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A MEDIAÇÃO SOCIOAMBIENTAL COMO INSTRUMENTO INTEGRADOR

Resumo

Este artigo tem a finalidade de analisar a possibilidade da utilização da mediação como um fim possível na resolução de conflitos socioambientais. As discussões envolvendo a proteção do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado tornam-se crescentes no país, especialmente após grandes desastres ambientais, uma vez que eles geram processos complexos, extensos e morosos. São inúmeros os atingidos que tiveram suas vidas modificadas e, de modo legítimo, essas pessoas esperam uma solução célere por parte do Poder Judiciário. Este, por sua vez, enfrenta dificuldades para compor os supramencionados litígios, seja pela ausência de corpo técnico especializado na temática ambiental, seja pela falta de recursos próprios para a solução desses conflitos ou até mesmo pela conhecida sobrecarga de trabalho. Assim, o objetivo deste texto é realizar uma análise da mediação socioambiental, tutela extrajudicial de promoção do acesso à justiça em lides ambientais. Para tanto, o método dedutivo foi utilizado, baseado na revisão bibliográfica de documentos legislativos. Ao final, concluir-se-á que a complexidade fática que embasa os conflitos socioambientais requer a utilização de meios dialógicos para sua composição, visto que o simples deferimento ou não de determinada pretensão no mais das vezes não é apto a compor litígios dessa natureza.

Palavras-chave:
solução de litígios; meio ambiente; mediação

Abstract

This article aims to analyze the possibility of using mediation as a possible end in resolving socio-environmental conflicts. The discussions involving the protection of the right to an ecologically balanced environment are growing in the country, especially after major environmental disasters, since they generate complex, lengthy, and time-consuming proceedings. Countless people have had their lives changed and, rightfully so, these people expect a swift solution from the Judiciary. The Judiciary, in turn, faces difficulties in settling the above-mentioned disputes, either due to the absence of specialized technical staff in environmental issues, or due to the lack of resources for the solution of these conflicts, or even due to the well-known work overload. Thus, the objective of this paper is to analyze socio-environmental mediation, an extrajudicial remedy to promote access to justice in environmental disputes. To this end, the deductive method was used, based on a bibliographic review of legislative documents. In the end, it will be concluded that the complexity of the facts underlying socio-environmental conflicts requires the use of dialogical means for their composition since the simple acceptance or rejection of a certain claim is often not enough to settle disputes of this nature

Keywords:
dispute resolution; environment; mediation

Resumen

Este artículo pretende analizar la posibilidad de utilizar la mediación como posible fin en la resolución de conflictos socioambientales. Las discusiones que involucran la protección del derecho a un medio ambiente ecológicamente equilibrado son crecientes en el país, especialmente después de grandes desastres ambientales, puesto que generan procesos complejos, extensos y prolongados. Son innumerables las víctimas a las que les ha cambiado la vida y, con razón, esas personas esperan una rápida solución por parte del Poder Judicial. Este, a su vez, se enfrenta a dificultades para solucionar los mencionados litigios, ya sea por la ausencia de un cuerpo técnico especializado en temas ambientales, ya sea por la falta de recursos propios para resolver esos conflictos o incluso por la conocida sobrecarga de trabajo. Así, el objetivo de este texto es realizar un análisis de la mediación socioambiental, protección extrajudicial para promover el acceso a la justicia en los conflictos ambientales. Para ello, se utilizó el método deductivo, basado en una revisión bibliográfica de documentos legislativos. Al final, se concluirá que la complejidad fáctica que subyace a los conflictos socioambientales requiere el uso de medios dialógicos para su composición, ya que la simple aceptación o rechazo de una pretensión particular a menudo no es capaz de componer disputas de esa naturaleza.

Palabras clave:
solución de litigios; medio ambiente; mediación

Introdução

As discussões relacionadas à proteção ambiental têm se tornado cada vez mais comuns. Os inúmeros desastres ambientais de impacto significativo, infelizmente, posicionaram o Brasil como protagonista no cenário ambiental internacional. Isso se deve aos derramamentos de petróleo no Nordeste, ao colapso de barragens de mineração no estado de Minas Gerais, ao desmatamento da Amazônia e a muitos outros eventos recentes.

O desenvolvimento econômico, o crescimento populacional, a urbanização e a revolução tecnológica geram mudanças no estilo de vida e nos métodos de produção e consumo da população, bem como na degradação ambiental. Esses fatores contribuem para a escalada de conflitos sociais, incluindo disputas ambientais.

À luz disso, a Organização das Nações Unidas (ONU) promoveu a Conferência de Estocolmo em 1972, que foi a primeira grande conferência dedicada às questões ambientais. Em 1992, ocorreu no Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92). Dez anos depois, em 2002, a conferência Rio+10 foi realizada em Joanesburgo, África do Sul. Além disso, em 2012, ocorreu no Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, também conhecida como Rio+20. Finalmente, em setembro de 2015, a Cúpula de Desenvolvimento Sustentável foi realizada na sede das Nações Unidas em Nova York. Durante essa reunião, todos os países membros da organização estabeleceram os novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) como parte de uma agenda abrangente de desenvolvimento sustentável chamada “Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”. Essa agenda inclui um plano de ação para as pessoas, o planeta e a prosperidade, com o objetivo de promover a paz universal e uma maior liberdade.

