.9%) were from the ITD group and 1,499 from the NITD group. Major adverse cardiac and cerebrovascular events (MACCE) were compared between groups. RESULTS: The ITD group showed a higher rate of women and of patients with chronic renal failure, but showed less complex angiographic characteristics when compared to the NITD group, with fewer B2/C lesions, thrombus-containing lesions, occlusions and TIMI 0/1 flow prior to PCI. We treated 1.4 ± 0.7 vessels/patient with 1.3 ± 0.7 stents/patient in each group and the diameter and length of stents were not different between groups. Clinical in-hospital outcomes showed no differences regarding the occurrence of MACCE (3.8% vs. 2.8%; P = 0.40), stroke (0 vs. 0.1%; P > 0.99), myocardial infarction (2.5% vs. 2.1%; P = 0.72), emergency cardiovascular bypass graft surgery (0 vs. 0.1%; P > 0.99) or death (1.5% vs. 0.8%; P = 0.24). Independent predictors of MACCE in diabetics were the female gender, patients with multivessel disease and TIMI 0/1 flow prior to PCI. CONCLUSIONS: In our study, ITD was not an independent predictor of in-hospital MACCE.

Diabetes mellitus; Insulin; Angioplasty; Stents


ARTIGO ORIGINAL

Intervenção coronária percutânea em diabéticos tratados com insulina

Percutaneous coronary intervention in insulin-treated diabetic patients

Marcelo Mendes FarinazzoI; Marcelo José de Carvalho CantarelliII; Hélio José Castello Jr.III; Rosaly GonçalvesIV; Silvio GioppatoV; João Batista de Freitas GuimarãesVI; Evandro Karlo Pracchia RibeiroVII; Julio Cesar Francisco VardiVIII; Higo Cunha NoronhaIX; Fabio Peixoto GanassinX; Leonardo Cao Cambra de AlmeidaXI; Ednelson Cunha NavarroXII; Thomas Borges ConfortiXIII; Leonardo dos Santos CoelhoXIV; Roberto Simões de AlmeidaXV

IMédico cardiologista estagiário do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Bandeirantes. São Paulo, SP, Brasil

IIDoutor. Médico cardiologista intervencionista e coordenador do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Bandeirantes. São Paulo, SP, Brasil

IIIMestre. Médico cardiologista intervencionista e coordenador do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Bandeirantes. São Paulo, SP, Brasil

IVMestre. Médica cardiologista intervencionista do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Rede D'Or São Luiz – Unidade Anália Franco. São Paulo, SP, Brasil

VMestre. Médico cardiologista intervencionista e coordenador do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Vera Cruz. Campinas, SP, Brasil

VIMédico cardiologista intervencionista do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Bandeirantes. São Paulo, SP, Brasil

VIIMédico cardiologista intervencionista do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Bandeirantes. São Paulo, SP, Brasil

VIIIMédico cardiologista intervencionista do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Bandeirantes. São Paulo, SP, Brasil

IXMédico cardiologista intervencionista do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Regional do Vale do Paraíba. Taubaté, SP, Brasil

XMédico estagiário do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Bandeirantes. São Paulo, SP, Brasil

XIMédico cardiologista intervencionista do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Bandeirantes. São Paulo, SP, Brasil

XIIMédico cardiologista do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Regional do Vale do Paraíba. Taubaté, SP, Brasil

XIIIMédico cardiologista intervencionista do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Vera Cruz. Campinas, SP, Brasil

XIVMédico cardiologista intervencionista do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Bandeirantes. São Paulo, SP, Brasil

XVMédico cardiologista intervencionista do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Bandeirantes. São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Marcelo Mendes Farinazzo. Rua Galvão Bueno, 257 – Liberdade São Paulo, SP, Brasil – CEP 01516-000 E-mail: mfarinazzo@cardiol.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: Diabéticos, especialmente os tratados com insulina, apresentam aterosclerose coronária mais extensa e remodelamento vascular comprometido. Nosso objetivo foi avaliar os resultados hospitalares contemporâneos da intervenção coronária percutânea (ICP) em série consecutiva de diabéticos tratados com (DMI) ou sem (DMNI) insulina.

