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Remoção percutânea de fragmento de cateter intravascular: uma adaptação da caixa de ferramentas

Resumos

A fragmentação de um cateter intravascular foi primeiramente publicada em 1954 e, desde então, observamos notável evolução das técnicas de retirada de corpo estranho intravascular. A descrição pioneira de remoção não cirúrgica de corpo estranho data de 1964, com o relato da retirada de fragmento de fio-guia com auxílio de um fórceps de biópsia para broncoscópio. Apesar da disponibilidade de variados dispositivos dedicados, por vezes, para se ter sucesso, é necessária a adaptação de materiais. Relatamos aqui o caso de uma portadora de cateter Port-a-Cath em veia subclávia esquerda, implantado 5 anos antes, que rompeu a porção intravascular durante sua retirada, tendo sido removido com sucesso por via percutânea.

Cateterismo venoso central; Cateteres de demora; Remoção de dispositivo; Corpos estranhos


The first report of an intravascular catheter fragmentation was published in 1954 and ever since we have observed a remarkable evolution in the techniques of intravascular foreign body removal. The pioneer description of non-surgical foreign body removal dates back to 1964, with the report of a guidewire fragment withdrawal using a bronchoscopy biopsy forceps. Despite the availability of several dedicated devices, materials may have to be adapted at times to achieve technical success. We report the case of a patient with a Port-a-Cath catheter in the left subclavian vein, which had been placed 5 years before and whose intravascular portion was broken during withdrawal. It was successfully removed using the percutaneous approach.

Catheterization, central venous; Catheters, indwelling; Device removal; Foreign bodies


RELATO DE CASO

Remoção percutânea de fragmento de cateter intravascular - uma adaptação da caixa de ferramentas

Igor Ribeiro de Castro BienertI; Rodolfo L. L. A. F. ChiozziII; Carlos E. C. MotaIII; João Saes BragaIV; Rubio BombonatoV; Luís Junya KajitaVI

ICoordenador técnico do Serviço de Hemodinamica do Hospital das Clínicas da Faculdade Estadual de Medicina de Marília. Marília, SP, Brasil

IIMédico acadêmico da Faculdade Estadual de Medicina de Marília. Marília, SP, Brasil

IIIMédico acadêmico da Faculdade Estadual de Medicina de Marília. Marília, SP, Brasil

IVMédico assistente da disciplina de Cardiologia da Faculdade Estadual de Medicina de Marília. Marília, SP, Brasil

VCoordenador técnico do Serviço de Cirurgia Cardíaca do Hospital das Clínicas da Faculdade Estadual de Medicina de Marília. Marília, SP, Brasil

VICoordenador técnico do Serviço de Hemodinamica do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Igor Ribeiro de Castro Bienert Serviço de Hemodinâmica do Hospital das Clínicas da Faculdade Estadual de Medicina de Marília Rua Aziz Atallah, s/n, 1º andar - Fragata Marília, SP, Brasil - CEP 17519-101 E-mail: bienert@famema.br

RESUMO

A fragmentação de um cateter intravascular foi primeiramente publicada em 1954 e, desde então, observamos notável evolução das técnicas de retirada de corpo estranho intravascular. A descrição pioneira de remoção não cirúrgica de corpo estranho data de 1964, com o relato da retirada de fragmento de fio-guia com auxílio de um fórceps de biópsia para broncoscópio. Apesar da disponibilidade de variados dispositivos dedicados, por vezes, para se ter sucesso, é necessária a adaptação de materiais. Relatamos aqui o caso de uma portadora de cateter Port-a-Cath em veia subclávia esquerda, implantado 5 anos antes, que rompeu a porção intravascular durante sua retirada, tendo sido removido com sucesso por via percutânea.

DESCRITORES: Cateterismo venoso central. Cateteres de demora. Remoção de dispositivo. Corpos estranhos.

ABSTRACT

The first report of an intravascular catheter fragmentation was published in 1954 and ever since we have observed a remarkable evolution in the techniques of intravascular foreign body removal. The pioneer description of non-surgical foreign body removal dates back to 1964, with the report of a guidewire fragment withdrawal using a bronchoscopy biopsy forceps. Despite the availability of several dedicated devices, materials may have to be adapted at times to achieve technical success. We report the case of a patient with a Port-a-Cath catheter in the left subclavian vein, which had been placed 5 years before and whose intravascular portion was broken during withdrawal. It was successfully removed using the percutaneous approach.

DESCRIPTORS: Catheterization, central venous. Catheters, indwelling. Device removal. Foreign bodies.

INTRODUÇÃO

Desde a primeira descrição de fragmentação de cateter em 19541 e da pioneira remoção não cirúrgica de corpo estranho em 19642, é notável a evolução de materiais no âmbito da cardiologia intervencionista e dos procedimentos endovasculares. Contudo, por vezes, criatividade e adaptação de materiais ainda são necessárias para o sucesso técnico.