Essa breve visão geral dos esforços feitos pelas organizações internacionais, particularmente das Nações Unidas, demonstra uma atenção focada na preservação ambiental por quase meio século. Isto é em parte um resultado do avanço na análise científica do assunto. No entanto, é evidente que os esforços internacionais não têm sido suficientes para promover efetivamente a conservação dos recursos naturais. Isto é evidente a partir da série de conferências em curso sobre questões climáticas. Além disso, existem inúmeros interesses, principalmente interesses econômicos, que contribuem para a exploração insustentável dos recursos ambientais. No entanto, há que procurar um equilíbrio entre a garantia de uma vida saudável para as gerações presentes e futuras e a promoção do desenvolvimento econômico e social.

No contexto da promoção da paz, uma contribuição significativa surge da análise do conceito de mediação, particularmente o potencial de participação dos envolvidos na busca de uma construção coletiva de consenso. A mediação fornece um espaço reflexivo e democrático onde os conflitos podem ser resolvidos de maneira mais adequada aos vários interesses em jogo. Em um contexto de diálogo frutífero e respeitoso entre as partes envolvidas, as chances de alcançar a pacificação social aumentam exponencialmente em comparação com uma solução unilateral imposta pelo Judiciário. Isso porque a mediação permite a apresentação de inúmeras perspectivas e soluções propostas, criando um ambiente propício à satisfação de interesses originalmente conflitantes. Ao contrário do contencioso judicial, a mediação não funciona com base num quadro de legalidade ou na determinação de créditos fundados ou infundados. Em vez disso, visa chegar a uma resolução que considere as preocupações específicas das partes em disputa.

Portanto, o objetivo deste artigo é explorar de maneira dedutiva as possibilidades de utilização da mediação como instrumento adequado para a resolução de disputas socioambientais. Esse esforço se justifica por duas razões principais: em primeiro lugar, os conflitos socioambientais estão ganhando cada vez mais atenção no estudo da teoria jurídica; em segundo lugar, os métodos consensuais de resolução de conflitos estão se mostrando cada vez mais eficazes na consecução do objetivo final da justiça, que é a pacificação social.

Para alcançar o objetivo supracitado, buscou-se, inicialmente, estabelecer reflexões sobre o conceito de meio ambiente ecologicamente equilibrado, a partir de um exame do texto constitucional brasileiro e da Política Nacional do Meio Ambiente. Posteriormente, aprofundar-se-á na discussão acerca de métodos consensuais de resolução de disputas. A terceira seção do texto enfoca a mediação socioambiental, ao passo que o quarto e último tópico estabelece sua relação com o conceito de processo estrutural.

Particularmente no âmbito socioambiental, a mediação surge como uma opção intrigante, pois se esforça para facilitar a resolução de conflitos decorrentes de desastres ambientais, que muitas vezes são intrincados e desafiadores para abordar unilateralmente. Em conclusão, o objetivo deste artigo foi averiguar se, de fato, a mediação se alinha com o objetivo de estabelecer um Estado de Direito no contexto socioambiental, conforme preconizado no caput do art. 225 da Constituição Federal de ( 1988BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 2016. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/CF88_Livro_EC91_2016.pdf. Acesso em: 5 jun. 2023.
https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstrea...
). Esse objetivo implica uma perspectiva integradora do ambiente e se assenta nos princípios da dignidade humana, procurando, em última análise, fomentar o desenvolvimento de um ambiente ecologicamente equilibrado.

1 Reflexões sobre o conceito de meio ambiente ecologicamente equilibrado

O reconhecimento do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme mencionado anteriormente na introdução, está consagrado no caput do art. 225 da Constituição da República Federativa do Brasil 1 1 Segundo José Afonso da Silva (2009), as constituições brasileiras anteriores a 1988 não traziam nada específico acerca da proteção do meio ambiente natural. Já as mais recentes, desde 1946, tão somente extraíram orientação protecionista do preceito sobre a proteção da saúde e a competência da União para legislar a respeito de água, florestas, caça e pesca, o que possibilitou a elaboração de leis protecionistas como o Código Florestal e os Códigos de Saúde Pública, Água e Pesca. , delineado no Capítulo VI:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar para as presentes e futuras gerações (BRASIL, 2016).

