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Pressões por Novos Caminhos

Neste número da Revista Brasileira de Cardiologia Invasiva, Novaes et al.11. Novaes GC, Haddad JL, Lemos DC, Badran AV, Pavão RB, Lago IM, et al. Uso do sistema manométrico miniaturizado pressure-wire em cardiopatias estruturais congênitas e adquiridas. Rev Bras Cardiol Invasiva 2014;22(1):48-55. descrevem um novo método para obtenção de curvas pressóricas em pacientes com cardiopatias congênitas e estruturais. Qual a relevância disso no contexto atual da Cardiologia Invasiva? É grande, e os autores merecem aplausos da nossa comunidade.

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Talvez justamente por estarmos vivendo uma era única e revolucionária na Cardiologia Intervencionista em diversas áreas da nossa especialidade (coronária, válvula, doença vascular periférica, congênita e estrutural), nas quais temos a capacidade de tratar, com segurança e eficácia, uma variedade de enfermidades, é que a atenção para a obtenção de dados hemodinâmicos básicos, por vezes, fica negligenciada e relegada ao segundo plano. É relativamente comum residentes de hemodinâmica em treinamento não estarem familiarizados com as diferentes curvas de pressão nas câmaras cardíacas, com cálculos do débito cardíaco, fluxo pulmonar e sistêmico e da área valvar. Não podemos esquecer que a correta obtenção e interpretação de alguns desses parâmetros antecedem e, muitas vezes, são nossos guias para uma intervenção apropriada, seja ela percutânea ou cirúrgica. Desse modo, restaurar a importância da obtenção de dados hemodinâmicos precisos faz parte do papel do bom intervencionista.

Pacientes com cardiopatias congênitas possuem uma série de características que geralmente dificultam ou até mesmo impedem a obtenção de curvas de pressão apropriadas. O tamanho e peso do paciente, a tortuosidade de vasos, as diferenças de fluxos regionais (nas artérias pulmonares ou sistêmicas), a impossibilidade de uso de cateteres de maior perfil são alguns desses fatores limitantes. Como a necessidade é mãe das novas soluções, os autores do artigo em questão foram pressionados a encontrar novos caminhos − e conseguiram. O uso do pressure-wire, como descrevem Novaes et al.11. Novaes GC, Haddad JL, Lemos DC, Badran AV, Pavão RB, Lago IM, et al. Uso do sistema manométrico miniaturizado pressure-wire em cardiopatias estruturais congênitas e adquiridas. Rev Bras Cardiol Invasiva 2014;22(1):48-55. neste número, chega para superar algumas dessas limitações. Pelo seu baixo perfil, o sistema pode ser avançado até mesmo por cateteres 4 F diagnósticos e é capaz de negociar muito bem tortuosidades. Tais características são vantajosas para obtenção de curvas pressóricas em diferentes segmentos pulmonares nos pacientes com atresia pulmonar e fluxo pulmonar dependente do canal arterial ou de colaterais sistêmico-pulmonares, como demonstrado pelo mesmo grupo em outra publicação.22. Haddad JL, Novaes GC, Figueiredo GL, Lemos DC, Macedo LG, Lago IM, et al. Use of the pressure wire method for measuring pulmonar arterial pressures in patients with pulmonar atresia. Cardiol Young. 2014 Jan 15:1-8. [Epub ahead of print] Essa informação é importante para o planejamento cirúrgico, já que áreas pulmonares com hipertensão grave podem coexistir com outras nas quais a pressão é normal. A aplicação, nos casos de estenoses das artérias pulmonares, especialmente as críticas ou subatréticas, também é útil para determinação da gravidade da lesão. Nesses casos, se o operador consegue avançar um cateter pela lesão, o fluxo se reduz drasticamente. Ora, sem fluxo local não há gradiente e, muitas vezes, a curva fica amortecida (damping). O sistema pressure-wire ajuda a minimizar essa limitação e permite a melhor avaliação dos resultados imediatos de possíveis intervenções, como a angioplastia. A possibilidade do avanço do pressure-wire por anastomoses de Balock-Taussig também permite a aferição de pressões no território pulmonar sem necessitar do avanço do cateter pela anastomose em si, o que minimiza a possibilidade de dissecções no local, a redução de fluxo para o pulmão e a dessaturação durante o exame. Como os próprios autores comentam em seu artigo, uma outra possibilidade do uso desses sistemas miniaturizados é a determinação de fluxos locais, o que permitiria, além da obtenção das pressões, a estimativa da resistência vascular local. Essa aplicação provavelmente será realidade em um horizonte próximo.

