Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação muito tardia do uso de stents farmacológicos para tratamento de pacientes com lesões em enxertos de veia safena: experiência de uma década do Registro DESIRE

Resumos

INTRODUÇÃO: A intervenção coronária percutânea (ICP) em pontes de safena ainda representa um desafio à cardiologia intervencionista, pelas complicações agudas e pela escassez de dados referentes à efetividade tardia dos stents farmacológicos (SFs). MÉTODOS: Entre maio de 2002 e janeiro de 2013, pacientes submetidos a ICP com SF no Hospital do Coração foram incluídos no Registro DESIRE. Avaliamos os resultados de pacientes submetidos a ICP em pontes de safena (grupo 1), que foram comparados aos submetidos a ICP em vasos nativos (grupo 2). RESULTADOS: De um total de 4.655 pacientes, 311 foram incluídos no grupo 1 e 4.344, no grupo 2. O grupo 1 contou com pacientes mais idosos (68,4 ± 9,7 anos vs. 64 ± 11,2 anos; P < 0,01), com mais pacientes do sexo masculino (87,1% vs. 76,7%; P < 0,01) e com maior incidência de comorbidades. Angina instável foi a apresentação clínica mais frequente nesse grupo. Pacientes do grupo 1 receberam stents de maior calibre (3,18 ± 1,11 mm vs. 2,86 ± 0,43 mm; P < 0,01) e foram submetidos menos frequentemente a pré-dilatação (36,3% vs. 50,7%; P < 0,01) e a pós-dilatação (38,3% vs. 58,4%; P < 0,01). Apresentaram mais infarto agudo do miocárdio não-fatal na fase hospitalar (11,3% vs. 4,1%; P < 0,01) e mais eventos cardiovasculares adversos maiores na fase tardia (32,8% vs. 13,9%; P < 0,01), à custa de óbito cardíaco (7,7% vs. 3,2%; P = 0,02) e de revascularização da lesão-alvo (9% vs. 4,3%; P < 0,01). Trombose definitiva do stent foi mais frequente no grupo 1 (3,5% vs. 1%; P < 0,01). CONCLUSÕES: A despeito do inquestionável benefício dos SFs nos resultados tardios de ICP em pacientes complexos, o tratamento de pacientes com lesões em pontes de safena ainda permanece um desafio, com resultados agudos e tardios menos favoráveis que os de pacientes com lesões em vasos nativos.

Angioplastia; Stents farmacológicos; Veia safena; Ponte de artéria coronária; Reestenose coronária


BACKGROUND: Percutaneous coronary intervention (PCI) in saphenous vein grafts remains a challenge for interventional cardiology, due to acute complications and the lack of data on the late efficacy of drug-eluting stents (DESs). METHODS: Between May 2002 and January 2013, patients undergoing PCI with DES at Hospital do Coração were included in the DESIRE Registry. We evaluated the results of patients undergoing PCI in saphenous vein grafts (group 1), who were compared to those undergoing PCI in native vessels (group 2.) RESULTS: Of a total of 4,655 patients, 311 were included in group 1 and 4,344 in group 2. Group 1 included older patients (68.4 ± 9.7 years vs. 64 ± 11.2 years; P < 0.01), more frequently male (87.1% vs. 76.7%; P < 0.01) with a higher incidence of comorbidities. Unstable angina was the most frequent clinical presentation in this group. Group 1 patients received large caliber stents (3.18 ± 1.11 mm vs. 2.86 ± 0.43 mm; P < 0.01) and were less frequently submitted to pre-dilation (36.3% vs. 50.7%; P < 0.01) and post-dilation (38.3% vs. 58.4%; P < 0.01). They had a higher incidence of non-fatal acute myocardial infarction during hospitalization (11.3% vs. 4.1%; P < 0.01) and late major adverse cardiovascular events (32.8% vs. 13.9%; P < 0.01), at the expense of cardiac death (7.7% vs. 3.2%; P = 0.02) and target-lesion revascularization (9% vs. 4.3%; P < 0.01). Definitive stent thrombosis was more frequent in group 1 (3.5% vs. 1%; P< 0.01). CONCLUSIONS: Despite the unquestionable benefit of DESs in the late outcomes of PCI in complex patients, the treatment of patients with saphenous vein graft lesions remains a challenge, with less favorable acute and late results than in patients with native vessel lesions.