O § 1º dessa disposição, visando assegurar a efetividade do direito constitucionalmente garantido, estabelece as seguintes subseções: (i) a preservação e restauração de processos ecológicos essenciais; (ii) a promoção da gestão ecológica de espécies e ecossistemas; (iii) a preservação do patrimônio genético do país, incluindo sua diversidade e integridade, com fiscalização de entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; (iv) a designação, em todas as unidades da Federação, de espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos. Qualquer alteração ou remoção de tais proteções é permitida apenas por lei, com proibição de qualquer uso que comprometa a integridade dos atributos que justificam sua proteção; (v) a exigência, conforme estipulado por lei, para a instalação de qualquer trabalho ou atividade com potencial de causar degradação ambiental significativa, de um estudo prévio de impacto ambiental, ao qual será dada publicidade; (vi) o controle da produção, comercialização e uso de técnicas, métodos e substâncias que envolvam risco à vida, à qualidade de vida e ao meio ambiente; e (vii) a promoção da educação ambiental em todos os níveis escolares e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente e a proteção da fauna e da flora, proibindo, na forma prescrita por lei, práticas que ponham em risco sua função ecológica, causem a extinção de espécies ou sujeitem animais à crueldade, na construção de um Estado de Direito Socioambiental. Segundo Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer ( 2010SARLET, I. W.; FENSTERSEIFER, T. Direito à saúde e proteção do ambiente na perspectiva de uma tutela jurídico-constitucional integrada dos direitos fundamentais socioambientais (DESCA). BIS, Bol. Inst. Saúde (Impr.), São Paulo, v. 12, n. 3, 2010. Disponível em: http://periodicos.ses.sp.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S151818122010000300007&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 21 jan. 2021.
http://periodicos.ses.sp.bvs.br/scielo.p...
, p. 250):

A CF 88 (art. 225, caput, c/c o art. 5º, § 2º) atribuiu à proteção ambiental e – pelo menos em sintonia com a ampla posição prevalecente no seio da doutrina e da jurisprudência – o status de direito fundamental do indivíduo e da coletividade, além de consagrar a proteção ambiental como um dos objetivos ou tarefas fundamentais do Estado – Socioambiental – de Direito brasileiro, sem prejuízo dos valores fundamentais em matéria socioambiental. Há, portanto, o reconhecimento, pela ordem constitucional, da dupla função da proteção ambiental no ordenamento jurídico brasileiro, a qual toma a forma simultaneamente de um objetivo e tarefa estatal e de um direito (e dever) fundamental do indivíduo e da coletividade, implicando todo um complexo de direitos e deveres fundamentais de cunho ecológico, muito embora a controvérsia em torno da existência de um autêntico direito subjetivo ao meio ambiente equilibrado e saudável e, em ser o caso, da natureza de tal direito (ou direitos) subjetivo, aspecto que aqui, todavia, não será desenvolvido.

De acordo com o dispositivo constitucional, mas antecedente, a Lei n. 6.938/81 trata da Política Nacional do Meio Ambiente 2 2 A Lei n. 6.938/81 estabelece, em seu art. 2º, o seguintes princípios: “I – ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo; II – racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar; III – planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais; IV – proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas; V – controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras; VI – incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais; VII – acompanhamento do estado da qualidade ambiental; VIII – recuperação de áreas degradadas; IX – proteção de áreas ameaçadas de degradação; X – educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente” (BRASIL, 1981). . Seu objetivo é preservar, melhorar e restaurar a qualidade ambiental propícia à vida, com o objetivo de garantir condições para o desenvolvimento socioeconômico, os interesses de segurança nacional e a proteção da dignidade da vida humana. Essa lei se alinha com a garantia de viver em um ambiente ecologicamente equilibrado. O art. 3º, I, da lei que institui a Política Nacional do Meio Ambiente, define o meio ambiente como ”O conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.

Portanto, com base nas normas jurídicas examinadas, pode-se inferir que o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado deve ser garantido a todos os indivíduos. Isso é essencial para promover a qualidade de vida, a igualdade e a dignidade humana. É responsabilidade e dever coletivos do Poder Público preservar e proteger o meio ambiente, a fim de promover um modo de vida harmonioso:

O meio ambiente equilibrado traz, portanto, uma nova dimensão ao direito fundamental à vida e ao princípio da dignidade da pessoa humana, visto que, no meio ambiente se desenvolve a vida humana. Assim, o ser humano está inserido no meio ambiente, dele também fazendo parte, motivo pelo qual, para que haja efetividade ao direito fundamental à vida e ao princípio da dignidade humana, que há que reconhecer a sua ligação e a interação com o meio ambiente e que ele seja ecologicamente equilibrado, a fim de propiciar o bem-estar necessário ( GAVIÃO FILHO, 2005GAVIÃO FILHO, A. P. Direito fundamental ao ambiente. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005., p. 25-28).

Essas breves considerações sobre a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado no ordenamento jurídico brasileiro têm importância fundamental para o estudo em questão. Em primeiro lugar, porque a questão ambiental tem marcos constitucionais e legislativos que não podem ser desconsiderados na resolução de disputas decorrentes do não cumprimento das normas de proteção ambiental. Naturalmente, a substância da lei e as especificidades da disputa influenciam a análise de um método particular de resolução de conflitos. Finalmente, dada a importância atribuída à proteção ambiental pela legislação brasileira, disputas dessa natureza devem ser resolvidas por meio da busca de soluções efetivas, expeditas e pacíficas. Nesse contexto, a mediação desempenha um papel crucial na consecução desse objetivo.