Vislumbro ainda outras aplicações do método aqui descrito. O procedimento híbrido como paliação inicial para síndrome da hipoplasia do coração esquerdo, apesar de ter apresentado uma curva de aprendizado inicial com resultados desapontadores em nosso meio,33. Pilla CB, Pedra CA, Nogueira AJ, Jatene M, Souza LC, Pedra SR, et al. Hybrid management for hypoplastic left heart syndrome: an experience from Brazil. Pediatr Cardiol. 2008;29(3):498-506. hoje em dia tornou-se uma modalidade bem estabelecida, com sobrevida inicial de 70 a 80% em alguns centros, como o Hospital do Coração da Associação Sanatório Sírio. No seguimento, cerca de 25% dos pacientes podem desenvolver estenoses pela malha do stent implantado no canal arterial e comprometer o fluxo retrógrado pelo arco, resultando em isquemia miocárdica, especialmente naqueles com atresia aórtica. O avanço do pressure-wire pela malha do stent pode ajudar a avaliar melhor a gravidade dessa lesão e nortear a indicação terapêutica. Além disso, o sistema pode ser avançado por meio das bandagens das artérias pulmonares, possibilitando a avaliação das pressões pulmonares distais, tão importantes para a indicação da cirurgia de Glenn-Norwood.

As intervenções fetais, em especial a valvoplastia aórtica e pulmonar, vêm sendo empregadas com segurança e eficácia em um número progressivo de pacientes, especialmente em nosso meio.44. Pedra SR, Peralta CF, Crema L, Jatene IB, Costa RN, Pedra CA. Fetal interventions for congenital heart disease in Brazil. Pediatr Cardiol. 2014;35(3):399-405. O uso do sistema pressure-wire foi descrito em um caso de valvoplastia aórtica fetal,55. Goldstein BH, Fifer CG, Armstrong AK, Gelehrter SK, Treadwell MC, van de Ven C, et al. Use of a pressure guidewire in fetal cardiac intervention for critical aortic stenosis. Pediatrics. 2011;128(3):e716-9. documentando com precisão a eficácia da intervenção. Entretanto, o uso corriqueiro dessa tecnologia, nesse contexto, provavelmente apresenta algumas dificuldades, como espaço e tempo reduzidos para manipulação do sistema.

Talvez as maiores limitações para o uso em larga escala do pressure-wire, na avaliação hemodinâmica das cardiopatias congênitas, sejam os custos dos cateteres e sistema. Entretanto, como observado com outras tecnologias introduzidas no passado, a ampliação do uso resulta em decréscimo de custos. Tomara que possamos testemunhar o emprego crescente desse método para a obtenção de pressões por novos caminhos no futuro!

REFERÊNCIAS

  • 1
    Novaes GC, Haddad JL, Lemos DC, Badran AV, Pavão RB, Lago IM, et al. Uso do sistema manométrico miniaturizado pressure-wire em cardiopatias estruturais congênitas e adquiridas. Rev Bras Cardiol Invasiva 2014;22(1):48-55.
  • 2
    Haddad JL, Novaes GC, Figueiredo GL, Lemos DC, Macedo LG, Lago IM, et al. Use of the pressure wire method for measuring pulmonar arterial pressures in patients with pulmonar atresia. Cardiol Young. 2014 Jan 15:1-8. [Epub ahead of print]
  • 3
    Pilla CB, Pedra CA, Nogueira AJ, Jatene M, Souza LC, Pedra SR, et al. Hybrid management for hypoplastic left heart syndrome: an experience from Brazil. Pediatr Cardiol. 2008;29(3):498-506.
  • 4
    Pedra SR, Peralta CF, Crema L, Jatene IB, Costa RN, Pedra CA. Fetal interventions for congenital heart disease in Brazil. Pediatr Cardiol. 2014;35(3):399-405.
  • 5
    Goldstein BH, Fifer CG, Armstrong AK, Gelehrter SK, Treadwell MC, van de Ven C, et al. Use of a pressure guidewire in fetal cardiac intervention for critical aortic stenosis. Pediatrics. 2011;128(3):e716-9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2014

Histórico

  • Recebido
    25 Fev 2014
  • Aceito
    11 Mar 2014
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