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Oclusão Percutânea do Apêndice Atrial Esquerdo com Prótese Watchman®

Left Atrial Appendage Closure With the WatchmanTM Device

Resumos

Introdução:

O acidente vascular cerebral secundário à fibrilação atrial tem sido associado a taxas de mortalidade e de incapacidade permanente elevadas, porquanto sua prevenção eficaz é importante. O tratamento com varfarina diminui em 60% o risco de acidente vascular cerebral; todavia, até metade dos pacientes com fibrilação atrial não faz uso da anticoagulação. A oclusão do apêndice atrial esquerdo surgiu como estratégia alternativa para prevenção do acidente vascular cerebral.

Métodos:

Foram selecionados pacientes com fibrilação atrial, escore de CHA2DS2-VASc ≥ 2, não elegíveis para anticoagulação, para se submeterem ao fechamento percutâneo do apêndice atrial esquerdo com a prótese Watchman®. O procedimento foi realizado sob anestesia geral e guiado por ecocardiografia transesofágica.

Resultados:

Dos 11 pacientes selecionados, 2 não foram tratados por apresentarem trombo pré ou durante o procedimento, antes do implante do dispositivo. A idade foi de 74 ± 5,1 anos, 66,6% eram do sexo masculino, com escores CHA2DS2-VASc de 4 ± 1,4 e HAS-BLED de 3,4 ± 1,1, 77% tinham contraindicação ou condições sociais desfavoráveis para utilizarem a anticoagulação. O sucesso técnico foi de 100%, sendo alcançada a oclusão completa em todos os casos, com tempo médio de fluoroscopia de 22,1 ± 10,8 minutos e ausência de complicações hospitalares. No seguimento de 78,3 ± 41,5 dias, não ocorreram desfechos clínicos, mas um paciente apresentou trombo no dispositivo e recebeu anticoagulação por 3 meses.

Conclusões:

A oclusão percutânea do apêndice atrial esquerdo com dispositivo Watchman® é factível e pode ser uma alternativa atrativa na prevenção de acidente vascular cerebral nos pacientes com fibrilação atrial e limitação para anticoagulação.

Fibrilação atrial; Apêndice atrial; Acidente vascular cerebral


Background:

Stroke secondary to atrial fibrillation has been associated to a high risk of permanent, severe disability, and high early mortality, and therefore its effective prevention is of paramount importance. Warfarin therapy reduces the risk of stroke by 60%, however, half of the patients with atrial fibrillation do not receive anticoagulation. Left atrial appendage closure has emerged as an alternative strategy for stroke prevention.

Methods:

Patients with atrial fibrillation and CHADSVASc score ≥ 2, not eligible for anticoagulation, were submitted to left atrial appendage closure using the WatchmanTM device. The procedure was performed under general anesthesia and was guided by transesophageal echocardiography.

Results:

Of the 11 selected patients, 2 were not treated due to thrombi presented prior or during the procedure and before device implantation. Mean age was 74 ± 5.1 years, 66% were male, CHA2DS2-VASc score was 4 ± 1.4, HASBLED score was 3.4 ± 1.1, 77% had contraindications or had unfavorable social conditions for anticoagulation. Technical success was 100% and complete occlusion was obtained in all of the cases, with a mean fluoroscopic time of 22.1 ± 10.8 minutes, and no hospital complications. At a follow-up of 78.3 ± 41.5 days, there were no clinical events but one patient had thrombus formation on the device and received anticoagulation for 3 months.

Conclusions:

Left atrial appendage closure with the WatchmanTM device is feasible and may be a good alternative therapy for stroke prevention in patients with atrial fibrillation and restrictions for anticoagulation.

