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O FIM DO DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO E À NUTRIÇÃO ADEQUADAS

Resumo

Diante da relevância do tema do direito à alimentação e à nutrição adequadas, busca-se, utilizando pesquisa bibliográfica e documental, compreender sua complexidade e seu enquadramento como direito humano fundamental, conforme uma perspectiva crítica, plural e contra-hegemônica. A relevância do tema reside no estado grave de insegurança alimentar que permeia, em especial, a realidade brasileira, necessitando compreender a complexidade do conceito do direito à alimentação e à nutrição adequadas, suas prescrições normativas e a soberania alimentar. O objetivo geral é compreender crítica e contra-hegemonicamente o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas. Os objetivos específicos são investigar: (1) os fundamentos do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas; (2) as previsões normativas garantidoras do direito em estudo; e (3) a leitura crítica dos direitos humanos e sua relação com o direito à alimentação e à nutrição adequadas. Quanto à metodologia, utiliza-se pesquisa bibliográfica e documental, partindo do materialismo histórico dialético e da teoria crítica dos direitos humanos. Conclui-se que a efetividade dos direitos humanos à alimentação e à nutrição adequadas passa pela soberania alimentar, no sentido de proporcionar não apenas o alimento, mas a alimentação culturalmente adequada à singularidade da população que se está tratando, conforme uma visão crítica desse direito como direito humano.

Palavras-chave:
direito à alimentação e à nutrição adequadas; direito humano; insegurança alimentar; realidade brasileira; soberania alimentar

Abstract

In front of the relevant theme of the right to adequate food and nutrition, we seek, through bibliographical and documental research, to understand its complexity and its framework as a fundamental human right, according to a critical, plural and counter-hegemonic perspective. The relevance of the theme is based on the serious state of food insecurity that permeates, in particular, the Brazilian reality, requiring understanding the complexity of the concept of the right to adequate food and nutrition, its normative prescriptions and food sovereignty. The main objective is to critically and counter-hegemonically understand the human right to adequate food and nutrition. Specific objectives are to investigate: (1) the foundations of the human right to adequate food and nutrition; (2) the normative provisions guaranteeing the right under study; and (3) the critical reading of human rights and their relationship with the right to adequate food and nutrition. As for the methodology, bibliographical and documentary research is used, starting from dialectical historical materialism and the critical theory of human rights. It’s concludes that the effectiveness of the human rights to adequate food and nutrition goes through food sovereignty, in the sense of providing not only food, but culturally adequate food for the uniqueness of the population being treated, according to a critical view of this right as a human right.

Keywords:
right to adequate food and nutrition; human law; food insecurity; Brazilian reality; food sovereignty

Resumen

Ante la relevancia del tema del derecho a una alimentación adecuada y a la nutrición, la investigación bibliográfica y documental busca comprender su complejidad y su encuadre como derecho humano fundamental, conforme a una perspectiva crítica, plural y contrahegemónica. La relevancia del tema radica en el grave estado de inseguridad alimentaria que impregna, en particular, la realidad brasileña, lo que requiere una comprensión de la complejidad del concepto del derecho a una alimentación adecuada y a la nutrición, sus prescripciones normativas y la soberanía alimentaria. El objetivo general es comprender de forma crítica y contrahegemónica el derecho humano a una alimentación y nutrición adecuadas. Los objetivos específicos son investigar: (1) los fundamentos del derecho humano a una alimentación adecuada y a la nutrición; (2) las disposiciones normativas que garantizan el derecho en estudio; y (3) la lectura crítica de los derechos humanos y su relación con el derecho a una alimentación adecuada y a la nutrición. En cuanto a la metodología, se utiliza la investigación bibliográfica y documental, basada en el materialismo histórico dialéctico y la teoría crítica de los derechos humanos. Se concluye que la efectividad del derecho humano a una alimentación adecuada y a la nutrición depende de la soberanía alimentaria, en el sentido de proporcionar no sólo alimentos, sino también alimentos culturalmente adecuados a la singularidad de la población tratada, según una visión crítica de ese derecho como derecho humano.

Keywords:
derecho a una alimentación adecuada y a la nutrición; derecho humano; inseguridad alimentaria; realidad brasileña; soberanía alimentaria

Introdução

O título deste artigo, “O fim do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas”, é inspirado na obra do autor grego Costa Douzinas, intitulada O fim dos direitos humanos ( 2009DOUZINAS, C. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009.), apresentando a palavra “fim” duplo sentido: ou finalidade, ou término. Do mesmo modo, encaram-se os paradoxos dos direitos humanos, entre eles: nunca antes na humanidade existiram tantos direitos humanos e, ao mesmo tempo, tanta violação de direitos humanos. De maneira análoga, nunca antes houve tantas previsões normativas referentes ao direito humano à alimentação e à nutrição adequadas, no âmbito internacional e nacional, ao mesmo tempo que se vivenciam constantes violações desse direito, sendo necessário debater sua finalidade, para não resultar em seu término.

Tal cenário de continuidade de violações de direitos humanos não foi diferente durante a pandemia de COVID-19, no qual é possível identificar o questionamento e a desconsideração de vários direitos, a exemplo do direito à saúde, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e, em especial, à segurança alimentar. Com isso, em uma perspectiva mundial, percebe-se que a insegurança alimentar se agravou com a pandemia de COVID-19, também sendo possível verificar, nas realidades latino-americana, caribenha e brasileira, suas implicações quanto à garantia de direitos e à subsistência de sujeitos.

Diante do atual cenário pós-pandemia de COVID-19, percebe-se a relevância do tema do direito à alimentação e à nutrição adequadas, justificando-se esta pesquisa. Desse modo, ao considerar a complexidade do tema referente ao direito à alimentação e à nutrição adequadas, bem como a realidade de desrespeito a direitos humanos, mantidos no contexto pós-pandemia de COVID-19, encara-se como problema a indagação: em que medida é possível compreender, de maneira crítica e contra-hegemônica, o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas?

Assim, este artigo tem como objetivo geral compreender, crítica e contra-hegemonicamente, o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas. Especificamente, busca investigar: (1) os fundamentos do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas; (2) as previsões normativas garantidoras do direito em estudo; e (3) a leitura crítica dos direitos humanos e sua relação com o direito à alimentação e à nutrição adequadas.

Quanto a metodologia, este artigo vale-se de pesquisa bibliográfica, com revisão de literatura pertinente à temática, bem como pesquisa documental, com identificação e análise de dados secundários a partir relatórios a respeito da alimentação e nutrição adequadas. Esta produção científica parte do referencial teórico do materialismo histórico dialético, bem como da teoria crítica dos direitos humanos.

1 Sobre o direito à alimentação e à nutrição adequadas: da monocultura da mente a novas perspectivas

No que diz respeito ao direito à alimentação e à nutrição adequadas, parte-se da perspectiva de entendê-lo como um direito humano fundamental, envolvo pelas particularidades da sociedade complexa, tangenciado pelos mais diversos aspectos políticos, econômicos e sociais existentes em dada realidade, a exemplo do Brasil. Consiste em temática relevante, principalmente ao considerar o contexto recente decorrente da pandemia de COVID-19.

Inicialmente, importa destacar números pertinentes ao debate do direito à alimentação e à nutrição adequadas. Conforme o relatório Hunger Hotspots, a pandemia impactou o decréscimo de 3,5% do PIB mundial em 2020, com maiores impactos no Sul da Ásia e na América Latina, e também em países marcados pela estagnação em seu crescimento e com economias frágeis. Ainda conforme o mencionado relatório, em 2020, de 720 a 811 milhões de pessoas enfrentaram a fome, correspondendo a um acréscimo de 161 milhões comparado a 2019. Ademais, 2,37 bilhões de indivíduos não teriam acesso à alimentação adequada em 2020, com um acréscimo de 320 milhões de pessoas em apenas um ano ( FAO; WFP, 2021FAO – FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS; WFP – WORLD FOOD PROGRAMME. Hunger Hotspots: FAO-WFP early warnings on acute food insecurity – august to november 2021 outlook. Rome: FAO, 2021. Disponível em: https://docs.wfp.org/api/documents/WFP-0000130653/download/?\_ga=2.255427336.1869158940.1686061180-500521181.1686061180. Acesso em: 3 nov. 2021.
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).