A incidência de embolização intravascular de cateter venoso é responsável por cerca de 1% das complicações associadas ao acesso venoso central, podendo cursar com taxas significativas de mortalidade. Entre as diversas causas de fragmentação de cateteres e guias endovasculares, Tateishi e Tomizawa3 citam: (1) uso e manipulação inadequada do dispositivo; (2) defeito de fabricação do instrumento; e (3) outras causas, como fatores anatômicos do paciente.

As fraturas de cateter ocorrem mais comumente quando estes são introduzidos por acesso venoso subclávio, sendo aquelas decorrentes da compressão do cateter pela clavícula e a primeira costela, conhecida como pinch-off syndrome.4 Essa complicação pode ser reduzida optando-se pelo acesso jugular ou pela porção mais lateral da veia subclávia. Revisão sistemática5 de 215 casos demonstrou como locais mais comuns de embolização as artérias pulmonares (35%), o átrio direito (27,6%) e o ventrículo direito (22%). A ocorrência de corpos estranhos decorrentes de fragmentação de dispositivos utilizados em acessos arteriais é menos frequente.

Existem evidências de que a remoção do corpo estranho o mais precocemente possível é necessária a fim de se evitarem complicações, como tromboembolismo, lesão miocárdica mecânica, arritmias, endocardite, sepse e morte.5,6 A mortalidade, no caso de embolização de corpo estranho, oscila entre 24 e 60%.7

Dessa forma, parece consensual o benefício da remoção do corpo estranho, sendo considerada sua retirada por via percutânea como primeira alternativa, devido ao seu caráter minimamente invasivo, e com baixa taxa de complicações.8

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 41 anos, diagnosticada com linfoma não Hodgkin, submetida à implante de cateter Port-a-Cath 6 F em veia subclávia esquerda para administração de quimioterapia em agosto de 2007. Após 8 meses de tratamento, houve remissão completa da doença. Todavia, o cateter foi mantido para nova infusão, em caso de recidiva, até o final de 2012.

Em dezembro de 2012, foi realizada tentativa de retirada do sistema Port-a-Cath, tendo este se rompido na porção intravascular durante o procedimento, o que impossibilitou sua tração, mesmo após incisão cirúrgica local. Avaliação não invasiva foi realizada por meio de radiografia e tomografia computadorizada, localizando o fragmento em território venoso, que se estendia de uma tributária da veia subclávia esquerda até o sistema venoso supra-hepático, passando pelo átrio direito.

O procedimento por via percutânea foi a opção consensual da equipe, ficando como alternativa o tratamento cirúrgico, em caso de insucesso ou complicações. A intervenção percutânea foi iniciada pelo acesso venoso com bainha introdutora 8 F (Input TS, Medtronic, Minneapolis, USA) em veia femoral comum direita, seguida da administração de 5.000 unidades de heparina não fracionada.

Após a obtenção do acesso vascular, um cateter guia Judkins 8 F, curva 4 (Launcher, Medtronic, Minneapolis, USA) foi avançado pelo sistema venoso e administrou-se contraste para delinear a anatomia vascular (Figura 1). A localização das extremidades do fragmento foi confirmada em uma tributária de veia subclávia esquerda e no sistema venoso supra-hepático, impossibilitando a captura das extremidades por cateter laço.


Um biótomo miocárdico percutâneo de 5,2 F (Cook, Cook Medical Inc., Bloomington, USA) foi utilizado para trazer o fragmento até um território de maior calibre, de modo que fosse possível pinçar o fragmento de cateter em sua porção superior (Figura 2) e tracionar essa extremidade até a veia cava inferior. Após mobilização do corpo estranho, passou-se à captura da extremidade pela técnica do laço, utilizando fio-guia 0,014" x 300 cm (Zinger, Medtronic, Minneapolis, USA). Essa técnica consiste em dobrar suavemente o fio-guia em duas partes iguais, sendo a curva formada inserida em um cateter e exteriorizada na extremidade distal, moldando-o em angulação de 45o (Figura 3) e formando um laço, que pode ser manipulado pelas extremidades do cateter guia.



Após a captura, foi realizada a retirada do conjunto pela bainha introdutora e a exteriorização do fragmento de cateter Port-a-Cath, que mediu 28 cm de comprimento (Figura 4). Após a retirada de introdutor, foi realizada compressão local por 15 minutos. A paciente teve alta após repouso de 6 horas e evoluiu sem complicações nas reavaliações de 48 horas e de 30 dias.