Angioplasty; Drug-eluting stents; Saphenous vein; Coronary artery bypass; Coronary restenosis


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação muito tardia do uso de stents farmacológicos para tratamento de pacientes com lesões em enxertos de veia safena: experiência de uma década do Registro DESIRE

Bruno Palmieri BernardiI; Amanda G. M. R. SousaII; J. Ribamar Costa Jr.III; Adriana MoreiraIV; Ricardo A. da CostaV; Manuel CanoVI; Galo MaldonadoVII; Cantídio Campos NetoVIII; Enilton EgitoIX; Edson RomanoX; Ricardo PavanelloXI; J. Eduardo SousaXII

IMédico cardiologista intervencionista do Hospital do Coração da Associação do Sanatório Sírio. São Paulo, SP, Brasil

IILivre-docente. Médica cardiologista do Hospital do Coração da Associação do Sanatório Sírio. São Paulo, SP, Brasil

IIIDoutor. Médico cardiologista intervencionista do Hospital do Coração da Associação do Sanatório Sírio. São Paulo, SP, Brasil

IVMédica cardiologista intervencionista do Hospital do Coração da Associação do Sanatório Sírio. São Paulo, SP, Brasil

VDoutor. Médico cardiologista intervencionista do Hospital do Coração da Associação do Sanatório Sírio. São Paulo, SP, Brasil

VIDoutor. Médico cardiologista intervencionista do Hospital do Coração da Associação do Sanatório Sírio. São Paulo, SP, Brasil

VIIMédico cardiologista intervencionista do Hospital do Coração da Associação do Sanatório Sírio. São Paulo, SP, Brasil

VIIIEngenheiro programador do Hospital do Coração da Associação do Sanatório Sírio. São Paulo, SP, Brasil

IXMédico cardiologista do Hospital do Coração da Associação do Sanatório Sírio. São Paulo, SP, Brasil

XMédico cardiologista do Hospital do Coração da Associação do Sanatório Sírio. São Paulo, SP, Brasil

XIDoutor. Médico cardiologista do Hospital do Coração da Associação do Sanatório Sírio. São Paulo, SP, Brasil

XIILivre-docente. Chefe do Serviço de Cardiologia Invasiva do Hospital do Coração da Associação do Sanatório Sírio. São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: J. Eduardo Sousa Rua Desembargador Eliseu Guilherme, 147 - Vila Mariana São Paulo, SP, Brasil - CEP 04004-030 E-mail: jesousa@uol.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: A intervenção coronária percutânea (ICP) em pontes de safena ainda representa um desafio à cardiologia intervencionista, pelas complicações agudas e pela escassez de dados referentes à efetividade tardia dos stents farmacológicos (SFs).

MÉTODOS: Entre maio de 2002 e janeiro de 2013, pacientes submetidos a ICP com SF no Hospital do Coração foram incluídos no Registro DESIRE. Avaliamos os resultados de pacientes submetidos a ICP em pontes de safena (grupo 1), que foram comparados aos submetidos a ICP em vasos nativos (grupo 2).

RESULTADOS: De um total de 4.655 pacientes, 311 foram incluídos no grupo 1 e 4.344, no grupo 2. O grupo 1 contou com pacientes mais idosos (68,4 ± 9,7 anos vs. 64 ± 11,2 anos; P < 0,01), com mais pacientes do sexo masculino (87,1% vs. 76,7%; P < 0,01) e com maior incidência de comorbidades. Angina instável foi a apresentação clínica mais frequente nesse grupo. Pacientes do grupo 1 receberam stents de maior calibre (3,18 ± 1,11 mm vs. 2,86 ± 0,43 mm; P < 0,01) e foram submetidos menos frequentemente a pré-dilatação (36,3% vs. 50,7%; P < 0,01) e a pós-dilatação (38,3% vs. 58,4%; P < 0,01). Apresentaram mais infarto agudo do miocárdio não-fatal na fase hospitalar (11,3% vs. 4,1%; P < 0,01) e mais eventos cardiovasculares adversos maiores na fase tardia (32,8% vs. 13,9%; P < 0,01), à custa de óbito cardíaco (7,7% vs. 3,2%; P = 0,02) e de revascularização da lesão-alvo (9% vs. 4,3%; P < 0,01). Trombose definitiva do stent foi mais frequente no grupo 1 (3,5% vs. 1%; P < 0,01).

CONCLUSÕES: A despeito do inquestionável benefício dos SFs nos resultados tardios de ICP em pacientes complexos, o tratamento de pacientes com lesões em pontes de safena ainda permanece um desafio, com resultados agudos e tardios menos favoráveis que os de pacientes com lesões em vasos nativos.

