Acessibilidade / Reportar erro

Associação entre remodelamento vascular e núcleo necrótico em artérias coronárias: análise por ultrassom intracoronário com Histologia Virtual®

Resumos

INTRODUÇÃO: Estudos anatomopatológicos sugerem a associação de remodelamento vascular positivo e placas coronárias vulneráveis. O objetivo deste estudo foi avaliar se existe correlação entre o grau de remodelamento vascular positivo e o porcentual de núcleo necrótico em lesões ateroscleróticas coronárias. MÉTODOS: Foram estudados 270 cortes transversais obtidos pela Histologia Virtual® de 30 pacientes, os quais apresentavam remodelamento positivo em segmento de artéria coronária com lesão > 50%, identificada pela angiografia coronária. Foram avaliados 7 cortes transversais por segmento de artéria coronária, incluindo o corte transversal com o maior índice de remodelamento arterial, denominado corte transversal de interesse (corte transversal 4). RESULTADOS: A média de idade foi de 60,8 ± 8,8 anos, 80% eram do sexo masculino e 30% diabéticos. Angina instável foi a apresentação clínica mais frequente (56,6%) e a artéria descendente anterior foi o vaso mais analisado (43%). A área de referência do vaso foi de 15,5 ± 4,9 mm² e o índice de remodelamento no corte transversal 4 foi de 1,2 ± 0,1. Análise de variância de medidas repetidas mostrou maior porcentual de núcleo necrótico no corte transversal de interesse (P < 0,001). Observamos correlação positiva do remodelamento arterial coronário com o núcleo necrótico (r = 0,79; P < 0,001). CONCLUSÕES: O remodelamento positivo da artéria coronária está associado à presença de núcleo necrótico, o qual caracteriza placas ateromatosas vulneráveis. A pesquisa de remodelamento arterial positivo pode ser estratégia útil para a detecção de placas vulneráveis antes de sua ruptura.

Vasos coronários; Estenose coronária; Ultrassom


BACKGROUND: Anatomopathological studies suggest an association of positive vascular remodeling and vulnerable coronary plaques. The objective of this study was to verify whether there is a correlation between positive vascular remodeling and necrotic core in atherosclerotic coronary lesions. METHODS: We studied 270 cross sections obtained by Virtual Histology® in 30 patients who had positive remodeling in coronary artery segments with lesions > 50%, identified by coronary angiography. Seven cross sections were assessed per segment of coronary artery, including the cross section with the highest remodeling index, denominated cross section of interest (cross section 4). RESULTS: Mean age was 60.8 ± 8.8 years, 80% were male and 30% were diabetic. Unstable angina was the most frequent clinical presentation (56.6%) and the left anterior descending artery was the most analyzed vessel (43%). The vessel reference area was 15.5 ± 4.9 mm² and the remodeling index in cross section 4 was 1.2 ± 0.1. Repeated measures analysis of variance showed a higher percentage of necrotic core in the cross section of interest (P < 0.001). We observed a positive correlation of coronary artery remodeling and necrotic core (r = 0.79; P < 0.001). CONCLUSIONS: Positive coronary artery remodeling is associated to the presence of necrotic core, which characterizes vulnerable atherosclerotic plaques. The search for positive arterial remodeling may be a useful strategy for detecting vulnerable plaques before rupture.

Coronary vessels; Coronary stenosis; Ultrasonics


ARTIGO ORIGINAL

Associação entre remodelamento vascular e núcleo necrótico em artérias coronárias: análise por ultrassom intracoronário com Histologia Virtual®

Association between vascular remodeling and necrotic core in coronary arteries: Virtual Histology intravascular ultrasound analysis

Tammuz FattahI; Bruno S. MatteII; Julise A. BalvediIII; Juliane RossatoIV; Márcio MossmannV; Xana M. MendesVI; Taicir C. SalemVII; Paulo V. CrestaniVIII; Alexandre C. ZagoIX

IMestre. Médico cardiologista intervencionista do Serviço de Hemodinâmica do Instituto de Cardiologia do Estado de Santa Catarina. Florianópolis, SC, Brasil

IIMestre. Médico cardiologista intervencionista do Serviço de Hemodinâmica do Hospital Universitário. Canoas, RS, Brasil

IIIAcadêmica de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS, Brasil

IVMestre. Biomédica do Grupo de Pesquisa em Cardiologia Intervencionista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Porto Alegre, RS, Brasil

VMédico residente da Unidade de Hemodinâmica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Porto Alegre, RS, Brasil

