Acessibilidade / Reportar erro

Análise da incidência e preditores clínicos e ecocardiográficos do refluxo paraprotético aórtico após o implante de prótese aórtica transcateter

Resumos

INTRODUÇÃO: A incidência de refluxo paraprotético (RPP) parece maior entre os pacientes submetidos a implante de prótese aórtica transcateter e sua potencial associação com aumento da mortalidade tardia tem suscitado preocupação na comunidade científica. Nosso objetivo foi avaliar a incidência e o impacto clínico e estabelecer preditores do RPP em nossa casuística. MÉTODOS: Entre julho de 2009 e fevereiro de 2013, 112 pacientes foram submetidos a implante de prótese aórtica transcateter. O grau do RPP pós-procedimento foi avaliado segundo os critérios do VARC 2. Dividiu-se a população em grupo RPP ausente/RPP discreto e grupo RPP moderado/RPP grave. RESULTADOS: A média da idade foi de 82,5 ± 3,9 anos, 58,9% eram do sexo feminino e o EuroSCORE logístico foi de 23,6 ± 13,4. Houve queda do gradiente sistólico médio (54,7 ± 15,3 mmHg vs. 11,7 ± 4 mmHg; P < 0,01) e ganho da área valvar aórtica (0,66 ± 0,15 cm² vs. 1,8 ± 0,3 cm²; P < 0,01). Ao final do procedimento, 46,4% não apresentaram RPP, e RRP discreto ou moderado foi observado em 42% e 11,6% dos pacientes. Nenhum paciente apresentou RPP grave. A análise multivariada identificou sexo masculino [odds ratio (OR) 5,85, intervalo de confiança (IC] 1,29-26,7; P = 0,022), valvoplastia aórtica percutânea prévia (OR 18,44, IC 2,30-147,85; P = 0,006), fração de ejeção < 35% (OR 4,160, IC 1,014-17,064; P = 0,048) e presença de hipertensão pulmonar grave (OR 7,649, IC 1,86-31,51; P = 0,005) como preditores independentes de RPP moderado/grave. CONCLUSÕES: A incidência de RPP moderado/grave foi baixa e comparável à de outras casuísticas. Sexo masculino, antecedente de valvoplastia aórtica percutânea prévia, presença de hipertensão pulmonar grave e disfunção ventricular esquerda grave foram preditores independentes dessa complicação.

Insuficiência da valva aórtica; Estenose da valva aórtica; Cateteres cardíacos; Implante de prótese de valva cardíaca


BACKGROUND: The incidence of paravalvular aortic regurgitation (PAR) seems higher among patients submitted to transcatheter aortic valve implantation and its potential association with an increased late mortality has raised concerns in the scientific community. Our objective was to evaluate the incidence and clinical impact of PAR and establish PAR predictors in our patient population. METHODS: Between July/2009 and February/2013, 112 patients were submitted to transcatheter aortic valve implantation. The degree of PAR after the procedure was assessed according to the VARC 2 criteria. The population was divided into no/mild PAR group and moderate/severe PAR group. RESULTS: Mean age was 82.5 ± 3.9 years, 58.9% were female and the logistic EuroSCORE was 23.6 ± 13.4. There was a decrease in the mean systolic gradient (54.7 ± 15.3 mmHg vs 11.7 ± 4 mmHg; P < 0.01) and a gain in the aortic valve area (0.66 ± 0.15 cm² vs 1.8 ± 0.3 cm²; P < 0.01). At the end of the procedure 46.4% did not have PAR, and mild or moderate PAR was observed in 42% and 11.6% of the patients. No patient presented severe PAR. Multivariate analysis identified male gender [odds ratio (OR) 5.85, confidence interval (CI] 1.29-26.7; P = 0.022), previous percutaneous aortic valvuloplasty (OR 18.44, CI 2.30-147.85; P = 0.006), ejection fraction < 35% (OR 4.160, CI 1.014-17.064; P = 0.048) and the presence of severe pulmonary hypertension (OR 7.649, CI 1.86-31.51; P = 0.005) as independent predictors of moderate/severe PAR. CONCLUSIONS: The incidence of moderate/severe PAR was low and comparable to other studies. Male gender, history of prior percutaneous aortic valvuloplasty, presence of severe pulmonary hypertension and severe left ventricular dysfunction were independent predictors of this complication.