Descritores: Angioplastia. Stents farmacológicos. Veia safena. Ponte de artéria coronária. Reestenose coronária.

ABSTRACT

BACKGROUND: Percutaneous coronary intervention (PCI) in saphenous vein grafts remains a challenge for interventional cardiology, due to acute complications and the lack of data on the late efficacy of drug-eluting stents (DESs).

METHODS: Between May 2002 and January 2013, patients undergoing PCI with DES at Hospital do Coração were included in the DESIRE Registry. We evaluated the results of patients undergoing PCI in saphenous vein grafts (group 1), who were compared to those undergoing PCI in native vessels (group 2.)

RESULTS: Of a total of 4,655 patients, 311 were included in group 1 and 4,344 in group 2. Group 1 included older patients (68.4 ± 9.7 years vs. 64 ± 11.2 years; P < 0.01), more frequently male (87.1% vs. 76.7%; P < 0.01) with a higher incidence of comorbidities. Unstable angina was the most frequent clinical presentation in this group. Group 1 patients received large caliber stents (3.18 ± 1.11 mm vs. 2.86 ± 0.43 mm; P < 0.01) and were less frequently submitted to pre-dilation (36.3% vs. 50.7%; P < 0.01) and post-dilation (38.3% vs. 58.4%; P < 0.01). They had a higher incidence of non-fatal acute myocardial infarction during hospitalization (11.3% vs. 4.1%; P < 0.01) and late major adverse cardiovascular events (32.8% vs. 13.9%; P < 0.01), at the expense of cardiac death (7.7% vs. 3.2%; P = 0.02) and target-lesion revascularization (9% vs. 4.3%; P < 0.01). Definitive stent thrombosis was more frequent in group 1 (3.5% vs. 1%; P< 0.01).

CONCLUSIONS: Despite the unquestionable benefit of DESs in the late outcomes of PCI in complex patients, the treatment of patients with saphenous vein graft lesions remains a challenge, with less favorable acute and late results than in patients with native vessel lesions.

Descriptors: Angioplasty. Drug-eluting stents. Saphenous vein. Coronary artery bypass. Coronary restenosis.

O tratamento de lesões em pontes de safena persiste como um desafio na fase atual da cardiologia intervencionista, dada a maior taxa de complicações agudas e o pior desfecho clínico a longo prazo. Embora os stents farmacológicos (SFs) tenham promovido redução das taxas de reestenose em virtualmente todos os cenários clínicos e angiográficos, impulsionando os resultados da intervenção coronária percutânea (ICP), ainda persistem dúvidas sobre a eficácia e a segurança tardia desses novos dispositivos quando utilizados no tratamento de lesões em pontes de safena.

No presente estudo visamos a apresentar os resultados clínicos hospitalares e bastante tardios de uma coorte consecutiva, não-selecionada, de pacientes com lesões em enxertos de veia safena, tratadas exclusivamente com SF.

MÉTODOS

População do estudo

A partir de maio de 2002, quando da aprovação do primeiro SF para uso clínico no Brasil, iniciou-se, no Hospital do Coração da Associação do Sanatório Sírio (HCor - São Paulo, SP), o Registro Drug Eluting Stents In the REal World (DESIRE), incluindo, consecutiva e prospectivamente, todos os pacientes tratados com pelo menos um SF.

Para a presente análise, utilizamos os pacientes cadastrados em nosso banco de dados até janeiro de 2013, e excluímos pacientes que receberam, no mesmo procedimento, SFs e stents não-farmacológicos (SNFs). Virtualmente todos os cenários clínicos estão representados nesta análise, exceto ICPs primária e de resgate, por entendermos que a inclusão concomitante de enxertos venosos e infarto com supradesnivelamento do segmento ST poderia representar importante viés na interpretação dos resultados, uma vez que é sabido que ambos os cenários se associam a piores desfechos após ICP. Excluímos também os pacientes cuja lesão-alvo era um segmento com reestenose de stent, farmacológico ou não, previamente implantado.

Os pacientes restantes foram então divididos em dois grupos para fins comparativos: grupo 1, pacientes com lesões em enxertos de veia safena; e grupo 2, pacientes com lesões em artérias coronárias nativas.