VIAcadêmica de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS, Brasil

VIIAcadêmico de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS, Brasil

VIIIAcadêmico de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS, Brasil

IXDoutor e pós-doutor. Médico cardiologista coordenador do Grupo de Pesquisa em Cardiologia Intervencionista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Porto Alegre, RS, Brasil

Correspondência Correspondência: Tammuz Fattah. Rua Adolfo Donato da Silva, s/n – Praia Comprida São José, SC, Brasil – CEP 88103-901 E-mail: tammuz.fattah@gmail.com

RESUMO

INTRODUÇÃO: Estudos anatomopatológicos sugerem a associação de remodelamento vascular positivo e placas coronárias vulneráveis. O objetivo deste estudo foi avaliar se existe correlação entre o grau de remodelamento vascular positivo e o porcentual de núcleo necrótico em lesões ateroscleróticas coronárias.

MÉTODOS: Foram estudados 270 cortes transversais obtidos pela Histologia Virtual® de 30 pacientes, os quais apresentavam remodelamento positivo em segmento de artéria coronária com lesão > 50%, identificada pela angiografia coronária. Foram avaliados 7 cortes transversais por segmento de artéria coronária, incluindo o corte transversal com o maior índice de remodelamento arterial, denominado corte transversal de interesse (corte transversal 4).

RESULTADOS: A média de idade foi de 60,8 ± 8,8 anos, 80% eram do sexo masculino e 30% diabéticos. Angina instável foi a apresentação clínica mais frequente (56,6%) e a artéria descendente anterior foi o vaso mais analisado (43%). A área de referência do vaso foi de 15,5 ± 4,9 mm² e o índice de remodelamento no corte transversal 4 foi de 1,2 ± 0,1. Análise de variância de medidas repetidas mostrou maior porcentual de núcleo necrótico no corte transversal de interesse (P < 0,001). Observamos correlação positiva do remodelamento arterial coronário com o núcleo necrótico (r = 0,79; P < 0,001).

CONCLUSÕES: O remodelamento positivo da artéria coronária está associado à presença de núcleo necrótico, o qual caracteriza placas ateromatosas vulneráveis. A pesquisa de remodelamento arterial positivo pode ser estratégia útil para a detecção de placas vulneráveis antes de sua ruptura.

DESCRITORES: Vasos coronários. Estenose coronária. Ultrassom.

ABSTRACT

BACKGROUND: Anatomopathological studies suggest an association of positive vascular remodeling and vulnerable coronary plaques. The objective of this study was to verify whether there is a correlation between positive vascular remodeling and necrotic core in atherosclerotic coronary lesions.

METHODS: We studied 270 cross sections obtained by Virtual Histology® in 30 patients who had positive remodeling in coronary artery segments with lesions > 50%, identified by coronary angiography. Seven cross sections were assessed per segment of coronary artery, including the cross section with the highest remodeling index, denominated cross section of interest (cross section 4).

RESULTS: Mean age was 60.8 ± 8.8 years, 80% were male and 30% were diabetic. Unstable angina was the most frequent clinical presentation (56.6%) and the left anterior descending artery was the most analyzed vessel (43%). The vessel reference area was 15.5 ± 4.9 mm² and the remodeling index in cross section 4 was 1.2 ± 0.1. Repeated measures analysis of variance showed a higher percentage of necrotic core in the cross section of interest (P < 0.001). We observed a positive correlation of coronary artery remodeling and necrotic core (r = 0.79; P < 0.001).

CONCLUSIONS: Positive coronary artery remodeling is associated to the presence of necrotic core, which characterizes vulnerable atherosclerotic plaques. The search for positive arterial remodeling may be a useful strategy for detecting vulnerable plaques before rupture.

DESCRIPTORS: Coronary vessels. Coronary stenosis. Ultrasonics.

As síndromes coronárias agudas apresentam-se como angina instável, infarto agudo do miocárdio ou morte súbita. Em vários estudos já se demonstrou forte associação dessas síndromes com a ruptura ou a erosão da placa ateromatosa, que, ao expor o conteúdo subintimal, induz à formação de trombo e, frequentemente, resulta na oclusão transitória ou persistente do vaso.1-3

A principal característica histológica das placas coronárias vulneráveis é a presença de grande conteúdo lipídico recoberto por fina capa fibrótica, infiltrada por células inflamatórias.4-7 Outra característica das placas coronárias instáveis é a presença de remodelamento positivo, definido como aumento do diâmetro do vaso no local da lesão ateromatosa e associado a eventos cardiovasculares em estudos patológicos.8-12

