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Valvuloplastia aórtica por cateter balão na estenose aórtica degenerativa: impacto terapêutico em pacientes em condição clínica in extremis

Resumos

INTRODUÇÃO: A valvuloplastia aórtica por cateter balão (VAB) é utilizada como estratégia paliativa em pacientes inelegíveis tanto para troca valvar cirúrgica quanto para implante valvar aórtico transcateter, ou como ponte para essas modalidades de tratamento. Não se sabe o impacto terapêutico da VAB quando realizada como medida de salvamento para pacientes em condições clínicas extremas (in extremis). MÉTODOS: Foram analisados pacientes com estenose aórtica grave de etiologia degenerativa submetidos à VAB entre julho de 2008 e janeiro de 2013. Os pacientes foram divididos entre o grupo in extremis (definido pela presença de duas ou mais das seguintes disfunções orgânicas: ventilação mecânica, instabilidade hemodinâmica, terapia renal dialítica, coagulopatia ou disfunção hepática graves) e o grupo controle, que incluiu os demais pacientes. RESULTADOS: Um total de 19 pacientes realizaram VAB no período. A condição clínica in extremis esteve presente em 42,1%. Os pacientes do grupo in extremis tiveram EUROSCORE II mais elevado (41,1 ± 24,7 vs. 15,9 ± 14,0; P = 0,01) e fração de ejeção do VE mais baixa que o grupo controle (33,9 ± 17,3% vs. 49,0 ± 12,5%; P = 0,04). Nenhum paciente do grupo in extremis sobreviveu ao período intra-hospitalar, enquanto que, no grupo controle, a mortalidade foi de 27,3% (P < 0,01). CONCLUSÕES: Para o tratamento de pacientes com estenose aórtica grave de etiologia degenerativa, a VAB tem resultado desfavorável quando indicada para pacientes com duas ou mais disfunções orgânicas, ou seja, em condição clínica in extremis.

Estenose da valva aórtica; Valvuloplastia com balão; Implante de prótese de valva cardíaca


BACKGROUND: Balloon aortic valvuloplasty (BAV) is used as a palliative strategy in patients who are not eligible for valve replacement surgery, transcatheter aortic valve implantation, or as a bridge to these treatment modalities. The impact of BAV as a salvage procedure for patients in extreme clinical conditions (in extremis) is unknown. METHODS: Patients with severe degenerative aortic stenosis undergoing BAV between July 2008 and January 2013 were evaluated. Patients were divided into the in-extremis group (defined by the presence of two or more of the following organ dysfunctions: mechanical ventilation, hemodynamic instability, dialysis, coagulopathy or severe hepatic dysfunction) and the control group, which included the remaining patients. RESULTS: A total of 19 patients underwent BAV. The clinical condition in-extremis was present in 42.1% of them. Patients from the in-extremis group had a higher EUROSCORE II (41.1 ± 24.7 vs. 15.9 ± 14.0; P = 0.001) and LV ejection fraction lower than the control group (33.9 ± 17.3% vs. 49.0 ± 12.5; P = 0.04). None of the patients in the in-extremis group survived past the hospitalization period, whereas the control group mortality was 27.3% (P < 0.01). CONCLUSIONS: BAV has an unfavorable result in patients with severe degenerative aortic stenosis with two or more organ dysfunctions, that is, patients in extremis.

Aortic valve stenosis; Balloon valvuloplasty; Heart valve prosthesis implantation


ARTIGO ORIGINAL

Valvuloplastia aórtica por cateter balão na estenose aórtica degenerativa: impacto terapêutico em pacientes em condição clínica in extremis

Vitor de Andrade VahleI; Fábio Augusto PintonII; Eduardo França Pessoa de MeloIII; Cristiano Guedes BezerraIV; Marco Antônio PerinV; Santiago Raul ArrietaVI; Luiz Junya KajitaVII; José Mariani JuniorVIII; Antônio Esteves FilhoIX; Expedito Eustáquio Ribeiro da SilvaX; Flávio TarasoutchiXI; Max GrinbergXII; Pedro Alves Lemos NetoXIII

IMédico residente do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

IIMédico residente do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

IIIMédico residente do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

IVMédico residente do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

VLivre-docente. Cardiologista intervencionista do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