Aortic valve insufficiency; Aortic valve stenosis; Cardiac catheters; Heart valve prosthesis implantation


ARTIGO ORIGINAL

Análise da incidência e preditores clínicos e ecocardiográficos do refluxo paraprotético aórtico após o implante de prótese aórtica transcateter

Sebastián LluberasI; Dimytri SiqueiraII; J. Ribamar Costa Jr.III; Alexandre AbizaidIV; Auristela RamosV; David Le BihanVI; Rodrigo BarretoVII; Jorge AssefVIII; Magaly ArraisIX; Manuel CanoX; Adriana MoreiraXI; Antônio KambaraXII; Ibraim PintoXIII; Tiago SenraXIV; Mercedes MaldonadoXV; Amanda G. M. R. SousaXVI; J. Eduardo SousaXVII

IMédico residente do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

IIDoutor. Médico do Serviço de Cardiologia Invasiva do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

IIIDoutor. Chefe da Seção Médica de Intervenção Coronária do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

IVLivre-docente. Diretor do Serviço de Cardiologia Invasiva do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

VDoutora. Chefe da Seção Médica de Valvopatias do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

VIMédico da Seção Médica de Ecocardiografia do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

VIIDoutor. Chefe da Seção Médica de Ecocardiografia do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

VIIIDoutor. Diretor do Serviço de Cardiologia Não-Invasiva do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

IXDoutora. Cirurgiã cardiovascular membro do Centro de Intervenções em Doenças Estruturais do Coração do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

XDoutor. Médico assistente do Setor de Cardiologia Intervencionista do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

XICardiologista intervencionista do Hospital do Coração - Associação do Sanatório Sírio. São Paulo, SP, Brasil

XIIDoutor. Chefe da Seção Médica de Radiologia do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

XIIIDoutor. Chefe da Seção Médica de Tomografia do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

XIVMédico do Setor de Tomografia Computadorizada Cardiovascular do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

XVMédica da Seção Médica de Ecocardiografia do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

XVILivre-docente. Diretora Geral do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

XVIILivre-Docente. Diretor do Centro de Intervenções em Doenças Estruturais do Coração do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: J. Eduardo Sousa Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 - Ibirapuera São Paulo, SP, Brasil - CEP 04012-180 E-mail: jesousa@uol.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: A incidência de refluxo paraprotético (RPP) parece maior entre os pacientes submetidos a implante de prótese aórtica transcateter e sua potencial associação com aumento da mortalidade tardia tem suscitado preocupação na comunidade científica. Nosso objetivo foi avaliar a incidência e o impacto clínico e estabelecer preditores do RPP em nossa casuística.

MÉTODOS: Entre julho de 2009 e fevereiro de 2013, 112 pacientes foram submetidos a implante de prótese aórtica transcateter. O grau do RPP pós-procedimento foi avaliado segundo os critérios do VARC 2. Dividiu-se a população em grupo RPP ausente/RPP discreto e grupo RPP moderado/RPP grave.

RESULTADOS: A média da idade foi de 82,5 ± 3,9 anos, 58,9% eram do sexo feminino e o EuroSCORE logístico foi de 23,6 ± 13,4. Houve queda do gradiente sistólico médio (54,7 ± 15,3 mmHg vs. 11,7 ± 4 mmHg; P < 0,01) e ganho da área valvar aórtica (0,66 ± 0,15 cm2 vs. 1,8 ± 0,3 cm2; P < 0,01). Ao final do procedimento, 46,4% não apresentaram RPP, e RRP discreto ou moderado foi observado em 42% e 11,6% dos pacientes. Nenhum paciente apresentou RPP grave. A análise multivariada identificou sexo masculino [odds ratio (OR) 5,85, intervalo de confiança (IC] 1,29-26,7; P = 0,022), valvoplastia aórtica percutânea prévia (OR 18,44, IC 2,30-147,85; P = 0,006), fração de ejeção < 35% (OR 4,160, IC 1,014-17,064; P = 0,048) e presença de hipertensão pulmonar grave (OR 7,649, IC 1,86-31,51; P = 0,005) como preditores independentes de RPP moderado/grave.

