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Implante percutâneo de stent em artérias carótidas e vertebrais: dados do REMAT (Registro Madre Teresa)

Resumos

INTRODUÇÃO: O acidente vascular encefálico (AVE) é a principal causa de morbidade e mortalidade no Brasil. Entre 10% e 30% dos AVEs estão associados à doença carotídea e 8%, à artéria vertebral. O tratamento endovascular das lesões extracranianas é alternativa à endarterectomia. Analisamos os resultados e avaliamos os preditores de eventos adversos em pacientes submetidos a angioplastia carotídea e vertebral com implante de stents. MÉTODOS: Incluídos assintomáticos com lesão > 70% ou sintomáticos com lesão > 50% em artérias carótidas e sintomáticos com lesão > 70% em artérias vertebrais. Avaliamos desfecho primário, definido como a incidência combinada de morte relacionada ou não ao procedimento, AVE maior, AVE menor ou infarto agudo do miocárdio (IAM). RESULTADOS: Realizadas 224 intervenções com implante de stents em 199 pacientes consecutivos, com predomínio do sexo masculino (73,9%), idade de 69,8 ± 9,9 anos e 37,7% eram diabéticos. Pacientes sintomáticos representaram cerca de dois terços dos casos e as lesões mais tratadas foram as lesões de novo (96,4%). As artérias carótidas internas esquerda (46%) e direita (44,6%) foram os vasos mais abordados. Desfecho combinado primário ocorreu em 5%, mortalidade relacionada ao procedimento em 1%, mortalidade não-relacionada ao procedimento em 1%, AVE menor em 1,5% e IAM em 1,5%. Pacientes com antecedente de doença arterial coronária mostraram chance de apresentar desfecho primário 4 vezes maior [odds ratio (OR) 4,32, intervalo de confiança de 95% (IC 95%) 1,09-17,21; P = 0,038]. CONCLUSÕES: Em nosso estudo obtivemos alto índice de sucesso e baixa ocorrência de eventos adversos, que demonstram a segurança e a eficácia do implante percutâneo de stent em artérias carótidas e vertebrais.

Acidente vascular cerebral; Artérias carótidas; Estenose das carótidas; Angioplastia; Stents


BACKGROUND: Stroke remains the leading cause of morbidity and mortality in Brazil. Epidemiological data suggest that 10% to 30% of all strokes are due to atherosclerotic carotid artery disease and 8% due to vertebral artery disease. Endovascular treatment of extracranial lesions is an alternative to endarterectomy. We evaluated the results and predictors of adverse events in patients undergoing carotid and vertebral artery stenting. METHODS: Asymptomatic patients with lesion > 70% or symptomatic patients with lesions > 50% in carotid arteries and symptomatic patients with lesion > 70% in vertebral arteries were included. We evaluated the primary endpoint, defined as the composite incidence of death (procedural or non-procedural), major stroke, minor stroke or myocardial infarction (MI). RESULTS: Two hundred and twenty-four interventions with stenting were performed in 199 consecutive patients with a prevalence of males (73.9%), 69.8 ± 9.9 years of age and 37.7% were diabetics. Symptomatic patients represented about two thirds of the cases and the most commonly treated lesions were de novo lesions (96.4%). The left (46%) and right (44.6%) internal carotid arteries were the most commonly approached vessels. Composite primary endpoint was observed in 5% of the patients, procedure-related mortality in 1%, non-procedure related mortality in 1%, minor stroke in 1.5% and MI in 1.5%. Patients with a history of coronary artery disease had a 4-fold probability of presenting the primary endpoint [odds ratio (OR) 4.32, 95% confidence interval (CI 95%) 1.09-17.21); P = 0.038]. CONCLUSIONS: In our study we obtained a high success rate and had a low rate of adverse events, demonstrating the safety and efficacy of percutaneous stent implantation in the carotid and vertebral arteries.