2 O uso de métodos de consenso na busca da paz social

No Brasil, o uso efetivo e consistente de métodos consensuais para a resolução de conflitos ainda é escasso na resolução de disputas processuais. Na sociedade brasileira, a cultura predominante ainda é a de litígio. De acordo com o relatório “Justiça em Números”, confeccionado pelo Conselho Nacional de Justiça ( 2020BRASIL. Conselho Nacional De Justiça. Justiça em Números 2020: ano-base 2019. Brasília, DF: CNJ, 2020. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/WEB-V3-Justi%C3%A7a-em-N%C3%BAmeros-2020-atualizado-em-25-08-2020.pdf. Acesso em: 22 jan. 2021.
https://www.cnj.jus.br/wp-content/upload...
), com base em dados de 2019, foram concluídos 77,1 milhões de casos aguardando resolução definitiva. Entre estes, 14,2 milhões de casos (18,5%) foram suspensos, colocados em espera ou arquivados temporariamente, aguardando futuros desenvolvimentos legais. Então, excluindo esses casos, havia 62,9 milhões de processos em andamento até o fim de 2019.

Além disso, em 2019, apenas 12,5% dos casos foram resolvidos por meio de conciliação. Em comparação com 2018, houve apenas um aumento de 6,3% no número de sentenças confirmando acordos, apesar da disposição do Código de Processo Civil, que está em vigor desde 2016 e determina a realização de audiências prévias de conciliação e mediação. Como afirmado no relatório, apenas 31,5% de todos os casos no Judiciário foram resolvidos.

Diante dessas estatísticas, o acesso às respostas judiciais torna-se excessivamente lento, comprometendo até mesmo a garantia de uma resposta judicial oportuna. Portanto, “É preciso buscar meios pacificadores, superando a mentalidade individualista, voltando nossos esforços para alcançar o bem-estar geral da sociedade” ( ZANFERDINI, 2012bZANFERDINI, F. A. M. Desjudicializar conflitos: uma necessária releitura do acesso à justiça. Novos Estudos Jurídicos, Itajaí, v. 17, n. 2, p. 237-253, 2012a. Disponível em: http://siaiap32.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/3970. Acesso em: 23 jan. 2021.
http://siaiap32.univali.br/seer/index.ph...
, p. 108).

Uma mudança de paradigmas e atitudes é necessária para a construção de uma sociedade mais equitativa, democrática e acessível para todos. Nesse sentido, a resolução de conflitos por meios consensuais, como a conciliação e a mediação, é um caminho valioso que deve ser gradativamente abraçado na realidade social.

Portanto, isso não defende a redução do acesso à justiça, que é um direito constitucionalmente garantido, mas sim a busca de soluções eficazes. “É preciso, destarte, que se implemente uma justiça mais participativa, democrática, com oferta de métodos diversificados de solução de controvérsias” ( ZANFERDINI, 2012aZANFERDINI, F. A. M. Os meios alternativos de resolução de conflitos e a democratização da justiça. Revista Eletrônica da Faculdade de Direito de Franca, Franca, v. 5, n.1, p. 105-126, 2012b. Disponível em: http://www.revista.direitofranca.br/index.php/refdf/article/view/158/100. Acesso em: 23 jan. 2021.
http://www.revista.direitofranca.br/inde...
, p. 239). A crítica de que esses métodos podem restringir o acesso à justiça não pode ter sucesso, pois seria baseada em uma concepção desatualizada e estreita do acesso à justiça. Quando os indivíduos se aproximam do Judiciário, eles procuram afirmar seus direitos que foram violados em um contexto factual específico. É de pouca importância, então, se a decisão é tomada unilateralmente pelo Poder Judiciário ou por meio de um processo consensual entre as partes. Na verdade, tudo indica que o desenvolvimento colaborativo de soluções aumenta a probabilidade de chegar a uma decisão correta, evitando, assim, novos processos que lidam com as consequências de uma questão inadequadamente resolvida.

No mesmo sentido, Humberto Theodoro Júnior ( 2005THEODORO JÚNIOR, H. Celeridade e efetividade da prestação jurisdicional. Insuficiência da reforma das leis processuais. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, São Paulo, n. 36, 2005., p. 33):

Desde que a consciência jurídica proclamou a necessidade de mudar os rumos da ciência processual para endereçamentos à problemática do acesso à justiça houve sempre quem anuncie sobre o risco de uma simplificação exagerada do processo judicial produzir o estímulo excessivo à litigiosidade, o que não corresponde ao anseio de convivência pacífica em sociedade. A proliferação de demandas por questões de somenos representa, sem dúvida, um complicador indesejável. Quando o recurso à justiça oficial representa algum ônus para o litigante, as soluções conciliatórias se as acomodações voluntárias de interesses opostos acontecem em grande número de situações, a bem da paz social. Se porém, a parte tem a seu alcance um tribunal de fácil acesso e de custo praticamente nulo, muitas hipóteses de autocomposição serão trocadas por litigiosidade em juízo. É preciso, por isso mesmo, garantir o acesso à Justiça, mas não vulgarizar, a ponto de incentivar os espíritos belicosos à prática do “demandismo” caprichoso e desnecessário.