No que diz respeito à América Latina e Caribe, segundo o Panorama de la seguridad alimentaria y nutrición en América Latina y el Caribe ( 2020FAO – ORGANIZACIÓN DE LA NACIONES UNIDAS PARA LA ALIMENTACIÓN Y LA AGRICULTURA et al. Panorama de la seguridad alimentaria y nutrición en América Latina y el Caribe 2020. Santiago: FAO, 2020. Disponível em: https://www.fao.org/3/cb2242es/cb2242es.pdf. Acesso em: 8 out. 2021.
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), nos últimos cinco anos, a subalimentação aumentou, chegando em 2019 com 7,4% da população em situação de fome, equivalente a 47,7 milhões de pessoas. Segundo o relatório em questão, tal acréscimo deve-se a um contexto de desaceleração de crescimento econômico, aumento da pobreza, eventos climáticos e crises políticas ( FAO et al., 2020 FAO – ORGANIZACIÓN DE LA NACIONES UNIDAS PARA LA ALIMENTACIÓN Y LA AGRICULTURA et al. Panorama de la seguridad alimentaria y nutrición en América Latina y el Caribe 2020. Santiago: FAO, 2020. Disponível em: https://www.fao.org/3/cb2242es/cb2242es.pdf. Acesso em: 8 out. 2021.
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).

A pandemia da COVID-19 trouxe impacto significativo sobre a alimentação dos indivíduos, apontando a necessidade de medidas urgentes a serem tomadas pelos países, sob pena de resultar em uma crise alimentar. Em 2020, o aumento da pobreza extrema afetara 83,4 milhões de indivíduos, ressaltando-se que desse incremento em tempos de crise sanitária segue uma tendência que se observa desde 2014 ( CEPAL; FAO, 2020CEPAL – COMISIÓN ECONÓMICA PARA AMÉRICA LATINA Y EL CARIBE; FAO – ORGANIZACIÓN DE LA NACIONES UNIDAS PARA LA ALIMENTACIÓN Y LA AGRICULTURA. Cómo evitar que la crisis del COVID-19 se transforme en una crisis alimentaria: acciones urgentes contra el hambre en América Latina y el Caribe. Informe COVID-19, 16 jun. 2020. Disponível em: https://www.cepal.org/es/publicaciones/45702-como-evitar-que-la-crisis-covid-19-se-transforme-crisis-alimentaria-acciones. Acesso em: 8 out. 2021.
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).

No contexto brasileiro, a situação da fome pode ser observada antes e durante a pandemia. Em 2014, o Brasil saiu do mapa mundial da fome da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), vez que o índice de indivíduos em subalimentação caiu para menos de 5%, conforme aponta o II Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – PLANSAN 2016-2019 ( CAISAN, 2017CAISAN – CÂMARA INTERMINISTERIAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL. Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – PLANSAN 2016-2019. Brasília, DF: MDSA, 2017. Disponível em: https://bibliotecadigital.seplan.planejamento.gov.br/bitstream/handle/123456789/1035/plansan_2016_19.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 22 set. 2021.
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). Observa-se, ainda, que, apesar da saída do Brasil do mapa da fome da ONU em 2014, desde 2013 há uma queda dos níveis de segurança alimentar da população brasileira, com elevação expressiva da insegurança alimentar leve, seguida por aumentos nos índices de insegurança alimentar moderada e grave ( PENSSAN, 2021REDE PENSSAN. VIGISAN – Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil. 2021. Disponível em: http://olheparaafome.com.br/VIGISAN_Inseguranca_alimentar.pdf. Acesso em: 22 set. 2021.
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).

Com isso, em 2017, o Brasil já contava com 84,9 milhões de brasileiros que se encontravam em algum grau de insegurança alimentar. Destes, 10,3 milhões encontravam-se em situação de grave insegurança alimentar ( CASTRO, 2021, p. 7CASTRO, T. P. O Dhana e a Covid-19: o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas no contexto da pandemia. Brasília, DF: FIAN Brasil, 2021. Disponível em: https://fianbrasil.org.br/informe-o-dhana-e-a-covid-19-o-direito-humano-a-alimentacao-e-a-nutricao-adequadas-no-contexto-da-pandemia/. Acesso em: 21 jul. 2021.
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). Já no período pandêmico, em 2020, de 211,7 milhões de brasileiros, 116,8 milhões conviviam com a insegurança alimentar, dos quais 43,4 milhões não tinham alimentos suficiente e 19 milhões enfrentavam a fome ( PENSSAN, 2021, p. 10REDE PENSSAN. VIGISAN – Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil. 2021. Disponível em: http://olheparaafome.com.br/VIGISAN_Inseguranca_alimentar.pdf. Acesso em: 22 set. 2021.
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).

Já em 2021, verifica-se que apenas 41,3% dos domicílios brasileiros conviviam com a segurança alimentar, e 15,5% já tinham a insegurança alimentar grave, fome, presente em seu cotidiano, o que representa mais de 33 milhões de indivíduos ( PENSSAN, 2021, p. 10REDE PENSSAN. VIGISAN – Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil. 2021. Disponível em: http://olheparaafome.com.br/VIGISAN_Inseguranca_alimentar.pdf. Acesso em: 22 set. 2021.
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). Em um ano, houve incremento de mais 14 milhões de indivíduos em insegurança alimentar grave, subindo de 9% para 15,5%, ou seja, passou-se, em 2022, de 10 milhões para o número de 33,1 milhões de indivíduos em situações de fome ( PENSSAN, 2022, p. 18REDE PENSSAN. II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da COVID-19 no Brasil. Fundação Friedrich Ebert : Rede PENSSAN, 2022. Disponível em: https://olheparaafome.com.br/wp-content/uploads/2022/06/Relatorio-II-VIGISAN-2022.pdf. Acesso em: 22 jan. 2023.
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).

Trata-se de números alarmantes, que implicam a necessidade de pensar criticamente o direito à alimentação e à nutrição adequadas. Para tal, importa o resgate histórico do referido direito, para uma abordagem crítica de seu surgimento. Assim, busca-se compreendê-lo desde sua ambientação, o que Shiva ( 2003, p. 17SHIVA, V. Monoculturas da mente: perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia. São Paulo: Gaia, 2003.) nomeia de “monoculturas da mente”, ou seja, a construção de modelos de produção que destroem a diversidade e legitimam a destruição como progresso e crescimento, posteriormente transferidas para o solo 1 1 Destaca-se, ainda, que “está na ideologia dominante que Vandana [Shiva] chama de monoculturas da mente, as quais trazem em seu bojo a convicção absoluta de que este paradigma é a solução para os problemas de todos os lugares do planeta, independentemente de localização geográfica, ecossistemas, clima, populações instaladas com organizações sociais e políticas próprias e com tradições milenares de cultivo de terras, com cuidado da biodiversidade que inclui respeito aos ciclos da vida” ( VIEZZER, 2003, p. 10). , até releituras e reflexões que o fazem caminhar para novas perspectivas.

Desse modo, inicia-se o debate na década de 1910, visto que o conceito de direito à alimentação adequada e a perspectiva de concessão de segurança alimentar e nutricional decorre do processo histórico, com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) como marco importante. Sua concepção inicial estava voltada, segundo Burity et al. ( BURITY, 2010, p. 11BURITY, V. et al. Direito humano à alimentação adequada no contexto da segurança alimentar e nutricional. Brasília, DF: Abrandh, 2010. Disponível em: https://www.redsan-cplp.org/uploads/5/6/8/7/5687387/dhaa_no_contexto_da_san.pdf. Acesso em: 30 set. 2021.
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), à ideia de cada nação produzir seus alimentos, atuando como um imperativo de segurança nacional. Após a Segunda Guerra Mundial, a segurança alimentar passou a ser observada conforme o parâmetro da suficiência ou insuficiência de alimentos.