Stroke; Carotid arteries; Carotid stenosis; Angioplasty; Stents


ARTIGO ORIGINAL

Implante percutâneo de stent em artérias carótidas e vertebrais: dados do REMAT (Registro Madre Teresa)

Ronald de SouzaI; Mauro Isolani PenaII; Alexandre Von Sperling de VasconcelosIII; Roberto José de Queiroz CrepaldiIV; Walter RabeloV; Roberto Luiz MarinoVI; Marcos Antonio MarinoVII

IMédico especializando do Serviço de Cardiologia Invasiva do Hospital Madre Teresa. Belo Horizonte, MG, Brasil

IIMédico cardiologista intervencionista do Serviço de Cardiologia Invasiva do Hospital Madre Teresa. Belo Horizonte, MG, Brasil

IIIMédico cardiologista intervencionista do Serviço de Cardiologia Invasiva do Hospital Madre Teresa. Belo Horizonte, MG, Brasil

IVMédico cardiologista intervencionista do Serviço de Cardiologia Invasiva do Hospital Madre Teresa. Belo Horizonte, MG, Brasil

VMédico cardiologista, coordenador do Serviço de Cardiologia Clínica e Unidade Coronariana do Hospital Madre Teresa. Belo Horizonte, MG, Brasil

VIMédico cardiologista, diretor do Serviço de Cardiologia Clínica e Unidade Coronariana do Hospital Madre Teresa. Belo Horizonte, MG, Brasil

VIIMédico cardiologista intervencionista, diretor do Serviço de Hemo­dinâmica e Cardiologia Invasiva do Hospital Madre Teresa. Belo Horizonte, MG, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Ronald de Souza Av. Raja Gabaglia, 1.002 - Bairro Gutierrez Belo Horizonte, MG, Brasil - CEP 30380-090 E-mail: souza.ronald@cardiol.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: O acidente vascular encefálico (AVE) é a principal causa de morbidade e mortalidade no Brasil. Entre 10% e 30% dos AVEs estão associados à doença carotídea e 8%, à artéria vertebral. O tratamento endovascular das lesões extracrania­nas é alternativa à endarterectomia. Analisamos os resultados e avaliamos os preditores de eventos adversos em pacientes submetidos a angioplastia carotídea e vertebral com implante de stents.

MÉTODOS: Incluídos assintomáticos com lesão > 70% ou sintomáticos com lesão > 50% em artérias carótidas e sintomáticos com lesão > 70% em artérias vertebrais. Avaliamos desfecho primário, definido como a incidência combinada de morte relacionada ou não ao procedimento, AVE maior, AVE menor ou infarto agudo do miocárdio (IAM).

RESULTADOS: Realizadas 224 intervenções com implante de stents em 199 pacientes consecutivos, com predomínio do sexo masculino (73,9%), idade de 69,8 ± 9,9 anos e 37,7% eram diabéticos. Pacientes sintomáticos representaram cerca de dois terços dos casos e as lesões mais tratadas foram as lesões de novo (96,4%). As artérias carótidas internas esquerda (46%) e direita (44,6%) foram os vasos mais abordados. Desfecho combinado primário ocorreu em 5%, mortalidade relacionada ao procedimento em 1%, mortalidade não-relacionada ao procedimento em 1%, AVE menor em 1,5% e IAM em 1,5%. Pacientes com antecedente de doença arterial coronária mostraram chance de apresentar desfecho primário 4 vezes maior [odds ratio (OR) 4,32, intervalo de confiança de 95% (IC 95%) 1,09-17,21; P = 0,038].

CONCLUSÕES: Em nosso estudo obtivemos alto índice de sucesso e baixa ocorrência de eventos adversos, que demonstram a segurança e a eficácia do implante percutâneo de stent em artérias carótidas e vertebrais.

Descritores: Acidente vascular cerebral. Artérias carótidas. Estenose das carótidas. Angioplastia. Stents.

ABSTRACT

BACKGROUND: Stroke remains the leading cause of morbidity and mortality in Brazil. Epidemiological data suggest that 10% to 30% of all strokes are due to atherosclerotic carotid artery disease and 8% due to vertebral artery disease. Endovascular treatment of extracranial lesions is an alternative to endarterectomy. We evaluated the results and predictors of adverse events in patients undergoing carotid and vertebral artery stenting.

METHODS: Asymptomatic patients with lesion > 70% or symptomatic patients with lesions > 50% in carotid arteries and symptomatic patients with lesion > 70% in vertebral arteries were included. We evaluated the primary endpoint, defined as the composite incidence of death (procedural or non-procedural), major stroke, minor stroke or myocardial infarction (MI).