MÉTODOS: Análise retrospectiva de um registro multicêntrico com 1.896 diabéticos, dos quais 397 (20,9%) eram do grupo DMI e 1.499, do grupo DMNI. Comparamos os eventos cardíacos e cerebrovasculares adversos maiores (ECCAM) entre os dois grupos.

RESULTADOS: O grupo DMI mostrou maior proporção de mulheres e de portadores de insuficiência renal crônica, mas apresentou características de menor complexidade angiográfica, quando comparado ao grupo DMNI, com menor número de lesões tipo B2/C e presença de trombo, oclusões e lesões com fluxo TIMI 0/1 pré-ICP. Foi tratado 1,4 ± 0,7 vaso/paciente com 1,3 ± 0,7 stent/paciente em cada grupo, e o diâmetro e a extensão dos stents não diferiram entre os grupos. Os desfechos clínicos hospitalares não mostraram diferença quanto à ocorrência de ECCAM (3,8% vs. 2,8%; P = 0,40), acidente vascular cerebral (0 vs. 0,1%; P > 0,99), infarto do miocárdio (2,5% vs. 2,1%; P = 0,72), cirurgia de revascularização miocárdica de emergência (0 vs. 0,1%; P > 0,99) ou óbito (1,5% vs. 0,8%; P = 0,24). Foram preditores independentes de ECCAM, em diabéticos, sexo feminino, pacientes com doença multiarterial e fluxo TIMI 0/1 pré-ICP.

CONCLUSÕES: Em nosso estudo, o DMI não foi preditor independente de ECCAM hospitalares.

DESCRITORES: Diabetes mellitus. Insulina. Angioplastia. Stents.

ABSTRACT

BACKGROUND: Diabetics, especially insulin-treated diabetics, have more extensive coronary atherosclerosis and impaired vascular remodeling. Our objective was to evaluate in-hospital results of contemporaneous percutaneous coronary intervention (PCI) in a consecutive series of diabetics treated with (ITD) or without (NITD) insulin.

METHODS: Retrospective analysis of a multicenter registry with 1,896 diabetics, of which 397 (20.9%) were from the ITD group and 1,499 from the NITD group. Major adverse cardiac and cerebrovascular events (MACCE) were compared between groups.

RESULTS: The ITD group showed a higher rate of women and of patients with chronic renal failure, but showed less complex angiographic characteristics when compared to the NITD group, with fewer B2/C lesions, thrombus-containing lesions, occlusions and TIMI 0/1 flow prior to PCI. We treated 1.4 ± 0.7 vessels/patient with 1.3 ± 0.7 stents/patient in each group and the diameter and length of stents were not different between groups. Clinical in-hospital outcomes showed no differences regarding the occurrence of MACCE (3.8% vs. 2.8%; P = 0.40), stroke (0 vs. 0.1%; P > 0.99), myocardial infarction (2.5% vs. 2.1%; P = 0.72), emergency cardiovascular bypass graft surgery (0 vs. 0.1%; P > 0.99) or death (1.5% vs. 0.8%; P = 0.24). Independent predictors of MACCE in diabetics were the female gender, patients with multivessel disease and TIMI 0/1 flow prior to PCI.

CONCLUSIONS: In our study, ITD was not an independent predictor of in-hospital MACCE.

DESCRIPTORS: Diabetes mellitus. Insulin. Angioplasty. Stents.

Dados do estudo de Framingham demonstram que a incidência de diabetes melito tipo 2 dobrou nos últimos 30 anos.1 Estima-se que o número total de diabéticos em todo o mundo aumentará de 171 milhões, em 2000, para 366 milhões, em 2030.2 O Brasil segue a mesma tendência mundial e encontra-se entre os 10 países com maior número absoluto de indivíduos portadores de diabetes.3,4

O diabetes melito tipo 2 é uma doença progressiva, em que a resistência insulínica periférica antecede a perda progressiva da capacidade secretora de insulina.3 Dessa maneira, a complexidade do tratamento farmacológico dessa afecção guarda relação estreita com o tempo de evolução da doença, como observado no United Kingdom Prospective Diabetes Study (UKPDS), em que 50% dos pacientes originalmente tratados com apenas um fármaco necessitaram de uma segunda medicação em 3 anos e, após 9 anos, 75% fizeram uso de múltiplos fármacos, inclusive de insulina, para atingir a meta terapêutica (HbAC1 < 7,5).5

