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O direito à saúde dos povos indígenas e o paradigma do reconhecimento

The right to health of indigenous peoples and the paradigm of recognition

Resumo

A saúde dos povos indígenas no Brasil é prestada através de um subsistema inserido no Sistema Único de Saúde (SUS) e no Ministério da Saúde. Entretanto, por conta do paradigma do reconhecimento e das diretrizes analíticas do multiculturalismo contra-hegemônico, conclui-se que este direito deve ser garantido de forma intercultural. Este artigo, portanto, analisa as dificuldades de interação entre estes aspectos institucionais e interculturais.

povos indígenas; direito à saúde; reconhecimento

Abstract

The health of indigenous peoples in Brazil is provided through a subsystem within the Unified Health System (SUS) and the Ministry of Health. However, due to the paradigm of recognition and the analytical guidelines of the counter-hegemonic multiculturalism, the right to health must be granted in an intercultural way. This article, therefore, examines the difficulties of interaction between institutional and intercultural aspects.

indigenous peoples; right to health; recognition

1. Introdução

Políticas e ações que afetam diretamente os povos indígenas do Brasil têm sido divulgadas pela mídia nacional e internacional e têm gerado intenso debate jurídico-político. Porém, essa exposição atual não é reflexo de maior garantia de direitos e de reconhecimento das diferenças, mas de possíveis retrocessos, como propostas legislativas que pretendem modificar a forma de demarcação de terras indígenas1 1 Toma-se como exemplo principal a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n° 215, de 2000, que objetiva transferir a competência da demarcação de terras indígenas do Poder Executivo Federal (Portaria do Ministério da Justiça), juntamente com a FUNAI, de caráter eminentemente técnico, para o Congresso Federal, onde perduram avaliações de cunho político, sob possível influência da chamada Bancada Ruralista. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=42974111701B8B7E9D9FF73518588BC1.proposicoesWeb2?codteor=1288819&filename=Tramitacao-PEC+215/2000>. Acesso em: 31.03.2016. ; o recrudescimento da violência gerada pelos conflitos possessórios com latifundiários2 2 Vide a recente visita ao Brasil da Relatora Especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas e suas declarações sobre a violência contra os povos indígenas advinda da não demarcação de terras. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/relatora-especial-da-onu-sobre-direitos-dos-povos-indigenas-anuncia-visita-ao-brasil/> Acesso em: 31.03.2016. ; a atuação do Poder Judiciário – sobretudo pela revogação de demarcações que a aplicação da tese do marco temporal, construída pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento célebre da Terra Indígena Raposa Serra do Sol3 3 A tese do marco temporal é uma criação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, consolidada no julgamento do caso Raposa Serra do Sol em 2012 (Ação Popular PET 3388 de 2008), segundo a qual o direito a uma terra indígena só deve ser reconhecido nos casos em que a área se encontrava tradicionalmente ocupada na data da promulgação da Constituição (05/10/1988), a menos que se comprove que os índios tenham sido impedidos de ocupá-la por “renitente esbulho”, ou seja, porque o grupo foi expulso à força e comprovadamente tentou retornar à área. , tem possibilitado; e a execução de grandes obras desenvolvimentistas do Governo Federal, como a usina de Belo Monte, cujos impactos étnicos e ambientais já estão amplamente documentados4 4 Em dezembro de 2015 o Ministério Público Federal do Estado do Pará protocolou Ação Civil Pública contra a União, a FUNAI e o Consórcio Norte Energia, responsável pela obra da Usina de Belo Monte, narrando uma série de violações ao modo de vida culturalmente diferenciado das comunidades indígenas afetadas, bem como sua total desestruturação, o que foi classificado como “etnocídio”. A petição, na íntegra, está disponível em: <http://www.prpa.mpf.mp.br/news/2015/mpf-denuncia-acao-etnocida-e-pede-intervencao-judicial-em-belo-monte> Acesso em: 31.03.2016. .

Paralelamente a estas políticas, encontra-se o exercício cotidiano de direitos fundamentais sociais dos povos indígenas a partir de órgãos e normas específicas, cuja fundamentação teórica e experiência empírica precisam ser avaliadas e discutidas. Evidente que as políticas lesivas em curso possuem drástica influência sobre tais direitos, mas pensá-los em face da sua própria configuração é tarefa relevante. A prestação do direito à saúde dos povos indígenas assume esta importância, sobretudo porque conta, atualmente, com estrutura institucional específica de atendimento e porque precisa lidar com indicadores sociais preocupantes dentro de um contexto intercultural.

Portanto, este artigo busca examinar a saúde indígena no contexto da constitucionalização do direito à diferença, da formação de um subsistema específico de atenção inserido na mudança de paradigma jurídico da relação entre povos indígenas, Estado e sociedade, e na interação deste subsistema com o Sistema Único de Saúde (SUS).

A concepção indígena de saúde-doença é baseada em fenômenos e relações distintas dos conceitos biomédicos ocidentais, o que demanda, além da sensibilidade dos profissionais de saúde, uma atuação capacitada para traduzir, em um diálogo de sentidos e sob determinadas limitações, essas complexas diferenças. Portanto, este artigo recorre a etnografias cujas narrativas dão conta de explicitar tensões que as normas e a configuração institucional da saúde indígena não alcançam.

Além dessas necessidades fáticas que justificam a prestação diferenciada do direito fundamental dos povos indígenas à saúde, há bases normativas sólidas apontando para o paradigma jurídico do reconhecimento, a partir da ideia de uma política multicultural contra-hegemônica, e suas implicações decorrentes ao respeito às diferenças.

Por fim, por inserir-se formalmente na estrutura normativa e administrativa do SUS, a atenção à saúde indígena deve ser constituída em harmonia com os princípios e diretrizes deste sistema, fato do qual decorrem articulações e tensões entre a saúde pública e a atenção diferenciada.

2. Aportes para a execução das políticas de saúde dos povos indígenas

2.1. Paradigmas jurídicos da relação entre Estado, sociedade e povos indígenas: da assimilação ao reconhecimento

O caminho percorrido até o atual paradigma do reconhecimento, que irradia deveres de respeito e promoção das diferenças, foi tortuoso na história jurídico-política brasileira: desde a colonização até a promulgação da Constituição Federal de 1988, é possível afirmar que a política oficial do Estado brasileiro destinada aos povos indígenas foi a da aculturação, tanto na sua dimensão mais perversa da assimilação cultural, quanto na versão mais branda da integração à sociedade não-indígena (SILVA, 2015SILVA, Paulo Thadeu Gomes da. Os direitos dos índios: fundamentalidade, paradoxo e colonialidades internas. São Paulo: Editora Café com Lei, 2015., p. 34).

A assimilação, enquanto processo imposto de desaparecimento forçado da cultura minoritária em favor da cultura dominante colonizadora, perdurou como paradigma durante todo o período colonial. Esta postura estatal visava a uma verdadeira aniquilação da alteridade, cuja relação era pautada pela exploração da mão-de-obra através da escravidão, pela catequese agressiva e pela guerra contra os povos hostis (KAYSER, 2009, p. 144).

