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Infarto agudo do miocárdio por dissecção espontânea de artérias coronárias: série de cinco casos

Resumos

Relatamos série de 5 pacientes internados por síndrome coronária aguda, entre 2008 e 2010, nos quais a cinecoronariografia evidenciou dissecção coronária espontânea. A dissecção coronária espontânea é uma causa rara de infarto do miocárdio, mais comumente observada em indivíduos jovens e sem histórico de doenças cardiovasculares. O manejo ideal é incerto, principalmente pela limitada experiência clínica com essa entidade. A ultrassonografia intracoronária é uma ferramenta útil tanto para o diagnóstico da dissecção coronária espontânea como para guiar o tratamento percutâneo.

Síndrome coronariana aguda; Infarto do miocárdio; Vasos coronários; Angioplastia; Stents


We report a series of five patients hospitalized due to acute coronary syndrome, from 2008 to 2010, in whom coronary angiography showed spontaneous coronary dissection. Spontaneous coronary artery dissection is a rare cause of acute myocardial infarction, most commonly seen in young individuals with no history of cardiovascular disease. The optimal management is uncertain, especially due to the limited clinical experience with this entity. Intravascular ultrasound is a useful tool to diagnose spontaneous coronary artery dissection as well as to guide percutaneous therapy.

Acute coronary syndrome; Myocardial infarction; Coronary vessels; Angioplasty; Stents


RELATO DE CASO

Infarto agudo do miocárdio por dissecção espontânea de artérias coronárias - série de cinco casos

Roberto Ramos BarbosaI; Fábio Salerno RinaldiII; J. Ribamar Costa Jr.III; Fausto FeresIV; Alexandre AbizaidV; Amanda G. M. R. SousaVI; J. Eduardo SousaVII

IMestrando. Médico cardiologista intervencionista do Instituto de Cardiologia do Espírito Santo. Vitória, ES, Brasil

IIMédico cardiologista intervencionista da Santa Casa de Marília. Marília, SP, Brasil

IIIDoutor. Médico cardiologista intervencionista do Serviço de Cardiologia Invasiva do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

IVDoutor. Médico cardiologista intervencionista do Serviço de Cardiologia Invasiva do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

VLivre-docente. Diretor do Serviço de Cardiologia Invasiva do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

VILivre-docente. Diretora geral do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

VIILivre-docente. Diretor do Centro de Intervenções em Doenças Estruturais do Coração do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Roberto Ramos Barbosa Av. Marechal Campos, 1.579 - Santa Cecília Vitória, ES, Brasil - CEP 29043-260 E-mail: roberto.rb@cardiol.br

RESUMO

Relatamos série de 5 pacientes internados por síndrome coronária aguda, entre 2008 e 2010, nos quais a cinecoronariografia evidenciou dissecção coronária espontânea. A dissecção coronária espontânea é uma causa rara de infarto do miocárdio, mais comumente observada em indivíduos jovens e sem histórico de doenças cardiovasculares. O manejo ideal é incerto, principalmente pela limitada experiência clínica com essa entidade. A ultrassonografia intracoronária é uma ferramenta útil tanto para o diagnóstico da dissecção coronária espontânea como para guiar o tratamento percutâneo.

Descritores: Síndrome coronariana aguda. Infarto do miocárdio. Vasos coronários. Angioplastia. Stents.

ABSTRACT

We report a series of five patients hospitalized due to acute coronary syndrome, from 2008 to 2010, in whom coronary angiography showed spontaneous coronary dissection. Spontaneous coronary artery dissection is a rare cause of acute myocardial infarction, most commonly seen in young individuals with no history of cardiovascular disease. The optimal management is uncertain, especially due to the limited clinical experience with this entity. Intravascular ultrasound is a useful tool to diagnose spontaneous coronary artery dissection as well as to guide percutaneous therapy.

Descriptors: Acute coronary syndrome. Myocardial infarction. Coronary vessels. Angioplasty. Stents.