VICardiologista intervencionista do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

VIICardiologista intervencionista do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

VIIICardiologista intervencionista do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

IXCardiologista intervencionista do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

XLivre-docente. Cardiologista intervencionista do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

XILivre-docente. Cardiologista da Unidade de Valvopatias do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

XIILivre-docente. Diretor da Unidade de Valvopatias do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

XIIILivre-docente. Diretor do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Pedro Alves Lemos Neto Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 - Jardim Paulista São Paulo, SP, Brasil - CEP 05403-000 E-mail: pedro.lemos@incor.usp.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: A valvuloplastia aórtica por cateter balão (VAB) é utilizada como estratégia paliativa em pacientes inelegíveis tanto para troca valvar cirúrgica quanto para implante valvar aórtico transcateter, ou como ponte para essas modalidades de tratamento. Não se sabe o impacto terapêutico da VAB quando realizada como medida de salvamento para pacientes em condições clínicas extremas (in extremis).

MÉTODOS: Foram analisados pacientes com estenose aórtica grave de etiologia degenerativa submetidos à VAB entre julho de 2008 e janeiro de 2013. Os pacientes foram divididos entre o grupo in extremis (definido pela presença de duas ou mais das seguintes disfunções orgânicas: ventilação mecânica, instabilidade hemodinâmica, terapia renal dialítica, coagulopatia ou disfunção hepática graves) e o grupo controle, que incluiu os demais pacientes.

RESULTADOS: Um total de 19 pacientes realizaram VAB no período. A condição clínica in extremis esteve presente em 42,1%. Os pacientes do grupo in extremis tiveram EUROSCORE II mais elevado (41,1 ± 24,7 vs. 15,9 ± 14,0; P = 0,01) e fração de ejeção do VE mais baixa que o grupo controle (33,9 ± 17,3% vs. 49,0 ± 12,5%; P = 0,04). Nenhum paciente do grupo in extremis sobreviveu ao período intra-hospitalar, enquanto que, no grupo controle, a mortalidade foi de 27,3% (P < 0,01).

CONCLUSÕES: Para o tratamento de pacientes com estenose aórtica grave de etiologia degenerativa, a VAB tem resultado desfavorável quando indicada para pacientes com duas ou mais disfunções orgânicas, ou seja, em condição clínica in extremis.

DESCRITORES: Estenose da valva aórtica. Valvuloplastia com balão. Implante de prótese de valva cardíaca.

ABSTRACT

BACKGROUND: Balloon aortic valvuloplasty (BAV) is used as a palliative strategy in patients who are not eligible for valve replacement surgery, transcatheter aortic valve implantation, or as a bridge to these treatment modalities. The impact of BAV as a salvage procedure for patients in extreme clinical conditions (in extremis) is unknown.

METHODS: Patients with severe degenerative aortic stenosis undergoing BAV between July 2008 and January 2013 were evaluated. Patients were divided into the in-extremis group (defined by the presence of two or more of the following organ dysfunctions: mechanical ventilation, hemodynamic instability, dialysis, coagulopathy or severe hepatic dysfunction) and the control group, which included the remaining patients.

RESULTS: A total of 19 patients underwent BAV. The clinical condition in-extremis was present in 42.1% of them. Patients from the in-extremis group had a higher EUROSCORE II (41.1 ± 24.7 vs. 15.9 ± 14.0; P = 0.001) and LV ejection fraction lower than the control group (33.9 ± 17.3% vs. 49.0 ± 12.5; P = 0.04). None of the patients in the in-extremis group survived past the hospitalization period, whereas the control group mortality was 27.3% (P < 0.01).

CONCLUSIONS: BAV has an unfavorable result in patients with severe degenerative aortic stenosis with two or more organ dysfunctions, that is, patients in extremis.

DESCRIPTORS: Aortic valve stenosis. Balloon valvuloplasty. Heart valve prosthesis implantation.