Os dados atualmente disponíveis a respeito da associação entre as características da placa ateromatosa e o padrão de remodelamento vascular ainda não foram suficientemente estudados. A principal teoria é que o remodelamento positivo ocorre precocemente, visando a manter a luz do vaso ao acomodar o crescimento progressivo da placa.13,14

Estudos com a utilização de cortes histológicos e imagens do ultrassom intracoronário têm mostrado que o papel fisiopatológico do remodelamento arterial pode ser mais complexo que um mero processo de compensação, havendo forte associação entre o remodelamento arterial vascular, a resposta inflamatória local e a vulnerabilidade da placa.15-17

O ultrassom intravascular em escala de cinza é uma ferramenta que auxilia o diagnóstico da doença coronária. As imagens são muito úteis para caracterizar a extensão, a distribuição e a morfologia das placas ateromatosas in vivo, bem como as paredes do vaso.18 No entanto, esse método não permite diferenciar adequadamente o conteúdo da placa ateromatosa. O ultrassom intracoronário com radiofrequência, denominado Histologia Virtual® (Volcano Therapeutics, Rancho Cordova, Estados Unidos), é uma ferramenta auxiliar ao ultrassom intracoronário, que transforma os sinais de ondas ultrassonográficas captadas em imagens coloridas, que distinguem os componentes da placa ateromatosa.19

Este estudo tem como objetivo avaliar se existe correlação entre o grau de remodelamento vascular positivo e o porcentual de núcleo necrótico da placa ateromatosa em artérias coronárias mediante avaliação pela Histologia Virtual®.

MÉTODOS

População

Pacientes de ambos os sexos, com idade > 18 anos e lesão obstrutiva significativa em artéria coronária (> 50%), pela angiografia quantitativa, foram submetidos a avaliação com ultrassom intracoronário e Histologia Virtual® no período de janeiro de 2007 a janeiro de 2011, conforme indicação clínica.

O estudo foi realizado na Unidade de Hemodinâmica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (Porto Alegre, RS, Brasil) e aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa do hospital, estando de acordo com a Declaração de Helsinque para pesquisa em humanos.

Critérios de inclusão

Foram incluídos nesta análise pacientes que preenchiam os seguintes critérios:

- lesão obstrutiva significativa em artéria coronária (> 50%) à cinecoronariografia;

- presença de remodelamento arterial positivo na análise com o ultrassom intracoronário em escala de cinza;

- realização de ultrassom intracoronário com Histologia Virtual®.

Critérios de exclusão

Foram excluídos deste estudo pacientes que apresentavam pelo menos um dos seguintes critérios:

- presença de stent no vaso estudado;

- enxertos de ponte de safena ou artéria torácica interna esquerda como vaso-alvo;

- lesão-alvo ostial em tronco de coronária esquerda ou em coronária direita;

- presença de ramo lateral > 2 mm originando-se no segmento do vaso analisado;

- infarto agudo do miocárdio;

- choque cardiogênico ou doença sistêmica grave;

- obtenção de imagens de ultrassom e/ou com Histologia Virtual® inadequadas para a análise; e

- impossibilidade de obter os dados clínicos e demográficos, por meio de prontuários ou de ligação telefônica.

Coleta de dados

Após a revisão do livro de registros de ultrassom intracoronário da Unidade de Hemodinâmica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, foram selecionados 113 pacientes com doença arterial coronária submetidos a estudo com ultrassom intracoronário e Histologia Virtual® no período entre janeiro de 2007 e janeiro de 2011.

Por meio de consulta aos prontuários hospitalares ou ligações telefônicas foram coletadas as seguintes variáveis: idade, sexo, fatores de risco, e síndrome clínica de apresentação. Os casos elegíveis foram arrolados para o estudo e os pacientes receberam códigos de identificação única.

A análise com Histologia Virtual® foi realizada de maneira cega por médico cardiologista intervencionista com ampla experiência no método e realizada de acordo com o Consenso de Especialistas do Colégio Americano de Cardiologia Clínica sobre Normas de Aquisição de Medição e Relatório de Estudos de Ultrassom Intravascular.20

As imagens de ultrassonografia e Histologia Virtual® dos pacientes estavam arquivadas em mídia de DVD e foram analisadas após abertura dos arquivos de imagem no console da estação de trabalho do equipamento de ultrassom intracoronário Volcano S5® (Volcano Therapeutics).