Terapêutica farmacológica adjunta

Para os pacientes do grupo 1, muitas vezes com lesões em enxertos venosos degenerados ou com significativa carga trombótica, adotamos de rotina em nossa instituição um pré-tratamento antitrombótico mais intenso, incluindo terapia antiplaquetária dupla com ácido acetilsalicílico (AAS, dose de ataque de 500 mg e dose de manutenção de 100 mg por dia) e clopidogrel (dose de ataque de 300-600 mg e dose de manutenção de 75 mg por dia), e heparina de baixo peso molecular (1 mg/kg a cada 12 horas), sempre que possível, por 5 dias a 7 dias antes da ICP. Após o procedimento, o AAS é mantido indefinidamente e o clopidogrel, por pelo menos 12 meses. O grupo controle (grupo 2) recebeu pré-tratamento rotineiro (dose de ataque de AAS de 500 mg e de clopidogrel de 300-600 mg) pelo menos 24 horas antes do procedimento.

O uso de outras medicações, tais como inibidores da glicoproteína IIb/IIIa, e de dispositivos adjuntos, como filtros de proteção distal, e o tipo de SF a ser implantado ficaram a critério de cada operador.

Definições do estudo

Considerou-se sucesso técnico a obtenção de lesão residual < 20%, sem que se verificassem trombos, alterações do fluxo coronário ou dissecções nas bordas da prótese implantada.

Os óbitos foram classificados como cardíacos e não-cardíacos. Óbitos de causas indeterminadas foram considerados cardíacos. Os infartos do miocárdio foram classificados tendo como base as alterações do eletrocardiograma na evolução, a elevação da concentração enzimática [creatina quinase fração MB (CK-MB) > 2 vezes o valor normal] ou ambos os achados.

Todas as reintervenções resultantes de recorrência da lesão dentro do stent implantado no procedimento-índice ou no segmento vascular, que incluía os 5 mm proximais e os 5 mm distais ao stent, foram classificadas como revascularização da lesão-alvo (RLA). Por se tratar de registro de mundo real, todas as reestenoses estavam associadas a recorrência de sintomas e/ou provas funcionais positivas. Outros procedimentos repetidos no mesmo vaso, mas fora do segmento descrito, foram classificados como revascularização da lesão não-alvo.

A trombose do stent foi classificada, de acordo com o proposto pelo Academic Research Consortium, como: definitiva (confirmação angiográfica ou anatomopatológica), provável (morte súbita 30 dias pós-ICP ou infarto relacionado à região da artéria tratada, mesmo sem confirmação angiográfica) e possível (morte súbita > 30 dias pós-ICP). Quanto à classificação temporal, as tromboses protéticas foram divididas em agudas e subagudas (até 30 dias), tardias (31 dias a 360 dias) e muito tardias (> 360 dias).

Durante a hospitalização, todos os pacientes foram submetidos a avaliação eletrocardiográfica e dos marcadores bioquímicos (troponina e CK-MB), em três momentos: antes e após a intervenção, e, quando necessário, na alta hospitalar.

Um banco de dados especialmente dedicado foi desenvolvido, em que constam dados pormenorizados das características clínicas e angiográficas e informações técnicas da intervenção de cada um dos pacientes registrados. Os dados evolutivos hospitalares e os obtidos na fase tardia (1 mês, 6 meses, 12 meses e, a partir de então, anualmente) após o procedimento-índice também foram registrados.

Análise estatística

As variáveis contínuas foram apresentadas como média e desvio padrão. As variáveis categóricas foram apresentadas em números e porcentuais. O teste t de Student foi usado para comparação das médias e o teste qui-quadrado, na comparação entre as proporções.

Valores de P < 0,05 foram considerados indicativos de significância estatística.

RESULTADOS

No período de maio de 2002 a janeiro de 2013, de um total de 4.665 pacientes do Registro DESIRE que preencheram os critérios desse estudo, 311 trataram lesões em pontes de safena (grupo 1) e 4.344 trataram lesões em vasos nativos (grupo 2).

Em relação às características clínicas (Tabela 1), os pacientes do grupo 1 eram mais frequentemente do sexo masculino (87,1% vs. 76,7%; P < 0,01), mais idosos (68,4 ± 9,7 anos vs. 64 ± 11,2 anos; P < 0,01) e com maior incidência de comorbidades, em especial insuficiência renal crônica (17% vs. 8,2%; P < 0,01). A incidência de diabetes melito, no entanto, não diferiu entre os grupos (34,1% vs. 30,3%; P = 0,16). A apresentação clínica inicial mais frequente no grupo 1 foi a síndrome coronária sem supradesnivelamento do segmento ST (44,4% vs. 36,9%). A média de idade dos enxertos venosos foi de 11,3 ± 5,3 anos.