CONCLUSÕES: A incidência de RPP moderado/grave foi baixa e comparável à de outras casuísticas. Sexo masculino, antecedente de valvoplastia aórtica percutânea prévia, presença de hipertensão pulmonar grave e disfunção ventricular esquerda grave foram preditores independentes dessa complicação.

Descritores: Insuficiência da valva aórtica. Estenose da valva aórtica. Cateteres cardíacos. Implante de prótese de valva cardíaca.

ABSTRACT

BACKGROUND: The incidence of paravalvular aortic regurgitation (PAR) seems higher among patients submitted to transcatheter aortic valve implantation and its potential association with an increased late mortality has raised concerns in the scientific community. Our objective was to evaluate the incidence and clinical impact of PAR and establish PAR predictors in our patient population.

METHODS: Between July/2009 and February/2013, 112 patients were submitted to transcatheter aortic valve implantation. The degree of PAR after the procedure was assessed according to the VARC 2 criteria. The population was divided into no/mild PAR group and moderate/severe PAR group.

RESULTS: Mean age was 82.5 ± 3.9 years, 58.9% were female and the logistic EuroSCORE was 23.6 ± 13.4. There was a decrease in the mean systolic gradient (54.7 ± 15.3 mmHg vs 11.7 ± 4 mmHg; P < 0.01) and a gain in the aortic valve area (0.66 ± 0.15 cm2 vs 1.8 ± 0.3 cm2; P < 0.01). At the end of the procedure 46.4% did not have PAR, and mild or moderate PAR was observed in 42% and 11.6% of the patients. No patient presented severe PAR. Multivariate analysis identified male gender [odds ratio (OR) 5.85, confidence interval (CI] 1.29-26.7; P = 0.022), previous percutaneous aortic val­vuloplasty (OR 18.44, CI 2.30-147.85; P = 0.006), ejection fraction < 35% (OR 4.160, CI 1.014-17.064; P = 0.048) and the presence of severe pulmonary hypertension (OR 7.649, CI 1.86-31.51; P = 0.005) as independent predictors of moderate/severe PAR.

CONCLUSIONS: The incidence of moderate/severe PAR was low and comparable to other studies. Male gender, history of prior percutaneous aortic valvuloplasty, presence of severe pulmonary hypertension and severe left ventricular dysfunction were independent predictors of this complication.

Descriptors: Aortic valve insufficiency. Aortic valve stenosis. Cardiac catheters. Heart valve prosthesis implantation.

Nos últimos anos, o implante de prótese aórtica transcateter tornou-se o tratamento de escolha para os pacientes com estenose aórtica grave sintomática considerados inoperáveis1 e uma alternativa efetiva nos pacientes com alto risco cirúrgico.2

No entanto, a incidência de refluxo paraprotético (RPP) parece ser maior entre os pacientes submetidos a implante de prótese aórtica transcateter que após a cirurgia de substituição valvular aórtica,1,2 e sua potencial associação com aumento da mortalidade tardia3 tem suscitado preocupação na comunidade científica internacional, sendo o RPP considerado o "tendão de Aquiles" do implante de prótese aórtica transcateter.4

O presente estudo tem como objetivo avaliar a incidência, a gravidade e o impacto clínico do RPP em pacientes submetidos a implante de prótese aórtica transcateter em duas instituições do Estado de São Paulo, bem como tentar estabelecer os preditores clínicos e ecocardiográficos desse grave problema.