Durante o período monarquista e sobretudo a partir do início do século XX, acompanhando as ideias positivistas e evolucionistas de desenvolvimento linear da humanidade, os povos indígenas eram vistos como representantes de um estágio anterior e primitivo, sem direito à própria história e, portanto, “em um estágio de transição que desapareceria na medida em que as comunidades indígenas fossem incorporadas de maneira gradual e harmônica à sociedade nacional” (KAYSER, 2009, p. 161).

O integracionismo da República fixava os povos indígenas em uma “infância social” e, por isso, dava-lhes mínimas condições de desenvolvimento, através da atração, vigilância e pacificação exercidas pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), órgão estatal criado em 1910 (KAYSER, 2009, p. 163). Durante o século XX, o projeto de nação mestiça e de tentativa de “reconciliação” do Brasil com sua própria formação colonial, posteriormente o mito da “democracia racial”, passou a inclusive exaltar a figura indígena como parte deste mito pacífico e tipicamente brasileiro, mas sem que houvesse, ainda, o reconhecimento concreto.

A política integracionista somente foi superada, ao menos formalmente, através da mobilização “Povos Indígenas na Constituinte” e pela promulgação da Constituição Federal de 1988, que passou a reconhecer no art. 231 o direito à diferença e a titularidade permanente de direitos coletivos dos povos indígenas, e no art. 232 a superação da tutela, ao reconhecer-lhes a legitimidade para ingressar em juízo na defesa de seus direitos e interesses (SOUZA FILHO, 2002SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. As novas questões jurídicas nas relações dos Estados nacionais com os índios. In: LIMA, Antonio Carlos de Souza; BARROSO-HOFFMANN, Maria (orgs.). Além da tutela: bases para uma nova política indigenista III. Rio de Janeiro: Contra Capa/LACED, 2002., P. 49-50).

Esta transição é também observada no sistema universal dos direitos humanos, sobretudo pela substituição da Convenção n° 107 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1957, pela Convenção n° 169 Sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, de 1989. A Convenção 107 estava marcada por um duplo enfoque: culturalista, ao hierarquizar culturas visando a integração, e estruturalista, considerando o “problema indígena” como solucionável pela via econômica, através de obras de desenvolvimento para a integração à sociedade não indígena (IKAWA, 2008IKAWA, Daniela. Direito dos povos indígenas. In: SARMENTO, Daniel; IKAWA, Daniela; PIOVESAN, Flávia (coords.). Igualdade, diferença e direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008., p. 497).

2.2. Reconhecimento, interculturalidade e multiculturalismo contra-hegemônico

As bases epistemológicas que levaram à mudança de paradigma no tratamento do direito e dos Estados aos povos tradicionais passam pelas transformações do direito internacional dos direitos humanos – que incorporou o direito à diferença em suas normas – e pelo desenvolvimento teórico dos campos da interculturalidade, do reconhecimento e do multiculturalismo, além, é claro, do protagonismo político dos próprios povos indígenas e comunidades tradicionais do continente ao demandarem as reformas constitucionais do final do século XX.

Porém, as demandas por reconhecimento – entendidas por Nancy Fraser (2008)FRASER, Nancy. Redistribuição, Reconhecimento e Participação: Por uma Concepção Integrada da Justiça. In: SARMENTO, Daniel; IKAWA, Daniela; PIOVESAN, Flávia (coord.). Igualdade, diferença e direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. como aquelas centradas na identidade, em contraposição às demandas clássicas de redistribuição de recursos econômicos – não afastam por completo a necessidade de observar as necessidades materiais dos grupos vulneráveis. Existiriam, portanto, “coletividades bivalentes”, que “sofrem tanto com a má distribuição quanto com o não-reconhecimento, de tal forma que nenhuma dessas injustiças é um efeito indireto da outra, mas são ambas primárias e co-originárias” (FRASER, 2008FRASER, Nancy. Redistribuição, Reconhecimento e Participação: Por uma Concepção Integrada da Justiça. In: SARMENTO, Daniel; IKAWA, Daniela; PIOVESAN, Flávia (coord.). Igualdade, diferença e direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008., p. 174).

Os discursos estão muitas vezes dissociados, ou seja, alguns defensores da redistribuição consideram as políticas de reconhecimento das diferenças um obstáculo à justiça social, ao passo que alguns proponentes do reconhecimento rejeitam as políticas de redistribuição, pois estas seriam demasiado materialistas e ocultariam as relações que verdadeiramente produzem as injustiças sociais – relações simbólicas de dominação cultural (FRASER, 2008FRASER, Nancy. Redistribuição, Reconhecimento e Participação: Por uma Concepção Integrada da Justiça. In: SARMENTO, Daniel; IKAWA, Daniela; PIOVESAN, Flávia (coord.). Igualdade, diferença e direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008., p. 168).

Mas a superação destas falsas antíteses requer que as demandas sejam analisadas conjuntamente. Configuram, em contrapartida a um monismo, um “dualismo substantivo e de perspectiva”. Por tal abordagem dualista pode-se usar o reconhecimento para identificar as dimensões culturais das políticas econômicas que normalmente são entendidas como meramente distributivas, da mesma forma que se pode utilizar o ponto de vista da redistribuição para apreender aspectos econômicos de questões identitárias (FRASER, 2008FRASER, Nancy. Redistribuição, Reconhecimento e Participação: Por uma Concepção Integrada da Justiça. In: SARMENTO, Daniel; IKAWA, Daniela; PIOVESAN, Flávia (coord.). Igualdade, diferença e direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008., p. 186).

É neste contexto que Antonio Albuquerque (2008)ALBUQUERQUE, Antonio Armando Ulian do Lago. Multiculturalismo e direito à autodeterminação dos povos indígenas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008. afirma que os povos indígenas fazem parte da classificação de “coletividades bivalentes”, pois demandam políticas de redistribuição e de reconhecimento simultaneamente. Para o autor, os povos indígenas são coletividades “oprimidas pelo aparato estatal e subordinadas à hegemonia cultural não-índia” (ALBUQUERQUE, 2008ALBUQUERQUE, Antonio Armando Ulian do Lago. Multiculturalismo e direito à autodeterminação dos povos indígenas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008., p. 131).

A formulação de políticas públicas para os povos indígenas requer que se determine qual tipo de reconhecimento é desejado em vez da simples diferenciação entre estas políticas e as de redistribuição. Como afirma Antonio Albuquerque, o “[r]econhecimento apenas em seu aspecto legal e formal não acarreta consequências práticas para o desenvolvimento dos povos ameríndios” (ALBUQUERQUE, 2008ALBUQUERQUE, Antonio Armando Ulian do Lago. Multiculturalismo e direito à autodeterminação dos povos indígenas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008., p. 74).