Seguindo para a década de 1940, o marco histórico relevante acerca do tema do direito à alimentação é a Conferência de Alimentação de Hot Springs (1943), realizada nos Estados Unidos, caracterizando-se, conforme Silva ( SILVA, 2014, p. 9SILVA, S. P. A trajetória histórica da segurança alimentar e nutricional na agenda política nacional: projetos, descontinuidades e consolidação. Rio de Janeiro: Ipea, 2014. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3019/1/TD_1953.pdf. Acesso em: 30 set. 2021.
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), como a primeira convocada pela Organização das Nações Unidas para tratar sobre a fome, sendo marcada por definir a criação da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), consolidada em 16 de outubro de 1945 e considerada a mais relevante organização no quesito de elaboração e planejamento estratégico de combate a fome no planeta.

Já na década de 1970, importante momento histórico na construção do direito à alimentação deu-se com a I Conferência Mundial de Alimentação (1974), realizada em Roma. Diante de um estado de escassez de alimentos, somado a um contexto de lutas pelo fim de dominações coloniais na África e Ásia, Silva ( 2014, p. 10SILVA, S. P. A trajetória histórica da segurança alimentar e nutricional na agenda política nacional: projetos, descontinuidades e consolidação. Rio de Janeiro: Ipea, 2014. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3019/1/TD_1953.pdf. Acesso em: 30 set. 2021.
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) pontua que tal conferência implicou a necessidade de uma maior produção de alimentos e a consequente necessidade de modernização da produção agrícola e aumento de produtividade via uso de agrotóxicos e fertilizantes, ao que se denominou Revolução Verde − uma “fórmula para introduzir as monoculturas e acabar com a diversidade”, implicando a “introdução do controle centralizado da agricultura e à erosão da tomada de decisões” ( SHIVA, 2003, p. 16SHIVA, V. Monoculturas da mente: perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia. São Paulo: Gaia, 2003.).

Conforme registrado no documentário O veneno está à mesa, dirigido por Sílvio Tendler ( O VENENO..., 2011O VENENO está na mesa. Direção: Silvio Tendler. Rio de Janeiro: Caliban Produções Cinematográficas, 2011. 1 vídeo (49 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=V9KJyR9hxJI. Acesso em 26 fev. 2023.
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), a Revolução Verde localiza-se temporalmente no pós-2ª Guerra, prometendo modernização do campo, incentivando o monocultivo e a expulsão de camponeses. A transgenia avançou em nome do aumento da produtividade, com intensificação do uso de agrotóxicos − danosos aos que operam sua aplicação e aos que consumem os alimentos cultivados −, tecnologia utilizada na revolução verde proveniente da utilizada na guerra.

A Revolução Verde, nos termos de Ferraz ( 2017, p. 22FERRAZ, M. A. Direito humano à alimentação e sustentabilidade no sistema alimentar. São Paulo: Paulinas: 2017.), caracteriza-se pela monocultura, latifúndio, intensa mecanização e uso massivo de agrotóxicos, pesticidas, fertilizantes e transgênicos, tudo em busca de alta produtividade. Como consequência, acarreta a acumulação de terras, a expulsão de camponeses, a ameaça à cultura alimentar nativa e a contaminação do meio ambiente. Ainda segundo o autor, os camponeses expulsos são os que migram para as favelas humanas, em razão da fome.

Ademais, destaca-se:

A Revolução Verde substituiu não só as variedades de sementes, mas sagras inteiras do Terceiro Mundo. Assim como as sementes das comunidades locais eram consideradas “primitivas” e “inferiores” pela ideologia da Revolução Verde, as safras de alimentos foram consideradas “marginais”, “inferiores” e “de má qualidade”. [...] aquilo que a Revolução Verde declarou serem cereais “inferiores” são, na verdade, superiores em teor nutritivo aos cereais tidos como “superiores”, o arroz e o trigo ( SHIVA, 2003, p. 39–40SHIVA, V. Monoculturas da mente: perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia. São Paulo: Gaia, 2003.).

No Brasil, trata-se de um modelo de produção que se hegemoniza, considerado, conforme Augusto et al. ( 2015, p. 96–97AUGUSTO, L. G. S. et al. Parte 2 – Saúde, ambiente e sustentabilidade. In: CARNEIRO, F. F. et al. (org.). Dossiê ABRASCO: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. São Paulo: Expressão Popular, 2015. p. 89-191.), “perverso em seu modo de propriação/exploração/expropriação da natureza e da força de trabalho”. O uso de agrotóxicos caracteriza-se por um “potencial morbígeno e mortífero”, somado à expansão de latifúndios com alto grau de externalidades negativas, ou seja, impactos socioambientais. Neste ponto, já merece reflexão a presença de alimentos industrializados, fruto de uma monocultura propiciada pela Revolução Verde, sendo estes distribuídos e comercializados massivamente, em detrimento da cultura alimentar e sistemas agrícolas de cada nação.

A título de exemplo, destaca-se a narrativa de agricultores impactados pelo referido sistema de produção: para agricultor Fernando Ataliba, agricultor de Indaiatuba/SP, a Revolução Verde destruiu o conhecimento da agricultura tradicional e criou um negócio novo; segundo o agricultor gaúcho de Caiçara, Roberto Carlos Lazarotto, a quantidade de produção aumentou pela troca de sementes híbridas, deixando-se de usar as crioulas, acarretando na falta de controle e na perda daquelas ( O VENENO…, 2011VALENTE, F. L. S. Direito humano à alimentação: desafios e conquistas. São Paulo: Cortez, 2002.).

Agudiza o desaparecimento do saber local, decorrente da interação com um sistema dominante que, apesar de também local, marcado por certa cultura, classe e gênero, globaliza-se, impondo uma cultura dominadora e colonizadora ( SHIVA, 2003SHIVA, V. Monoculturas da mente: perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia. São Paulo: Gaia, 2003.). Assim, identifica-se uma “devastação da sabedoria milenar existente na humanidade, imperando um saber dito científico, transferindo a ideologia e os valores da monocultura aos produtores e produtoras, consumidores e consumidoras por meio do controle ideológico, sociocultural e econômico” ( VIEZZER, 2003, p. 11VIEZZER, M. Apresentação. In: SHIVA, V. Monoculturas da mente: perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia. São Paulo: Gaia, 2003. p. 9-14.).

Retornando ao contexto histórico, já nos anos 1980, mesmo diante do aumento de produtividade dos alimentos, com a queda do preço e sua introdução no mercado por meio de alimentos industrializados, persistia o problema da fome, conforme Burity et al. ( 2010, p. 12BURITY, V. et al. Direito humano à alimentação adequada no contexto da segurança alimentar e nutricional. Brasília, DF: Abrandh, 2010. Disponível em: https://www.redsan-cplp.org/uploads/5/6/8/7/5687387/dhaa_no_contexto_da_san.pdf. Acesso em: 30 set. 2021.
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). Observou-se, assim, que a segurança nutricional deveria passar pela garantia de suficiente acesso físico e econômico de todos aos alimentos, já que a pobreza e desigualdade social impedia desse acesso.

Na década de 1990, conforme relata Custódio et al. ( 2015, p. 6CUSTÓDIO, M. B. et al. Segurança alimentar e nutricional e a construção de sua política: uma visão histórica. Segurança Alimentar e Nutricional, Campinas, v. 18, n. 1, p. 1, 9 fev. 2015. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/san/article/view/8634683. Acesso em: 12 ago. 2021.
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), durante a Conferência Internacional de Nutrição de Roma (1992), realizada pela FAO, incorporou-se o aspecto nutricional, sanitário, biológico e cultural dos alimentos. Aqui, houve destaque a uma visão mais ampliada do direito à alimentação, bem como à ideia de segurança alimentar correspondente à segurança alimentar e nutricional.