RESULTS: Two hundred and twenty-four interventions with stenting were performed in 199 consecutive patients with a prevalence of males (73.9%), 69.8 ± 9.9 years of age and 37.7% were diabetics. Symptomatic patients represented about two thirds of the cases and the most commonly treated lesions were de novo lesions (96.4%). The left (46%) and right (44.6%) internal carotid arteries were the most commonly approached vessels. Composite primary endpoint was observed in 5% of the patients, procedure-related mortality in 1%, non-procedure related mortality in 1%, minor stroke in 1.5% and MI in 1.5%. Patients with a history of coronary artery disease had a 4-fold probability of presenting the primary endpoint [odds ratio (OR) 4.32, 95% confidence interval (CI 95%) 1.09-17.21); P = 0.038].

CONCLUSIONS: In our study we obtained a high success rate and had a low rate of adverse events, demonstrating the safety and efficacy of percutaneous stent implantation in the carotid and vertebral arteries.

Descriptors: Stroke. Carotid arteries. Carotid stenosis. Angioplasty. Stents.

O acidente vascular encefálico (AVE) permanece como a terceira causa de morte nos países industrializados e a principal causa de incapacidade em adultos.1 Nos Estados Unidos, estima-se que ocorram 795 mil AVEs por ano, gerando custos diretos e indiretos no tratamento das vítimas de AVE de aproximadamente 68,9 bilhões de dólares anualmente.1,2 No Brasil, estima-se que ocorram 250 mil AVEs por ano, constituindo a primeira causa de morbidade e mortalidade na população.3

A doença cerebrovascular extracraniana é importante causa de AVE e ataque isquêmico transitório (AIT).4,5 Dados epidemiológicos sugerem que 10% a 30% dos AVEs são decorrentes de doença arterial carotídea e 8% estão associados ao território da artéria vertebral. A causa mais frequente é a aterosclerose, mas também estão presentes displasia fibromuscular, necrose cística da média, arterite e dissecção. O AVE e o AIT podem surgir como consequência de vários mecanismos que têm origem na placa aterosclerótica, como embolia de trombo formado sobre a placa aterosclerótica, redução do fluxo de uma placa estenótica ou oclusiva, ate­roembolismo e dissecção ou hematoma subintimal.1

O tratamento endovascular das obstruções das artérias carótida e vertebral é uma técnica em constante desenvolvimento e é alternativa à endarterectomia na prevenção de eventos isquêmicos cerebrais. Nos últimos anos, com a evolução de cateteres, stents e dispositivos de proteção cerebral, tem-se buscado ampliar as indicações da angioplastia nos territórios carotídeo e vertebral, minimizando os riscos relacionados ao procedimento. As evidências que apoiam o implante de stent nas artérias carótidas vs. endarterectomia vêm de estudos como o Stenting and Angioplasty with Protection in Patients at High Risk for Endarterectomy Trial (SAPPHIRE)6,7 e o Carotid Revascularization Endarterectomy vs Stenting Trial (CREST)8,9, demonstrando resultados comparáveis aos do tratamento cirúrgico. Contudo, em relação à angioplastia em artérias vertebrais, as evidências são escassas. O único estudo randomizado que comparou os tratamentos endovascular vs. clínico em artérias vertebrais,1 o Carotid And Vertebral Artery Transluminal Angioplasty Study (CAVATAS)10, não evidenciou diferença significativa nos desfechos entre os dois grupos de pacientes.

Nosso objetivo foi avaliar os resultados e determinar os preditores de eventos clínicos adversos nos pacientes submetidos a angioplastia carotídea e vertebral com implante de stents em nosso serviço.

MÉTODOS

Pacientes

No período entre janeiro de 2006 e janeiro de 2012, foram realizadas 225 intervenções, com 226 implantes de stent em artérias carótidas ou vertebrais, em 200 pacientes consecutivos admitidos no Serviço de Hemo­dinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Madre Teresa (Belo Horizonte, MG, Brasil). Foram incluídos no estudo pacientes de ambos os sexos, com idade > 18 anos, sintomáticos nos últimos 6 meses com lesão > 50% em artéria carótida ipsilateral, assintomáticos com lesão > 70% em artéria carótida ou sintomáticos nos últimos 6 meses com lesão > 70% em artéria vertebral. Um paciente com diagnóstico de pseudoaneurisma da artéria carótida interna esquerda, no qual foi utilizado stent recoberto, foi excluído da análise para garantir homogeneidade da amostra, obtendo-se, na casuística final, 224 intervenções em 199 pacientes.