A dissecção coronária espontânea é uma entidade rara, usualmente encontrada na literatura sob a forma de relatos de casos isolados, que geralmente acomete pacientes jovens e/ou do sexo feminino.1 Na maioria dos casos, estão ausentes os fatores de risco clássicos para doença aterosclerótica coronária (DAC). Por se tratar de uma enfermidade pouco estudada, sua etiologia permanece pouco conhecida. Pode provocar o óbito em até 40% dos casos, geralmente nos primeiros dias do quadro.2 O prognóstico e a abordagem terapêutica permanecem incertos.

Apesar de ocorrer geralmente em artérias sem doença aterosclerótica obstrutiva à angiografia, a dissecção coronária espontânea pode estar relacionada com a reação inflamatória na camada média dos vasos, principalmente iniciada por autoanticorpos produzidos durante a gravidez ou nas primeiras semanas posteriores ao parto3, como resultado de síndrome de anticorpos antifosfolipídeos ou de modificação do metabolismo da matriz extracelular.4 Portanto, uma disfunção endotelial parece ser a base fisiopatológica da dissecção coronária espontânea.

Relatamos uma série de 5 casos de infarto agudo do miocárdio (IAM) com ou sem supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST e IAMSSST, respectivamente), internados no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia entre janeiro de 2008 e fevereiro de 2011, nos quais a cineangiocoronariografia evidenciou ou foi sugestiva de dissecção coronária espontânea.

RELATO DOS CASOS

Caso 1

Paciente do sexo masculino, 41 anos de idade, sem fatores de risco para DAC, procurou atendimento médico em decorrência de quadro de dor torácica anginosa típica em repouso. Eletrocardiograma (ECG) à admissão demonstrou supradesnivelamento de ST < 1 mm em parede inferior. ECGs subsequentes não demonstraram alterações em relação ao ECG de admissão. Observou-se elevação discreta de marcadores de necrose miocárdica. Cintilografia de perfusão miocárdica foi realizada na presença de dor torácica e mostrou hipoperfusão, sugerindo isquemia em parede inferior (Figura 1A). O paciente foi submetido a estratificação invasiva 6 horas após a admissão hospitalar. Cineangiocoronariografia evidenciou dissecção espontânea em terço proximal de coronária direita, com estenose de 70% em seu ponto mais crítico (Figura 1B). As demais coronárias não apresentavam lesões. Após a injeção de contraste e aquisição de imagem para a coronária direita, o paciente apresentou parada cardiorrespiratória em fibrilação ventricular, prontamente revertida com desfibrilação bifásica com 200 J. Houve também lentificação do fluxo na coronária direita. Optou-se pela intervenção coronária percutânea (ICP) com stent não-farmacológico para coronária direita (Figura 1C), que foi realizada com sucesso (Figura 1D). O seguimento clínico de 34 meses demonstrou evolução sem eventos cardíacos adversos. O paciente encontra-se em uso de ácido acetilsalicílico (AAS) e sinvastatina.



Caso 2

Paciente do sexo feminino, 37 anos de idade, puérpera, sem fatores de risco para DAC, procurou atendimento médico com quadro de precordialgia típica, de leve intensidade, porém mantida horas após episódio de dor mais intensa. Instituído tratamento clínico otimizado com melhora completa da dor. Foi transferida para o Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia com hipótese diagnóstica de IAMSSST. Manteve-se estável hemodinamicamente. ECG demonstrou onda Q patológica em parede inferior, sem supradesnivelamento de ST (30 horas após o episódio de precordialgia intensa). Cineangiocoronariografia foi realizada 3 dias após e evidenciou imagem sugestiva de dissecção espontânea em terço médio de coronária direita, sem lesão obstrutiva significativa, e com fluxo distal normal (Figura 2A). As demais coronárias não mostravam lesões; ventriculografia esquerda demonstrou acinesia de parede ínfero-médio-basal. Optou-se pela realização de ultrassonografia intracoronária (USIC) para coronária direita, a qual confirmou a dissecção coronária, evidenciando flap intimal (Figura 2B) e hematoma da parede do vaso (Figura 2C). Em decorrência da estabilidade clínica da paciente, do tempo prolongado de evolução do evento (IAMCSST) e da acinesia do segmento ventricular envolvido sem sinais de viabilidade, optou-se por não realizar ICP, sendo mantido tratamento clínico. Seguimento clínico de 29 meses demonstrou evolução sem eventos cardíacos adversos. A paciente encontra-se em uso de AAS, atenolol e atorvastatina.