Diabéticos, especialmente os tratados com insulina, mostram aterosclerose mais extensa e remodelamento vascular compensatório comprometido. Nicholls et al.6 realizaram uma revisão sistemática de cinco estudos com ultrassom intracoronário e demonstraram que em diabéticos o volume de ateroma era maior e o volume do lúmen era menor, para um mesmo volume de lâmina elástica externa, quando comparados aos não-diabéticos. Além disso, pacientes tratados com insulina mostraram menores volumes de lâmina elástica externa e do lúmen, para um mesmo volume de ateroma.

Em decorrência das características de maior complexidade do acometimento coronário em pacientes diabéticos, especialmente nos tratados com insulina, e da escassez de estudos em nosso meio avaliando essa população, analisamos, em um grande registro multicêntrico, os resultados hospitalares da intervenção coronária percutânea (ICP) entre diabéticos tratados (DMI) ou não (DMNI) com insulina.

MÉTODOS

População

No período de agosto de 2006 a outubro de 2012, 6.288 pacientes consecutivos foram submetidos a ICP nos centros que compõem o Registro Angiocardio (Hospital Bandeirantes – São Paulo, SP; Hospital Rede D'Or São Luiz Anália Franco – São Paulo, SP; Hospital Vera Cruz – Campinas, SP; Hospital Regional do Vale do Paraíba – Taubaté, SP; e Hospital Leforte – São Paulo, SP), dos quais 1.896 (30,2%) apresentavam diabetes melito. Os dados foram coletados de forma prospectiva e armazenados em um banco de dados informatizado disponível via internet em todos os centros que participam do registro.

O objetivo primário foi comparar as taxas de eventos cardíacos e cerebrovasculares adversos maiores (ECCAM), compreendendo óbito, acidente vascular cerebral, infarto periprocedimento e cirurgia de revascularização miocárdica de emergência, entre os grupos DMI e DMNI. Esses desfechos foram registrados no momento da alta hospitalar.

Intervenção coronária percutânea

As ICPs foram realizadas, em sua quase totalidade, por via femoral, sendo utilizada a via radial como opção em poucos casos. A técnica e a escolha do material durante o procedimento ficaram a cargo dos operadores, assim como a necessidade do uso de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa. Foi utilizada heparina não-fracionada no início do procedimento na dose de 70 U/kg a 100 U/kg, exceto nos pacientes que já estavam em uso de heparina de baixo peso molecular.

Todos os pacientes receberam terapia antiplaquetária combinada com ácido acetilsalicílico, nas doses de ataque de 300 mg e de manutenção de 100 mg/dia a 200 mg/dia, e clopidogrel, nas doses de ataque de 300 mg ou 600 mg e de manutenção de 75 mg/dia. Os introdutores femorais foram retirados 4 horas após o início da heparinização. Os introdutores radiais foram retirados imediatamente após o término do procedimento.

Análise angiográfica

As análises foram realizadas em pelo menos duas projeções ortogonais, por operadores experientes, com uso de angiografia quantitativa digital. Neste estudo foram utilizados os mesmos critérios angiográficos constantes no banco de dados da Central Nacional de Intervenções Cardiovasculares (CENIC) da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista.7 O tipo de lesão foi classificado conforme os critérios do American College of Cardiology/American Heart Association (ACC/AHA).8 Para a determinação do fluxo coronário pré e pós-procedimento foi utilizada a classificação Thrombolysis in Myocardial Infarction (TIMI).9

Definições

Sucesso do procedimento foi definido como obtenção de sucesso angiográfico (estenose residual < 30%, com fluxo TIMI 3) sem a ocorrência de óbito, infarto periprocedimento ou cirurgia de revascularização miocárdica de emergência.