Neste sentido, há estudos atuais que focam em tal discussão. Garavito e Díaz (2015)GARAVITO, César Rodríguez; DÍAZ, Carlos Andrés Baquero. Reconocimiento con redistribución. El derecho y la justicia étnico-racial en América Latina. Bogotá: Centro de Estudios de Derecho, Justicia y Sociedad, 2015. 112 p., analisando as políticas de reconhecimento na América Latina, concluem que:

(...) la modalidad dominante de conciliación entre los dos tipos de reclamos consiste en proteger jurídicamente la diversidad étnico-racial siempre y cuando no implique redistribución económica a favor de indígenas y afrolatinoamericanos. (GARAVITO; DÍAZ, 2015GARAVITO, César Rodríguez; DÍAZ, Carlos Andrés Baquero. Reconocimiento con redistribución. El derecho y la justicia étnico-racial en América Latina. Bogotá: Centro de Estudios de Derecho, Justicia y Sociedad, 2015. 112 p., p. 21).

Afirmam, também, que as experiências de reconhecimento latino-americanas, em geral, têm representando lutas insuficientes, pois as demandas substantivas indígenas por territórios, autonomia e cultura têm se materializado em políticas meramente procedimentais e simbólicas, que acabam deixando intactas as estruturas econômicas ainda muito precárias dos povos indígenas da América Latina (GARAVITO; DÍAZ, 2015GARAVITO, César Rodríguez; DÍAZ, Carlos Andrés Baquero. Reconocimiento con redistribución. El derecho y la justicia étnico-racial en América Latina. Bogotá: Centro de Estudios de Derecho, Justicia y Sociedad, 2015. 112 p., p. 22).

Estas políticas híbridas, ou seja, que reconhecem direitos culturais, mas não transformam estruturas, têm sido chamadas por alguns autores de “multiculturalismo neoliberal”. Porém, Garavito e Díaz preferem o termo “multiculturalismo hegemônico”, já que são empregadas tanto por governos neoliberais quanto por aqueles do campo político da esquerda ou da centro-esquerda (GARAVITO; DÍAZ, 2015GARAVITO, César Rodríguez; DÍAZ, Carlos Andrés Baquero. Reconocimiento con redistribución. El derecho y la justicia étnico-racial en América Latina. Bogotá: Centro de Estudios de Derecho, Justicia y Sociedad, 2015. 112 p., p. 21).

A partir de tais constatações, os autores propõem uma tipologia de paradigmas jurídicos que levam em consideração as necessidades identitárias, econômicas e políticas dos povos indígenas e de outras comunidades tradicionais latino-americanas. Assim como concluem outros autores dos estudos multiculturais, a tendência deste novo momento jurídico e político seria a transição para um “multiculturalismo contra-hegemônico”, superando as políticas tímidas acima descritas e garantindo a autodeterminação destes povos, assim como prevê a Convenção 169 da OIT.

De fato, o conceito de multiculturalismo tem sido alvo de críticas enquanto não devidamente adjetivado. Boaventura de Sousa Santos há tempos afirmou que o mesmo pode apontar para uma descrição e para um projeto (SANTOS; NUNES, 2003SANTOS, Boaventura de Sousa; NUNES, João Arriscado. Introdução: para ampliar o cânone do reconhecimento, da diferença e da igualdade. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (org.). Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003., p. 28).

O multiculturalismo como descrição, enquanto a simples multiplicidade de culturas coexistindo em um espaço determinado, materializa-se em projetos culturais e políticos sujeitos a críticas de serem eurocêntricos, pois descreveriam apenas a diversidade cultural dos países do norte, sendo conceito imposto aos do Sul como forma de dominação; de serem expressão da lógica cultural do capitalismo global; de serem apolíticos, olvidando as relações de poder, exploração, desigualdades e exclusões; e de serem unicamente tolerantes em vez de ativamente envolvidos com a alteridade (SANTOS; NUNES, 2003SANTOS, Boaventura de Sousa; NUNES, João Arriscado. Introdução: para ampliar o cânone do reconhecimento, da diferença e da igualdade. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (org.). Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003., p. 30).

Todavia, o multiculturalismo pode ser o termo usado para descrever projetos políticos e culturais emancipatórios e contra-hegemônicos de reconhecimento das diferenças. De fato, a cultura tem sido reivindicada como palco para novas definições de direitos, de identidades, de justiça e de cidadania, principalmente em contextos imperialistas, coloniais e pós-coloniais, bem como da globalização capitalista (SANTOS; NUNES, 2003SANTOS, Boaventura de Sousa; NUNES, João Arriscado. Introdução: para ampliar o cânone do reconhecimento, da diferença e da igualdade. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (org.). Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003., p. 31-32). Em síntese, a pluralidade de culturas pode ser inerte; o multiculturalismo pressupõe uma ação política e uma pedagogia.

Tecendo críticas semelhantes à multiculturalidade, Catherine Walsh (2009)WALSH, Catherine. Interculturalidad, estado, sociedad: luchas (de)coloniales de nuestra época. Quito: Universidad Andina Simón Bolívar, Ediciones Abya-Yala, 2009. afirma que o termo interculturalidade, enquanto conceito e prática, processo e projeto de sociedade, seria o mais adequado para a realidade étnico-cultural da América Latina, porque parte da realidade dos grupos historicamente subalternizados e aponta para a mudança radical da ordem estabelecida. Em vez de simplesmente reconhecer e tolerar a diferença, a interculturalidade visa a “re-conceptualizar y re-fundar estructuras sociales, epistémicas y de existencias, que ponen en escena y en relación equitativa lógicas, prácticas y modos culturales diversos de pensar, actuar y vivir” (WALSH, 2009WALSH, Catherine. Interculturalidad, estado, sociedad: luchas (de)coloniales de nuestra época. Quito: Universidad Andina Simón Bolívar, Ediciones Abya-Yala, 2009., p. 43-44).

Joaquín Herrera Flores (2004)FLORES, Joaquín Herrera. Direitos humanos, interculturalidade e racionalidade de resistência. In: WOLKMER, Antonio Carlos (org.). Direitos Humanos e Filosofia Jurídica na América Latina. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. igualmente defende a interculturalidade como conceito que descreveria melhor a emergência das relações dos povos latino-americanos, pois não estaria adstrita à dicotomia clássica do particularismo e do universalismo, mas a uma “racionalidade de resistência” (FLORES, 2004FLORES, Joaquín Herrera. Direitos humanos, interculturalidade e racionalidade de resistência. In: WOLKMER, Antonio Carlos (org.). Direitos Humanos e Filosofia Jurídica na América Latina. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004., p. 377).