No cenário brasileiro, merece destaque a preparação para a Cúpula Mundial de Alimentação de 1996, com a elaboração de relatório sobre a situação alimentar no Brasil, fruto do trabalho do governo, entes privados e sociedade civil. Naquele, traz-se a concepção de segurança alimentar e nutricional, pautada na dignidade da pessoa humana, acesso permanente e suficiente a alimentos qualificados como seguros e de qualidade, com foco em uma alimentação saudável ( CUSTÓDIO, 2015, p. 2015CUSTÓDIO, M. B. et al. Segurança alimentar e nutricional e a construção de sua política: uma visão histórica. Segurança Alimentar e Nutricional, Campinas, v. 18, n. 1, p. 1, 9 fev. 2015. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/san/article/view/8634683. Acesso em: 12 ago. 2021.
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, p. 3).

Desse modo, apesar da predominância de um modelo de produção ainda baseado no uso de agrotóxicos, transgênicos, monoculturas e latifúndios, percebe-se novas perspectivas para a substanciação do direito à alimentação e à nutrição adequadas. Por outro lado, não refletir a respeito do sistema de produção analisado e do direito à alimentação e à nutrição adequadas, implica a continuidade de características criticadas por Shiva ( 2003, p. 78SHIVA, V. Monoculturas da mente: perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia. São Paulo: Gaia, 2003.), visto que o sistema dominante de saber tem relação íntima com o economicismo, implicando a contínua dissociação das necessidades humanas, incompatibilizada com a igualdade e a justiça, sendo fragmentador, colonizador e afastado dos contextos concretos, criando obstáculos ao acesso e à participação de sujeitos – consolidando uma “monocultura mental” ( SHIVA, 2003, p. 78SHIVA, V. Monoculturas da mente: perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia. São Paulo: Gaia, 2003.).

A título exemplificativo e em consonância com Tendler ( O VENENO..., 2014O VENENO está na mesa II. Direção: Silvio Tendler. Rio de Janeiro: Caliban Produções Cinematográficas, 2014. 1 vídeo (01h10min01seg). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=fyvoKljtvG4&t=15s. Acesso em 26 fev. 2023.
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), em seu documentário “O veneno está na mesa II”, destacam-se algumas consequências do sistema de produção de alimentos dominantes: a laranja, importante para o consumo humano, pode ser cultivada com fosfomete, tóxico para o sistema nervoso, e triclorfom, que pode causar câncer, fetos anormais, aborto e infertilidade; a banana, com triclorfom e com carbofurano, este pode ocasionar câncer, puberdade precoce, infertilidade e aborto; a cebola, com parationa metília, que também pode causar câncer, puberdade precoce, infertilidade e aborto; a maçã, com fosfomete e abamectina, que influencia a má formação fetal, aborto, infertilidade e intoxicação aguda, além do uso de cihexatina, que pode causar câncer; e as hortaliças cultivadas com acefato, que atua na má formação fetal, aborto, infertilidade e intoxicação aguda.

Assim, é necessária essa concepção mais alargada do direito humano à alimentação e à nutrição que, segundo Burity ( 2021, p. 41BURITY, V. Conceito e base legal do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (DHANA). In: BURITY, V. T. A. et al. (org.). O direito humano à alimentação e à nutrição adequadas: enunciados jurídicos. Brasília, DF: Fian Brasil, 2021. p. 39-50. Disponível em: https://fianbrasil.org.br/wp-content/uploads/2021/04/Enunciados_Eletronico\_.pdf. Acesso em: 30 set. 2021.
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), pode ser compreendido sob dois aspectos: “o direito de estar livre da fome e o direito a uma alimentação e nutrição adequadas”. Na busca por um conceito que reflita o direito à alimentação no contexto brasileiro, encontra-se a conceituação de Valente ( VALENTE, 2002, p. 48VALENTE, F. L. S. Direito humano à alimentação: desafios e conquistas. São Paulo: Cortez, 2002.):

Com base em todo o debate desenvolvido nesse período, construiu-se o conceito brasileiro, segundo o qual, segurança alimentar e nutricional consiste em garantir a todos condições de acesso a alimentos básicos seguros e de qualidade, em quantidade suficiente, de modo permanente e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, com base em práticas alimentares saudáveis, contribuindo assim para uma existência digna em um contexto de desenvolvimento integral da pessoa humana.

Ressalta-se que esta reflexão se aterá à perspectiva do direito à alimentação de estar livre da fome, considerando a situação de insegurança alimentar grave, diante da própria emergência que acarreta o referido tema. Tal perspectiva não diminui a relevância da nutrição adequada, cuja complexidade, inerente ao próprio direito à alimentação e à nutrição adequadas, merece um tratamento peculiar, vez que as problemáticas de seu não atendimento não deriva a fome, mas diversas consequências da ingestão de alimentos nutricionalmente inadequados.

Desse modo, após apresentar criticamente os aspectos históricos do surgimento do direito à alimentação e à nutrição adequadas, atentar à problemática da monocultura da mente e pontuar a necessidade de reflexão crítica para novas possibilidades a respeito do referente direito, passa-se à abordagem de sua previsão normativa, tanto no âmbito internacional quanto no âmbito nacional.

2 Previsão normativa e dimensões do direito à alimentação e à nutrição adequadas

O plano normativo, no âmbito internacional, conta com dois diplomas relevantes no que diz respeito ao direito humano à alimentação e à nutrição adequadas: a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948 2 2 Artigo 25, 1, Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade (grifos nossos) ( ONU, 1948). , bem como o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966 3 3 Artigo 11, Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966: 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequando para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento. 2. Os Estados Partes do presente Pacto, reconhecendo o direito fundamental de toda pessoa de estar protegida contra a fome, adotarão, individualmente e mediante cooperação internacional, as medidas, inclusive programas concretos, que se façam necessárias para: a) Melhorar os métodos de produção, conservação e distribuição de gêneros alimentícios pela plena utilização dos conhecimentos técnicos e científicos, pela difusão de princípios de educação nutricional e pelo aperfeiçoamento ou reforma dos regimes agrários, de maneira que se assegurem a exploração e a utilização mais eficazes dos recursos naturais; b) Assegurar uma repartição equitativa dos recursos alimentícios mundiais em relação às necessidades, levando-se em conta os problemas tanto dos países importadores quanto dos exportadores de gêneros alimentícios (grifos nossos) ( BRASIL, 1992). , introduzido no ordenamento jurídico brasileiro via Decreto n. 591, de 6 de julho de 1992 ( BRASIL, 1992BRASIL. Decreto n. 591, de 6 de julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Promulgação. Brasília, DF: Presidência da República, [1992]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm. Acesso em: 29 set. 2021.
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). Assim, no plano internacional observa-se a previsão expressa do direito à alimentação e à nutrição adequadas tanto no aspecto da existência quanto da suficiência e qualidade dos alimentos a serem consumidos.

No plano constitucional, previsto no art. 6º 4 4 Art. 6º, Constituição Federal de 1988. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição ( BRASIL, 1988). , o direito à alimentação como direito social fundamental surge textualmente reforçada apenas com a Emenda Constitucional n. 64/2010, pois já era contemplado pela Constituição Federal como princípio implícito. No entanto, no plano infraconstitucional, já havia previsão com a promulgação da Lei n. 11.346, de 15 de setembro de 2006, que cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar (SISAN).

Também merece destaque o Decreto n. 7.272/2010 ( BRASIL, 2010BRASIL. Decreto n. 7.272, de 25 de agosto de 2010. Regulamenta a Lei no 11.346, de 15 de setembro de 2006, que cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com vistas a assegurar o direito humano à alimentação adequada, institui a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – PNSAN, estabelece os parâmetros para a elaboração do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, [2010]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/\_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7272.htm. Acesso em: 8 ago. 2021.
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), que regulamenta a Lei n. 11.346/2006, que cria o SISAN com vistas a assegurar o direito humano à alimentação adequada, institui a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN), estabelece os parâmetros para a elaboração do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PLANSAN), e dá outras providências. Ressalta-se que o PLANSAN é o principal instrumento da PNSAN, instituída pelo Decreto n. 7.272/2010. Seu último plano foi elaborado para vigorar no período de 2016/2019 e ainda não há previsões acerca do plano que deveria estar vigente no período de 2020/2023.