Foram contabilizados os óbitos de qualquer causa. O infarto do miocárdio foi definido pelo reaparecimento de sintomas anginosos, com presença de alterações eletrocardiográficas (novo supradesnivelamento do segmento ST ou novas ondas Q) e/ou evidência angiográfica de oclusão do vaso-alvo. Cirurgia de revascularização miocárdica de emergência foi considerada quando indicada por insucesso ou complicação do procedimento índice.

Análise estatística

Os dados armazenados em banco de dados denominado Coreangio com base Oracle foram plotados em planilhas Excel e analisados em programa estatístico SPSS versão 15.0. As variáveis contínuas foram expressas como média e desvio padrão e as variáveis categóricas, como números absolutos e porcentuais. As associações entre as variáveis contínuas foram avaliadas utilizando-se o modelo ANOVA. As associações entre as variáveis categóricas foram avaliadas pelos testes qui-quadrado, exato de Fischer ou razão de verossimilhança, quando apropriado. Foi adotado nível de significância de P < 0,05. Análise multivariada foi utilizada para identificar preditores independentes de ECCAM.

RESULTADOS

Dos 1.896 diabéticos consecutivos submetidos a ICP, 397 (20,9%) estavam em uso de insulina (grupo DMI) e 1.499 (79,1%) não estavam em uso desse fármaco (grupo DMNI). A média de idade dos dois grupos foi semelhante (63,4 ± 10,6 anos vs. 64,2 ± 10,8 anos; P = 0,22), mas os pacientes do grupo DMI apresentaram maior proporção de pacientes do sexo feminino (45,3% vs. 34,8%; P < 0,01). A prevalência de comorbidades não mostrou ser diferente entre os grupos, com exceção da insuficiência renal crônica, que foi mais frequente no grupo DMI (10,1% vs 2,6%; P < 0,01). O grupo DMI foi submetido a menor número de ICPs primárias (4,3% vs. 8,4%; P < 0,01), realizadas em condições clínicas mais adversas (Killip IV) (Tabela 1).

Cerca de dois terços dos pacientes dos dois grupos apresentavam acometimento uniarterial, a artéria descendente anterior foi o vaso mais tratado e a função ventricular esquerda estava preservada na maioria dos pacientes (Tabela 2). Os pacientes do grupo DMI apresentaram algumas características das lesões tratadas de menor complexidade, com menor número de lesões tipo B2/C (51,9% vs. 57,2%; P = 0,03), de lesões com presença de trombo (4,8% vs. 7,5%; P = 0,03), de oclusões (6,8% vs. 11,6%; P < 0,01) e de lesões com fluxo TIMI 0/1 pré-ICP (9% vs. 13%; P < 0,01).

Os dados dos procedimentos estão demonstrados na Tabela 3. Foi tratado 1,4 ± 0,7 vaso/paciente, com 1,3 ± 0,7 stent/paciente nos dois grupos. Menos de um terço da população recebeu stents farmacológicos (28,3% vs. 31,2%; P = 0,23). O diâmetro (3,09 ± 0,38 mm vs. 3,14 ± 0,38 mm; P = 0,76) e a extensão (18,4 ± 7,1 mm vs. 18,7 ± 7 mm; P = 0,45) dos stents não diferiram entre os pacientes tratados ou não com insulina. O sucesso do procedimento foi alto e similar entre os grupos DMI e DMNI (94,7% vs. 95,7%, respectivamente; P = 0,50).

Os desfechos clínicos hospitalares (Tabela 4) não mostraram diferença quanto à ocorrência de ECCAM (3,8% vs. 2,8%; P = 0,40), acidente vascular cerebral (0 vs. 0,1%; P > 0,99), infarto do miocárdio (2,5% vs. 2,1%; P = 0,72), cirurgia de revascularização do miocárdio de emergência (0 vs. 0,1%; P > 0,99) ou óbito (1,5% vs. 0,8%; P = 0,24).