Quanto às características angiográficas e do procedimento (Tabela 2), os pacientes do grupo 1 mostraram maior diâmetro de referência do vaso tratado (3,03 ± 0,68 mm vs. 2,72 ± 0,65 mm; P < 0,01), com igual extensão da lesão (17 ± 8,2 mm vs. 17,6 ± 8,7 mm; P = 0,12). A presença de trombo foi mais frequente nesse grupo (9% vs. 2,6%; P < 0,01). Os procedimentos de pré-dilatação (36,3% vs. 50,7%; P < 0,01) e de pós-dilatação (38,3% vs. 58,4%; P < 0,01) foram menos frequentes no tratamento de lesões em pontes de safena. Filtros de proteção distal foram utilizados em 4,1% dos pacientes do grupo 1.

Seguimento clínico foi obtido em 97% (mediana de seguimento de 4,7 anos). Pacientes com lesões em pontes de safena apresentaram mais infarto agudo do miocárdio não-fatal na fase hospitalar (11,3% vs. 4,1%; P < 0,01), mas sem diferenças nas taxas de óbito (0,3% vs. 0,2%; P = 0,60) ou de revascularização da lesão-alvo de urgência (0 vs. 0,02%; P > 0,99). Na fase tardia, apresentaram mais eventos cardíacos adversos maiores (32,8% vs. 13,9%; P < 0,01), mortalidade cardíaca (7,7% vs. 3,2%; P = 0,02) e nova revascularização da lesão-alvo (9% vs. 4,3%; P < 0,01) (Tabela 3). A incidência de trombose definitiva também foi mais frequente nesse grupo (3,5% vs. 1%; P < 0,01) (Tabela 4).

DISCUSSÃO

Os principais achados deste estudo são: 1) em comparação à ICP em vasos nativos, a abordagem percutânea de pontes de safena, mesmo com SF, realmente tem evolução mais desfavorável, desde a fase hospitalar até o momento mais tardio; 2) o principal evento adverso relacionado à abordagem percutânea de pontes de safena foi a ocorrência de infarto periprocedimento, fato provavelmente relacionado à embolização de debris.

Pacientes com doença obstrutiva em pontes de safena são usualmente mais idosos, têm mais comorbidades e maior risco de eventos adversos quando se submetem a nova cirurgia de revascularização miocárdica.1 Assim sendo, a ICP em pontes de safena passou a ser considerada o método preferencial para tratamento desses pacientes, respondendo por 5% a 10% de todas as ICPs realizadas na prática clínica.2

Embora estudos observacionais e retrospectivos iniciais tenham reportado superioridade dos SFs em reduzir eventos adversos, principalmente reestenose e novas revascularizações, quando comparados com os SNFs em intervenções em enxertos venosos,3,4 dados provenientes de estudos randomizados apresentaram resultados discrepantes. O estudo randomizado Reduc­tion of Restenosis In Saphenous vein grafts with Cypher sirolimus-eluting stent (RRISC), que incluiu 75 pacientes, demonstrou menor perda luminal tardia e menores taxas de reestenose e novas revascularizações aos 6 meses com stents com eluição de sirolimus (SESs) em comparação com o uso de SNFs.5 No entanto, embora sem poder estatístico para avaliação de desfechos clínicos, uma análise post-hoc desse estudo com 3 anos de seguimento reportou taxas semelhantes de revascularização do vaso-alvo entre SESs e SNFs, além de taxa significativamente maior de mortalidade por todas as causas com os SESs, o que levantou questionamentos quanto à segurança tardia da aplicação de SFs para tratamento de enxertos venosos degenerados.