Assim, pode-se observar que a mediação é um mecanismo significativo à disposição das partes em sua busca pela paz social, visando abrir novas portas para resoluções rápidas e efetivas. Do ponto de vista externo, existem duas vantagens principais. A primeira diz respeito à oportunidade real para as partes influenciarem o conteúdo da solução, uma vez que é elaborada em conjunto. Além disso, a mediação facilita uma busca mais rápida de reivindicações, evitando processos demorados e atrasando recursos. Do ponto de vista do Judiciário, há também um benefício substancial para a mediação. Isso ocorre porque a carga de trabalho judicial é significativamente reduzida quando as partes chegam a um acordo sobre os principais aspectos da disputa. Além disso, há um maior potencial de satisfação social com o desempenho judicial, pois não é incomum que ambas as partes fiquem insatisfeitas com determinada decisão judicial. Por fim, os membros do Poder Judiciário podem analisar disputas que não podem ser submetidas à autocomposição de maneira mais composta.

3 Mediação socioambiental: uma abordagem integrativa

A Resolução n. 125 do Conselho Nacional de Justiça, editada em 2010, foi instituída como a “Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário”. Seu objetivo é estabelecer uma política pública para o tratamento adequado das questões jurídicas e conflitos de interesse que ocorrem em grande escala e crescente na sociedade. Essa política visa organizar, a nível nacional, não apenas os serviços prestados em processos judiciais, mas também aqueles que podem ser prestados por meio de mecanismos alternativos de resolução de conflitos, especialmente métodos consensuais, como mediação e conciliação. Em essência, essa resolução reconhece a necessidade de consolidar uma política pública permanente que promova e aprimore mecanismos consensuais de resolução de disputas ( BRASIL, 2010BRASIL. Conselho Nacional De Justiça. Resolução n. 125, de 29 de novembro de 2010. Dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências. Diário de Justiça Eletrônico do CNJ n. 219, Brasília, DF, p. 2-14, 1 dez. 2010. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3366. Acesso em: 20 fev. 2021.
https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/33...
).

É importante ressaltar que o Código de Processo Civil e a Lei 13.140/2015 foram instrumentos jurídicos significativos que reconheceram o papel crucial da mediação. Nesse contexto:

A partir da promulgação da Lei 13.140/2015, conhecida como “Marco Legal da Mediação”, em 29 de junho de 2.015, concretizou-se, no Brasil, a regulamentação das atividades conciliatórias, pois foram compiladas no respectivo texto como principais regras inerentes à mediação de conflitos. O Marco Civil da Mediação se incumbiu de estabelecer expressamente as diretrizes básicas para a realização das atividades conciliatórias e os demais procedimentos alternativos à jurisdição, em todo o território nacional. Com o advento da Lei n. 13.105/2015 (Novo Código de Processo Civil) e da Lei 13.140/2015 (Lei da Mediação), finalmente, passou a reconhecer o instituto processual da mediação e das demais práticas de resolução consensual de conflitos (virtuais ou não), tendo sido, inclusive, admitidas tais práticas no âmbito do Poder Judiciário ( ZANFERDINI; NASCIMENTO JUNIOR, 2018ZANFERDINI, F. A. M.; NASCIMENTO JUNIOR, V. F. Novas tecnologias e a solução online de conflitos em uma sociedade de massa. In: ZANQUIM JUNIOR, J. W.; CHACUR, R. L. Q. Novos direitos. Direito e Justiça. São Carlos: CPOI/UFSCAR, 2018, p. 174-190. Disponível em: https://www.ceda.ufscar.br/artigos. Acesso em: 5 jun. 2023.
https://www.ceda.ufscar.br/artigos...
, p. 181-182).

Vale explicar que a mediação se refere a uma técnica de resolução de conflitos em que as próprias partes são incentivadas a buscar uma solução para a disputa. Um terceiro, um mediador imparcial, é responsável por facilitar o diálogo entre as partes, a fim de encontrar a melhor maneira de resolver o problema. Por essa razão, é uma medida autodeterminada.

As tragédias ambientais exigem ações eficazes e contundentes para responsabilizar as partes responsáveis e lidar com os danos sociais e ambientais causados. No entanto, a complexidade desses desafios não pode ser desconsiderada, e em tais situações o diálogo se torna essencial. Nesse contexto, a mediação é um instrumento crucial, pois reconhece que restringir o acesso dos indivíduos afetados ao sistema judicial por si só não garante plenamente o acesso à justiça em todos os seus aspectos.

O uso de técnicas específicas deve ser facilitado e incentivado como um mecanismo de acesso à justiça e como um instrumento capaz de restaurar o mínimo ecológico essencial necessário para uma qualidade de vida saudável por meio da mediação socioambiental. Além disso, o dano infligido aos cidadãos também deve ser adequadamente remediado de maneira satisfatória.