A sequência de imagens analisada foi escolhida por meio da reconstrução em eixo longitudinal das imagens ultrassonográficas, delimitando-se a região de interesse. As análises transversais foram realizadas conforme descrito:

• O diâmetro e a área de referência da artéria coronária foram determinados mediante o cálculo da média entre os diâmetros e as áreas de referência proximal e distal ao segmento em análise, respectivamente. Os diâmetros de referência proximal e distal foram obtidos da média entre o maior e o menor eixos da membrana elástica externa em milímetros (mm). As áreas de referência proximal e distal foram determinadas mediante o contorno da membrana elástica externa em milímetros quadrados (mm²).

• Os cortes transversais para a determinação do diâmetro e da área de referência do vaso foram selecionados contemplando-se o critério da simetria, ou seja, razão entre o diâmetro menor e o diâmetro maior < 0,7, com o objetivo de excluir cortes transversais com remodelamento vascular.

• Após a localização do corte transversal com o maior índice de remodelamento arterial, denominado corte transversal de interesse (corte transversal 4), e a realização das medidas quantitativas do ultrassom intracoronário e da avaliação com Histologia Virtual®, procedeu-se à avaliação de mais 6 cortes transversais com 5 quadros de diferença, sendo 3 proximais e 3 distais ao corte transversal 4 (Figura 1).


• Por meio da análise ultrassonográfica foram determinadas as seguintes medidas:

- diâmetros de referência proximal e distal da artéria coronária em mm, para o cálculo do diâmetro de referência do vaso pela média simples;

- áreas de referência proximal e distal da artéria coronária em mm², para o cálculo da área de referência do vaso pela média simples;

- área do vaso nos cortes transversais em mm², para o cálculo do índice de remodelamento do vaso;

- área do lúmen nos cortes transversais em mm²;

- área da placa ateromatosa nos cortes transversais em mm², calculada subtraindo-se a área do vaso da área da luz arterial; e

- carga de placa nos cortes transversais em porcentual.

O índice de remodelamento foi calculado por meio da razão entre a área do vaso no corte transversal analisado e a área de referência do vaso, definindo-se como remodelamento positivo razão > 1,05.11,12

As diferentes composições da placa ateromatosa foram avaliadas e caracterizadas pela Histologia Virtual®, utilizando-se o programa PcVH 2.2 (Volcano Therapeutics). Para a análise quantitativa da Histologia Virtual® o tecido correspondente à placa ateromatosa foi codificado em cores, as quais foram divididas em quatro grupos, conforme os componentes principais da placa ateromatosa: verde (fibrótica), verde-amarelo (fibrolipídica), vermelho (núcleo necrótico) e branco (cálcio). Os dados da análise por Histologia Virtual® foram relatados em valores absolutos e em porcentagem em relação à área da placa ateromatosa (Figura 2).


Análise estatística

Para o cálculo do tamanho da casuística foi usado o programa WINPEPI módulo ETCETERA versão 2.32. Utilizou-se um coeficiente de correlação de 0,3 com poder do teste de 90% e nível de significância de 0,01 para testar a diferença de zero no teste bicaudal. O tamanho da amostra foi calculado em 159 cortes transversais, ou seja, 22 pacientes com 7 cortes transversais cada.

Os dados das características basais e da análise por ultrassom intracoronário e Histologia Virtual® foram tabulados e inseridos na base de dados do programa SPSS versão 18.0. Os dados quantitativos com distribuição gaussiana foram descritos por média e desvio padrão. Na presença de assimetria, foram utilizados a mediana, a amplitude interquartil (P25 a P75) e os valores mínimo e máximo. Os dados categóricos foram descritos por contagens e porcentuais.

A variação dos porcentuais de núcleo necrótico entre os diferentes cortes da artéria coronária foi estudada mediante a análise de variância de medidas repetidas, tendo os dados sido transformados logaritmicamente antes da análise. Para avaliar a correlação entre o índice de remodelamento e a quantidade de núcleo necrótico foi utilizado o coeficiente de correlação de Spearman. Utilizou-se o programa SPSS versão 18.0 e o nível de significância adotado foi de α = 0,05.

RESULTADOS

No total, foram avaliados 113 pacientes, dos quais somente 30 (26,5%) preenchiam os critérios de inclusão e exclusão. Dos 30 pacientes incluídos neste estudo, foi avaliado um total de 270 cortes transversais oriundos das imagens de ultrassom intracoronário com Histologia Virtual® previamente obtidas, sendo 60 desses cortes transversais utilizados para o cálculo da área de referência do vaso.

A população apresentou média de idade de 60,8 ± 8,8 anos, sendo a maioria do sexo masculino (80%) e 30% diabéticos. A apresentação clínica mais frequente foi a angina instável (56,6%) e a artéria descendente anterior foi o vaso mais estudado (43%) (Tabela 1).