Caso 3

Paciente do sexo masculino, 34 anos de idade, sem fatores de risco para DAC, admitido em outro serviço com quadro de dispneia leve, aproximadamente 24 horas após episódio de precordialgia mal caracterizada. Foi transferido para o Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia com hipótese diagnóstica de IAMCSST em parede anterior, com apresentação tardia. Manteve-se estável hemodinamicamente e sem dor torácica. ECG demonstrou onda Q patológica em parede anterior extensa, com supradesnivelamento de ST de 2 mm (6 dias após o episódio de precordialgia). Cineangiocoronariografia foi realizada 8 dias após o início do quadro, e evidenciou imagem sugestiva de dissecção espontânea em terço proximal de artéria descendente anterior, com moderada redução de calibre nesse segmento e fluxo distal normal (Figura 3A). As demais coronárias não mostravam lesões. Ventriculografia esquerda demonstrou acinesia de parede anterior e discinesia apical (Figura 3B). Não foi realizado USIC. Em decorrência da estabilidade clínica do paciente, do tempo prolongado de evolução do evento e da acinesia do segmento ventricular envolvido, optou-se por não realizar ICP, sendo mantido tratamento clínico. Seguimento clínico de 18 meses demonstrou evolução sem eventos cardía­cos adversos. Ecocardiograma evidenciou acinesia da parede ântero-septal e discinesia apical do ventrículo esquerdo, com fração de ejeção do ventrículo esquerdo de 35%. O paciente encontra-se em classe funcional II e não necessitou de hospitalizações por insuficiência cardíaca nesse período. Está em uso regular de carvedilol, enalapril, espironolactona, AAS e sinvastatina.


Caso 4

Paciente do sexo feminino, 24 anos de idade, sem fatores de risco para DAC, deu entrada no pronto-socorro com quadro de precordialgia típica, de forte intensidade, acompanhada de tontura e náuseas, com irradiação para membro superior esquerdo, e duração de 2 horas. ECG demonstrou supradesnivelamento de ST em parede inferior. A paciente foi então encaminhada ao laboratório de hemodinâmica para possível ICP primária. Cineangiocoronariografia demonstrou estreitamento súbito e regular na transição do terço proximal para o terço médio da coronária direita, e o segmento distal da coronária permaneceu com calibre reduzido, porém conservando o fluxo epicárdico (Figura 4A). Não havia doença obstrutiva na coronária esquerda. Ao final do procedimento diagnóstico, a paciente mencionou significativo alívio da dor. USIC foi realizado para a coronária direita, demonstrando luz dupla de longa extensão, com evidência de hematoma na falsa luz (Figura 4A). Em decorrência da estabilidade clínica da paciente, da melhora da dor naquele momento, e da dificuldade de se delimitar a extensão da dissecção coronária, optou-se por não realizar ICP, sendo mantido tratamento clínico. ECG de admissão na Unidade Coronária demonstrou retorno do segmento ST ao nível basal, e a evolução clínica foi satisfatória. Um mês após o evento, a paciente se submeteu a tomografia computadorizada de coronárias, que confirmou a resolução da dissecção e a recuperação do diâmetro da luz em toda a extensão da coronária direita (Figura 4B). Seguimento clínico de 14 meses demonstrou evolução sem eventos cardíacos adversos, em uso regular de AAS.