A fim de chegar a um consenso no caso de desastres de grande escala, levando em consideração os diversos direitos envolvidos e os conhecimentos técnicos necessários, é importante ressaltar que as “sessões ditas preparatórias (ou pré-mediação) podem ser realizadas com intuito de conduzir os mediandos à sessão final com planejamento, esclarecimentos, permitindo a concretização da informação e participação ambiental, princípios corolários da defesa do meio ambiente” ( DI PIETRO, 2019DI PIETRO, J. H. O.; MACHADO, E. D.; ALVES, F. B. Mediação socioambiental como método adequado de resolução de conflitos para (re)estabelecer o mínimo existencial ecológico nas hipóteses de desastres ambientais. Revista Catalana de Dret Ambiental, Tarragona, v. 10, n. 2, 2019. Disponível em: https://revistes.urv.cat/index.php/rcda/article/view/2618. Acesso em: 22 fev. 2021.
https://revistes.urv.cat/index.php/rcda/...
, p. 13).

Além disso, ao considerar a adoção da mediação socioambiental, o acúmulo de precedentes legais é limitado. No caso de rompimentos de barragens, aplica-se a responsabilidade objetiva, conforme tese já estabelecida no Tema Repetitivo n. 77BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Tema Repetitivo n. 77. Questão referente à responsabilidade civil em caso de acidente ambiental (rompimento de barragem) ocorrido nos Municípios de Miraí e Muriaé, Estado de Minas Gerais. Brasília, DF: Superior Tribunal de Justiça, 5 set. 2014. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=707&cod_tema_final=707. Acesso em: 23 fev. 2021.
https://processo.stj.jus.br/repetitivos/...
:

a) a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, empresa pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para sua obrigação de indenizar; b) em decorrência do acidente, a empresa deve recompor os danos materiais e morais; c) na fixação da indenização por danos morais, recomendável que o arbitramento seja feito caso a caso e com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico do autor, e, ainda, ao porte da empresa, orientando o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de modo a que, de um lado, não haja enriquecimento sem causa de quem recebe a indenização e, de outro, haja compensação efetiva pelos danos morais experimentados por aquele que fora lesado (STJ, 2021).

Há, portanto, um fundamento para a abordagem da resolução da disputa, e não é possível fugir da responsabilidade objetiva dos empreendedores em casos de desastres ambientais.

Como mencionado na seção introdutória deste artigo, o direito a um ambiente equilibrado é constitucionalmente garantido, o que significa que é um direito de todos. Esse direito impõe um dever de preservação tanto ao governo quanto aos indivíduos privados. Portanto, fica evidente a importância desse direito, destacando a necessidade de que a resolução dos conflitos ambientais seja pautada, sempre que possível, pela mediação, de modo a borrar “da forma de pensar disjuntiva (ou-ou), a fim de prevalecer um modelo de complementaridade (e-e)” (FIGUEIREDO, 2013, p. 17).

Assim, o uso da mediação socioambiental refere-se a

[...] uma temática fundamental para a construção de sociedades sustentáveis. O atual desenvolvimento das cidades, de forma multifacetada e complexa, traz em seu âmago o conflito de interesses diversos e muitas vezes antagônicos. O conflito resulta da diversidade de interesses em jogo, e sua resolução depende da capacidade de promover diálogos entre as partes envolvidas visando a superar as tensões e buscar novas formas de interação e novos rumos. Nesse sentido, a mediação é parte fundamental da educação para a sustentabilidade, pois cultiva os princípios de cultura de paz e propõe o diálogo das partes para a resolução dos conflitos ( TRENTIN; PIRES, 2013TRENTIN, T. R. D.; PIRES, N. S. Mediação Socioambiental: uma nova alternativa para gestão ambiental. Revista Direito em Debate, Ijuí, v. 21, n. 37, p. 142-161, 2013. Disponível em: https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/revistadireitoemdebate/article/view/501. Acesso em: 23 jan. 2021
https://www.revistas.unijui.edu.br/index...
).

Assim, a mediação em casos ambientais serve como um instrumento para a harmonia social, defendendo o direito a um meio ambiente equilibrado e melhorando a qualidade de vida. É importante reconhecer que nem todos os casos de danos ambientais ou situações factuais são adequados para mediação como um método adequado de resolução de conflitos. Este texto não visa elogiar cegamente ou glorificar a instituição legal de mediação sem exame crítico ou consideração de seu contexto. Em vez disso, seu objetivo é preparar o caminho para explorar a viabilidade de utilizar a mediação socioambiental em casos específicos. No entanto, é crucial reconhecer os benefícios potenciais decorrentes do emprego dessa abordagem em disputas envolvendo direitos ambientais. Isso representa o foco central deste trabalho.

4 Mediação socioambiental e o processo estrutural

A mediação socioambiental está intrinsecamente ligada ao conceito de processo estrutural, pois oferece uma oportunidade genuína de imbuir o processo com uma disposição estruturalista. É essencial, então, analisar o processo estrutural geral.