Na análise univariada, as variáveis sexo feminino, doença multiarterial, lesões com presença de trombo, fluxo TIMI 0/1 pré-ICP, presença de circulação colateral, ICP primária, ICP de resgate e uso adjunto de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa apresentaram relação significativa com a ocorrência de ECCAM. Na análise multivariada, sexo feminino (odds ratio (OR) 1,0203, intervalo de confiança de 95% (IC 95%) 1,0043-1,00365; P = 0,01), doença multiarterial (OR 1,0296, IC 95% 1,0127-1,0467; P < 0,01) e fluxo TIMI 0/1 pré-ICP (OR 1,0655, IC 95% 1,0409-1,0906; P< 0,01) foram as variáveis que melhor explicaram a presença de ECCAM hospitalares (Tabela 5).

DISCUSSÃO

Os diabéticos tratados por ICP incluídos em nosso estudo são representativos da prática clínica nacional, com predomínio de pacientes com doença arterial coronária estável, com acometimento uniarterial e função ventricular preservada, tratados em sua maioria com stents não-farmacológicos.10 Os diabéticos em uso de insulina, cerca de um quinto da população, tinham complexidade clínica maior que os demais diabéticos, mas complexidade angiográfica menor. Essa discrepância possivelmente é explicada pelo viés de seleção, em que pacientes com anatomia mais complexa têm maior probabilidade de ser encaminhados para revascularização miocárdica cirúrgica.11

O número de vasos tratados e o número de stents por paciente corroboram a constatação de que são pacientes angiograficamente menos complexos os encaminhados para ICP. Reforça esses achados a limitada disponibilidade de stents farmacológicos para essa população, que logicamente direciona os intervencionistas a tratar pacientes com menor número de vasos acometidos e lesões menos complexas. Apesar de pouco mais de 50% das lesões serem B2/C, a prevalência de características angiográficas mais desafiadoras, como bifurcações e oclusões, foi baixa, fazendo com que o sucesso do procedimento fosse alto e similar entre os grupos.

A utilização de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa durante a ICP em pacientes diabéticos foi recomendada na década passada em estudos que demonstraram redução de eventos cardíacos adversos maiores.12 Entretanto, em decorrência da eficácia e da segurança do pré-tratamento com clopidogrel e da disponibilidade de novos antiagregantes plaquetários associados ao ácido acetilsalicílico no esquema antiplaquetário duplo, o uso atual dos inibidores da glicoproteína IIb/IIIa tem sido restrito a pacientes com síndrome coronária aguda que apresentem grande carga trombótica ou como terapia de resgate nas oclusões do vaso durante o procedimento.13 Essas evidências justificam a baixa utilização desse fármaco em nosso registro.

Os desfechos clínicos hospitalares foram semelhantes entre os grupos e concordantes com estudo que também avaliou eventos agudos entre diabéticos tratados ou não com insulina.14 De fato, em um modelo recente desenvolvido com 588.398 procedimentos do National Cardiovascular Data Registry15 para prever mortalidade hospitalar, o choque cardiogênico foi o preditor mais forte, seguido de insuficiência renal e idade. O diabetes não foi incluído nesse modelo de oito variáveis.

O diabetes melito é marcador de pior prognóstico a médio e longo prazos pós-ICP, com maior incidência de eventos clínicos e angiográficos, em especial a reestenose coronária, sendo recomendada a utilização de stents farmacológicos (indicação classe 1, nível de evidência A) para a obtenção de melhores resultados.13 Análise de subgrupo do registro Drug-Eluting Stent in the Real World (DESIRE), que avaliou a evolução tardia pós-ICP com stent farmacológico em pacientes diabéticos e não-diabéticos, confirmou esses achados em nosso meio.16 Em nosso registro, os stents farmacológicos foram utilizados em aproximadamente um terço dos pacientes, e essa taxa não foi mais elevada pelo fato de o Sistema Único de Saúde ainda não disponibilizar esses dispositivos a seus usuários.

Limitações do estudo

São limitações deste estudo a análise retrospectiva dos dados e a ausência de seguimento tardio.

CONCLUSÕES

Em nosso estudo o DMI não foi preditor independente de ECCAM hospitalares.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 17/12/2012

Aceito em: 27/2/2013

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  • Correspondência:

    Marcelo Mendes Farinazzo.
    Rua Galvão Bueno, 257 – Liberdade
    São Paulo, SP, Brasil – CEP 01516-000
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      17 Dez 2012
    • Aceito
      27 Fev 2013
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