Este estudo está em adequação com a Declaração de Helsinque e foi aprovado pelo Comitê de Ética da instituição.

Procedimento e protocolo de angioplastia

Todos os procedimentos foram realizados eletivamente no Laboratório de Hemodinâmica do Hospital Madre Teresa. Todos os pacientes receberam aspirina na dose de 100 mg/dia e clopidogrel na dose de 75 mg/dia, iniciados pelo menos quatro dias antes do procedimento. Aspirina foi mantida indefinidamente e clopidogrel foi mantido por pelo menos 30 dias após a intervenção.

As intervenções foram realizadas pelo acesso arterial femoral em todos os pacientes, sob anestesia local, com a técnica de Seldinger, utilizando-se introdutores 6 F ou 7 F. A anticoagulação foi realizada com a administração de 100 U/kg de heparina não-fracionada, objetivando atingir tempo de coagulação ativada entre 250-300 segundos. Foi evitado o uso de sedativos para não prejudicar a avaliação neurológica do paciente durante o procedimento. Os cateteres-guias empregados na maior parte dos procedimentos foram JR4 ou AL1, e foram utilizadas bainhas longas hidrofílicas.

Os implantes de stent nas artérias carótidas e vertebrais foram realizados de acordo com as diretrizes atuais, por cardiologistas intervencionistas experientes e com formação em procedimentos não-coronários, titulados pela Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista (SBHCI). Em todos os procedimentos carotídeos foi empregado filtro de proteção embólica distal. A pré-dilatação das lesões carotídeas foi empregada somente nas lesões suboclusivas e calcificadas. Após posicionamento e liberação da endoprótese, foi administrada atropina endovenosa na dose de 0,5 mg a 1 mg, e realizada a pós-dilatação, na maioria dos casos com insuflação do balão para expansão completa da endoprótese. Foram utilizados os stents Precise, BX Velocity/Sonic, Presillion e Palmaz-Genesis (Cordis Endovascular, Miami Lakes, Estados Unidos), Wallstent, Liberté e Express (Boston Scientific, Natick, Estados Unidos), Protegé (ev3 Endovascular Inc., Plymouth, Estados Unidos), Multi-link Ultra e Xact (Abbott Vascular, Abbott Park, Estados Unidos), e Dynamic (Biotronik Corporation, Berlim, Alemanha).

Nas angioplastias de artérias vertebrais foi utilizada técnica semelhante à empregada nas artérias coronárias, realizando-se pré-dilatação nas lesões complexas e implante de stent coronário ou periférico, dependendo do calibre da artéria.

Angiografia de controle final e da circulação cerebral foi realizada em todos os pacientes. Após a confirmação do sucesso angiográfico, o procedimento era encerrado e o paciente encaminhado à Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Na ausência de intercorrências, os pacientes eram liberados para enfermaria ou apartamento, recebendo alta hospitalar no dia seguinte e orientados quanto ao retorno em um mês com o médico assistente do hospital e/ou serviço de hemodinâmica para o seguimento clínico.

Desfechos e definições

Os eventos neurológicos foram definidos como: AIT, qualquer déficit neurológico revertido nas primeiras 24 horas pós-procedimento, não resultando em dano neurológico residual, incluindo amaurose fugaz; AVE menor, novo evento neurológico que resultou em discreta diminuição das funções neurológicas, não incapacitante ou com sequelas neurológicas mínimas; e AVE maior, com dano neurológico estabelecido, incapacitante e/ou que somasse > 9 pontos na National Institutes of Health Stroke Scale (NIHSS).4,9,12

O diagnóstico de infarto agudo do miocárdio foi baseado em elevação dos marcadores de necrose miocárdica (CK-MB ou troponina) duas vezes o limite superior da normalidade, solicitados quando o paciente apresentasse sinais e sintomas compatíveis com isquemia miocárdica ou alterações isquêmicas à eletrocardiografia, realizada rotineiramente na UTI.9,13

O sucesso angiográfico foi definido como lesão residual < 30% pela angiografia quantitativa, na ausência de trombos ou dissecções. O sucesso do procedimento foi definido como sucesso angiográfico na ausência de AIT, AVE menor ou maior ou morte relacionada ao procedimento.