A estenose aórtica degenerativa é a valvopatia cuja incidência mais cresce com o envelhecer da população. Sua prevalência em indivíduos com mais de 75 anos é estimada em 4,6%.1 O prognóstico após o aparecimento de sintomas é desfavorável, com sobrevida entre 1 e 3 anos.2

O tratamento de escolha para pacientes sintomáticos com estenose aórtica grave secundária à degeneração valvar é a cirurgia de troca valvar aórtica (TVAo).3 No entanto, cerca de 30% desses pacientes não recebem o tratamento cirúrgico devido ao elevado risco perioperatório advindo das múltiplas comorbidades associadas.4 Dessa forma, surgiram modalidades menos invasivas para o tratamento dessa valvopatia, dentre as quais destacam-se o implante de valva aórtica transcateter (TAVI) e a valvuloplastia aórtica por cateter balão (VAB).

O TAVI mostrou-se seguro e eficaz em pacientes com alto risco cirúrgico, inclusive proporcionando redução de mortalidade em pacientes cujo procedimento cirúrgico foi recusado pelo cirurgião em razão do excesso de comorbidades clínicas.5 No entanto, os pré-requisitos anatômicos necessários, o alto custo relacionado ao procedimento e o baixo número de profissionais capacitados à sua realização o tornam indisponível para a maioria dos pacientes.

A VAB é um procedimento utilizado como estratégia paliativa em pacientes inelegíveis tanto para troca valvar cirúrgica quanto para TAVI, ou como uma ponte para essas modalidades de tratamento.2,6-8 Seu baixo custo e sua grande disponibilidade na maioria dos centros de cardiologia justificam seu uso para pacientes com risco cirúrgico proibitivo, apesar da alta taxa de recorrência de sintomas e da ineficácia em reduzir mortalidade.9,10

O melhor momento para a realização da VAB, no contexto da estenose aórtica sintomática, ainda não está claro. Na maioria das vezes, ela é realizada em caráter de urgência em pacientes refratários ao tratamento clínico otimizado. Outras vezes, entretanto, é realizada como medida de salvamento para pacientes que já apresentam múltiplas disfunções orgânicas, ou seja, em condições clínicas extremas (in extremis), na tentativa de evitar o óbito às custas de uma melhora no débito cardíaco comprometido pela estenose valvar aórtica.

O objetivo do presente estudo foi avaliar o impacto terapêutico da VAB no tratamento da estenose aórtica degenerativa em pacientes com e sem a condição clínica in extremis.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo retrospectivo, realizado em um único serviço de atenção quaternária de alta complexidade em cardiologia. A pesquisa baseou-se em análise de banco de dados e revisão de prontuário eletrônico.

População do estudo

Entre julho de 2008 e janeiro de 2013, foram analisados todos os pacientes submetidos à VAB para tratamento de estenose aórtica degenerativa no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Incor-HCFMUSP) em São Paulo (SP). O presente estudo não contemplou procedimentos para tratamento de estenose aórtica de etiologia congênita.

Procedimento

Todos os procedimentos foram realizados por via retrógrada, por punção da artéria femoral comum (direita ou esquerda) e colocação de introdutor longo com diâmetro de 10 F. Heparina não fracionada foi administrada para todos os pacientes. O tamanho do cateter balão utilizado em cada procedimento ficou a critério do operador. Em alguns casos, a insuflação do balão foi precedida por estimulação rápida (fast pacing), com marca-passo provisório posicionado no ventrículo direito.

A medida do gradiente transvalvar aórtico foi realizada antes e após a VAB, por meio de manometria intracavitária e ecocardiograma transtorácico. O introdutor foi retirado imediatamente após o procedimento, com subsequente compressão manual para hemostasia.

O sucesso do procedimento foi definido como o êxito em dilatar o anel valvar aórtico com o cateter balão na ausência de complicações durante o mesmo.

Coleta de dados

Os dados clínicos, ecocardiográficos, hemodinâmicos e desfechos intra-hospitalares foram adquiridos retrospectivamente, a partir da revisão do prontuário eletrônico de cada paciente no Incor-HCFMUSP. A avaliação de eventos cardiovasculares, após a alta hospitalar, foi realizada por meio de análise do prontuário eletrônico e complementada por contato telefônico, quando necessário.

O perfil de gravidade dos pacientes foi estimado pelos escores de risco EUROSCORE II e STS Risk Score. Hipertensão pulmonar grave foi definida como pressão sistólica em artéria pulmonar (PSAP) ≥ 60 mmHg pelo ecocardiograma. Insuficiência renal foi caracterizada como presença de um clearance de creatinina < 60 mL/min.