Os achados deste estudo não foram reproduzidos em outras séries posteriores, incluindo o maior estudo randomizado específico para esse cenário, Is drug-elu­ting Stenting Associated with improved Results in Coronary Artery Bypass Grafts (ISAR-CABG), que randomizou 610 pacientes para tratamento de enxertos venosos degenerados com SF ou SNF. A ocorrência do desfecho combinado primário aos 12 meses (morte, infarto ou revascularização da lesão-alvo guiada por isquemia) foi significativamente menor nos pacientes tratados com SF (15% vs. 22%; P = 0,03) que naqueles tratados com SNF. Não houve diferenças significativas entre os grupos quanto à ocorrência de morte, infarto ou trombose dos stents, com a diferença no desfecho primário refletindo redução de aproximadamente 50% no risco relativo de novas revascularizações com o uso dos SFs. Reestudo angiográfico com 6 meses a 8 meses foi realizado em 72% dos pacientes, e revelou que os SFs apresentaram taxas significativamente menores de reestenose binária (15% vs. 29%; P < 0,0001) e de oclusão dos enxertos (6% vs. 12%; P = 0,02).6 Ainda que a princípio as taxas de eventos adversos do Registro DESIRE pareçam relativamente elevadas, é importante notar que a literatura não disponibiliza seguimentos bastante tardios (> 3 anos) para pacientes tratados com SFs em pontes de safena; portanto, torna-se difícil situar nossa experiência no contexto internacional. Entretanto, é sempre importante relembrar a história natural dos enxertos venosos, em que a progressão da doença aterosclerótica ocorre de forma mais acelerada. Ao final de 5 anos, cerca de 20% a 35% dos enxertos encontram-se ocluídos, enquanto ao final de uma década 50% estão ocluídos e cerca da metade dos que se encontram patentes já está doente.7

Nesse contexto tão adverso, 32,7% de ECAM em até 10 anos de seguimento (mediana de 4,7 anos) nos parece favorável, embora acreditemos ser este um dos campos que a cardiologia intervencionista mais necessita progredir nos próximos anos, uma vez que os resultados atuais ainda estão bem aquém dos obtidos no leito nativo.

CONCLUSÕES

A despeito do inquestionável benefício dos SFs nos resultados tardios de ICP em pacientes complexos, o tratamento percutâneo de pacientes com lesões em pontes de safena permanece como um desafio à cardiologia intervencionista, com resultados agudos e tardios menos favoráveis que os dos vasos nativos. Entretanto, é válido mencionar que, até o presente momento, esses instrumentais ainda representam a melhor opção de tratamento percutâneo de lesões em enxertos venosos.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 5/3/2013

Aceito em: 21/5/2013

  • 1. Loop FD, Lytle BW, Cosgrove DM, Woods EL, Stewart RW, Golding LA, et al. Reoperation for coronary atherosclerosis. Changing practice in 2509 consecutive patients. Ann Surg. 1990;212(3):378-85.
  • 2. Lee MS, Park SJ, Kandzari DE, Kirtane AJ, Fearon WF, Brilakis ES, et al. Saphenous vein graft intervention. JACC Cardiovasc Interv. 2011;4(8):831-43.
  • 3. Ge L, Iakovou I, Sangiorgi GM, Chieffo A, Melzi G, Cosgrave J, et al. Treatment of saphenous vein graft lesions with drug-eluting stents: immediate and midterm outcome. J Am Coll Cardiol. 2005;45(7):989-94.
  • 4. Lee MS, Shah AP, Aragon J, Jamali A, Dohad S, Kar S, et al. Drug-eluting stenting is superior to bare metal stenting in saphenous vein grafts. Catheter Cardiovasc Interv. 2005;66(4): 507-11.
  • 5. Vermeersch P, Agostoni P, Verheye S, Van den Heuvel P, Convens C, Bruining N, et al. Randomized double-blind comparison of sirolimus-eluting stent versus bare-metal stent implantation in diseased saphenous vein grafts: six-month angiographic, intravascular ultrasound, and clinical follow-up of the RRISC Trial. J Am Coll Cardiol. 2006;48(12):2423-31.
  • 6. Mehilli J, Pache J, Abdel-Wahab M, Schulz S, Byrne RA, Tiroch K, et al. Drug-eluting versus bare-metal stents in saphenous vein graft lesions (ISAR-CABG): a randomised controlled superiority trial. Lancet. 2011;378(9796):1071-8.
  • 7. Fitzgibbon GM, Kafka HP, Leach AJ, Keon WJ, Hooper GD, Burton JR. Coronary bypass graft fate and patient outcome: angiographic follow-up of 5,065 grafts related to survival and reoperation in 1,388 patients during 25 years. J Am Coll Cardiol. 1996;28(3):616-26.
  • Endereço para correspondência:
    J. Eduardo Sousa
    Rua Desembargador Eliseu Guilherme, 147 - Vila Mariana
    São Paulo, SP, Brasil - CEP 04004-030
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      05 Mar 2013
    • Aceito
      21 Maio 2013
    Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista - SBHCI R. Beira Rio, 45, 7o andar - Cj 71, 04548-050 São Paulo – SP, Tel. (55 11) 3849-5034, Fax (55 11) 4081-8727 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: sbhci@sbhci.org.br