DISCUSSÃO

Publicações recentes, com foco em cateteres venosos, mostram taxas de sucesso da retirada de fragmentos com a técnica percutânea entre 80 a 100%, com mortalidade zero e baixas taxas de complicações,8,9 mesmo na população de neonatos.10 O acesso mais descrito na literatura é a veia femoral comum, preferencialmente à direita, devido a vantagens como o conforto na manipulação do material, o acesso aos principais sítios de migração de corpos estranhos venosos, a possibilidade de uso de bainhas de maior calibre, a facilidade de punção e a segurança para a compressão efetiva após o término do procedimento.

A maioria dos intervencionistas tem a oportunidade de se deparar com um corpo estranho vascular ao longo de sua prática clínica. Embora haja significativa taxa de complicações em caso de permanência do mesmo, o achado incidental, em outros exames de imagem, não é incomum, sendo relatado em torno de 5 e 40% dos casos encaminhados para avaliação.11

Desde as técnicas mais incipientes até o desenvolvimento de dispositivos dedicados, como os laços Amplatz GooseNeck®, várias são as ferramentas disponíveis para retirada de corpos estranhos do sistema vascular, sendo os laços atualmente considerados os mais versáteis. Em nosso caso, teríamos como alternativa, após a tração inicial, o uso do cateter laço tipo GooseNeck®, contudo esse dispositivo não estava disponível na ocasião do procedimento. Há ainda a possibilidade de apreender o corpo estranho com extremidades inacessíveis com gancho e laço, formado por fio-guia e cateter tipo pigtail, o que poderia ser utilizado em caso de falha da técnica realizada.12

Embora, certamente, relatos de casos não permitam nível de evidência adequado para generalizações, no caso apresentado, o uso do biótomo se mostrou uma técnica segura e eficaz. Dentre o rol de opções nas quais estão disponíveis laços de diferentes tamanhos e angulações, cestas, balões, magnetos e fórceps, é importante a familiaridade do profissional com as opções disponíveis, para sua correta utilização e, por vezes, para a adaptação de ferramentas, para se obter sucesso em casos desafiadores.

CONFLITO DE INTERESSE

Os autores declaram não haver conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 25/6/13

Aceito em: 28/8/13

  • 1
    Turner DD, Sommers SC. Accidental passage of a polyethylene catheter from cubital vein to right atrium; report of a fatal case. N Engl J Med. 1954;251(18):744-5.
  • 2
    Thomas J, Sinclair-Smith B, Bloomfield D, Davachi A. Non-surgical retrieval of a broken segment of steel spring guide from the right atrium and inferior vena cava. Circulation. 1964;30:106-8.
  • 3
    Tateishi M, Tomizawa Y. Intravascular foreign bodies: danger of unretrieved fragmented medical devices. J Artig Organs. 2009;12(2):80-9.
  • 4
    Hinke DH, Zandt-Stastny DA, Goodman LR, Quebbeman EJ, Krzywda EA, Andris DA. Pinch-off syndrome: a complication of implantable subclavian venous access devices. Radiology. 1990;177(2):353-6.
  • 5
    Surov A, Wienke A, Carter JM, Stoevesandt D, Behrmann C, Spielmann RP, et al. Intravascular embolization of venous catheter--causes, clinical signs, and management: a systematic review. J Parenter Enteral Nutr. 2009;33(6):677-85.
  • 6
    Wolf F, Schernthaner RE, Dirisamer A, Schoder M, Funovics M, Kettenbach J, et al. Endovascular management of lost or misplaced intravascular objects: experiences of 12 years. Cardiovasc Intervent Radiol. 2008;31(3):563-8.
  • 7
    Gabelmann A, Kramer S, Gorich J. Percutaneous retrieval of lost or misplaced intravascular objects. Am J Roentgenol. 2001;176(6):1509-13.
  • 8
    Leal Filho JMM, Carnevale FC, Nasser F, Santos AC, Sousa Junior WO, Zurstrassen CE, et al. Endovascular techniques and procedures, methods for removal of intravascular foreign bodies. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2010;25(2):202-8.
  • 9
    Carroll MI, Ahanchi SS, Kim JH, Panneton JM. Endovascular foreign body retrieval. J Vasc Surg. 2013;57(2):459-63.
  • 10
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  • 11
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  • 12
    Martins EC, Faria GB. Percutaneous retrieval of intracardiac foreign body with a novel technique. Arq Bras Cardiol. 2007; 88(6):e179-81.
  • Endereço para correspondência:
    Igor Ribeiro de Castro Bienert
    Serviço de Hemodinâmica do Hospital das Clínicas da Faculdade Estadual de Medicina de Marília
    Rua Aziz Atallah, s/n, 1º andar - Fragata
    Marília, SP, Brasil - CEP 17519-101
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Nov 2013
    • Data do Fascículo
      2013

    Histórico

    • Recebido
      25 Jun 2013
    • Aceito
      28 Ago 2013
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