No período de acompanhamento, avaliamos um desfecho clínico primário, definido como a incidência combinada de morte relacionada ou não ao procedimento, AVE maior, AVE menor ou infarto agudo do miocárdio. Também avaliamos um desfecho clínico secundário, definido como a ocorrência combinada de AIT/amaurose fugaz, sangramento significativo com necessidade de transfusão sanguínea ou bradicardia com necessidade de marca-passo temporário.

Análise estatística

A tabulação dos dados foi realizada pelo programa Microsoft Excel. Para a análise estatística utilizou-se o programa STATA versão 12.0.

Os resultados descritivos foram obtidos utilizando frequências e porcentagens para as variáveis categóricas e medidas de tendência central (média e mediana) e medidas de dispersão (desvio padrão) para as quantitativas.

A análise univariada foi realizada para verificar a associação das variáveis clínicas e angiográficas com os desfechos primário e secundário. Todas as variáveis com valor de P < 0,20 na análise univariada foram incluídas no modelo inicial da análise multivariada utilizando-se a regressão logística, por meio do critério foward, isto é, com inclusão das variáveis no modelo uma a uma, das mais significativas para as menos significativas. Permaneceram no modelo final as variáveis em nível de significância < 5%. Para verificar a adequação do modelo utilizou-se o teste Hosmer-Lemeshow.

RESULTADOS

Nosso registro demonstrou, em relação às características clínicas, população predominantemente masculina (73,9%), com idade variando de 38 a 90 anos, com média de idade de 69,8 ± 9,9 anos, sendo 37,7% diabéticos e 9,6% portadores de insuficiência renal. À admissão, cerca de dois terços (68,8%) dos pacientes eram sintomáticos, sendo 44,7% com AVE e 24,1% com AIT prévios, e a minoria demonstrava sopro carotídeo (6%). As lesões mais frequentemente tratadas foram as lesões de novo (96,4%), sendo também abordadas lesões reestenóticas pós-endarterectomia, lesões actínicas, dissecção após trauma e arterite de Takayasu (Tabela 1).

O grau de estenose da lesão-alvo foi de, em média, 74,8 ± 9,5%, sendo mais frequentemente tratadas as lesões de 70% a 89%, correspondendo a 80,8% dos pacientes. Além disso, 26,8% dos pacientes apresentavam lesão > 70% em vaso contralateral ao vaso-alvo, sendo 12,5% delas oclusões totais. A artéria carótida interna esquerda foi o vaso mais abordado (46%), seguido da artéria carótida interna direita (44,6%), da artéria vertebral esquerda (3,6%), da artéria carótida comum esquerda (3,1%), da artéria carótida comum direita (2,2%) e da artéria vertebral direita (0,5%). Em todos os procedimentos obteve-se sucesso angiográfico e o sucesso clínico foi de 95,1% (Tabela 2).

Nas 224 intervenções utilizaram-se 225 endopróteses. Na maioria dos implantes o stent Precise (n = 106) foi a escolha, seguido do Wallstent (n = 100) e do stent Liberté (n = 8), utilizados nas artérias vertebrais. As demais endopróteses utilizadas foram os stents Express (n = 3), Presillion (n = 2), BX Velocity/Sonic (n = 1), Palmaz-Genesis (n = 1), Protegé (n = 1), Multi-link Ultra (n = 1), Xact (n = 1) e Dynamic (n = 1). Em um dos pacientes foi necessário o implante de 2 stents durante a mesma intervenção, um Wallstent em overlapping com stent Precise na artéria carótida interna direita para tratar lesão segmentar.