Os pacientes foram divididos entre o grupo in extremis (definido pela presença de duas ou mais das seguintes disfunções orgânicas: ventilação mecânica, instabilidade hemodinâmica, terapia renal dialítica, coagulopatia ou disfunção hepática graves) e o grupo controle, que incluiu os demais pacientes.

Análise estatística

A análise dos dados clínicos, ecocardiográficos e hemodinâmicos foi realizada utilizando-se o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS, IBM Corp., New York, USA). As variáveis contínuas foram descritas como média e desvio padrão e comparadas pelo teste t. As variáveis categóricas foram descritas como frequência e porcentagens, e comparadas pelo χ2 ou teste exato de Fisher, quando apropriado. A análise de sobrevida foi realizada pelo método de Kaplan-Meier. Foi adotado nível de significância de P < 0,05.

RESULTADOS

Um total de 19 pacientes com estenose aórtica grave de etiologia degenerativa foi tratado com VAB no período analisado. A população do estudo foi composta quase em sua totalidade por idosos, e a média de idades foi de 77,7 ± 11,1 anos. O sintoma predominante antes do procedimento foi a dispneia, e todos os pacientes encontravam-se em classe funcional III ou IV de insuficiência cardíaca. Dentre as comorbidades, destacaram-se a hipertensão pulmonar grave, em 31,6% dos pacientes, e a insuficiência renal, em 73,7%. A média do STS Risk Score foi de 36,6 ± 17,4 e do EUROSCORE II foi de 26,5 ± 22,6. As demais características clínicas dos pacientes encontram-se na Tabela 1.

O sucesso do procedimento foi atingido em 100% dos casos. O marca-passo provisório foi utilizado para estimulação rápida (fast pacing) em 68,4% dos pacientes (Tabela 2). Houve redução significativa do gradiente transvalvar aórtico, tanto pelo ecocardiograma, quanto pelas medidas pressóricas, durante o procedimento (Figura 1).


A condição clínica in extremis esteve presente em 42,1% dos pacientes (Tabela 3). Quando comparados ao grupo controle, os pacientes do grupo in extremis foram mais jovens (70,1 ± 10,0 vs. 83,3 ± 8,5 anos; P < 0,01) e tiveram EUROSCORE II mais elevado (41,1 ± 24,7 vs. 15,9 ± 14,0; P < 0,01). Além disso, o grupo in extremis teve fração de ejeção do ventrículo esquerdo antes do procedimento mais baixa que o grupo controle (33,9 ± 17,3% vs. 49,0 ± 12,5%; P = 0,04). As características hemodinâmicas e ecocardiográficas encontram-se na Tabela 4.

Em ambos os grupos, não houve óbitos durante o procedimento. Nenhum dos oito pacientes do grupo in extremis sobreviveu ao período intra-hospitalar, enquanto que, no grupo controle, a mortalidade intra-hospitalar foi de 27,3% (P < 0,01). A sobrevida em 180 dias está representada na Figura 2.


Três pacientes (15,8%) do grupo controle realizaram a VAB como ponte para outro tratamento definitivo: um paciente foi submetido a TAVI por via transapical e faleceu durante o procedimento, e dois pacientes foram submetidos à TVAo (um deles teve alta hospitalar e o outro faleceu no pós-operatório imediato). Todos os pacientes que receberam alta hospitalar (42,1%) apresentaram melhora da classe funcional de insuficiência cardíaca. O seguimento médio foi de 268,3 ± 202,3 dias.

DISCUSSÃO

Este estudo mostrou-se relevante ao analisar as características clínicas, ecocardiográficas e hemodinâmicas, bem como a evolução dos pacientes portadores de estenose aórtica degenerativa grave tratados por meio de VAB.