Atrial fibrillation; Atrial appendage; Stroke


O acidente vascular cerebral (AVC) é a principal causa de mortalidade e morbidade cardiovascular, acometendo quase 800 mil indivíduos anualmente nos Estados Unidos. Sua incidência aumenta substancialmente com a idade, sendo atribuível à fibrilação atrial (FA) em cerca de 1,5% dos pacientes com idade < 60 anos e em mais de 20% dos pacientes com idade > 80 anos.11. Roger VL, Go AS, Lloyd-Jones DM, Adams RJ, Berry JD, Brown TM, et al. Heart disease and stroke statistics-2011 update: a report from the American Heart Association. Circulation. 2011;123(4):e18-209. O risco absoluto de embolia sistêmica na FA não valvular depende da presença de fatores associados como hipertensão arterial sistêmica, insuficiência cardíaca, diabetes mellitus, sexo feminino e antecedentes de eventos tromboembólicos, medidos na prática clínica pela escala de CHA2DS2-VASc.22. Lane DA, Lip GY. Use of the CHA(2)DS(2)-VASc and HAS-BLED scores to aid decision making for thromboprophylaxis in nonvalvular atrial fibrillation. Circulation. 2012;126(7):860-5.

Os antagonistas da vitamina K constituem a terapia mais utilizada para a prevenção de fenômenos tromboembólicos por FA, pois possuem eficácia comprovada, com redução de 60% do risco de AVC.33. Hart RG, Pearce LA, Aguilar MI. Meta-analysis: antithrombotic therapy to prevent in patients who have no valvular atrial fibrillation. Ann Intern Med. 2007;146(12):857-67. Entretanto, cerca de 50% dos indivíduos elegíveis não fazem uso dessa classe de fármacos, devido às limitações relacionadas ao risco de sangramento, à hemorragia prévia, à suspensão ou abandono do tratamento, à interação com outros fármacos e alimentos, à estrita janela terapêutica, e à necessidade de monitorização cautelosa do tempo de protrombina.44. Nieuwlaat R, Capucci A, Camm AJ, Olsson SB, Andresen D, Davies DW, et al. Atrial fibrillation management: a prospective survey in ESC member countries: the Euro Heart Survey on Atrial Fibrillation. Eur Heart J. 2005;26(22):2422-34. Ensaios clínicos recentes têm demostrado a eficácia e a segurança dos novos anticoagulantes orais comparados à varfarina, mas com risco anual de hemorragia de 1,4 a 3% ao longo da vida, além de terem excluído pacientes de alto risco de sangramentos55. Connolly SJ, Ezekowitz MD, Yusuf S, Eikelboom J, Oldgren J, Parekh A, et al. Dabigatran versus warfarin in patients with atrial fibrilation. N Engl J Med. 2009;361(12):1139-51.,66. Connolly SJ, Eikelboom J, Joyner C, Diener HC, Hart R, Golitsyn S, et al. Apixaban in patients with atrial fibrilation. N Engl J Med. 2011;364(9):806-17..

Na América Latina, as condições sociais desfavoráveis, o baixo nível de educação e o pequeno acesso à atenção médica tornam ainda mais difícil o uso dos anticoagulantes, mesmo em indivíduos sem contraindicações. O desenvolvimento de estratégias intervencionistas percutâneas, como a oclusão de apêndice atrial esquerdo (AAE), surge como uma alternativa atrativa para a prevenção dos fenômenos tromboembólicos na FA não valvular. O objetivo deste estudo foi descrever casos de fechamento do AAE com a prótese Watchman® em indivíduos com dificuldade e/ou contraindicação à anticoagulação por via oral.

MÉTODOS

População do estudo

Os Serviços de Hemodinâmica dos Hospitais José Carrasco Arteaga e Santa Inés, ambos em Cuenca, Equador, iniciaram, em agosto de 2013, o programa de treinamento para oclusão percutânea de AAE, em associação com os médicos do Hospital San Vicente de Paul, em Medellín, Colômbia. Os critérios para seleção de pacientes incluíram presença de FA crônica ou paroxística não valvular, escore CHA2DS2-VASc ≥ 2, eventos tromboembólicos prévios, presença de trombo no AAE apesar de anticoagulação adequada (mas com resolução antes da intervenção), limitação ao uso de anticoagulação por contraindicação clínica ou por fatores sociais, culturais ou de educação que impedissem a prescrição.