A fim de combater o universalismo eurocêntrico que ignora o contexto e as práticas culturais particulares, o “nativismo” do particularismo – ou localismo – produziria identidades absolutas de culturas ou grupos sociais que não dialogam entre si. O multiculturalismo, portanto, respeitaria “as diferenças, absolutizando as identidades e esfalecendo as relações hierárquicas – dominados/dominantes – que entre elas ocorrem” (FLORES, 2004FLORES, Joaquín Herrera. Direitos humanos, interculturalidade e racionalidade de resistência. In: WOLKMER, Antonio Carlos (org.). Direitos Humanos e Filosofia Jurídica na América Latina. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004., p. 373). A racionalidade de resistência, por sua vez, seria aquela que:

não nega que é possível chegar a uma síntese universal das diferentes posições relativas aos direitos. E tampouco descarta a virtualidade das lutas pelo reconhecimento das diferenças étnicas ou de gênero. O que negamos é considerar o universal como um ponto de partida ou um campo de descontos. Ao universal há de chegar – universalismo de chegada ou de confluência – depois (não antes) de um processo conflitivo, discursivo ou de confrontação [...] (FLORES, 2004FLORES, Joaquín Herrera. Direitos humanos, interculturalidade e racionalidade de resistência. In: WOLKMER, Antonio Carlos (org.). Direitos Humanos e Filosofia Jurídica na América Latina. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004., p. 375).

É precisamente neste sentido crítico e que Garavito e Díaz (2015)GARAVITO, César Rodríguez; DÍAZ, Carlos Andrés Baquero. Reconocimiento con redistribución. El derecho y la justicia étnico-racial en América Latina. Bogotá: Centro de Estudios de Derecho, Justicia y Sociedad, 2015. 112 p. analisam as políticas latino-americanas. Em relação ao paradigma do “liberalismo integracionista”, definem sendo aquele em que a demanda central é a liberdade e a igualdade formal, cujo princípio norteador é a assimilação sem discriminação. Os povos indígenas teriam o status de “objetos de políticas”, cujos atores centrais das políticas seriam somente os governos (GARAVITO; DÍAZ, 2015GARAVITO, César Rodríguez; DÍAZ, Carlos Andrés Baquero. Reconocimiento con redistribución. El derecho y la justicia étnico-racial en América Latina. Bogotá: Centro de Estudios de Derecho, Justicia y Sociedad, 2015. 112 p., p. 41). Este paradigma perdurou por muito tempo no cenário político oficial do país, quando os povos indígenas não possuíam voz própria e não lhes eram reconhecidos direitos básicos enquanto populações vulneráveis e culturalmente diferenciadas.

O paradigma do “multiculturalismo hegemônico” avançaria para uma demanda central de diversidade, mas ainda sob a perspectiva da igualdade formal. Isto porque o princípio norteador seria da diversidade com participação, e os indígenas permaneceriam limitados a objetos de políticas ou sujeitos de direitos meramente individuais. As fontes principais avançariam para as Constituições multiculturais e para a Convenção 169 da OIT. Os atores centrais, portanto, incluiriam, além dos governos, a OIT, organizações não-governamentais e Cortes de Direitos Humanos (GARAVITO; DÍAZ, 2015GARAVITO, César Rodríguez; DÍAZ, Carlos Andrés Baquero. Reconocimiento con redistribución. El derecho y la justicia étnico-racial en América Latina. Bogotá: Centro de Estudios de Derecho, Justicia y Sociedad, 2015. 112 p., p. 41).

Por fim, o paradigma a ser buscado seria o “multiculturalismo contra-hegemônico”. A demanda central permaneceria a diversidade, mas sob perspectiva da igualdade material ou substancial. O princípio norteador seria a autodeterminação destes povos com um senso de reparação histórica pelos prejuízos sofridos desde a colonização. Além disso, os povos indígenas deixariam de ser meros objetos de políticas para se transformarem em sujeitos de direitos coletivos: direito à cultura diferenciada, direito ao território tradicionalmente ocupado, direitos sociais (educação e saúde, por exemplo) culturalmente adequados às suas tradições. Dentre as fontes, acrescentam-se a Declaração dos Direitos Indígenas da ONU de 2007 e as constituições pluriculturais que já incorporaram alguns avanços vindos deste paradigma, como as Constituições da Bolívia e do Equador, que buscam reconhecer a coexistência de diferentes nações indígenas no território nacional e a sua autonomia para gerir diversos aspectos da vida em sociedade, superando a visão única de um estado nacional dominado pelas elites herdeiras dos colonizadores. Finalizando, somam-se aos atores centrais as próprias organizações indígenas, mas também organismos de relatorias especiais da ONU, por exemplo (GARAVITO; DÍAZ, 2015GARAVITO, César Rodríguez; DÍAZ, Carlos Andrés Baquero. Reconocimiento con redistribución. El derecho y la justicia étnico-racial en América Latina. Bogotá: Centro de Estudios de Derecho, Justicia y Sociedad, 2015. 112 p., p. 41).

2.3. Princípio da autodeterminação e standards internacionais

Outro aspecto importante é observar o debate no plano internacional. A avaliação de que o judiciário brasileiro pouco realiza controle de convencionalidade é antiga, o que fica evidenciado pela atual interpretação pelo STF do §2° do art. 5° da Constituição Federal, que não confere automaticamente status de norma constitucional a todos os tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil5 5 Com relação à incorporação de tratados de direitos humanos pelo ordenamento jurídico brasileiro, é importante salientar que a Emenda Constitucional n° 45, de 2004, previu que os tratados internacionais aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, são equiparados às emendas constitucionais (artigo 5º, §3º da Constituição Federal). Com relação aos tratados aprovados anteriormente à emenda e que não seguiram o rito previsto por ela, o STF firmou a chamada “teoria do duplo estatuto”, ao julgar o Recurso Extraordinário 466.343-SP. A decisão foi no sentido de reconhecer que os tratados de direitos humanos aprovados sem o quórum qualificado do art. 5º, §3º, CF, têm valor supralegal, ou seja, com hierarquia superior às leis infraconstitucionais, mas abaixo da Constituição. . No entanto, como visto anteriormente, incorporar fontes atuais e considerar a jurisprudência progressista das cortes internacionais também é atender a elementos do paradigma jurídico do reconhecimento.

Caso paradigmático que alerta sobre as obrigações estatais derivadas do Sistema Interamericano é o caso Yakye Axa Vs. Paraguay. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) submeteu à Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2003 uma demanda contra o Estado do Paraguai, acusando-o de ter violado diversos artigos e obrigações constantes da Convenção Americana de Direito Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), em prejuízo da comunidade indígena Yakye Axa do Povo Enxet-Lengua. Segundo a CIDH, a demora em demarcar as terras da comunidade, cujo pedido tramitava desde 1993, implicava mantê-la em estado de vulnerabilidade alimentícia, médica e sanitária (CIDH, 2005CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Caso Comunidad indígena Yakye Axa Vs. Paraguay. Sentencia de 17 de junio de 2005. Disponível em: <www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_125_esp.pdf>. Acesso em: 04.06.2015.
www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/...
, p. 2).

A Corte condenou o Paraguai e decidiu que os povos indígenas “têm direito a medidas específicas que garantam o acesso aos serviços de saúde, que devem ser apropriados sob a perspectiva cultural” (PIOVESAN, 2011PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional: um estudo comparativo dos sistemas regionais europeu, interamericano e africano. 2ª Ed. Prefácio de Celso Lafer. São Paulo: Saraiva, 2011., p. 153), sendo que “a saúde apresenta uma dimensão coletiva e que a ruptura de sua relação simbólica com a terra exerce um efeito prejudicial sobre a saúde dessas populações” (PIOVESAN, 2011PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional: um estudo comparativo dos sistemas regionais europeu, interamericano e africano. 2ª Ed. Prefácio de Celso Lafer. São Paulo: Saraiva, 2011., p. 153).