Caso 5

Paciente do sexo feminino, 43 anos de idade, tabagista, admitida com quadro de dor torácica com duração de 8 horas. ECG à admissão demonstrou inversão de onda T na parede anterior, e houve elevação de marcadores de necrose miocárdica. Cineangiocoronariografia evidenciou nítida imagem de dissecção espontânea no tronco de coronária esquerda, com extensão da dissecção até o terço médio da artéria circunflexa, com lentificação do fluxo distal nesse vaso. Após injeção de contraste e aquisição de imagem da coronária esquerda, houve extensão da dissecção para descendente anterior, com estenose de 90% em seu ponto mais crítico (Figura 5). Não havia lesões significativas na coronária direita. A paciente manteve-se hemodinamicamente estável, com dor torácica discreta. Imediatamente, iniciou-se administração de nitroglicerina endovenosa, e a equipe de cirurgia cardíaca foi acionada. Cirurgia de revascularização miocárdica foi realizada no mesmo dia, em caráter de urgência, com colocação de enxerto de artéria mamária interna esquerda para descendente anterior e enxerto de veia safena para o primeiro ramo marginal da circunflexa. No pós-operatório imediato, observou-se sangramento aumentado pelos drenos mediastinal e pleural esquerdo, e houve necessidade de reabordagem cirúrgica para controle do sangramento. A paciente manteve-se em estado crítico após a reoperação, com dificuldade de desmame de drogas vasoativas, e houve piora do quadro de choque, com supradesnivelamento de ST em parede anterior, ocorrendo óbito no segundo dia do pós-operatório.


DISCUSSÃO

Estando diante de paciente jovem com diagnóstico de IAM, sem fatores de risco para DAC e com coronariografia que não demonstre lesões obstrutivas graves, é imperioso aventar a possibilidade de doença coronária não-aterosclerótica, como vasoespasmo coronário, síndrome de Takotsubo e dissecção coronária espontânea. Esta última, por sua vez, embora tenha causas pouco conhecidas, pode estar associada a fenômenos autoimunes de gravidez e puerpério, síndrome de anticorpos antifosfolipídeos e displasia fibromuscular.5 Entretanto, como em muitos casos não há identificação clínica de nenhum desses fatores, presume-se que haja algum mecanismo de disfunção endotelial ainda não totalmente compreendido que leve à dissecção coronária espontânea.

Os 5 casos descritos ilustram bem a apresentação clínica e a dúvida diagnóstica que envolve a dissecção coronária espontânea. Muitas vezes a apresentação clínica se dá tardiamente, pela descrença tanto de pacientes e familiares como dos médicos acerca do diagnóstico de síndrome coronária aguda (SCA). O baixo risco clínico dos pacientes, que geralmente são jovens e não possuem os fatores de risco clássicos para DAC, tende a retardar o atendimento inicial e as condutas invasivas, como a coronariografia.

No caso 2, uma vez que se tratava de paciente em fase puerperal, após a alta hospitalar foi realizada investigação para síndrome de anticorpos antifosfolipídeos, a qual não se confirmou, restando o diagnóstico presuntivo de fenômeno autoimune relacionado à gravidez e ao puerpério. A paciente do caso 4 revelou estar em uso de anovulatório (contraceptivo oral), o que poderia ou não se relacionar com o evento cardíaco; contudo, não foi possível estabelecer com precisão uma relação causal do medicamento com a dissecção coronária espontânea. No caso 5, supõe-se que o tabagismo tenha contribuído para a disfunção endotelial, que culminou com a dissecção coronária espontânea; porém, na ausência de métodos comprobatórios para essa associação, tal hipótese permanece no campo especulativo. Nos demais casos, nenhuma doença ou fator foram claramente identificados como determinante da dissecção coronária espontânea, na fase aguda do evento ou em investigação clínica posterior. Portanto, como é comumente visto nesses casos, nenhuma etio­logia foi de fato confirmada laboratorialmente e associada à dissecção coronária espontânea nos casos relatados, o que seria interessante para o seguimento terapêutico e para estudos futuros.