A Lei n. 11.346/2006, em consonância com as próprias evolução e complexidade do conceito de alimentação e nutrição adequadas, implementa uma rede de garantia de segurança alimentar à população brasileira. Traz em seu bojo conceitos importantes que pontuam a alimentação adequada como direito fundamental logo em seu art. 2º 5 5 Art. 2º, Lei n. 11.346/2006. A alimentação adequada é direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal, devendo o poder público adotar as políticas e ações que se façam necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população. § 1º A adoção dessas políticas e ações deverá levar em conta as dimensões ambientais, culturais, econômicas, regionais e sociais ( BRASIL, 2006). , bem como as diversas dimensões a serem protegidas quando da implementação de políticas públicas.

Conforme consta na LOSAN, destacam-se algumas dimensões a serem observadas quando da formulação de políticas públicas, em especial as dimensões social, cultural, ambiental e econômica. Isso porque, conforme já citado por Burity ( 2021, p. 41BURITY, V. Conceito e base legal do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (DHANA). In: BURITY, V. T. A. et al. (org.). O direito humano à alimentação e à nutrição adequadas: enunciados jurídicos. Brasília, DF: Fian Brasil, 2021. p. 39-50. Disponível em: https://fianbrasil.org.br/wp-content/uploads/2021/04/Enunciados_Eletronico\_.pdf. Acesso em: 30 set. 2021.
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), o direito à alimentação e à nutrição adequadas se apresenta como um somatório de ausência da fome e o acesso adequado ao alimento, em que se fixam as dimensões social, cultural, ambiental e econômica, entre outras. Outro conceito relevante à temática é o de segurança alimentar e nutricional, também trazido pela LOSAN nos art. 3º 6 6 Art. 3º, Lei n. 11.346/2006. A segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis ( BRASIL, 2006). e 4º 7 7 Art. 4º, Lei n. 11.346/2006. A segurança alimentar e nutricional abrange: I – a ampliação das condições de acesso aos alimentos por meio da produção, em especial da agricultura tradicional e familiar, do processamento, da industrialização, da comercialização, incluindo-se os acordos internacionais, do abastecimento e da distribuição de alimentos, incluindo-se a água, bem como das medidas que mitiguem o risco de escassez de água potável, da geração de emprego e da redistribuição da renda; II – a conservação da biodiversidade e a utilização sustentável dos recursos; III – a promoção da saúde, da nutrição e da alimentação da população, incluindo-se grupos populacionais específicos e populações em situação de vulnerabilidade social; IV – a garantia da qualidade biológica, sanitária, nutricional e tecnológica dos alimentos, bem como seu aproveitamento, estimulando práticas alimentares e estilos de vida saudáveis que respeitem a diversidade étnica e racial e cultural da população; V – a produção de conhecimento e o acesso à informação; VI – a implementação de políticas públicas e estratégias sustentáveis e participativas de produção, comercialização e consumo de alimentos, respeitando-se as múltiplas características culturais do País. VII – a formação de estoques reguladores e estratégicos de alimentos ( BRASIL, 2006). .

Nas políticas de alimentação adequada, deve-se respeitar as dimensões ambientais, culturais, econômicas, regionais e sociais. Além disso, o acesso aos alimentos deve ocorrer de modo permanente, abrangendo aspectos relativos à saúde, diversidade cultural e sustentabilidade ambiental, cultural e econômica.

Nesse compasso, Valente ( 2002, p. 104VALENTE, F. L. S. Direito humano à alimentação: desafios e conquistas. São Paulo: Cortez, 2002.) atenta que a alimentação adequada não se reduz à “ração nutricionalmente balanceada”. Trata-se da busca por uma construção de humanos saudáveis, conscientes de direitos, deveres e cidadania tanto no Brasil quanto no mundo. A referida conscientização relaciona-se, inclusive, com o meio ambiente e a qualidade das gerações futuras.

Assim, alinha-se ao lecionado por Silva ( 2012, p. 118SILVA, R. F. T. da. Manual de direito ambiental. 2. ed. Bahia: Editora JusPODIVM, 2012.), que destaca a necessidade de as políticas públicas adotadas pelo Estado serem sustentáveis – a exemplo das que envolvem alimentação e nutrição saudáveis. O autor destaca a conciliação entre crescimento econômico, meio ambiente e equidade social, consubstanciando a proteção ambiental como objetivo fundamental do Estado Socioambiental de Direito.

Do mesmo modo, evidencia que, conforme a Lei n. 11.346/2006, a segurança alimentar e nutricional perpassa pela produção de alimentos por meio da agricultura tradicional e familiar, proteção da biodiversidade, além de primar pela qualidade biológica, sanitária, nutricional e tecnológica dos alimentos, com preservação de práticas alimentares que respeitem a diversidade étnica e cultural do país, mais uma vez ressaltando a dimensão cultural do direito à alimentação.

Assim, deve-se pontuar a necessidade de uma abordagem do direito à alimentação que seja efetivado de maneira sustentável, a partir da produção de alimentos seguros, livres de produtos químicos nocivos à saúde e ao meio ambiente. Valente ( 2002, p. 104VALENTE, F. L. S. Direito humano à alimentação: desafios e conquistas. São Paulo: Cortez, 2002.) destaca a necessidade de “promover a segurança alimentar e nutricional sustentável” como responsabilidade coletiva da sociedade e do Estado, que devem buscar articulações de iniciativas governamentais e não governamentais, visando a realização do direito humano à alimentação.

Tratando-se de uma dimensão econômica, é necessário compreender que o direito à alimentação merece ser suprido por meio do acesso ao alimento, cuja aquisição se dá, conforme Burity ( 2021, p. 45BURITY, V. Conceito e base legal do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (DHANA). In: BURITY, V. T. A. et al. (org.). O direito humano à alimentação e à nutrição adequadas: enunciados jurídicos. Brasília, DF: Fian Brasil, 2021. p. 39-50. Disponível em: https://fianbrasil.org.br/wp-content/uploads/2021/04/Enunciados_Eletronico\_.pdf. Acesso em: 30 set. 2021.
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), a partir não apenas de uma acessibilidade física, mas também de uma acessibilidade econômica. Atenta, ainda, que o acesso aos alimentos não pode prejudicar outros direitos, como moradia e saúde, devendo-se, ao comprá-los, não pôr em risco outras necessidades vitais do ser humano.

Ferraz ( 2017FERRAZ, M. A. Direito humano à alimentação e sustentabilidade no sistema alimentar. São Paulo: Paulinas: 2017.) também observa a pobreza como um dos principais fatores decisivos para a fome e insegurança alimentar da população, inclusive apontando como premissa a ideia de sua erradicação por meio de uma pauta de desenvolvimento que tenha como centro o desenvolvimento humano e não o econômico. Desta feita, observa-se que a falta de acesso à alimentação diz respeito à pobreza e desigualdade social, na medida que não há uma efetiva distribuição da riqueza entre os indivíduos.

Nesse compasso, assevera Valente ( 2002, p. 39VALENTE, F. L. S. Direito humano à alimentação: desafios e conquistas. São Paulo: Cortez, 2002.):

Nossa história nos mostra que têm sido raras as situações em que sociedades humanas conseguiram garantir uma alimentação de qualidade para todos os seus membros. Nenhum dos paradigmas de desenvolvimento adotados nos últimos séculos possibilitou a superação da fome, da desnutrição e de outras doenças carenciais relacionadas à alimentação, de forma sustentável. Cerca de um quinto da humanidade ainda padece destes flagelos. Esta situação reflete a exploração, a negação do direito à partilha da riqueza produzida e mesmo a exclusão social e econômica de parcelas significativas da humanidade.

[...]

A sociedade brasileira convive atualmente com a existência das doenças associadas à pobreza e à exclusão, tais como a fome e a desnutrição, e aquelas associadas a hábitos alimentares inadequados que afetam mais gravemente as populações pobres, mas que também atingem duramente todas as outras parcelas da sociedade. Ninguém hoje está imune às distorções impostas pelo paradigma de desenvolvimento dominante.