Ainda no Sistema Universal de Direitos Humanos, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, encarregado de apresentar os standards normativos de cumprimento do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), editou em 2000 o Comentário Geral n° 14 “El derecho al disfrute del más alto nivel posible de salud (artículo 12 del Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales)” (ONU, 2000ONU. Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Comentário Geral n° 14 (2000). Disponível em: <http://tbinternet.ohchr.org/_layouts/treatybodyexternal/Download.aspx?symbolno=E%2fC.12%2f2000%2f4&Lang=en> Acesso em: 04.06.2015.
http://tbinternet.ohchr.org/_layouts/tre...
). Referente aos povos indígenas, o documento afirma que “Los servicios de salud deben ser apropiados desde el punto de vista cultural, es decir, tener en cuenta los cuidados preventivos, las prácticas curativas y las medicinas tradicionales” (ONU, 2000ONU. Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Comentário Geral n° 14 (2000). Disponível em: <http://tbinternet.ohchr.org/_layouts/treatybodyexternal/Download.aspx?symbolno=E%2fC.12%2f2000%2f4&Lang=en> Acesso em: 04.06.2015.
http://tbinternet.ohchr.org/_layouts/tre...
, p. 11).

A Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais, de 07 de junho de 1989, incorporada ao direito brasileiro pelo Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004, também determina diretrizes de prestação da saúde diferenciada, das quais se destacam aquelas sobre a configuração de políticas públicas interculturais, tanto na formulação quanto na execução:

Artigo 25 – [...] 2. Os serviços de saúde deverão ser organizados, na medida do possível, em nível comunitário. Esses serviços deverão ser planejados e administrados em cooperação com os povos interessados e levar em conta as suas condições econômicas, geográficas, sociais e culturais, bem como os seus métodos de prevenção, práticas curativas e medicamentos tradicionais. 3. O sistema de assistência sanitária deverá dar preferência à formação e ao emprego de pessoal sanitário da comunidade local e se centrar no atendimento primário à saúde, mantendo ao mesmo tempo estreitos vínculos com os demais níveis de assistência sanitária (OIT, 1989OIT. Convenção n° 169, de 07 de junho de 1989. Disponível em: <http://www.ilo.org/brasilia/conven%C3%A7%C3%B5es/WCMS_236247/lang--pt/index.htm> Acesso em: 04.06.2015.
http://www.ilo.org/brasilia/conven%C3%A7...
).

Sem a mesma força normativa dos tratados, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas de 2007 possui conteúdo avançado em relação à autodeterminação destes povos, tendo inclusive influenciado as reformas constitucionais da Bolívia e do Equador em direção a um Estado Pluricultural. Sobre o direito à saúde, afirma que “os povos indígenas têm o direito de participar ativamente da elaboração e da determinação dos programas de saúde” (ONU, 2007ONU. Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 13 de setembro de 2007, em Nova Iorque. Subscrita pelo Brasil. Disponível em: <http://www.un.org/esa/socdev/unpfii/documents/DRIPS_pt.pdf> Acesso em: 31.03.2016.
http://www.un.org/esa/socdev/unpfii/docu...
, p. 13) e que “têm direito a seus medicamentos tradicionais e a manter suas práticas de saúde, incluindo a conservação de suas plantas, animais e minerais de interesse vital do ponto de vista médico” (ONU, 2007ONU. Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 13 de setembro de 2007, em Nova Iorque. Subscrita pelo Brasil. Disponível em: <http://www.un.org/esa/socdev/unpfii/documents/DRIPS_pt.pdf> Acesso em: 31.03.2016.
http://www.un.org/esa/socdev/unpfii/docu...
, p. 13).

As obrigações derivadas destas normas internacionais buscam atender ao princípio da autodeterminação dos povos indígenas, concebida como um princípio de direito internacional consuetudinário dotado de ius cogens, isto é, de norma imperativa, que não mais diz respeito somente à autonomia e soberania territorial de Estados, mas a um direito de todos os povos, incluindo os indígenas, outras comunidades tradicionais e minorias étnicas internas dos Estados (ANAYA, 2005ANAYA, James. Los pueblos indígenas en el derecho internacional. Madrid: Trotta, 2005., p. 136).

A autodeterminação está vinculada a um conjunto de normas de direitos humanos derivados dos valores fundamentais de liberdade e igualdade, representando um standard de legitimidade política no marco contemporâneo dos direitos humanos. Em relação aos povos indígenas, a doutrina do direito internacional dos direitos humanos desenvolveu obrigações que dão conteúdo material ao conceito: direito a não discriminação, à integridade cultural, às terras e recursos, ao desenvolvimento, ao bem-estar social e ao autogoverno. Este último se subdivide nos direitos à autonomia e à participação, cuja consulta prévia, livre e informada da Convenção 169 da OIT é um exemplo de sua aplicação concreta (ANAYA, 2005ANAYA, James. Los pueblos indígenas en el derecho internacional. Madrid: Trotta, 2005., p. 175).

3. A configuração da saúde indígena no Brasil

3.1. A situação atual da saúde dos povos indígenas

A população indígena mundial é composta por aproximadamente 370 milhões de pessoas – em torno de 5% do total mundial – e constitui mais de um terço das 900 milhões de pessoas que vivem em extrema pobreza em áreas rurais do mundo. Esta é a principal conclusão do relatório divulgado em 2015 pelas Nações Unidas sobre as condições de vida dos povos indígenas em todo o mundo (UNITED NATIONS, 2015UNITED NATIONS. State of the World’s indigenous peoples. 2nd volume. UN, 2015. Disponível em: <http://www.un.org/esa/socdev/unpfii/documents/2015/sowip2volume-ac.pdf> Acesso em 02.12.2015.
http://www.un.org/esa/socdev/unpfii/docu...
).

Também em 2015, o Banco Mundial divulgou o relatório “América Latina Indígena no Século 21 – A Primeira Década” (BANCO MUNDIAL, 2015BANCO MUNDIAL. América Latina Indígena no Século XXI: a primeira década. Washington, DC: Banco Mundial, 2015. Disponível em: <http://www.mondialisations.org/medias/pdf/America-Latina-po.pdf> Acesso em: 09.07.2016.
http://www.mondialisations.org/medias/pd...
), concluindo que os indígenas latino-americanos se beneficiaram menos do crescimento socioeconômico da região no período. Embora o número de indígenas pobres tenha caído, a desigualdade ficou inalterada ou aumentou: “a pobreza afeta 43% da população indígena na região (mais do dobro da proporção de não indígenas), enquanto 24% de todos os povos indígenas vivem em extrema pobreza (2,7 vezes mais que a proporção de não indígenas)” (BANCO MUNDIAL, 2015BANCO MUNDIAL. América Latina Indígena no Século XXI: a primeira década. Washington, DC: Banco Mundial, 2015. Disponível em: <http://www.mondialisations.org/medias/pdf/America-Latina-po.pdf> Acesso em: 09.07.2016.
http://www.mondialisations.org/medias/pd...
, p. 9).