Dispositivo

O Watchman® (Boston Scientific Corporation, Natick, MA) é um dispositivo em forma de paraquedas, implantado por via percutânea no AAE. Ele é constituído de uma armação metálica autoexpansível de nitinol, que é coberta por uma malha de poliéster. As propriedades físicas do nitinol permitem que o dispositivo se configure aos contornos do AAE após o implante. A estrutura tem dez âncoras que auxiliam na fixação dentro do AAE. A membrana de poliéster, que cobre o dispositivo no lado atrial, previne o escape de coágulos para o átrio esquerdo. O dispositivo Watchman® está atualmente disponível em cinco tamanhos (21, 24, 27, 30 e 33 mm) e permite a oclusão de AEE de até 31 mm de diâmetro. O sistema de entrega possui três componentes: a bainha de acesso 14 F (Watchman Access System), o cateter de entrega pré-carregado com o dispositivo (Watchman Delivery System) e uma bainha de punção transeptal.

Procedimento

Antes do procedimento, os pacientes fizeram uso de ácido acetilsalicílico (AAS), na dose de 100 mg por dia, e clopidogrel, na dose de 75 mg por dia. Entretanto, os pacientes com imagem de trombo no AAE receberam varfarina (INR − sigla do inglês international normalized ratio, relação normalizada internacional − de 2 a 3) e AAS por, pelo menos, 15 dias antes do procedimento, tendo sido realizado, em seguida (1 dia antes do implante), ecocardiograma transesofágico (ETE), para verificar a presença de trombos. Sob anestesia geral endotraqueal e monitorização pelo ETE, foram feitas medidas do AAE, do orifício da entrada e da profundidade.

Foram obtidos acessos vasculares com introdutores de 7 e 5 F na veia femoral direita e na artéria femoral direita, respectivamente. O septo interatrial foi puncionado em posição baixa e posterior, seguido de anticoagulação endovenosa sistêmica. Com ajuda de um cateter pigtail, foram obtidas angiografias manuais na projeção oblíqua anterior direita, com angulação caudal e cranial, para delineação anatômica e mensuração das estruturas. A bainha dupla curva 14 F foi avançada no interior do lóbulo predominante do AAE, sob o cateter pigtail, e foi realizada nova angiografia, para estabelecer a profundidade relativa das marcas radiopacas, que ajudaram na seleção do tamanho da prótese.

Simultaneamente, pelo ETE, foram avaliados o orifício de entrada do AAE, e sua profundidade, nos cortes 0°, 45°, 90° e 135°. Em conformidade com a tabela sugerida pelo fabricante, e com base no orifício de entrada e na profundidade do lóbulo primário do AAE, selecionamos o dispositivo.

Uma vez atingida a profundidade desejada com a bainha dupla curva, o dispositivo pré-carregado no cateter de entrega 12 F foi avançado até sua extremidade, empurrando-se o cabo, para alinhar as duas marcas radiopacas do cateter de entrega e da bainha 14 F. Em seguida, o cateter 14 F (Watchman Access System) foi recuado, mantendo fixo o sistema de liberação dentro do AEE. Sustentando o cabo, o sistema de liberação foi retirado lentamente, junto da bainha 14 F, expondo e configurando, dessa maneira, a prótese no AAE.

Finalizada a liberação do dispositivo, o adequado posicionamento da prótese foi confirmado pelo ETE, e foram realizadas medidas dos ombros do maior diâmetro da prótese, nos cortes 0°, 45°, 90° e 135°, para estabelecer a porcentagem de compressão ótima (8 a 20% do diâmetro original). A ancoragem adequada foi testada com movimentos suaves de empurrar e puxar o cabo liberador ("tug test"). Angiografia e controle com Doppler colorido foram realizados para a confirmação da ausência de fluxo dentro do AAE; também foram realizados giros anti-horários para liberar o dispositivo.

Pós-procedimento

Os pacientes foram extubados dentro do sala de cateterismo e transferidos para a unidade de cuidados intermédiários. Receberam alta do hospital 48 horas após a intervenção, depois de serem avaliados com ETE e recebendo aspirina 100 mg/dia, indefinidamente, e clopidogrel 75 mg/dia, mantido por 6 meses. Para pacientes com evidência de trombo no AEE antes do procedimento, a varfarina associada ao AAS (81 mg) foi mantida por 45 dias, seguida da terapia antiplaquetária dupla. Foi planejado um seguimento clínico ao final do primeiro mês e, posteriormente, a cada 3 meses após o procedimento. O controle com ETE foi marcado para 45 dias, 6 meses e 1 ano após a intervenção.