MÉTODOS

Casuística e procedimento

Neste estudo retrospectivo foram incluídos todos os pacientes com estenose aórtica grave, sintomáticos e considerados de alto risco cirúrgico/inoperáveis submetidos a implante de prótese aórtica transcateter no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia e no Hospital do Coração da Associação do Sanatório Sírio entre junho de 2009 e fevereiro de 2013.

Como parte da avaliação pré-intervenção, os pacientes foram submetidos a angiotomografia computadorizada de coração, aorta e ilíacas, cinecoronariografia e ecocardiografia transtorácica. A partir dos resultados desses exames e após discussão com o heart team local era escolhida a via de acesso bem como estabelecidos o tipo e o diâmetro da prótese a ser implantada. Três tipos de prótese foram utilizados: CoreValve® (Medtronic, Minneapolis, Estados Unidos), por via transfemoral, transubclávia ou transaórtica; SAPIEN XT™ (Edwards Lifesciences, Irvine, Estados Unidos), por via transfemoral ou transapical; e Acurate TF™ (Symetis Inc., Genebra, Suíça), por via transfemoral.

Todos os procedimentos foram realizados sob anestesia geral e guiados por ecocardiografia transesofágica. Após a cateterização do ventrículo esquerdo, realizou-se valvoplastia aórtica com balão nos casos em que foram utilizadas as próteses SAPIEN XT™ e Acurate TF™ ou quando necessário, nos casos em que se utilizou a prótese CoreValve®. A seguir, procedeu-se o implante da endoprótese. A realização de pós-dilatação ficou a critério do operador.

Definições

As variáveis clínicas pré-intervenção seguiram as definições publicadas pela Society of Thoracic Sur­geons,5 e o risco cirúrgico e as possíveis complicações pós-intervenção foram determinados conforme o cálculo do EuroSCORE logístico.6

Utilizou-se ecocardiografia transtorácica para definir os diâmetros sistólico final e diastólico final do ventrículo esquerdo, a fração de ejeção do ventrículo esquerdo, o diâmetro do anel aórtico, o diâmetro do seio de Valsalva, o diâmetro da aorta ascendente, a área valvar aórtica, os gradientes sistólicos máximo e médio, a gravidade da calcificação da válvula aórtica e a área valvular protética.

O grau do RPP pós-procedimento foi avaliado por meio de ecocardiografia transtorácica, realizada por um dos três experientes ecocardiografistas designados como membros do heart team, e, conforme proposto pelo Valve Academic Research Consortium-2 (VARC 2),7 classificado em RPP discreto, moderado ou grave, utilizando parâmetros semiquantitativos e quantitativos.4,7,8

Dividiu-se a população em dois grupos, de acordo com a ocorrência de RPP pós-procedimento: grupo RPP ausente/RPP discreto e grupo RPP moderado/RPP grave.

Considerou-se sucesso do dispositivo quando uma única prótese foi liberada adequadamente e o resultado final demonstrou ausência de desproporção prótese-paciente, gradiente transvalvar aórtico médio < 20 mmHg, velocidade de pico < 3 m/s e regurgitação aórtica no máximo discreta.7

Análise estatística

As variáveis contínuas estão apresentadas como média e desvio padrão e as variáveis categóricas, como frequências e porcentagens, comparadas, respectivamen­te, pelos testes t de Student e qui-quadrado.

Utilizou-se o modelo de regressão logística de Cox para determinar os preditores independentes de RPP moderado/grave após o implante de prótese aórtica transcateter, incluindo as variáveis com valores de P < 0,2 no modelo univariado.

Os dados foram analisados com o programa SPSS versão 20 (Chicago, Estados Unidos). Valor de P < 0,05 foi considerado estatisticamente significante.