Embora os indicadores sociais dos povos indígenas do Brasil sejam escassos, estudos apontam para a mesma situação alarmante. O economista Marcelo Jorge de Paula Paixão, coordenador do Laboratório de Análises Econômicas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (LAESER) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sistematizou dados do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) étnico-racial do Brasil e concluiu que, enquanto a população autodeclarada branca possui IDH 0,845, considerado alto pela ONU e comparado a países como República Tcheca e Grécia, o IDH dos povos indígenas brasileiros atinge somente 0,683, considerado de desenvolvimento médio-baixo e comparado a países como Indonésia e Guiné Equatorial (PAIXÃO, 2013PAIXÃO, Marcelo Jorge de Paula. Desigualdades raciais no Brasil: análise de indicadores quantitativos e qualitativos. LABORATÓRIO DE ANÁLISES ECONÔMICAS, SOCIAIS E ESTATÍSTICAS DAS RELAÇÕES RACIAIS (LAESER). 2013. Disponível em: <http://www.acoesafirmativas.ufscar.br/arquivos/apresentacao-na-mesa-politicas-publicas-e-acoes-afirmativas-por-marcelo-jorge-de-paula-paixao> Acesso em 21.12.2015.
http://www.acoesafirmativas.ufscar.br/ar...
).

Esta situação impacta diretamente nas condições de saúde dos povos indígenas: em missão ao Brasil de 18 a 25 de agosto de 2008, o antigo Relator Especial das Nações Unidas para os Povos Indígenas, James Anaya, produziu o “Report of the Special Rapporteur on the situation of human rights and fundamental freedoms of indigenous people, James Anaya, on the situation of human rights of indigenous peoples in Brazil”6 6 Relatório do Relator Especial sobre a situação dos direitos humanos e liberdades individuais dos povos indígenas, James Anaya, sobre a situação dos direitos humanos dos povos indígenas do Brasil (UNITED NATIONS, 2009, tradução nossa). (UNITED NATIONS, 2009UNITED NATIONS. Report on the situation of human rights of indigenous peoples in Brazil, A/HRC/12/34/Add.2, 26 Aug. 2009. Disponível em: <http://unsr.jamesanaya.org/docs/countries/2009_report_brazil_en.pdf> Acesso em: 21.12.2015.
http://unsr.jamesanaya.org/docs/countrie...
) alertou que “by all indicators, indigenous peoples in Brazil suffer from poor health conditions; malnutrition, dengue, malaria, hepatitis, tuberculosis and parasites are among the frequent ailments and principal causes of death”7 7 De acordo com todos os indicadores, os povos indígenas no Brasil sofrem com precárias condições de saúde, subnutrição, dengue, malária, hepatite, tuberculose e parasitoses, que são frequentes doenças e principais causas de morte (UNITED NATIONS, 2009, p. 18, tradução nossa). (UNITED NATIONS, 2009UNITED NATIONS. Report on the situation of human rights of indigenous peoples in Brazil, A/HRC/12/34/Add.2, 26 Aug. 2009. Disponível em: <http://unsr.jamesanaya.org/docs/countries/2009_report_brazil_en.pdf> Acesso em: 21.12.2015.
http://unsr.jamesanaya.org/docs/countrie...
, p. 18).

O Relatório da Violência Contra os Povos Indígenas8 8 O Relatório Violência Contra os Povos Indígenas é uma publicação anual produzida pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), organização vinculada à Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), que apresenta dados oficiais do governo brasileiro e dados coletados pela própria organização sobre diversos tipos de violência contra os povos indígenas. também apresenta um diagnóstico sobre a prestação do direito à saúde, pois considera-se que a omissão do poder público caracteriza, também, uma forma de violência direta ou indireta. Muitos relatos dão conta da superlotação e da carência material das Casas de Apoio à Saúde Indígena (Casai), bem como da ausência de agentes indígenas de saúde e de saneamento em algumas de suas unidades (CIMI, 2015CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO. Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de 2014. Brasília: CIMI, 2015, p. 76. Disponível em: <http://www.cimi.org.br/pub/Arquivos/Relat.pdf>. Acesso em 31.03.2016
http://www.cimi.org.br/pub/Arquivos/Rela...
, p. 118). Além disso, há relatos de falta de transporte em alguns Distritos Sanitários, má administração, descarte indevido de medicamentos vencidos, ausência de manutenção da estrutura, dentre outros problemas. Essas condições precárias, embora verificáveis em muitos serviços públicos ofertados para a população em geral do país, ocasionaram 21 mortes no ano de 2014 (CIMI, 2015CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO. Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de 2014. Brasília: CIMI, 2015, p. 76. Disponível em: <http://www.cimi.org.br/pub/Arquivos/Relat.pdf>. Acesso em 31.03.2016
http://www.cimi.org.br/pub/Arquivos/Rela...
, p. 130).

Falhas estruturais e históricas de assistência à saúde também resultam em elevada mortalidade infantil, pois este indicador está relacionado às más condições de saneamento e de atenção básica à saúde. O Relatório de 2014 do CIMI apresentou dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), portanto, oficiais, que apontam um total de 785 mortes de crianças entre 0 e 5 anos em 2014. Como exemplo, a taxa de mortalidade do nascimento até cinco anos nos índios Xavante chegou a 141,64 por mil, enquanto que a média nacional registrada em 2013 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foi de 17 por mil (CIMI, 2015CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO. Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de 2014. Brasília: CIMI, 2015, p. 76. Disponível em: <http://www.cimi.org.br/pub/Arquivos/Relat.pdf>. Acesso em 31.03.2016
http://www.cimi.org.br/pub/Arquivos/Rela...
, p. 130).

Embora existam inúmeras denúncias de desassistência à saúde e os índices de desenvolvimento e indicadores sociais dos povos indígenas sejam alarmantes, a SESAI divulga frequentemente seus esforços em qualificar os serviços prestados a partir da melhoria das condições materiais de saúde. Certamente, tal política é reflexo de mudanças inclusive institucionais verificadas com a criação do subsistema de atenção à saúde indígena, secretaria específica vinculada diretamente ao Ministério da Saúde, que afastou a prestação deficitária realizada anteriormente pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA).

3.2. A saúde como direito fundamental social e concepção de saúde-doença nas cosmologias indígenas

O conceito de saúde acompanha os processos históricos de evolução dos direitos fundamentais. A intensa industrialização do Estado Liberal do século XIX levou a saúde a ser entendida como ausência de doenças. Era uma visão individualista e “curativa”, que se convencionou chamar de aspecto negativo de saúde (SCHWARTZ, 2001SCHWARTZ, Germano. Direito à saúde: efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001., p. 33). Com o Estado Social, este conteúdo revelou-se insuficiente para satisfazer as necessidades da pessoa humana e para contribuir com a diminuição das desigualdades (WEICHERT, 2004WEICHERT, Marlon Alberto. Saúde e Federação na Constituição Brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004., p. 120).