As medidas realizadas pelo ultrassom intracoronário mostraram área de referência proximal de 16,5 ± 5,2 mm², área de referência distal de 14,5 ± 4,9 mm², área de referência do vaso de 15,5 ± 4,9 mm² e índice de remodelamento no corte transversal de interesse (corte transversal 4) de 1,2 ± 0,1 (Tabela 2).

Ao analisar quantitativamente o porcentual de núcleo necrótico na placa ateromatosa e dispor os resultados em gráficos de acordo com o corte transversal analisado, visualiza-se a representação da quantidade de núcleo necrótico ao longo do segmento estudado. O corte transversal número 1 representa o corte mais distal do vaso, enquanto o corte transversal número 7 é o mais proximal. O corte transversal número 4 ou corte transversal de interesse e os cortes transversais de números 2, 3, 5 e 6 complementam a representação do gráfico para o entendimento quantitativo do núcleo necrótico no segmento de artéria coronária estudado.

A análise da variação do porcentual de núcleo necrótico entre os 7 cortes transversais da artéria coronária, utilizando-se a análise de variância de medidas repetidas, evidenciou maior quantidade de núcleo necrótico no corte transversal de interesse (corte transversal 4), o qual apresenta o maior índice de remodelamento vascular (Figura 3).


Os resultados obtidos por meio da análise da correlação linear entre o índice de remodelamento arterial coronário e o porcentual de núcleo necrótico na placa ateromatosa demonstram correlação positiva r = 0,79 (P < 0,001) (Figura 4).


DISCUSSÃO

A doença coronária como uma das maiores causas de morbidade e mortalidade é investigada globalmente em busca de uma forma de melhor entendê-la. Estudos demonstram certa associação entre o remodelamento vascular e a composição da placa ateromatosa8-11 e forte associação entre acidentes de placa (erosão ou ruptura) e eventos coronários. As placas propensas a eventos clínicos têm distribuição característica de seus componentes e presença de remodelamento arterial positivo.2,9,21-23

Para a quantificação do remodelamento arterial utilizamos o índice de remodelamento, que é a relação entre a área da região de interesse e a área de referência do vaso.12 Áreas de seção transversa do vaso são obtidas com o ultrassom intracoronário e oferecem visão planar de 360 graus das artérias coronárias, diferenciando suas várias estruturas. Estudos de validação in vitro mostraram boa correlação entre imagens geradas pelo ultrassom intracoronário e análise histológica dos tecidos.24 Entretanto, essa modalidade de imagem não consegue caracterizar e diferenciar os componentes da placa ateromatosa.

A Histologia Virtual® é um método adjunto diagnóstico, desenvolvido a partir do ultrassom intracoronário em escala de cinza. Fornece informações detalhadas qualitativas e quantitativas sobre a composição da placa ateromatosa, tendo sido validado por meio de estudos histológicos.18 Esse recurso de imagem vem sendo largamente utilizado na pesquisa clínica, tanto na avaliação da evolução de lesões ateroscleróticas25 como na demonstração da eficácia de novos tratamentos para a doença aterosclerótica.24-26

O estudo Providing Regional Observations to Study Predictors of Events in the Coronary Tree (PROSPECT)25 avaliou pacientes com síndromes coronárias agudas que se submeteram a angiografia coronária dos 3 vasos, complementada por ultrassom intracoronário e por radiofrequência, logo após intervenção coronária percutânea, e acompanhados por 3,4 anos para eventos clínicos adversos. Metade dos eventos da evolução foi relacionada ao vaso não-culpado e placas ateromatosas com características de vulnerabilidade (ateroma de capa fina, carga de placa > 70% e área luminal < 4 mm²) foram associadas a futuros eventos cardiovasculares adversos. Contudo, nesse estudo não foi avaliada a presença do remodelamento positivo como variável preditora de eventos clínicos ou de vulnerabilidade de placa.