RESULTADOS

Características da população e do procedimento

No período junho de 2009 a fevereiro de 2013, um total de 182 pacientes com estenose aórtica grave sintomática foi avaliado para o implante de prótese aórtica transcateter. Destes, 112 (62%) pacientes foram submetidos a implante de prótese aórtica transcateter no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia (n = 96, 86%) e no Hospital do Coração da Associação do Sanatório Sírio (n = 16, 14%).

As características clínicas e ecocardiográficas de base dos 112 pacientes encontram-se descritas na Tabela 1. A média de idade dos pacientes foi de 82,5 ± 3,9 anos, sendo a maioria (58,9%) do sexo feminino. O EuroSCORE logístico médio foi de 23,6 ± 13,4 e 88 (79%) encontravam-se em classe funcional III-IV da New York Heart Association (NYHA) antes da intervenção.

A via femoral foi utilizada em 91% dos pacientes, seguida pelas vias transapical (6%), transaórtica (2%) e subclávia (1%). A prótese CoreValve® foi utilizada em 76 pacientes (68,8%), ao passo que a Sapien XT™ foi utilizada em 21 (18,8%) e a Acurate TF™, em 15 (13,4%).

O gradiente transaórtico máximo antes do procedimento era de 88 ± 24,3 mmHg e o médio, de 54,7 ± 15,3 mmHg, enquanto a área valvar aórtica média era de 0,66 ± 0,15 cm2. Houve queda do gradiente sistólico médio (pré = 54,7 ± 15,3 mmHg vs. pós = 11,7 ± 4 mmHg; P < 0,01) e ganho da área valvar aórtica (pré = 0,66 ± 0,15 cm2 vs. pós = 1,8 ± 0,3 cm2; P < 0,01) imediatamente após o implante da prótese.

Sucesso do dispositivo foi obtido em 94 pacientes (83,9%). Houve 2 óbitos durante o procedimento (1,8%), e em 5 casos (4,5%) uma segunda prótese teve de ser implantada em decorrência de posicionamento inadequado da primeira.

Imediatamente após o implante da prótese, 38 pacientes (33,9%) precisaram de pós-dilatação para reduzir o RPP, o que ocorreu em dois terços dos pacientes. No final do procedimento, 52 pacientes (46,4%) não apresentaram RPP e 47 (42%) apresentaram RPP discreto, enquanto RPP moderado foi evidenciado em 13 pacientes (11,6%). Nenhum paciente apresentou RPP grave.

Entre os pacientes que evoluíram com RPP moderado/grave, a incidência de valvoplastia aórtica prévia foi maior (23,1% vs. 5,1%; P = 0,049). Adicionalmente, os pacientes desse grupo apresentavam área valvar aórtica menor (0,67 ± 0,15 cm2 vs. 0,59 ± 0,09 cm2; P = 0,007), e fração de ejeção do ventrículo esquerdo também menor (58,2 ± 12,6% vs. 48,6 ± 15,1%; P = 0,013) à ecocardiografia pré-intervenção. Não houve diferença entre os grupos no que se refere a gradiente transaórtico médio, diâmetro do anel aórtico, gravidade da calcificação da válvula aórtica, e incidência de válvula aórtica bicúspide.

Os pacientes dos dois grupos não diferiram quanto ao tipo de prótese utilizada e quanto à quantidade de contraste ou duração do procedimento. A mortalidade geral em 30 dias dos pacientes incluídos neste estudo foi de 14,3%, sem diferença estatística entre os grupos. Após os primeiros 30 dias, a mortalidade por todas as causas, considerando unicamente os pacientes que tiveram alta hospitalar, foi de 9,4%. No seguimento a médio prazo (16 ± 11 meses) não houve diferença na mortalidade entre os grupos (Tabela 2).

A análise multivariada identificou os seguintes preditores independentes de RPP moderado/grave: sexo masculino [odds ratio (OR) 5,85, intervalo de confiança (IC) 1,29-26,7; P = 0,022], valvoplastia aórtica percutânea prévia ao procedimento (OR 18,44, IC 2,30-147,85; P = 0,006), fração de ejeção < 35% (OR 4,160, IC 1,014-17,064; P = 0,048) e presença de hipertensão pulmonar grave (OR 7,649, IC 1,86-31,51; P = 0,005). Nenhuma variável do procedimento se associou à ocorrência dessa complicação.