Desfechos clínicos

Os eventos de interesse para a nossa análise foram divididos em desfechos de segurança e eficácia. Para segurança, foram considerados o derrame pericárdico com tamponamento ou a necessidade de intervenção; AVC associado ao procedimento; embolização do dispositivo; e hemorragia grave (gastrintestinal ou intracraniana). Para eficácia, foram avaliadas a ocorrência de morte cardíaca, AVC ou eventos tromboembólicos no seguimento.

As variáveis contínuas foram descritas como valores máximos e mínimos, assim como média e desvio padrão. As variáveis categóricas foram descritas como porcentagens.

RESULTADOS

Foram selecionados 11 pacientes para fechamento do AAE, após discussão com o heart team. Na análise com o ETE inicial, foram detectados trombos no AAE em três pacientes, que tiveram seus procedimentos adiados por 2 a 3 meses, para receberem varfarina associada ao AAS. Dois pacientes responderam ao tratamento e foram mantidos na série; o terceiro foi excluído definitivamente por manter o trombo no AAE. Em outro paciente, houve formação do trombo imediatamente após a punção do septo interatrial e seu procedimento foi interrompido.

Dessa maneira, nove pacientes foram submetidos ao implante do dispositivo, sendo 66,6% do sexo masculino e com média de idade de 74 ± 5,1 anos. A condição social do grupo estudado era desfavorável, pois 77,7% moravam no interior, 77,7% tinham grau de educação elementar ou eram analfabetos, 55,5% tinham sido acompanhados em instituição médicas menos de três vezes ao ano − fatores estes considerados para indicação para o implante do dispositivo. O escore médio CHA2DS2-VASc foi de 4 ± 1,4 e o HAS-BLED de 3,4 ± 1,1 (Tabela 1).

Tabela 1
Características clínicas

Com exceção de um caso, todos os outros tinham hipertensão arterial; 77% dos pacientes tiveram hemorragias prévias, 55% tinham INR de difícil controle; e 44% faziam uso de medicações que aumentavam o risco de sangramento (Tabela 2).

Tabela 2
Fatores de risco para fenômenos tromboembólicos e hemorrágicos

A taxa de sucesso do procedimento foi de 100%, pois houve oclusão total e ausência de fluxo residual em todos os casos. O tempo médio de procedimento foi de 42,8 ± 13,2 minutos, e o tempo médio de fluoroscopia foi de 22,1 ± 10,8 minutos (Tabela 3).

Tabela 3
Características do procedimento

Todos os pacientes evoluíram favoravelmente após o procedimento, sem apresentar eventos clínicos imediatos, ou no seguimento médio de 78,3 ± 41,5 dias. Dois pacientes receberam varfarina após o implante, que foi mantida por 45 dias até a realização do ETE, passando para terapia antiplaquetária dupla por outros 6 meses. Os demais casos receberam terapia antiagregante plaquetária dupla com clopidogrel 75 mg por dia, por 6 meses, e AAS 100 mg por dia, indefinidamente.

Um paciente que apresentou trombo gigante no AAE antes do procedimento, que foi resolvido com anticoagulação. Em seguida, foi submetido à intervenção com sucesso; contudo evoluiu com trombo acima do dispositivo 55 dias após implante no controle por ETE. O paciente permaneceu assintomático, tendo recebido enoxaparina 80 mg a cada 12 horas e AAS 81 mg durante 1 mês, sendo submetido novamente a ETE, que mostrou grande diminuição (> 70%) da carga trombótica (Figuras 1 a 3).

Figura 1
Imagens do ecocardiograma transesofágico. (A) Apêndice atrial esquerdo com trombo de grande dimensão em seu interior, comprometendo a borda da veia pulmonar superior esquerda (seta). (B) Apêndice atrial esquerdo após 55 dias de anticoagulação, mostrando resolução do trombo e mensuração de seu orifício de entrada. (C) Dispositivo implantado adequadamente, sem fluxo residual. (D) Presença de trombo localizado na prótese, acima do sítio de conexão do sistema de liberação, visualizado 72 dias após o procedimento (seta).
Figura 2
Imagens angiográficas em projeção oblíqua anterior direita (30°) caudal (20°). (A) Mensuração do apêndice atrial esquerdo. (B) Início da liberação do dispositivo. (C) Liberação > 50%. (D) Liberação completa do Watchman® com posicionamento adequado. (E) Controle angiográfico, mostrando discreto fluxo residual.
Figura 3
Imagens de ecocardiograma transesofágico após anticoagulação por 30 dias. Apêndice atrial esquerdo 116 dias após o procedimento, mostrando redução importante da carga trombótica (setas).