A Histologia Virtual® permite estudar a placa ateromatosa in vivo, sendo possível a realização desse estudo em uma população de alto risco para eventos clínicos. Na análise da placa ateromatosa encontramos correlação positiva entre remodelamento arterial positivo e porcentual de núcleo necrótico na placa ateromatosa (r = 0,79; P < 0,001). Resultados semelhantes foram reportados no estudo de Rodriguez-Granillo et al.27, também retrospectivo e com população de 41 pacientes, no qual o índice de remodelamento foi correlacionado aos componentes da placa ateromatosa pela Histologia Virtual® em artérias coronárias consideradas não-culpadas e com estenose não-significativa (< 50%). A análise por regressão linear evidenciou a existência de relação entre os componentes da placa ateromatosa e o remodelamento da artéria coronária. O tamanho do núcleo necrótico foi significativamente maior nas lesões coronárias com vaso positivamente remodelado (r = 0,83; P < 0,0001) que naquele com remodelamento negativo. Além disso, as placas ateromatosas nos vasos com remodelamento positivo tinham morfologia mais compatível com placa vulnerável, das quais 56% apresentavam capa fibrótica fina, enquanto no remodelamento negativo as placas ateromatosas possuíam aparência mais estável, em que 64% tinham espessamento patológico da íntima sem nenhuma evidência de fibroateroma com capa fibrótica fina.

Apesar de alguns resultados semelhantes, este estudo e o de Rodriguez-Granillo et al.27 apresentam várias diferenças na metodologia e na seleção de pacientes e da lesão-alvo. Em nossa análise, que tem como objetivo estudar a relação entre o remodelamento arterial coronário e o porcentual de núcleo necrótico, o ponto de partida foi a busca do ponto de maior remodelamento positivo e não o ponto de maior estenose, como no estudo de Rodriguez-Granillo et al.27. Outra diferença relevante na metodologia foi a realização da análise completa de um segmento de artéria coronária de extensão pré-definida em nosso estudo, o que possibilitou a análise entre os diversos cortes da variação dos componentes da placa ateromatosa nos segmentos coronários estudados, enquanto Rodriguez-Granillo et al.27 realizaram apenas análises pontuais. Quanto à seleção da lesão-alvo, nosso estudo analisou lesões com obstrução significativa (> 50%) em artérias coronárias consideradas culpadas pelo evento cardiovascular, ao passo que Rodriguez-Granillo et al.27 estudaram lesões obstrutivas não-significativas em artérias coronárias não-culpadas. Ambos os estudos, portanto, avaliaram perfis opostos de lesão-alvo e de pacientes, embora nosso estudo tenha analisado pacientes apresentando lesões com características predominantemente instáveis, enquanto o de Rodrigues-Granillo et al.27 estudou pacientes apresentando lesões com características estáveis.

Neste estudo, a análise da quantidade de núcleo necrótico na placa ateromatosa e de sua variação intracortes nos segmentos de artérias coronárias estudados evidenciou diferença estatisticamente significante (P < 0,001), corroborando a existência de uma variabilidade da quantidade de núcleo necrótico ao longo de uma mesma placa ateromatosa, onde o núcleo necrótico se concentra em segmentos com maior remodelamento positivo.

A associação entre remodelamento arterial positivo e núcleo necrótico encontrada neste estudo ressalta a interação entre os componentes anatômicos e histológicos envolvidos na doença arterial coronária. O núcleo necrótico tem importante papel na liberação de metaloproteinases, um grupo de enzimas proteolíticas que podem degradar e calcificar a elastina, a qual é uma proteína responsável pela elasticidade e resistência dos vasos arteriais.20,28 Essa pode, portanto, ser uma possível explicação fisiopatológica para justificar a correlação entre núcleo necrótico e remodelamento vascular positivo como uma relação de causa-efeito.29

Os resultados da análise de regressão linear entre o índice de remodelamento arterial e a quantidade de núcleo necrótico, obtidos neste estudo, vêm ao encontro das séries de estudos anatomopatológicos que mostraram associação entre placas rotas ou erodidas e presença de remodelamento arterial positivo em pacientes que morreram em decorrência de síndrome coronária aguda.30,31 Fica, assim, demonstrada a importância do remodelamento arterial positivo e do núcleo necrótico na placa ateromatosa para compreender melhor sua evolução, que geralmente se traduz em eventos clínicos, assim como para amplificar a detecção de placas vulneráveis. Nesse sentido, a pesquisa do remodelamento arterial positivo, identificado neste estudo como associado à presença de núcleo necrótico (principal componente de uma placa vulnerável), pode ser uma ferramenta útil para a detecção de placas vulneráveis previamente a sua instabilização e repercussão clínica.

Limitações do estudo

Este estudo tem como principais limitações: avaliação retrospectiva; dificuldade em encontrar um segmento de artéria coronária totalmente sadio como segmento de referência do vaso, em decorrência da natureza difusa da apresentação da doença arterial coronária; e tamanho da casuística, que, apesar de modesta, foi suficiente para demonstrar correlações com significância estatística.