DISCUSSÃO

O mais importante achado do presente estudo é que, embora a ocorrência de RPP pós-implante de prótese aórtica transcateter seja frequente (53,6%), a maioria é de grau discreto. Nesta casuística, não houve casos de RPP grave e o RPP moderado não resultou em pior desfecho clínico no seguimento a médio prazo.

A incidência de RPP moderado/grave em nossos pacientes (11,6%) foi similar à observada no Placement of Aortic Transcatheter Valve Trial (PARTNER)1,2, estudo randomizado em que a incidência nas coortes A e B foi de 12,2% e 11,8%, respectivamente. No que se refere à elevada incidência de RPP discreto (42%), diversos registros internacionais demonstraram taxas similares.9-11

Especula-se que a elevada incidência de RPP descrita após o implante de prótese aórtica transcateter, causada por uma aposição incompleta da prótese no anel aórtico, possa ser gerada pela heterogeneidade da distribuição do cálcio nos folhetos e no anel valvar ou pela incorreta seleção do diâmetro da prótese, em decorrência da medida do anel valvar inadequada ou da presença de anéis aórticos extremadamente ovais.4,12

Um dos principais preditores de RPP encontrados na literatura é a baixa relação entre o diâmetro da prótese e o diâmetro do anel avaliado pela ecocardiografia (ou cover index).13 Em estudo publicado em 2009, Detaint et al.13 relataram a ausência de RPP moderada/grave nos pacientes com cover index > 8%. Portanto, acredita-se que o superdimensionamento do diâmetro do anel valvar na hora de escolher a prótese poderia ser uma boa medida para evitar o RPP significativo pós-implante. Outra maneira de minimizar a ocorrência dessa complicação seria escolher o diâmetro da prótese com base na tomografia e não na ecocardiografia transtorácica, uma vez que alguns estudos mais recentes têm apontado ser esse método mais acurado em predizer o tamanho do anel e da área valvar.14-16 Atualmente, preconiza-se escolher uma prótese que tenha diâmetro no mínimo 1 mm maior que o diâmetro médio do anel ou área 10% maior que a área do anel valvar medida na tomografia de múltiplos cortes.15 Entretanto, cabe ressaltar que o superdimensionamento da prótese não é isento de riscos, uma vez que pode levar à ruptura do anel.17

Em nossa casuística, o único preditor ecocardiográfico de RPP identificado foi a presença de disfunção ventricular esquerda grave (fração de ejeção do ventrículo esquerdo < 35%). Embora o grau de calcificação dos folhetos e do anel valvar não tenha sido preditor desse evento, cabe lembrar que, neste estudo, a avaliação do cálcio foi feita de forma qualitativa, com base na ecocardiografia transtorácica. Diversos estudos mais recentes têm utilizado o escore de Agatston, definido pela tomografia computadorizada, para avaliar de forma quantitativa o grau de calcificação do aparelho valvar. Nessas séries, o grau de calcificação moderado/elevado, avaliado de forma mais objetiva, surge como preditor independente de RPP significativo.18,19

Atualmente acredita-se que a presença de regurgitação paraprotética pode ter impacto negativo na evolução dos pacientes.3,4,9,10,20,21 Na evolução de 2 anos da coorte A do estudo PARTNER, publicada recentemente,3 o efeito do RPP na mortalidade foi proporcional à gravidade do RPP, e mesmo a presença de RPP discreta associou-se a aumento da mortalidade tardia. Recente metanálise, realizada por Athappan et al.21, demostrou que o RPP moderado ou grave após o implante de prótese aórtica transcateter é frequente (11,7%) e considerado preditor independente de mortalidade imediata (OR 2,95, IC 1,73-5,02) e a longo prazo [hazard ratio (HR) 2,27, IC 95% 1,84-2,81). Esses resultados sugerem que medidas para melhorar o RPP podem levar à melhora da sobrevida de pacientes submetidos a implante de prótese aórtica transcateter. Digno de nota, em nossa casuística não se observou RPP grave, e o RPP moderado não se associou a pior evolução no seguimento a médio prazo.