Todos os espectros da SCA podem estar presentes como apresentação clínica da dissecção coronária espontânea, incluindo morte súbita (até 50% dos casos, geralmente por envolvimento do tronco de coronária esquerda), na qual o diagnóstico, na maioria das vezes, é feito por necropsia, com documentação angiográfica limitada.6 O diagnóstico clínico e angiográfico dessa entidade pode estar subestimado, pois na maioria dos casos não se lança mão de ferramentas diagnósticas valiosas como o USIC ou a tomografia de coerência óptica, preferindo-se intervir nas lesões coronárias estenóticas ou simplesmente afastar DAC na ausência dessas lesões, sem a busca de uma causa subjacente para o quadro clínico apresentado. O aspecto angiográfico, apesar de sugestivo, pode não evidenciar claramente a dissecção coronária, que deve ser considerada quando há, em conjunto com as características clínicas descritas, redução de calibre súbita e significativa, obstrução com bordas lisas e sem aspecto de doença aterosclerótica nas coronárias ou linha de dissecção, com ou sem luz falsa.

Condição mais frequentemente encontrada em mulheres, a dissecção coronária espontânea apresenta-se numa proporção de 3 para 1 em relação aos homens, sendo 25% a 31% dos casos observados durante a gestação ou período puerperal.2 No sexo feminino, as dissecções ocorrem predominantemente na artéria coronária esquerda (87%), em geral acometendo mulheres jovens e sem fatores de risco clássicos. Os homens, por sua vez, costumam ser acometidos numa faixa etária um pouco mais tardia e, algumas vezes, com presença de fatores de risco para DAC, com envolvimento da coronária direita em 67% dos casos. De maneira geral, a descendente anterior é afetada em 75% dos casos; a coronária direita, em 20%; a circunflexa, em 4%; e o tronco de coronária esquerda, em menos de 1% dos casos.7 Observa-se forte associação da dissecção coronária espontânea com a gestação, o puerpério e o uso de anticoncepcionais orais.8 Durante a gravidez, podem ocorrer alterações patológicas na parede arterial em decorrência de fragmentação de fibras reticulares, hipertrofia de células musculares lisas, e alterações nos conteúdos de mucopolissacárides e composição de pro­teínas, levando ao enfraquecimento de sua parede e, por fim, sua ruptura durante o trabalho de parto ou após.6

O plano vascular onde a dissecção espontânea ocorre com maior frequência é o terço externo da túnica média ou entre a média e a adventícia.6 Achados histológicos em estudos post-mortem têm evidenciado presença de infiltrado inflamatório, principalmente eosinofílico, na túnica adventícia dos vasos em 25% a 40% dos pacientes que morreram por dissecção coronária espontânea. Proteases liberadas por eosinófilos podem promover reações proteolíticas nas paredes vasculares, podendo contribuir para dissecção.

Por causa de seu caráter raro, o melhor tratamento para a dissecção coronária espontânea ainda não está determinado, e pode variar conforme a apresentação clínica, considerando-se a persistência ou o alívio dos sintomas de isquemia, o estado hemodinâmico do paciente, a anatomia coronária e a extensão da dissecção, o número de vasos envolvidos e o fluxo coronário distal. Apesar de não haver evidências científicas robustas, o USIC pode ser uma ferramenta de grande utilidade nos casos de dissecção coronária espontânea, confirmando o diagnóstico e mensurando sua extensão.9