CONCLUSÕES

O remodelamento positivo da artéria coronária está associado à presença de núcleo necrótico, o qual caracteriza placas ateromatosas instáveis ou vulneráveis. A pesquisa de remodelamento arterial positivo pode, assim, ser uma ferramenta útil para a detecção de placas vulneráveis previamente a sua instabilização.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 2/1/2013

Aceito em: 5/3/2013

  • 1. Falk E. Unstable angina with fatal outcome: dynamic coronary thromboReferenciassis leading to infarction and/or sudden death. Autopsy evidence of recurrent mural thrombosis with peripheral embolization culminating in total vascular occlusion. Circulation. 1985;71(4):699-708.
  • 2. Davies MJ, Thomas AC. Plaque fissuring - the cause of acute myocardial infarction, sudden ischaemic death, and crescendo angina. Br Heart J. 1985;53(4):363-73.
  • 3. Farb A, Tang AL, Burke AP, Sessums L, Liang Y, Virmani R. Sudden coronary death. Frequency of active coronary lesions, inactive coronary lesions, and myocardial infarction. Circulation. 1995;92(7):1701-9.
  • 4. Burke AP, Farb A, Malcom GT, Liang YH, Smialek J, Virmani R. Coronary risk factors and plaque morphology in men with coronary disease who died suddenly. N Engl J Med. 1997; 336(18):1276-82.
  • 5. Virmani R, Kolodgie FD, Burke AP, Farb A, Schwartz SM. Lessons from sudden coronary death: a comprehensive morphological classification scheme for atherosclerotic lesions. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 2000;20(5):1262-75.
  • 6. Kolodgie FD, Burke AP, Farb A, Gold HK, Yuan J, Narula J, et al. The thin-cap fibroatheroma: a type of vulnerable plaque: the major precursor lesion to acute coronary syndromes. Curr Opin Cardiol. 2001;16(5)285-92.
  • 7. Kragel AH, Gertz SD, Roberts WC. Morphologic comparison of frequency and types of acute lesions in the major epicardial coronary arteries in unstable angina pectoris, sudden coronary death and acute myocardial infarction. J Am Coll Cardiol. 1991;18(3):801-4.
  • 8. Pasterkamp G, Schoneveld AH, van der Wal AC, Haudenschild CC, Clarijs RJ, Becker AE, et al. Relation of arterial geometry to luminal narrowing and histologic markers for plaque vulnerability: the remodeling paradox. J Am Coll Cardiol. 1998; 32(3):655-62.
  • 9. Mintz GS, Kent KM, Pichard AD, Satler LF, Popma JJ, Leon MB. Contribution of inadequate arterial remodeling to the development of focal coronary artery stenosis: an intravascular ultrasound study. Circulation. 1997;95(7):1791-8.
  • 10. Birnbaum Y, Fishbein MC, Luo H, Nishioka T, Siegel RJ. Regional remodeling of atherosclerotic arteries: a major determinant of clinical manifestations of disease. J Am Coll Cardiol. 1997;30(5):1149-64.
  • 11. Hartmann M, von Birgelen C, Mintz GS, Verhorst PM, Erbel R. Relation between baseline plaque burden and subsequent remodelling of atherosclerotic left main coronary arteries: a serial intravascular ultrasound study with long-term (> or = 12 months) follow-up. Eur Heart J. 2006;27(15):1778-84.
  • 12. von Birgelen C, Hartmann M, Mintz GS, Böse D, Eggebrecht H, Neumann T, et al. Remodeling index compared to actual vascular remodeling in atherosclerotic left main coronary arteries as assessed with long-term (> or = 12 months) serial intravascular ultrasound. J Am Coll Cardiol. 2006;47(7):1363-8.
  • 13. Glagov S, Weisenberg E, Zarins CK, Stankunavicius R, Kolettis GJ. Compensatory enlargement of human atherosclerotic coronary arteries. N Engl J Med. 1987;316(22):1371-5.
  • 14. Bezerra HG, Higuchi ML, Gutierrez PS, Palomino SA, Silvestre JM, Libby P. Atheromas that cause fatal thrombosis are usually large and frequently accompanied by vessel enlargement. Cardiovasc Pathol. 2001;10(4):189-96.
  • 15. von Birgelen C, Klinkhart W, Mintz GS, Papatheodorou A, Herrmann J, Baumgart D, et al. Plaque distribution and vascular remodeling of ruptured and nonruptured coronary plaques in the same vessel: an intravascular ultrasound study in vivo. J Am Coll Cardiol. 2001;37(7):1864-70.