A elevada mortalidade intra-hospitalar do estudo reflete o perfil clínico de extrema gravidade dos pacientes, principalmente devido à presença de múltiplas comorbidades. Não existem outros estudos na literatura que contemplem um grupo de pacientes tão graves quanto os descritos neste trabalho. A média do STS Risk Score no estudo PARTNER,5 que incluiu apenas pacientes de alto risco cirúrgico ou considerados inoperáveis, foi de 11,6 ± 6,0, ou seja, muito abaixo do encontrado no presente estudo (36,6 ± 17,4). Outros estudos envolvendo apenas aqueles submetidos à VAB também abrangem pacientes de menor gravidade que o presente estudo, com menor incidência de comorbidades e escores de risco mais baixos.6,7,11-14

A maioria dos pacientes (73,7%) apresentou insuficiência renal no momento do procedimento e grande parte deles teve pressão de artéria pulmonar > 60 mmHg. Ambas as condições têm sido associadas a incremento da mortalidade em estudos prévios.9,15

Ben-Dor et al. demonstraram, em estudo com 509 pacientes, que a mortalidade em 5 meses, para pacientes com PSAP > 60 mmHg, foi de 49,1% independentemente do tipo de tratamento recebido (VAB, TAVI ou TVAo).16

Vários estudos correlacionaram a presença de insuficiência renal antes do procedimento ao aumento da mortalidade.9,17,18 Um estudo com 262 pacientes de alto risco cirúrgico submetidos à VAB mostrou que um clearance de creatinina < 60 mL/min antes do procedimento é forte preditor de mortalidade.7

A ausência de complicações vasculares, neste estudo, pode estar relacionada à utilização de introdutores com calibre reduzido (10 F) em todos os pacientes, bem como à imediata retirada do introdutor. Apesar de estarem relacionados a um menor tempo de internação e a uma menor taxa de transfusões sanguíneas em pacientes submetidos à VAB,19 não foram utilizados dispositivos de oclusão vascular neste estudo.

A divisão dos pacientes de acordo com a presença ou não de condição clínica in extremis foi extremamente importante para o entendimento do momento mais propício à realização da VAB. As diretrizes não contemplam a VAB como terapia de salvamento em pacientes em condições clínicas críticas com múltiplas disfunções orgânicas, porém sugerem que sua realização possa ser benéfica como ponte para TVAo.2 Neste estudo, apenas dois pacientes foram submetidos à VAB como ponte para TVAo, sendo que, nesses casos, a mortalidade foi de 50%. Recentemente, alguns trabalhos abordaram a utilização da VAB como ponte para TAVI, mostrando ótimos resultados a curto e longo prazo quando comparados à VAB isoladamente.6-8

A divisão dos pacientes de acordo com o número de disfunções orgânicas apresentadas foi de grande importância para o entendimento de que existe um subgrupo de pacientes mais graves e que evoluem de maneira desfavorável, mesmo após a VAB. Os pacientes com duas ou mais disfunções orgânicas apresentaram mortalidade significativamente maior que os pacientes do grupo controle. O principal motivo para que os pacientes do grupo in extremis fossem submetidos à VAB foi a presença de uma condição clínica de extrema gravidade, seja esta de etiologia cardíaca ou não, na vigência de estenose aórtica grave. Esperava-se que, nesses pacientes, a redução do gradiente na via de saída do VE proporcionasse uma melhora da função ventricular esquerda a tal ponto que pudessem se recuperar do estado hemodinâmico crítico em que se apresentavam. Entretanto, mesmo com a queda do gradiente transvalvar aórtico e com o aumento da fração de ejeção do VE após o procedimento, esses resultados não foram traduzidos em melhora clínica, sugerindo que o estágio em que os pacientes receberam a intervenção foi muito tardio.

Limitações do estudo

O estudo teve algumas limitações, como o número reduzido de pacientes incluídos, o caráter retrospectivo da análise de dados e o fato de ter sido realizado em um único centro.

CONCLUSÕES

A valvuloplastia aórtica por cateter balão, para tratamento de estenose aórtica grave de etiologia degenerativa, tem resultado desfavorável, quando indicada para pacientes com duas ou mais disfunções orgânicas, ou seja, em condição clínica in extremis.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 1º/6/2013

Aceito em: 18/8/2013

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  • Endereço para correspondência:
    Pedro Alves Lemos Neto
    Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 - Jardim Paulista
    São Paulo, SP, Brasil - CEP 05403-000
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Nov 2013
    • Data do Fascículo
      2013

    Histórico

    • Recebido
      01 Jun 2013
    • Aceito
      18 Ago 2013
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