CONCLUSÕES

Nesta experiência inicial de dois centros nacionais, a incidência de RPP de grau moderado/grave foi relativamente baixa e comparável à de outras casuísticas internacionais. Sexo masculino, histórico de valvoplastia aórtica percutânea prévia, e presença de hipertensão pulmonar grave e disfunção ventricular esquerda grave foram identificados como fatores preditores independentes da ocorrência dessa complicação.

CONFLITO DE INTERESSES

Magaly Arrais é proctor das empresas Medtronic (Minneapolis, Estados Unidos) e Edwards Lifesciences (Irvine, Estados Unidos). Os demais autores declaram não haver conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 1o/3/2013

Aceito em: 6/5/2013

  • 1. Leon MB, Smith CR, Mack M, Miller DC, Moses JW, Svensson LG, et al. Transcatheter aortic-valve implantation for aortic stenosis in patients who cannot undergo surgery. N Engl J Med. 2010;363(17):1597-607.
  • 2. Smith CR, Leon MB, Mack MJ, Miller DC, Moses JW, Svensson LG, et al. Transcatheter versus surgical aortic-valve replacement in high-risk patients. N Engl J Med. 2011;364(23):2187-98.
  • 3. Kodali SK, Williams MR, Smith CR, Svensson LG, Webb JG, Makkar RR, et al. Two-year outcomes after transcatheter or surgical aortic-valve replacement. N Engl J Med. 2012; 366(18):1686-95.
  • 4. Généreux P, Head SJ, Hahn R, Daneault B, Kodali S, Williams MR, et al. Paravalvular leak after transcatheter aortic valve replacement: the new Achilles' heel? A comprehensive review of the literature. J Am Coll Cardiol. 2013;61(11):1125-36.
  • 5. O'Brien SM, Shahian DM, Filardo G, Ferraris VA, Haan CK, Rich JB, et al. The Society of Thoracic Surgeons 2008 cardiac surgery risk models: part 2 isolated valve surgery. Ann Thorac Surg. 2009;88(1 Suppl):S23-42.
  • 6. Nashef SA, Roques F, Michel P, Gauducheau E, Lemeshow S, Salamon R. European system for cardiac operative risk evaluation (EuroSCORE). Eur J Cardiothorac Surg. 1999;16(1):9-13.
  • 7. Kappetein AP, Head SJ, Genereux P, Piazza N, van Mieghem NM, Blackstone EH, et al. Updated standardized endpoint definitions for transcatheter aortic valve implantation: the Valve Academic Research Consortium-2 consensus document. Eur Heart J. 2012;33(19):2403-18.
  • 8. Hahn RT, Pibarot P, Stewart WJ, Weissman NJ, Gopalakrishnan D, Keane MG, et al. Comparison of transcatheter and surgical aortic valve replacement in severe aortic stenosis: a longitudinal study of echo parameters in cohort A of the PARTNER Trial. J Am Coll Cardiol. 2013 Apr 23. [Epub ahead of print]
  • 9. Abdel-Wahab M, Zahn R, Horack M, Gerckens U, Schuler G, Sievert H, et al. Aortic regurgitation after transcatheter aortic valve implantation: incidence and early outcome. Results from the German Transcatheter Aortic Valve Interventions Registry. Heart. 2011;97(11):899-906.
  • 10. Gilard M, Eltchaninoff H, Iung B, Donzeau-Gouge P, Chevreul K, Fajadet J, et al. Registry of transcatheter aortic-valve implantation in high-risk patients. N Engl J Med. 2012;366(18): 1705-15.
  • 11. Moat NE, Ludman P, de Belder MA, Bridgewater B, Cunningham AD, Young CP, et al. Long-term outcomes after transcatheter aortic valve implantation in high-risk patients with severe aortic stenosis: the U.K. TAVI (United Kingdom Transcatheter Aortic Valve Implantation) Registry. J Am Coll Cardiol. 2011;58(20):2130-8.