Pode-se dizer que o conceito de processo estrutural teve origem nos Estados Unidos da América na década de 1950 ( DIDIER JR.; ZANETI; OLIVEIRA, 2020DIDIER JR., F.; ZANETI JR., H.; OLIVEIRA, R. A. Elementos para uma teoria do processo estrutural aplicada ao processo civil brasileiro. Revista de Processo, São Paulo, v. 303, p. 45-81, 2020.). Durante aquele período, o Supremo Tribunal foi comumente referido como o “Tribunal Warren”, em referência ao juiz Earl Warren. Foi uma época caracterizada pelo envolvimento ativo do Tribunal na formulação da política judicial, levando a decisões históricas como Brown v. Board of Education. A decisão nesse famoso caso pode ser considerada uma decisão estrutural, uma vez que se baseou nos conceitos fundamentais que serão descritos a seguir.

O processo estrutural é o instrumento adequado para abordar questões estruturais, caracterizadas pela “existência de um estado de desconformidade estruturada – uma situação de ilicitude contínua e permanente ou uma situação de desconformidade, ainda que não propriamente ilícita, no sentido de ser uma situação que não corresponda ao estado de coisas consideradas ideais” ( DIDIER JR.; ZANETI; OLIVEIRA, 2020DIDIER JR., F.; ZANETI JR., H.; OLIVEIRA, R. A. Elementos para uma teoria do processo estrutural aplicada ao processo civil brasileiro. Revista de Processo, São Paulo, v. 303, p. 45-81, 2020., p. 2). Com base nisso, pode-se desenvolver um conceito de processo estrutural, que serve como meio para transformar dada realidade por meio da resolução de um problema estrutural ( DIDIER JR.; ZANETI; OLIVEIRA, 2020DIDIER JR., F.; ZANETI JR., H.; OLIVEIRA, R. A. Elementos para uma teoria do processo estrutural aplicada ao processo civil brasileiro. Revista de Processo, São Paulo, v. 303, p. 45-81, 2020.).

O processo estrutural é um instituto relativamente recente no trabalho cotidiano de juristas e tribunais brasileiros. Desse modo, é importante analisar sua relação com o processo coletivo, pois a complexidade inerente ao processo estrutural exige a existência de litígios coletivos. Segundo Edilson Vitorelli ( 2016VITORELLI, E. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios coletivos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.), o contencioso coletivo pode ser categorizado como global, local ou generalizado, dependendo das especificidades do caso em questão. O autor argumenta, ainda, que o litígio estrutural, ao qual ele se refere como litígio coletivo generalizado em sua tese, concedeu o prêmio Mauro Capelletti. Isso porque o litígio nesses casos decorre da operação de uma estrutura pública ou privada que gera uma situação de inconformidade jurídica, negando, assim, a efetividade dos direitos. Para abordar efetivamente a questão, é necessário transformar toda a estrutura responsável por sua ocorrência. Decisões isoladas e mudanças superficiais são insuficientes para resolver definitivamente o problema ( VITORELLI, 2018VITORELLI, E. Levando os conceitos a sério: processo estrutural, processo coletivo, processo estratégico e suas diferenças. Revista de Processo, São Paulo, v. 284, p. 333-369, 2018.).

As disputas estruturais são complexas e exigem esforços coordenados entre o governo e as organizações da sociedade civil para sua resolução. Consequentemente, o consenso destaca-se como uma de suas principais características ( DIDIER JR.; ZANETI; OLIVEIRA, 2020DIDIER JR., F.; ZANETI JR., H.; OLIVEIRA, R. A. Elementos para uma teoria do processo estrutural aplicada ao processo civil brasileiro. Revista de Processo, São Paulo, v. 303, p. 45-81, 2020.). No contexto de um processo estrutural, instrumentos como a mediação ganham ainda mais importância. A oportunidade de diferentes setores da sociedade expressarem suas opiniões sobre a resolução ideal do litígio aumenta a probabilidade de sucesso do órgão judicial.

É evidente que a complexidade inerente à maioria dos litígios ambientais dá origem a litígios estruturais. A grande maioria dos danos ambientais requer intervenção estrutural para alcançar uma cessação definitiva. Estes são casos em que apenas abordar os sintomas é insuficiente para curar a doença. Em recente decisão do Desembargador Marcelo Krás Borges, da 6ª Vara Federal de Florianópolis, foi reconhecida a existência de litígio estrutural em matéria de direito ambiental. Segue transcrição de um dos parágrafos da decisão:

Deste modo, os fatos relatados efetivamente indicam um problema de natureza estrutural, que demanda tutela jurisdicional por meio de abordagem processual também estrutural. Com efeito, existe fundamento normativo para o processo estrutural, em que pese a ausência de previsão procedimental específica. Destaque-se os princípios da solução consensual (artigo 3º do CPC) e da cooperação (artigo 6º do CPC). Também há o disposto no artigo 139, IV do CPC, como autorizador à implementação de medidas estruturantes pelo Juízo, por indicação ampla rol de medidas que dispõem para a efetiva prestação de tutela jurisdicional (BRASIL, 2021).

Trata-se de uma ação civil de classe iniciada por indivíduos da sociedade civil com o objetivo de alterar a situação atual para garantir o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, que vem sendo comprometido pela poluição sistemática ocorrida na Lagoa da Conceição. O juiz menciona várias tentativas anteriores de abordar a questão que até agora se mostraram infrutíferas. Para enfrentar o problema de modo abrangente, o juiz ordenou a criação de um Painel Judicial para a Proteção da Lagoa de Conceição. Esse painel é composto por vários órgãos estatais e representantes da sociedade civil, com o objetivo de auxiliar o tribunal no enfrentamento dos danos ambientais causados pela poluição da lagoa.