Atenta-se, com relação à dimensão cultural e social do direito à alimentação e à nutrição adequadas, que o alimentar se apresenta como um ato cultural, que compreende e se faz presente nas relações humanas. Nos termos de Valente ( 2002, p. 38VALENTE, F. L. S. Direito humano à alimentação: desafios e conquistas. São Paulo: Cortez, 2002.), comer não significa apenas satisfazer necessidades nutricionais. Envolve também a construção e a potencialização como ser humano, nas “dimensões orgânicas, intelectuais, psicológicas e espirituais”, não por acaso os alimentos estão presentes em muitos rituais religiosos.

Ademais, não se pode conceber o referido direito de maneira acrítica, resgatando-se, por fim, as considerações de Escobar (2007) quanto ao tema da alimentação e da nutrição. Diante do discurso do planejamento quanto ao “problema nutricional”, indaga o referido autor se existe um mundo objetivo para além dos problemas postos pelas políticas. Em outros termos, ao assumir uma prática considerada uma “descrição verdadeira da sociedade, está-se diante de uma”representação específica do mundo”, com consequências políticas, sociais e culturais.

A dimensão cultural e social do direito à alimentação ganha relevância e especificidade, na medida em que envolve preservar práticas culturais e modos de fazer de determinado povo, traduzida na ideia de preservar sua soberania alimentar. Por outro lado, pode implicar a reprodução de modelos de desenvolvimento, planejamento e políticas públicas alinhadas a determinada representação de mundo, afastando-se da realidade local. Com isso, enfatizada a previsão normativa do direito à alimentação e à nutrição adequadas e sua caracterização como direito marcado por complexidades, passa-se a sua análise, partindo da teoria crítica dos direitos humanos.

3 Teoria crítica dos direitos humanos e o fim do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas e soberania alimentar

Destacado o direito à alimentação como direito humano fundamental internacional e nacionalmente, resta compreendê-lo criticamente e pensar a soberania alimentar como diretriz para sua implementação. Na esteira dos tópicos anteriores, a concepção de soberania alimentar permeia a dimensão cultural e ecológica de segurança alimentar e nutricional, além do aspecto econômico e de autodeterminação de cada povo de se alimentar, permitindo pensar a finalidade do direito à alimentação e à nutrição adequadas, em consonância com a teoria crítica dos direitos humanos, aqui baseada em Douzinas ( 2009DOUZINAS, C. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009.) e Marx ( 2010MARX, K. Sobre a questão judaica. São Paulo: Boitempo, 2010.).

Em O fim dos direitos humanos, Douzinas ( 2009DOUZINAS, C. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009.) aborda criticamente o estudo dos direitos humanos, questionando o que configuraria o próprio fim dos direitos humanos no sentido não apenas de sua finalidade, mas também de sua extinção. Segundo o autor grego, juristas críticos são aqueles que “ensinam, pesquisam e escrevem norteados pelo princípio de que um direito sem justiça é um corpo sem alma”, entendendo que “uma formação jurídica que ensina regras sem espírito é intelectualmente infecunda e moralmente falida”.

O autor levanta questões sobre a relevância que deve ser atribuída ao entendimento local e individualizado dos direitos humanos, em detrimento a uma perspectiva abstrata – a exemplo do que pode ocorrer com o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas. Mostra-se necessário observar o concreto, a realidade, para que haja uma boa administração e efetivação de direitos, sob pena de estes não passarem de “delírios metafísicos de constitucionalistas”, pois, “de que adianta discutir o direito abstrato do homem à alimentação ou a medicamentos?” ( DOUZINAS, 2009, p. 165DOUZINAS, C. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009.).

Douzinas ( 2009, p. 170–173DOUZINAS, C. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009.), inclusive, chama atenção para a crítica marxiana acerca dos direitos humanos, como na obra A questão judaica – também pertinente à temática do direito à alimentação. Para a visão marxiana, os direitos humanos não passam de criações históricas e apresentam-se como condições de existência do regime capitalista, no qual “os direitos idealizam e dão suporte a uma ordem social desumana”.

Segundo Marx ( 2010, p. 48–50MARX, K. Sobre a questão judaica. São Paulo: Boitempo, 2010.), os “direitos do homem” nada mais são que “os direitos do membro da sociedade burguesa, isto é, do homem egoísta, do homem separado do homem e da comunidade”. Desse modo, podem surgir de um sujeito datado e localizado, “recolhido ao seu interesse privado e ao seu capricho privado e separado da comunidade” – o ser humano individual-liberal-burguês, europeu, branco e homem. Nesse compasso, Douzinas ( 2009, p. 170DOUZINAS, C. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009.), ainda na esteira do pensamento marxiano, enfatiza que ao tratar de direitos humanos, pode-se recair em um sujeito desumanizado, despido de sua individualidade, traduzido como o homem abstrato burguês.

Nesse compasso, o debate sobre a soberania alimentar contribui para repensar criticamente o direito humano em debate. Por meio desta, possibilita-se a cada nação “o direito de definir políticas que garantam a Segurança Alimentar e Nutricional de seus povos, incluindo aí o direito à preservação de práticas de produção e alimentares tradicionais de cada cultura” ( BURITY, 2010, p. 12BURITY, V. et al. Direito humano à alimentação adequada no contexto da segurança alimentar e nutricional. Brasília, DF: Abrandh, 2010. Disponível em: https://www.redsan-cplp.org/uploads/5/6/8/7/5687387/dhaa_no_contexto_da_san.pdf. Acesso em: 30 set. 2021.
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).

Conforme Custódio et al. ( 2015, p. 3CUSTÓDIO, M. B. et al. Segurança alimentar e nutricional e a construção de sua política: uma visão histórica. Segurança Alimentar e Nutricional, Campinas, v. 18, n. 1, p. 1, 9 fev. 2015. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/san/article/view/8634683. Acesso em: 12 ago. 2021.
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), no Fórum Mundial de Soberania Alimentar, em Havana, Cuba, discutiu-se a perda dos países considerados de “terceiro mundo” na definição e direção de suas políticas alimentares. Segundo o mencionado autor, a soberania alimentar constitui bandeira de movimentos sociais ligados à reforma agrária, rebelando-se contra a lógica do capital imposta à produção agropecuária dos países em desenvolvimento, determinando o que e como produzir, não para quem tem fome, mas para quem tem dinheiro.

Em suma, permite-se superar uma concepção abstrata do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas, partindo de modos de vidas, resistências e contraposições ao capital presentes na concepção de segurança alimentar. Conforme expõe Douzinas ( 2009DOUZINAS, C. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009.), nunca antes tivemos tantos direitos humanos consagrados e, ao mesmo tempo, tantas violações de direitos humanos. No debate em tela, garantir soberania alimentar é buscar a efetivação do direito humano fundamental à alimentação e à nutrição adequadas, o que perpassa pelo entendimento e compreensão mais profundos acerca do que são direitos humanos, não os fixando em uma perspectiva abstrata, genérica e universal, descolada das realidades.

Nessa perspectiva, é coerente pensar em como a realização da soberania alimentar e efetivação do direito à alimentação se contrapõe a uma noção legalista de direitos humanos, vez que, conforme salientado, restaram forjados a partir de uma noção individualista e homogênea. Nesse compasso, importa os ensinamentos de Santos ( 2014, p. 15SANTOS, B. S. Direitos humanos, democracia e desenvolvimento. In: CHAUI, M.; SANTOS, B. S. Direitos humanos, democracia e desenvolvimento. São Paulo: Cortez, 2014. p. 9-63.), ao buscar uma perspectiva contra-hegemônica dos direitos humanos, que foca na atuação da sociedade civil e na adoção de uma perspectiva teórica crítica dos direitos humanos em entendê-los como pluralidade e não um consenso. Justamente, a perspectiva crítica possibilita um debate com maior profundidade da real concretização do direito à alimentação e à nutrição adequadas, que se entende perpassa pela noção de soberania alimentar.