Neste entendimento, a perspectiva ampla de saúde teve como marco referencial o preâmbulo da Constituição da Organização Mundial de Saúde (OMS), que em 1946 apresentou o conceito de saúde como “o completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou outros agravos” (OMS, 1946OMS. Constituição da Organização Mundial da Saúde. Nova Iorque, 22 de julho de 1946. Disponível em: <http://apps.who.int/gb/bd/PDF/bd48/basic-documents-48th-edition-sp.pdf?ua=1#page=7> Acesso em: 04.06.2015.
http://apps.who.int/gb/bd/PDF/bd48/basic...
). Portanto, a OMS seguiu a compreensão de se tratar de fenômeno sociológico-cultural, agregando “a perspectiva individual de busca de ausência de moléstias e a coletiva de promoção da saúde em comunidade” (WEICHERT, 2004WEICHERT, Marlon Alberto. Saúde e Federação na Constituição Brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004., p. 122).

As Constituições promulgadas sob a égide do Estado Social compreendem este modelo, incluindo a brasileira de 1988. Deste modo, a Constituição Federal, além de incluir o direito à saúde no rol dos direitos fundamentais sociais no art. 6°, no art. 196 afirmou ser “garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 22.04.2016.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
) Quanto à aplicação e à eficácia, de acordo com a interpretação atual do parágrafo 1º do art. 5º, não mais se reconhecem os direitos sociais como programáticos, mas possuindo aplicação imediata e eficácia plena.

Se a leitura equivocada do conceito ocidental de saúde como mera ausência de doenças gera problemas associados a uma incompleta política estatal de atenção, a mesma abordagem ocasiona problemas ainda maiores em relação à saúde indígena, pois esta confere maior grau ao espiritual em detrimento de um caráter biomédico e cientificista. A doença é também um fenômeno social, cuja percepção e tratamento são definidos de acordo com cada contexto cultural. Assim, pode-se considerar que a saúde e a doença possuem uma realidade simbólica independente da sua realidade biomédica (FERREIRA; SILVEIRA, 2005FERREIRA, Flávia da Rosa; SILVEIRA, Elaine da. O processo saúde-doença na cosmovisão Guarani. In: SILVEIRA, Elaine da; OLIVEIRA, Lizete Dias de. Etnoconhecimento e saúde dos povos indígenas do RS. Canoas: Ed. ULBRA, 2005., p. 60).

Nesta perspectiva, a concepção indígena de saúde-doença é resumida por Gersem dos Santos Luciano como “resultado do tipo de relação individual e coletiva que se estabelece com as demais pessoas e com a natureza” (LUCIANO, 2006LUCIANO, Gersem dos Santos. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil hoje. Brasília: LACED/Museu Nacional, 2006., p. 173), o que demonstra a intrínseca relação com o próprio modo de vida e a inserção em um campo em que se ultrapassam conceitos e definições para compreendermos sentidos e percepções.

Essa relação de harmonia com a natureza é essencial para a manutenção do bem-estar das comunidades; a doença surge quando a harmonia é rompida. Como evidencia Elizabeth Pissolato em etnografia junto aos Mbyá-Guarani do Rio de Janeiro, a vida possui para eles um caráter destrutivo e a Terra é imperfeita e repleta de doenças: há sempre potências produtoras de doenças atuando, mesmo que invisíveis, voltando-se os esforços continuamente para a produção de saúde ou de saberes que garantam vida longa (PISSOLATO, 2007PISSOLATO, Elizabeth. A duração da pessoa: mobilidade, parentesco e xamanismo mbya (guarani). São Paulo: UNESP, 2007., p. 225-226).

Para os Mbyá-Guarani, a ação humana ou é sempre orientada para a produção de benefícios à saúde ou é danosa. Assim, tanto a prática de produzir doenças quanto a capacidade de evitá-las são concebidas como uma ciência “boa” ou “má”.

No que tange à instalação de doenças, podem ocorrer por via dita “natural”, diante da reação de espíritos da natureza provocados por descuido da pessoa, a qual dá causa à doença, ou por feitiçaria, que consiste na ação de outras pessoas. Entretanto, ambas as formas são processos intencionais de envio de elementos invisíveis na direção da vítima. Existe, também, a diferenciação entre as doenças de guarani – espirituais – e as doenças do “homem branco” – adquiridas pelo contato interétnico –, o que é importante para o correto diagnóstico e tratamento.

Portanto, assume grande importância para as comunidades indígenas, não apenas para os Mbyá, a atuação do xamã ou pajé (karaí para os Mbyá) e a casa de reza (opy). O karaí é o conhecedor da natureza, mantém o equilíbrio no caos natural fazendo a intermediação entre o espiritual e o material e é responsável pela cura das doenças, devido à capacidade de ver o que é invisível para os demais e orientá-los. A opy é o local onde atua o karaí, espaço onde se realizam os rituais religiosos, além de desempenhar as funções de abrigo, acolhimento, proteção e conforto.

Consequentemente, aldeias sem opy e karaí estão mais suscetíveis a doenças, mortes e brigas, pois além do caráter espiritual, evitam atividades como os “bailes de branco” e o consumo de álcool.

Além destas observações, Dominique Buchillet (2004)BUCHILLET, Dominique. Cultura e saúde pública: reflexões sobre o Distrito Sanitário Especial Indígena do Rio Negro. In: LANGDON, Esther Jean & GARNELO, Luiza (org.). Saúde dos Povos Indígenas: reflexões sobre antropologia participativa. Rio de Janeiro: Contracapa/ABA, 2004. sistematiza algumas razões de ordem prática para justificar uma atenção diferenciada em saúde, especialmente de acordo com a interpretação indígena dos sintomas das doenças. Note-se que os grupos indígenas pesquisados pela antropóloga são oriundos da região amazônica do Alto Rio negro, e não os Mbyá-Guarani:

  1. Falta de correspondência entre as nosologias biomédicas e indígenas: sintomas de uma mesma doença da medicina ocidental podem ser considerados indicativos de doenças diversas para os índios;

  2. Concepções divergentes acerca do papel do médico: é comum a prática do autodiagnóstico, com consequências para o tratamento pela rede pública de saúde. O doente possui tarefas que na sociedade ocidental são atribuídas somente ao médico;

  3. Alguns termos médicos indicam sintomas de possíveis doenças, enquanto que para o paciente indígena podem corresponder a uma doença específica: “tosse”, para o médico é apenas sintoma; para o paciente pode designar tuberculose;

  4. Os sintomas de transição de um estado de saúde para outro patológico (e o inverso) são diferentes: um paciente indígena poder ser considerado curado pelo médico, mas pode não se considerar curado de acordo com o diagnóstico indígena, pois a causa de sua doença ainda não foi sanada;

  5. Consequências geradas pelas dimensões semânticas dos termos médicos ocidentais ou nativos para as populações locais: é importante saber quais sentimentos ou reações estão vinculadas ao uso de determinados termos. No passado, ao se diagnosticar wati poari (denominação dos índios tukano da tuberculose pulmonar ou laríngea), o doente interpretava como uma sentença de morte, o que provocava terror e fuga de membros de sua família ou da comunidade (BUCHILLET, 2004BUCHILLET, Dominique. Cultura e saúde pública: reflexões sobre o Distrito Sanitário Especial Indígena do Rio Negro. In: LANGDON, Esther Jean & GARNELO, Luiza (org.). Saúde dos Povos Indígenas: reflexões sobre antropologia participativa. Rio de Janeiro: Contracapa/ABA, 2004., p. 61-64).