O período de acompanhamento foi, em média, de 2,2 ± 7,5 meses, sendo 70,1% dos pacientes acompanhados até 1 mês, 20,5% até 6 meses, e 9,4% por 12 meses ou mais. A incidência do desfecho combinado primário foi de 5%, com mortalidade relacionada ao procedimento de 1%, mortalidade não-relacionada ao procedimento em 1%, AVE menor em 1,5% e infarto agudo do miocárdio em 1,5%. Não ocorreu AVE maior. AIT/amaurose fugaz e sangramento significativo com necessidade de transfusão sanguínea ocorreram em 3% e 4,5%, respectivamente. A taxa combinada de desfechos primário e secundário foi de 12,6%. Não foram observadas complicações no acesso arterial femoral requerendo intervenção cirúrgica. Não ocorreu bradicardia sintomática ou prolongada requerendo marca-passo temporário (Tabela 3).

A análise multivariada elucidou preditores independentes de eventos adversos (Tabela 4). Nota-se que os procedimentos cujos pacientes apresentavam doença arterial coronária mostraram chance de apresentar desfecho primário quatro vezes maior [odds ratio (OR) 4,32, intervalo de confiança de 95% (IC 95%) 1,09-17,21; P = 0,038]. Além disso, sexo feminino (OR 3,74, IC 95% 1,13-12,35; P = 0,03), história familiar de acidente vascular encefálico (OR 8,04, IC 95% 1,20-53,83; P = 0,032) e insuficiência renal (OR 9,53, IC 95% 2,54-35,63; P = 0,001) foram preditores do desfecho secundário. Nos procedimentos cujos pacientes apresentavam história familiar de acidente vascular encefálico (OR 5,50, IC 95% 1,15-26,36; P = 0,033) e insuficiência renal (OR 6,16, IC 95% 2,11-17,97; P = 0,001] ocorreu maior chance de apresentar desfechos primário ou secundário combinados. Neste registro não se evidenciou associação entre a presença ou não de sintomas pré-procedimento em relação aos desfechos primário ou secundário.

DISCUSSÃO

Os dados apresentados neste estudo transversal, observacional e clínico revelam aspectos relevantes acerca do perfil e da evolução dos pacientes submetidos a implante percutâneo de stent em artérias carótidas e vertebrais em um centro de saúde filantrópico, terciário, referência no tratamento das doenças cardiovasculares de alta complexidade na região metropolitana de Belo Horizonte, MG.

Verifica-se que as informações referentes às características clínicas da população examinada, incluindo idade, sexo e fatores de risco tradicionais para aterosclerose, são concordantes com as observadas em outros estudos.6-10 Observamos também elevada proporção de pacientes sintomáticos (68,8%) e com lesão do vaso-alvo > 70% à admissão, perfil esperado dos candidatos à intervenção.6,14,15 Em relação à abordagem da população especial de pacientes, como os portadores de reestenose pós-endarterectomia, de lesões após irradiação cervical ou ainda de arterites inflamatórias, a intervenção permanece um desafio, já que em tais lesões há intensa fibrose, que pode dificultar a expansão da endoprótese. Séries de casos relatam maior dificuldade para endarterectomia, com maior segurança do implante percutâneo de stent nesse grupo de pacientes apesar da maior taxa de reestenose.1,16 O uso de stent em dissecções é reservado para pacientes sintomáticos que não respondam à anticoagulação.1 Nossos dados angiográficos são análogos a trabalhos já publicados.6-10,17,18 No CREST8,9, todavia, a taxa de oclusão do vaso contralateral ao vaso-alvo foi de 2,7%, enquanto em nosso estudo a proporção de oclusão total do vaso contralateral foi de 12,5%.

Quanto à análise dos desfechos, nota-se elevado índice de sucesso clínico (95,1%) e baixo porcentual de eventos clínicos adversos, fato provavelmente atribuído à experiência dos cardiologistas intervencionistas também com as intervenções cerebrovasculares, visto que a curva de aprendizado adquirida com o volume de procedimentos influencia decisivamente nos resultados da intervenção percutânea no território cerebrovascular.6-9,19 Cabe ressaltar as baixas taxas de eventos clínicos adversos no período de seguimento em relação a outros trabalhos.6-9,20 Em nosso registro a porcentagem de desfechos primários (morte/AVE/infarto agudo do miocárdio) correspondeu a 5%. Nos estudos SAPPHIRE6,7 e CREST8,9 no período periprocedimento, a incidência de eventos adversos primários nos pacientes submetidos a angioplastia foi de 4,4% e 5,2%, respectivamente.