Nesse sentido:

O outro é o trabalho teórico de construção alternativa dos direitos humanos de modo a despojá-los da ambiguidade que lhes tem garantido o consenso de que gozam. O trabalho teórico visa precisamente desestabilizar esse consenso. No fundo, trata-se de questionar os direitos humanos e todos os que recorrem a eles para interpretar e transformar o mundo, fazendo-lhes a seguinte pergunta: De que lado estão eles? Do lado dos oprimidos ou do lado dos opressores? ( SANTOS, 2014SANTOS, B. S. Direitos humanos, democracia e desenvolvimento. In: CHAUI, M.; SANTOS, B. S. Direitos humanos, democracia e desenvolvimento. São Paulo: Cortez, 2014. p. 9-63., p 15, grifos nossos).

Com relação à efetivação de direitos, a participação política e popular tem extrema importância, seja por meio da sociedade civil organizada, seja com membros em conselhos de direitos. Tal implicação propicia um contraponto plural na construção de políticas. No que se refere ao direito à alimentação e à nutrição adequadas, a participação da sociedade civil mostra-se extremamente relevante, como na reativação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA). Trata-se de um espaço de discussão, inclusive para reafirmar a soberania alimentar, retomado a partir da Medida Provisória n. 1154/2023 ( BRASIL, 2023BRASIL. Medida Provisória n. 1.154, de 1º de janeiro de 2023. Estabelece a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios. Brasília, DF: Presidência da República, [2023]. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9235724&ts=1677524076943&disposition=inline. Acesso em: 1 mar. 2023.
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) – antes extinto pela Medida Provisória n. 870/2019, convertida na Lei n. 13.844/2019 ( BRASIL, 2019BRASIL. Lei n. 13.844, de 18 de junho de 2019. Conversão da Medida Provisória n. 870, de 2019. Estabelece a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios, dentre outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/\_ato2019-2022/2019/Lei/L13844.htm. Acesso em: 8 ago. 2021.
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).

O estudo de um direito humano, como o direito à alimentação e à nutrição adequadas, necessita criticar a perspectiva homogeneizante dos direitos, fundada na universalidade. Nesse sentido, Santos ( 2014, p. 16SANTOS, B. S. Direitos humanos, democracia e desenvolvimento. In: CHAUI, M.; SANTOS, B. S. Direitos humanos, democracia e desenvolvimento. São Paulo: Cortez, 2014. p. 9-63.) alerta de como a diversidade pode restar sufocada quando se adotam tais perspectivas sem a devida criticidade, consolidando uma “versão hegemônica ou convencional dos direitos humanos”, marcada pela universalidade, humanismo, institucionalismo e disparidades entre o Sul e o Norte global. Nesse compasso, atenta que a aplicação genérica da mesma “receita abstrata dos direitos humanos” implica “que a natureza das ideologias alternativas e universos simbólicos sejam reduzidos a especificidades locais sem qualquer impacto no cânone universal dos direitos humanos”.

Portanto, é necessário compreender que a visão ocidental e hegemônica de direitos humanos não reflete, mas antes sufoca, diversidades como a cultural, em especial a soberania alimentar dos povos, impondo regimes alimentares que não condizem com a tradição destes. Conforme Santos ( 2014, p. 17SANTOS, B. S. Direitos humanos, democracia e desenvolvimento. In: CHAUI, M.; SANTOS, B. S. Direitos humanos, democracia e desenvolvimento. São Paulo: Cortez, 2014. p. 9-63.), observa-se um localismo globalizado em termos de direitos humanos, expressado na visão ocidental de mundo.

Alternativa à leitura não homogeneizante dos direitos humanos e direito à alimentação e à nutrição adequadas é a abordagem decolonial de Mignolo ( 2008, p. 290MIGNOLO, W. D. Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de identidade em política. Cadernos de Letras da UFF: Dossiê: Literatura, língua e identidade, Niterói, v. 34, p. 287-324, 2008.), ao compreender a necessidade de se construírem perspectivas que fogem ao imposto pelo ocidente europeu de maneira absoluta e categórica, sem apagá-lo, mas abrindo espaço para outras formas de produção do conhecimento. Como atenta o autor, “é preciso”aprender a desaprender”.

Nesse sentido:

Descolonização, ou melhor, descolonialidade, significa ao mesmo tempo: a) desvelar a lógica da colonialidade e da reprodução da matriz colonial do poder (que, é claro, significa uma economia capitalista); e b) desconectar-se dos efeitos totalitários das subjetividades e categorias de pensamento ocidentais (por exemplo, o bem sucedido e progressivo sujeito e prisioneiro cego do consumismo) ( MIGNOLO, 2008, p. 313MIGNOLO, W. D. Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de identidade em política. Cadernos de Letras da UFF: Dossiê: Literatura, língua e identidade, Niterói, v. 34, p. 287-324, 2008.).

Assim, pensar os direitos humanos como sistema de análise, discussão e ponto de análise crítica, permite que se reaprenda a pensar fora da lógica universalista que homogeneíza ( DOUZINAS, 2009, p. 16DOUZINAS, C. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009.), não se distanciando da máxima do pensamento decolonial de “imaginar um mundo no qual muitos mundos podem coexistir” ( MIGNOLO, 2008, p. 296MIGNOLO, W. D. Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de identidade em política. Cadernos de Letras da UFF: Dossiê: Literatura, língua e identidade, Niterói, v. 34, p. 287-324, 2008.).

Douzinas ( 2009, p. 194DOUZINAS, C. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009.) pontua, ainda, as seguintes as indagações: sobre qual sujeito de direito se fala? Qual concepção de direitos humanos é utilizada? Qual dimensão de humanismo reflete o que é ser humano? – questionamentos que podem ser levados às reflexões sobre o direito à alimentação e à nutrição adequadas. O autor compreende essas definições como algo dinâmico, inserido em um processo constante de redefinição e transformação. Nesse sentido, parece incoerente entender o ser humano como aquele definido nas declarações de direitos com suas abstrações e irrealidades ( DOUZINAS, 2009, p. 174DOUZINAS, C. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009.). Passa a ser mais coerente uma perspectiva que “resguarda uma multiplicidade de valores e planos de vida determinados em cada comunidade por condições locais e tradições históricas” ( DOUZINAS, 2009, p. 221DOUZINAS, C. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009.).

Nesse diálogo, a visão decolonial ganha relevância, com o aprender a desaprender, o pensar a partir de novas categorias e novas formas de produção do conhecimento, a partir de perspectivas diferentes da europeia, inclusive quanto ao ato de se alimentar. Conforme atenta Mignolo ( 2008, p. 304MIGNOLO, W. D. Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de identidade em política. Cadernos de Letras da UFF: Dossiê: Literatura, língua e identidade, Niterói, v. 34, p. 287-324, 2008.), a opção decolonial “significa pensar a partir da exterioridade e em uma posição epistêmica subalterna” e “implica pensar a partir das línguas e das categorias de pensamento não incluídas nos fundamentos dos pensamentos ocidentais”.

Reforçando uma percepção crítica dos direitos humanos, sinaliza-se pela possibilidade de um novo caminho, colocando-os como a utopia que se encontra por trás dos demais direitos, como elemento de crítica à lei e que “os direitos não apenas pertencem aos seres humanos; ao contrário, eles fabricam o humano” ( DOUZINAS, 2009, p. 267DOUZINAS, C. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009.). Nesse contexto, é preciso posicionar-se “contra o canibalismo do poder público e privado e o narcisismo dos direitos”, na medida em que “os direitos humanos são parasitas no corpo dos direitos, que julgam seus hospedeiros” ( DOUZINAS, 2009, p. 252DOUZINAS, C. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009.).

Além disso, destaca-se:

Cada nova reivindicação de direitos é uma resposta de luta a relações sociais e jurídicas dominantes, em um determinado tempo e lugar, uma luta contra as injúrias e danos que elas infligem; tem por objetivo negar formas inadequadas de reconhecimento para indivíduos e grupos e criar tipos mais completos e matizados. Reivindicações de direitos humanos representam, de modo negativo, uma reação aos múltiplos insultos e ofensas do poder ao sentido de identidade de um indivíduo ou grupo e, de modo positivo, uma tentativa de ter reconhecidos por outros e pela comunidade o maior número possível de aspectos daquela identidade ( DOUZINAS, 2009, p. 298DOUZINAS, C. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009.).