DISCUSSÃO

O implante de dispositivo Watchman® para a oclusão do AAE em pacientes de elevado risco de eventos tromboembólicos e dificuldade ou contraindicação para o uso de anticoagulantes mostrou ser factível e seguro. Esses resultados são decorrentes da experiência inicial no Equador com o uso desse dispositivo, e fazem parte de um programa de treinamento e credenciamento para oclusão percutânea do AAE dos Serviços de Hemodinâmica dos hospitais José Carrasco Arteaga e Santa Inés.

As diretrizes internacionais para o manuseio da FA não valvular recomendam a anticoagulação como tratamento de escolha na prevenção de AVC, se escore CHADS2 ≥ 2, o que representa dois terços da população portadora de FA.77. Camm AJ, Lip GY, De Caterina R, Savelieva I, Atar D, Hohnloser SH, et al. 2012 focused update of the ESC Guidelines for the management of atrial fibrillation: an update of the 2010 ESC Guidelines for the management of atrial fibrillation. Developed with the special contribution of the European Heart Rhythm Association. Eur Heart J. 2012;33(21):2719-47. Entretanto, até 50% dos pacientes com indicação para anticoagulação, mesmo em países desenvolvidos, não recebem qualquer tratamento, devido a contraindicações absolutas ou relativas, concernentes ao paciente ou ao receio do médico de provocar hemorragia iatrogênica.44. Nieuwlaat R, Capucci A, Camm AJ, Olsson SB, Andresen D, Davies DW, et al. Atrial fibrillation management: a prospective survey in ESC member countries: the Euro Heart Survey on Atrial Fibrillation. Eur Heart J. 2005;26(22):2422-34. Esse grupo de pacientes fica desprotegido da ocorrência de AVC futuro, com probabilidade de evoluir para incapacidade permanente ou morte em até 70%. Adicionalmente, um registro sueco mostrou que a taxa de permanência em anticoagulação com varfarina, como prevenção secundária de indivíduos que tiveram AVC, em até 2 anos, foi de 45%.88. Glader EL, Sjolander M, Eriksson M, Lundberg M. Persistent use of secundary preventive drugs declines rapidly the first 2 years after stroke. Stroke. 2010;41(2):397-401.

Nosso grupo de pacientes apresentou elevado risco calculado de fenômenos tromboembólicos (escore médio CHA2DS2-VASc de 4), associado a um nível social e de educação para saúde deficiente, o que nos levou a considerar o procedimento como uma alternativa apropriada, apesar de não existirem contraindicações para anticoagulação em alguns casos.

A eficácia e a segurança da oclusão percutânea do AAE com a prótese Watchman®, como alternativa à anticoagulação, em pacientes sem contraindicação, foram demostradas em dois ensaios clínicos e em vários estudos observacionais, que incluíram mais de dois mil pacientes. O ensaio emblemático foi o PROTECT-AF, que incluiu 707 pacientes com FA não valvular e escore CHADS2 ≥ 1, divididos aleatoriamente em um modelo 2:1 de não inferioridade − dispositivo vs. varfarina, com INR entre 2 a 3. O estudo demostrou que o dispositivo foi não inferior à varfarina e que foi mais eficaz na prevenção de eventos isquêmicos no seguimento aos 4 anos. Contudo, na análise de segurança, a prótese Watchman® mostrou maior número de complicações precoces, relacionadas ao procedimento, especialmente o derrame pericárdico, com necessidade de intervenção.99. Holmes DR, Reddy VY, Turi ZG, Doshi SK, Sievert H, Buchbinder M, et al. Percutaneous closure of left atrial appendage versus warfarin therapy for the prevention of stroke in patients with atrial fibrillation: a randomized non-inferiority trial. Lancet. 2009;374(9689):534-42. Foi iniciado, posteriormente, o estudo CAP Registry, com o objetivo de avaliar a segurança do procedimento e de fatores relativos à experiência do operador e à prótese. Na comparação entre o estudo PROTECT-AF (542 pacientes) e o CAP Registry (460 pacientes), em relação aos desfechos de segurança (que incluiu sangramento, derrame pericárdico, AVC e migração do dispositivo), houve diminuição significativa na taxa de complicações do procedimento de 7,7 para 3,7% (p = 0,007). Além disso, a incidência de derrame pericárdico diminuiu, nos primeiros 7 dias após o implante, de 5,0 para 2,2% (p = 0,018) e a taxa do AVC relacionado ao procedimento foi reduzida de 0,9% para zero (p = 0,039).1010. Reddy VY, Holmes DR, Doshi SK, Neuzil P, Kar S. Safety of percutaneous left atrial appendeage closure: results from the Watchman Left Atrial Appendage System for Embolic Protection in Patients with AF (PROTECT AF) clinical trial and the Continued Access Registry. Circulation. 2011;123(4): 417-24.