Visto que o AVE é a principal causa de mortalidade no Brasil e grande parte dos AVEs é atribuída à doença aterosclerótica carotídea e vertebral, seu tratamento pode reduzir as sequelas incapacitantes e o risco de óbito, oferecendo maior expectativa e melhor qualidade de vida ao paciente. Sob o ponto de vista da política social, a intervenção oportuna no curso da estenose carotídea e vertebral representaria o resgate de uma parcela da população usuária dos serviços de atendimento primário e secundário em saúde, bem como redução de custos para a sociedade contribuinte, haja vista que a aterosclerose no território cerebrovascular faz parte de um continuum, no qual o avanço da doença tem relação direta com o envelhecimento da população.1 Estima-se que, em 2025, o Brasil terá um contingente de mais de 30 milhões de pessoas com mais de 60 anos de idade, constituindo a sétima população de idosos do mundo,21 o que representará alguns milhares de vítimas de AVE que necessitarão de assistência médica.

Diante da magnitude do problema no Brasil, observa-se a pouca atenção das autoridades em relação às políticas públicas de prevenção do AVE e na organização do sistema de saúde. As taxas de AVE em nosso País são superiores às dos países desenvolvidos e às dos países da América do Sul, sendo ainda considerada a quarta maior taxa entre todos os países da América Latina.22,23 Dados epidemiológicos, no entanto, sugerem tendência de redução da taxa de mortalidade por AVE no Brasil nos últimos anos.23 As possíveis causas da redução da taxa de mortalidade relacionada ao AVE são o controle dos fatores de risco, as melhorias nas condições socioeconômicas da população, a evolução dos métodos diagnósticos e a incorporação dos procedimentos de alta tecnologia, como a angioplastia, no território cerebrovascular pelo Sistema Único de Saúde.

O tratamento endovascular das obstruções das artérias carótidas e vertebrais é uma técnica em constante aperfeiçoamento e constitui uma alternativa à endarterectomia na prevenção de eventos isquêmicos cerebrais. Se as evidências a respeito da angioplastia nas artérias vertebrais ainda são escassas, nos últimos anos, com a evolução de cateteres, stents e dispositivos de proteção cerebral, ampliaram-se as indicações da angioplastia no território carotídeo, minimizando os riscos relacionados ao procedimento. As evidências que apoiam a angioplastia carotídea vs. endarterectomia estão baseadas nos resultados dos grandes registros e de estudos clínicos randomizados, como o SAPPHIRE6,7 e o CREST8,9, o que possibilitou a consolidação do implante percutâneo de stent nas artérias carótidas como classe de recomendação I, nível de evidência B, para pacientes sintomáticos com estenose > 50% a 99% e classe de recomendação IIb, nível de evidência B, em pacientes assintomáticos com estenose > 70% a 99% segundo a última diretriz norte-americana, elaborada por uma força-tarefa multidisciplinar.1

Limitações do estudo

São limitações deste estudo a análise retrospectiva dos dados, sua realização em um único centro e o curto período de acompanhamento após a alta hospitalar. A análise multivariada detectou os prováveis preditores independentes de eventos adversos; todavia, em decorrência da amplitude dos intervalos de confiança, consequente à baixa frequência dos eventos analisados, pouco se pode afirmar a respeito da força de associação entre as variáveis e os desfechos analisados.

CONCLUSÕES

Neste registro retrospectivo, verificou-se alto índice de sucesso e baixa ocorrência de eventos adversos em pacientes submetidos a implantes percutâneos de stent em artérias carótidas e vertebrais. Nossos resultados indicam que o procedimento pode ser realizado com segurança e eficácia desde que corretamente indicado, com técnica adequada e realizado por intervencionistas qualificados e em centros terciários.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

AGRADECIMENTO

Agradecemos à Profa. Dra. Viviane Santuari Parisotto Marino, pelo apoio e pela presença na realização deste manuscrito.

Recebido em: 1o/3/2013

Aceito em: 20/5/2013

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  • Endereço para correspondência:
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      01 Mar 2013
    • Aceito
      20 Maio 2013
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