  • 12. Lerakis S, Hayek SS, Douglas PS. Paravalvular aortic leak after transcatheter aortic valve replacement: current knowledge. Circulation. 2013;127(3):397-407.
  • 13. Detaint D, Lepage L, Himbert D, Brochet E, Messika-Zeitoun D, Iung B, et al. Determinants of significant paravalvular regurgitation after transcatheter aortic valve: implantation impact of device and annulus discongruence. JACC Cardiovasc Interv. 2009;2(9):821-7.
  • 14. Gurvitch R, Webb JG, Yuan R, Johnson M, Hague C, Willson AB, et al. Aortic annulus diameter determination by multidetector computed tomography: reproducibility, applicability, and implications for transcatheter aortic valve implantation. JACC Cardiovasc Interv. 2011;4(11):1235-45.
  • 15. Willson AB, Webb JG, Labounty TM, Achenbach S, Moss R, Wheeler M, et al. 3-dimensional aortic annular assessment by multidetector computed tomography predicts moderate or severe paravalvular regurgitation after transcatheter aortic valve replacement: a multicenter retrospective analysis. J Am Coll Cardiol. 2012;59(14):1287-94.
  • 16. Jabbour A, Ismail TF, Moat N, Gulati A, Roussin I, Alpendurada F, et al. Multimodality imaging in transcatheter aortic valve implantation and post-procedural aortic regurgitation comparison among cardiovascular magnetic resonance, cardiac computed tomography, and echocardiography. J Am Coll Cardiol. 2011;58(21):2165-73.
  • 17. Hayashida K, Bouvier E, Lefèvre T, Hovasse T, Morice MC, Chevalier B, et al. Potential mechanism of annulus rupture during transcatheter aortic valve implantation. Catheter Cardiovasc Interv. 2012 Jun 21. [Epub ahead of print]
  • 18. Koos R, Mahnken AH, Dohmen G, Brehmer K, Günther RW, Autschbach R, et al. Association of aortic valve calcification severity with the degree of aortic regurgitation after transcatheter aortic valve implantation. Int J Cardiol. 2011;150(2): 142-5.
  • 19. Haensig M, Lehmkuhl L, Rastan AJ, Kempfert J, Mukherjee C, Gutberlet M, et al. Aortic valve calcium scoring is a predictor of significant paravalvular aortic insufficiency in transapical-aortic valve implantation. Eur J Cardiothorac Surg. 2012;41(6):1234-40.
  • 20. Sinning JM, Hammerstingl C, Vasa-Nicotera M, Adenauer V, Lema Cachiguango SJ, Scheer AC, et al. Aortic regurgitation index defines severity of peri-prosthetic regurgitation and predicts outcome in patients after transcatheter aortic valve implantation. J Am Coll Cardiol. 2012;59(13):1134-41.
  • 21. Athappan G, Patvardhan E, Tuzcu EM, Svensson LG, Lemos PA, Fraccaro C, et al. Incidence, predictors, and outcomes of aortic regurgitation after transcatheter aortic valve replacement: meta-analysis and systematic review of literature. J Am Coll Cardiol. 2013;61(15):1585-95.
  • Endereço para correspondência:
    J. Eduardo Sousa
    Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 - Ibirapuera
    São Paulo, SP, Brasil - CEP 04012-180
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      01 Mar 2013
    • Aceito
      06 Maio 2013
    Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista - SBHCI R. Beira Rio, 45, 7o andar - Cj 71, 04548-050 São Paulo – SP, Tel. (55 11) 3849-5034, Fax (55 11) 4081-8727 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: sbhci@sbhci.org.br