Os direitos humanos chegam a seu fim justamente quando perdem seu caráter utópico, quando não mais se apresentam como resistência, mas como consagrações de ideais fixados por nações dominantes que buscam, por meio destes, espalhar sua dominação, via democracia e capitalismo ( DOUZINAS, 2009, p. 384DOUZINAS, C. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009.).

O direito à alimentação e à nutrição adequadas perde seu caráter utópico que reproduz uma noção dominante dos direitos, reproduzindo o modelo de produção dominante e, consequentemente, subjugando formas de criar, ser e viver das populações locais, com a primazia da monocultura, do latifúndio, dos agrotóxicos. Assim, soma-se à crítica aos direitos humanos uma visão decolonial, diversa, plural e crítica.

Tratando-se do direito à alimentação, deve-se ressaltar as especificidades locais pautadas na soberania alimentar, associada ao fim do direito à alimentação e à nutrição adequadas. Pensar em soberania alimentar é pensar em um fim utópico, algo a ser perseguido e que se levanta como bandeira de resistência de diferentes grupos étnicos e sociais a concepções preconcebidas acerca da alimentação, da produção do alimento, da relação com a terra e com o ambiente.

Considerações finais

A complexidade que envolve o direito à alimentação e à nutrição adequadas, bem como sua efetivação, não se completa com a entrega do alimento. É preciso ir além, caso se busque uma visão crítica e plural dos direitos humanos, entendendo o tema em debate como direito humano tanto no ordenamento jurídico internacional, como no nacional.

A existência do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas, por um lado, e a insegurança alimentar grave e a fome, de outro, demandam ações que, no plano prático, carecem de suficiência. A pura e simples produção quantitativa de alimento não é suficiente, sendo necessário também discutir profundas questões sociojurídicas para trazer alternativas e soluções que tutelem a dignidade da pessoa humana e o respeito à diversidade.

Assim, busca-se, a partir da teoria crítica dos direitos humanos, compreender o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas com sensibilidade à complexidade que o envolve. Em termos de efetivação, muitas nuances merecem ser observadas. Como direito humano, as análises devem partir da compreensão da complexidade e diversidade cultural, sob pena de imposição geral e universal dos direitos a determinada população.

Pensar, portanto, nos termos da Declaração de Nyéleni ( FORO MUNDIAL PELA SOBERANIA ALIMENTAR, 2007FORO MUNDIAL PELA SOBERANIA ALIMENTAR. Declaração de Nyélény. Nyélény, 2007. Disponível em: https://nyeleni.org/spip.php?article327. Acesso em: 29 set. 2021.
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), em garantir não apenas um alimento, mas aquele que seja culturalmente adequado, deixando às comunidades o poder de decisão sobre seus sistemas alimentares em detrimento dos interesses de grandes corporações, parte de uma compreensão crítica dos direitos humanos. Consiste em favorecer o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas a essa força ética e de resistência, que humaniza e garante o reconhecimento da soberania e autonomia de países, povos, grupos étnicos e sociais.

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  • VIEZZER, M. Apresentação. In: SHIVA, V. Monoculturas da mente: perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia. São Paulo: Gaia, 2003. p. 9-14.
  • Como citar este artigo (ABNT):
    BRUZACA, R. D.; NOGUEIRA, D. C. B. O fim do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas. Veredas do Direito, Belo Horizonte, v. 20, e202447, 2023. Disponível em: http://www.domhelder.edu.br/revista/index.php/veredas/article/view/2554. Acesso em: dia mês. ano.
  • 1
    Destaca-se, ainda, que “está na ideologia dominante que Vandana [Shiva] chama de monoculturas da mente, as quais trazem em seu bojo a convicção absoluta de que este paradigma é a solução para os problemas de todos os lugares do planeta, independentemente de localização geográfica, ecossistemas, clima, populações instaladas com organizações sociais e políticas próprias e com tradições milenares de cultivo de terras, com cuidado da biodiversidade que inclui respeito aos ciclos da vida” ( VIEZZER, 2003, p. 10VIEZZER, M. Apresentação. In: SHIVA, V. Monoculturas da mente: perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia. São Paulo: Gaia, 2003. p. 9-14.).
  • 2
    Artigo 25, 1, Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade (grifos nossos) ( ONU, 1948ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível em: https://www.ohchr.org/sites/default/files/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf. Acesso em: 20 ago. 2021.
    https://www.ohchr.org/sites/default/file...
    ).
  • 3
    Artigo 11, Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966:
    1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequando para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento.
    2. Os Estados Partes do presente Pacto, reconhecendo o direito fundamental de toda pessoa de estar protegida contra a fome, adotarão, individualmente e mediante cooperação internacional, as medidas, inclusive programas concretos, que se façam necessárias para: a) Melhorar os métodos de produção, conservação e distribuição de gêneros alimentícios pela plena utilização dos conhecimentos técnicos e científicos, pela difusão de princípios de educação nutricional e pelo aperfeiçoamento ou reforma dos regimes agrários, de maneira que se assegurem a exploração e a utilização mais eficazes dos recursos naturais; b) Assegurar uma repartição equitativa dos recursos alimentícios mundiais em relação às necessidades, levando-se em conta os problemas tanto dos países importadores quanto dos exportadores de gêneros alimentícios (grifos nossos) ( BRASIL, 1992BRASIL. Decreto n. 591, de 6 de julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Promulgação. Brasília, DF: Presidência da República, [1992]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm. Acesso em: 29 set. 2021.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/dec...
    ).
  • 4
    Art. 6º, Constituição Federal de 1988. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição ( BRASIL, 1988BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 ago. 2021.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
    ).
  • 5
    Art. 2º, Lei n. 11.346/2006. A alimentação adequada é direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal, devendo o poder público adotar as políticas e ações que se façam necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população.
    § 1º A adoção dessas políticas e ações deverá levar em conta as dimensões ambientais, culturais, econômicas, regionais e sociais ( BRASIL, 2006BRASIL. Lei n. 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, [2006]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/\_ato2004-2006/2006/lei/l11346.htm. Acesso em: 8 ago. 2021.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/\_a...
    ).
  • 6
    Art. 3º, Lei n. 11.346/2006. A segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis ( BRASIL, 2006BRASIL. Lei n. 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, [2006]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/\_ato2004-2006/2006/lei/l11346.htm. Acesso em: 8 ago. 2021.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/\_a...
    ).
  • 7
    Art. 4º, Lei n. 11.346/2006. A segurança alimentar e nutricional abrange:
    I – a ampliação das condições de acesso aos alimentos por meio da produção, em especial da agricultura tradicional e familiar, do processamento, da industrialização, da comercialização, incluindo-se os acordos internacionais, do abastecimento e da distribuição de alimentos, incluindo-se a água, bem como das medidas que mitiguem o risco de escassez de água potável, da geração de emprego e da redistribuição da renda;
    II – a conservação da biodiversidade e a utilização sustentável dos recursos;
    III – a promoção da saúde, da nutrição e da alimentação da população, incluindo-se grupos populacionais específicos e populações em situação de vulnerabilidade social;
    IV – a garantia da qualidade biológica, sanitária, nutricional e tecnológica dos alimentos, bem como seu aproveitamento, estimulando práticas alimentares e estilos de vida saudáveis que respeitem a diversidade étnica e racial e cultural da população;
    V – a produção de conhecimento e o acesso à informação;
    VI – a implementação de políticas públicas e estratégias sustentáveis e participativas de produção, comercialização e consumo de alimentos, respeitando-se as múltiplas características culturais do País.
    VII – a formação de estoques reguladores e estratégicos de alimentos ( BRASIL, 2006BRASIL. Lei n. 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, [2006]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/\_ato2004-2006/2006/lei/l11346.htm. Acesso em: 8 ago. 2021.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/\_a...
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    31 Mar 2023
  • Aceito
    06 Jun 2023
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