Um segundo ensaio clínico prospectivo, com desenho similar ao do PROTECT-AF, foi o PREVAIL, com foco na análise dos eventos precoces relacionados ao procedimento e à experiência dos operadores, que mostrou taxa elevada de sucesso do procedimento e atingiu facilmente o limite de não inferioridade nos eventos de segurança.1111. Holmes DR. Randomized trial of LAA closure vs warfarin for stroke and thromboembolic prevention in patients with non-valvular atrial fibrillation (PREVAIL). Late breaking trial session, American College of Cardiology, 2013. Assim como aconteceu com outros procedimentos intervencionistas, houve melhora significativa na segurança da oclusão do AAE com o dispositivo Watchman®, com aumento da experiência dos operadores.1010. Reddy VY, Holmes DR, Doshi SK, Neuzil P, Kar S. Safety of percutaneous left atrial appendeage closure: results from the Watchman Left Atrial Appendage System for Embolic Protection in Patients with AF (PROTECT AF) clinical trial and the Continued Access Registry. Circulation. 2011;123(4): 417-24.

11. Holmes DR. Randomized trial of LAA closure vs warfarin for stroke and thromboembolic prevention in patients with non-valvular atrial fibrillation (PREVAIL). Late breaking trial session, American College of Cardiology, 2013.
-1212. Meincke F, Schmidt-Salzmann M, Kreidel F, Kuck KH, Bergmann MW. New technical and anticoagulation aspects for left atrial appendage closure using the WATCHMAN® device in patients not taking warfarin. EuroIntervention. 2013;9(4):463-8.

Nosso estudo mostrou resultados iniciais dos desfechos clínicos relativos à segurança da prótese e da intervenção bastante satisfatórios, em procedimentos realizados em um hospital familiarizado com procedimentos estruturais e sob a supervisão de médicos certificados. No seguimento, um paciente apresentou trombo no dispositivo, o que levanta questão a respeito de sua incidência, sua implicação clínica e seu manuseio. O estudo PROTECT-AF reportou uma incidência de trombo aderido à prótese de 4,2%. Contudo, a incidência de fenômenos tromboembólicos calculado foi de 0,3 evento por 100 pacientes/ano − fato que não prejudicou os resultados totais do grupo Watchman®.99. Holmes DR, Reddy VY, Turi ZG, Doshi SK, Sievert H, Buchbinder M, et al. Percutaneous closure of left atrial appendage versus warfarin therapy for the prevention of stroke in patients with atrial fibrillation: a randomized non-inferiority trial. Lancet. 2009;374(9689):534-42.,1313. Reddy VY, Möbius-Winkler S, Miller MA, Neuzil P, Schuler G, Wiebe J, et al. Left atrial appendage closure with the Watchman device in patients with a contraindication for oral anticoagulation: the ASAP Study (ASA Plavix Feasibility Study With Watchman Left Atrial Appendage Closure Technology). J Am Coll Cardiol. 2013;61(25):2551-6. Porém, desfechos clínicos em longo prazo decorrentes da presença de trombo no dispositivo não estão claros. Tem sido levantada a hipótese de que o local de inserção do parafuso do cabo liberador tem potencial trombogênico. Uma segunda hipótese refere-se ao triângulo não coberto pela prótese Watchman®, entre a parte proximal do dispositivo e a borda superior da veia pulmonar, que poderia conter tecido trabeculado do AAE e gerar trombo. Um registro mostrou três casos com formação de trombo no dispositivo Watchman®, justamente acima do local de inserção do parafuso, respeitando a borda da veia pulmonar. Não existiram quaisquer fenômenos tromboembólicos nesse grupo de pacientes.1212. Meincke F, Schmidt-Salzmann M, Kreidel F, Kuck KH, Bergmann MW. New technical and anticoagulation aspects for left atrial appendage closure using the WATCHMAN® device in patients not taking warfarin. EuroIntervention. 2013;9(4):463-8. No nosso paciente, o trombo foi localizado de maneira similar, acima e no centro do dispositivo, sem envolver o triângulo relativo à borda superior da veia pulmonar. Não ocorreram eventos importantes, mas foi necessário iniciar e manter a anticoagulação por mais 3 meses, mesmo sem evidência clínica para tal.