Isso, que visa reunir diversas informações sobre as possibilidades de abordar a situação ilegal, baseia-se na falta de orientação clara do sistema legal sobre como um juiz deve agir quando confrontado com tal cenário. No caso supramencionado, se o juiz tivesse proposto unilateralmente e provisoriamente uma solução específica para o problema, seria inevitavelmente considerado ativismo judicial. Isso ocorre porque os textos legais não fornecem uma resposta definitiva para situações análogas. Georges Abboud ( 2021ABBOUD, G. Direito Constitucional pós-moderno. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.), em artigo recente, discute a imensa complexidade das demandas contemporâneas enfrentadas pelo judiciário. Nesses casos, o quadro legislativo muitas vezes não oferece uma solução democraticamente adequada que possa servir de base à decisão do juiz. Segundo Abboud ( 2021ABBOUD, G. Direito Constitucional pós-moderno. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.), para evitar engajamento em ativismo, o juiz deve aderir ao paradigma processual, que envolve prover meios que facilitem soluções consensuais e diálogo baseado em procedimentos estabelecidos entre as partes envolvidas. Esta é precisamente a situação em questão.

Considerações finais

Os inúmeros desastres e calamidades ambientais já demonstraram suas graves consequências, como a destruição de paisagens, esgotamento de recursos naturais, altas taxas de vítimas ou de pessoas que vivem em áreas contaminadas, entre muitas outras. O desenvolvimento econômico, o crescimento populacional, a urbanização e os avanços tecnológicos refletem mudanças nos estilos de vida, modos de produção e consumo das pessoas, além de contribuir para a degradação ambiental. Esses fatores muitas vezes levam a conflitos, particularmente conflitos ambientais. A reflexão e a mudança no comportamento humano são cruciais para a escolha de uma vida mais harmoniosa, em equilíbrio com a garantia de qualidade de vida para todos, requerendo de uma mudança nos hábitos culturais.

Frequentemente, desastres ambientais dão origem a litígios estruturais complexos que são difíceis de resolver. Em tais situações, a resposta judicial nem sempre alcança a pacificação das partes envolvidas ou a conciliação dos inúmeros interesses em jogo, especialmente considerando a pesada carga de trabalho com que o judiciário lida diariamente. Por um lado, as vozes das pessoas afetadas por danos ambientais devem ser ouvidas. Por outro lado, as atividades dos responsáveis pelos danos – muitas vezes pessoas jurídicas privadas – não podem parar sem causar desemprego e recessão, agravando ainda mais a situação já frágil. Assim, a mediação socioambiental surge como uma abordagem eficaz, apropriada e sustentável para abordar de maneira abrangente os conflitos. Por todas as razões, a mediação serve como um verdadeiro mecanismo de acesso à justiça, capaz de promover a harmonia social e a realização de uma política pública consistente, particularmente em disputas socioambientais.

Assim, a instituição alinha-se ao desenvolvimento de um Estado de Direito Socioambiental, como preconiza o caput do art. 225 da Constituição da República Federativa do Brasil de ( 1988BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 2016. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/CF88_Livro_EC91_2016.pdf. Acesso em: 5 jun. 2023.
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), ao fomentar a integração com o meio ambiente e fundamentar seus princípios na dignidade da pessoa humana, visando à construção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Referências

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  • Como citar este artigo (ABNT):
    ZANFERDINI, F. A. M.; JURCA, G. C. A.; MURACA, L. F. M. Mediação socioambiental como instrumento integrador. Veredas do Direito, Belo Horizonte, v. 20, e202217, 2023. Disponível em: http://www.domhelder.edu.br/revista/index.php/veredas/article/view/2217. Acesso em: dia mês ano.
  • 1
    Segundo José Afonso da Silva (2009SILVA, J. A. Direito Ambiental Constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.), as constituições brasileiras anteriores a 1988 não traziam nada específico acerca da proteção do meio ambiente natural. Já as mais recentes, desde 1946, tão somente extraíram orientação protecionista do preceito sobre a proteção da saúde e a competência da União para legislar a respeito de água, florestas, caça e pesca, o que possibilitou a elaboração de leis protecionistas como o Código Florestal e os Códigos de Saúde Pública, Água e Pesca.
  • 2
    A Lei n. 6.938/81 estabelece, em seu art. 2º, o seguintes princípios:
    “I – ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo;
    II – racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar;
    III – planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais;
    IV – proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas;
    V – controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras;
    VI – incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais;
    VII – acompanhamento do estado da qualidade ambiental;
    VIII – recuperação de áreas degradadas;
    IX – proteção de áreas ameaçadas de degradação;
    X – educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente” (BRASIL, 1981BRASIL. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 16509, 2 set. 1981. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm. Acesso em: 19 jan. 2021.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    18 Ago 2021
  • Aceito
    06 Jun 2023
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