  • 16. Schoenhagen P, Ziada KM, Kapadia SR, Crowe TD, Nissen SE, Tuzcu EM. Extent and direction of arterial remodeling in stable versus unstable coronary syndromes: an intravascular ultrasound study. Circulation. 2000;101(6):598-603.
  • 17. Takimura CK, Lemos PA, Perin MA, Silva EE, Ambrose J, Ramires JA, et al. Preditores geométricos angiográficos de infarto do miocárdio não são associados com marcadores ultrassonográficos de infarto agudo do miocárdio de vulnerabilidade da placa. Arq Bras Cardiol. 2006;87(2):99-105.
  • 18. Nair A, Kuban BD, Tuzcu EM, Schoenhagen P, Nissen SE, Vince DG. Coronary plaque classification with intravascular ultrasound radiofrequency data analysis. Circulation. 2002; 106(17):2200-6.
  • 19. Nasu K, Tsuchikane E, Katoh O, Vince DG, Virmani R, Surmely JF, et al. Accuracy of in vivo coronary plaque morphology assessment a validation study of in vivo virtual histology compared with in vitro histopathology. J Am Coll Cardiol. 2006;47(12):2405-12.
  • 20. Loftus IM, Naylor AR, Goodall S, Crowther M, Jones L, Bell PR, et al. Increased matrix metalloproteinase-9 activity in unstable carotid plaques. A potential role in acute plaque disruption. Stroke. 2000;31(1):40-7.
  • 21. Tauth J, Pinnow E, Sullebarger JT, Basta L, Gursoy S, Lindsay J Jr, et al. Predictors of coronary arterial remodeling patterns in patients with myocardial ischemia. Am J Cardiol. 1997; 80(10):1352-5.
  • 22. Weissman NJ, Sheris SJ, Chari R, Mendelsohn FO, Anderson WD, Breall JA, et al. Intravascular ultrasonic analysis of plaque characteristics associated with coronary artery remodeling. Am J Cardiol. 1999;84(1):37-40.
  • 23. Fuessl RT, Kranenberg E, Kiausch U, Baer FM, Sechtem U, Höpp HW. Vascular remodeling in atherosclerotic coronary arteries is affected by plaque composition. Coron Artery Dis. 2001;12(2):91-7.
  • 24. Nishimura RA, Edwards WD, Warnes CA, Reeder GS, Holmes DR Jr, Tajik AJ, et al. Intravascular ultrasound imaging: in vitro validation and pathologic correlation. J Am Coll Cardiol. 1990;16(1):145-54.
  • 25. Stone GW, Maehara A, Lansky AJ, de Bruyne B, Cristea E, Mintz GS, et al.; PROSPECT Investigators. A prospective natural-history study of coronary atherosclerosis. N Engl J Med. 2011;364(3):226-35.
  • 26. Serruys PW, Garcia-Garcia HM, Buszman P, Erne P, Verheye S, Aschermann M, et al. Effects of the direct lipoprotein-associated phospholipase A(2) inhibitor darapladib on human coronary atherosclerotic plaque. Circulation. 2008;118(11):1172-82.
  • 27. Rodriguez-Granillo GA, Serruys PW, Garcia-Garcia HM, Aoki J, Valgimigli M, van Mieghem CA, et al. Coronary artery remodelling is related to plaque composition. Heart. 2006; 92(3):388-91.
  • 28. Berliner JA, Navab M, Fogelman AM, Frank JS, Demer LL, Edwards PA, et al. Atherosclerosis: basic mechanisms, oxidation, inflammation, and genetics. Circulation. 1995;91(9):2488-96.
  • 29. Irwin CL, Guzman RJ. Matrix metalloproteinases in medial arterial calcification: potential mechanisms and actions. Vascular. 2009;17 Suppl 1:S40-4.
  • 30. Varnava AM, Mills PG, Davies MJ. Relationship between coronary artery remodeling and plaque vulnerability. Circulation. 2002;105(8):939-43.
  • 31. Davies MJ, Richardson PD, Woolf N, Katz DR, Mann J. Risk of thrombosis in human atherosclerotic plaques: role of extracellular lipid, macrophage, and smooth muscle cell content. Br Heart J. 1993;69(5):377-81.
  • Correspondência:

    Tammuz Fattah.
    Rua Adolfo Donato da Silva, s/n – Praia Comprida
    São José, SC, Brasil – CEP 88103-901
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      02 Jan 2013
    • Aceito
      05 Mar 2013
    Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista - SBHCI R. Beira Rio, 45, 7o andar - Cj 71, 04548-050 São Paulo – SP, Tel. (55 11) 3849-5034, Fax (55 11) 4081-8727 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: sbhci@sbhci.org.br