Nos pacientes clinicamente estáveis, especialmente quando o fluxo coronário é restabelecido, pode-se considerar uma abordagem médica conservadora, tendo em vista a alta incidência de cura espontânea da dissecção e a baixa incidência de eventos adversos a longo prazo. O uso de nitratos e bloqueadores dos canais de cálcio pode reduzir o espasmo local e a progressão da dissecção, os betabloqueadores podem ser utilizados para minimizar as forças hemodinâmicas, e os antiplaquetários podem prevenir a agregação plaquetária e, portanto, a formação de trombos intramurais. O uso de fibrinolíticos é controverso neste cenário - embora a dissolução dos trombos intramurais possa parecer, inicialmente, um benefício atraente, o uso desses fármacos pode causar a propagação da dissecção.10 Buys et al.11 relataram o caso de uma mulher de 31 anos admitida com SCA causada por dissecção coronária espontânea, na qual, após uso de terapia trombolítica, houve agravamento da hemorragia na falsa luz e extensão da dissecção. Os dados atuais disponíveis não são suficientes para definir o papel dos agentes antitrombóticos e dos inibidores de glicoproteína IIb/IIIa nesses casos.

Nos pacientes clinicamente instáveis ou com sintomas isquêmicos persistentes, deve ser considerada uma abordagem mais invasiva, possivelmente com uma estratégia de reperfusão, que é mais propensa a oferecer melhor perspectiva de sobrevivência. A ICP deve ser a primeira opção nas dissecções com envolvimento de um único vaso, especialmente quando não há acometimento de toda sua extensão. Muitas vezes é necessário o implante de mais de um stent para tratar a dissecção, e não há benefícios comprovados dos stents farmacológicos em relação aos convencionais nessas circunstâncias. O implante do stent visa a selar o flap da íntima, para reexpandir a luz verdadeira. Cuidado especial deve ser adotado para minimizar o risco de obstrução dos hematomas intramurais presentes na luz falsa, pois a exclusão da mesma pode comprimir o hematoma, deslocando-o até a borda proximal ou distal do stent, perpetuando a dissecção.10 Além disso, a possibilidade de se ter um guia na luz falsa deve ser completamente descartada antes de se expandir o stent. O USIC pode ter grande utilidade para esclarecer a situação, e sua utilização está recomendada para avaliar a expansão do stent e a aposição das hastes à parede do vaso, e também para evitar o ingresso na luz falsa.9

A cirurgia de revascularização miocárdica apresen­ta elevada mortalidade nesse cenário (até 33%), e deve ser reservada para as dissecções que envolvem o tronco de coronária esquerda ou múltiplos vasos. Contudo, a cirurgia de revascularização miocárdica pode ser tecnicamente difícil, uma vez que a dissecção pode se estender mais distalmente que o evidenciado pela angiografia, dificultando a decisão sobre o posicionamento do enxerto. Além disso, a dissecção pode, posteriormente, se estender para as partes distais dos vasos revascularizados, comprometendo o resultado cirúrgico,6 sendo este o provável evento adverso que a paciente do caso 5 experimentou, culminando com seu óbito no período pós-operatório.

Apesar da recomendação de se individualizar a estratégia terapêutica, os resultados a longo prazo para os sobreviventes de dissecção coronária espontânea são, em geral, animadores, com baixas taxas de recorrência do evento (no mesmo vaso ou em outro). Contudo, ainda não está estabelecida a melhor forma de acompanhamento desses pacientes nem a melhor conduta para se prevenir novos episódios.

Em geral, conclui-se que a dissecção coronária espontânea é uma causa pouco frequente de SCA, que acomete geralmente indivíduos jovens, e cujo manejo ideal é incerto, em parte pela limitada experiência clínica com essa entidade. O USIC é uma ferramenta diagnóstica útil, especialmente nos casos em que a dissecção não é vista claramente na coronariografia, e pode também guiar e otimizar o tratamento percutâneo.12 Em vigência de instabilidade hemodinâmica ou elétrica ou de persistência da dor torácica, uma estratégia de revascularização miocárdica deve ser considerada, tendo em vista a gravidade da apresentação clínica geralmente observada.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 29/1/2013

Aceito em: 27/4/2013

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  • Endereço para correspondência:
    Roberto Ramos Barbosa
    Av. Marechal Campos, 1.579 - Santa Cecília
    Vitória, ES, Brasil - CEP 29043-260
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      29 Jan 2013
    • Aceito
      27 Abr 2013
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