Com o propósito de estabelecer a segurança e a eficácia do dispositivo Watchman® em pacientes com contraindicação e/ou dificuldade para a anticoagulação, foi desenvolvido o estudo ASAP, que incluiu 150 pacientes com FA não valvular, com média de pontuação CHADS2 de 2,8. Após o procedimento, os pacientes receberam aspirina continuamente e clopidogrel por 6 meses. Depois de um período de seguimento de 176,9 pacientes-ano, a taxa de AVC isquêmico observada foi de 1,7% por ano e a presença de trombo no dispositivo foi de 4,0%, apesar de não receberem anticoagulação nos primeiros 45 dias.1313. Reddy VY, Möbius-Winkler S, Miller MA, Neuzil P, Schuler G, Wiebe J, et al. Left atrial appendage closure with the Watchman device in patients with a contraindication for oral anticoagulation: the ASAP Study (ASA Plavix Feasibility Study With Watchman Left Atrial Appendage Closure Technology). J Am Coll Cardiol. 2013;61(25):2551-6.

Novos anticoagulantes orais têm sido avaliados recentemente em ensaios clínicos de grande escala, mostrando eficácia similar ou, ainda, superior à da varfarina, mas com incidência de sangramentos idêntica à da varfarina (2,1 a 3,6%), além de risco de provocar eventos hemorrágicos no longo prazo.55. Connolly SJ, Ezekowitz MD, Yusuf S, Eikelboom J, Oldgren J, Parekh A, et al. Dabigatran versus warfarin in patients with atrial fibrilation. N Engl J Med. 2009;361(12):1139-51.,66. Connolly SJ, Eikelboom J, Joyner C, Diener HC, Hart R, Golitsyn S, et al. Apixaban in patients with atrial fibrilation. N Engl J Med. 2011;364(9):806-17.

As condições do sistema de saúde de nossa região constituem um desafio ao tratamento adequado e ao controle estrito da anticoagulação, seja com varfarina ou com os novos anticoagulantes orais, devido às limitações advindas do acesso à atenção médica, da educação para a saúde, dos custos elevados e da disponibilidade de novos medicamentos. Portanto, o uso de dispositivos para oclusão do AAE é uma alternativa mais dispendiosa, porém válida, para os pacientes com alto risco de sangramento e eventos tromboembólicos. Não há dúvida de que é imprescindível ressaltar a necessidade de redobrar esforços para melhorar o tratamento médico baseado no uso da anticoagulação reservar a intervenção percutânea unicamente para quando essa estratégia falha.

Limitações do estudo

O tamanho da amostra foi pequeno, o que limita a avaliação de desfechos clínicos, porém a segurança do procedimento foi evidenciada, por não ter sido observada qualquer complicação a curto prazo.

CONCLUSÕES

A experiência inicial da oclusão percutânea do apêndice atrial esquerdo mostrou ser segura e eficaz como alternativa terapêutica na prevenção de fenômenos tromboembólicos em pacientes com fibrilação atrial não valvular no seguimento de curto prazo.

  • FONTE DE FINANCIAMENTO
    Não há.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2014

Histórico

  • Recebido
    02 Jan 2014
  • Aceito
    04 Mar 2014
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