Como se vê, a noção de saúde-doença indígena envolve complexas relações entre o indivíduo, a comunidade e a natureza, sempre caracterizadas, tanto a produção de doença quanto a cura, por processos não-materiais, o que a diferencia de forma radical da noção ocidental de saúde. Logo, o diagnóstico e o tratamento sensíveis à cosmovisão indígena são garantias de maior eficácia do direito à saúde, o que não seria possível em um paradigma integracionista que não reconhecesse os povos indígenas como sujeitos de direitos coletivos e com autodeterminação.

3.3. O subsistema de atenção à saúde indígena: os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) e as interações entre o SUS e a atenção diferenciada

A Lei Arouca, Lei n° 9.836, de 1999, acrescentou o Capítulo V à Lei n° 8.080/1990, a qual regulamenta a saúde pública nos moldes estabelecidos pela Constituição Federal e institui o SUS. O Capítulo V, por sua vez, constitui o subsistema de atenção à saúde indígena no âmbito do SUS.

Quanto ao agente executor, a Medida provisória n° 1.911-8/99 devolveu a responsabilização exclusiva pelo atendimento da saúde indígena para a FUNASA, antes prestada pela FUNAI. Entretanto, por conta de reivindicações de diversos setores sociais, Ministério Público Federal (MPF), ONGs e das próprias organizações indígenas, desde o ano de 2010 a FUNASA foi substituída pelo atendimento da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), vinculada diretamente ao Ministério da Saúde. Esta mudança configurou avanço de gestão.

Por fim, em relação ao modelo atendimento, a saúde indígena é prestada a partir de 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas – DSEIs, cuja origem remonta ao início da década de 90. Entretanto, apenas em 1999 sua implantação foi formalizada, através do Decreto n° 3.156, de 27 de agosto de 1999 e, posteriormente, pela própria Lei Arouca.

A Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, ao estabelecer que o modelo de Distritos Sanitários é o que melhor atende aos propósitos do documento, ou seja, o acesso à atenção integral à saúde e o respeito às diversidades, define o conceito de Distrito Sanitário da seguinte maneira:

Modelo de organização de serviços - orientado para um espaço etno-cultural dinâmico, geográfico, populacional e administrativo bem delimitado -, que contempla um conjunto de atividades técnicas, visando medidas racionalizadas e qualificadas de atenção à saúde, promovendo a reordenação da rede de saúde e das práticas sanitárias e desenvolvendo atividades administrativo-gerenciais necessárias à prestação da assistência, com controle social (BRASIL, 2002BRASIL. Fundação Nacional de Saúde. Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. 2ª edição. Brasília: Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde, 2002. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_saude_indigena.pdf> Acesso em: 23.04.2016.
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, p. 13).

Os Distritos têm por objetivo prestar serviços de saúde de acordo com as particularidades político-culturais de cada etnia indígena, obedecendo aos avanços da Constituição Federal no reconhecimento destas diversidades, às discussões estabelecidas na I e II Conferências Nacionais de Saúde Indígena e à concepção de saúde-doença diversa da biomédica ocidental. A Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas apresenta os critérios que situam a abrangência territorial dos Distritos: a) população, área geográfica e perfil epidemiológico; b) disponibilidade de serviços, recursos humanos e infraestrutura; c) vias de acesso aos serviços instalados em nível local e à rede regional do SUS; d) relações sociais entre os diferentes povos indígenas do território e a sociedade regional; e e) distribuição demográfica tradicional dos povos indígenas, que não coincide necessariamente com os limites de estados e municípios onde estão localizadas as terras indígenas (BRASIL, 2002BRASIL. Fundação Nacional de Saúde. Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. 2ª edição. Brasília: Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde, 2002. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_saude_indigena.pdf> Acesso em: 23.04.2016.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
, p. 14).

Apesar do grau de complexidade do atendimento prestado pelas diversas unidades estruturais, Garnelo salienta que o sistema permanece preso a práticas sanitárias tecnicistas sem o desenvolvimento e ações que busquem a interação setorial. Além disso, a articulação com o SUS é confusa e não são respeitadas as práticas culturais indígenas, mesmo sendo este o objetivo principal do estabelecimento do modelo distrital de atenção (GARNELO; MACEDO; BRANDÃO, 2003GARNELO, Luiza; MACEDO, Guilherme; BRANDÃO, Luiz Carlos. Os povos indígenas e a construção das políticas de saúde no Brasil. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2003., p. 52).

A antropóloga também ressalta que alguns Distritos englobam áreas grandes demais para que haja um atendimento eficaz, além de outros agregarem “artificialmente grupos étnicos com história de antigas disputas étnicas ou que não mantém interações tradicionais entre si” (GARNELO; MACEDO; BRANDÃO, 2003GARNELO, Luiza; MACEDO, Guilherme; BRANDÃO, Luiz Carlos. Os povos indígenas e a construção das políticas de saúde no Brasil. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2003., p. 55).

Além das questões que surgem pelo modelo de atendimento, há interações e tensões entre a saúde pública e a atenção diferenciada, tendo em vista que o subsistema criado está inserido no SUS, o que significa que obedece às mesmas diretrizes e princípios consagrados pela Lei Orgânica da Saúde e pela Constituição Federal.

Logo no art. 19-A do Capítulo V está a vinculação do subsistema ao que se estabelece na Lei n° 8.080/90, quando assevera que as “ações e serviços de saúde voltados para o atendimento das populações indígenas, em todo o território nacional, coletiva ou individualmente, obedecerão ao disposto nesta Lei” (BRASIL, 1990BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Lei do SUS. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm> Acesso em: 23.04.2016.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
). Em seguida, o art. 19-B afirma que o subsistema criado é componente do SUS, “com o qual funcionará em perfeita integração” (BRASIL, 1990BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Lei do SUS. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm> Acesso em: 23.04.2016.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
).

Ainda, o art. 19-G atribui ao subsistema os mesmos aspectos caracterizadores do SUS: descentralizado, hierarquizado e regionalizado. Pode-se, também, somar a estas características os princípios da universalidade, da igualdade, da gratuidade, da integralidade e da participação ou “controle social”.

A partir desta constatação, nota-se que a concepção indígena de saúde-doença não se compatibiliza de forma automática com a estrutura e com os modos de atuação da saúde pública executada pelo SUS. Consequentemente, a articulação assume grande relevância para que as exigências do atual modelo de atenção à saúde indígena sejam efetivas e, da mesma forma, evidencia a necessidade de uma “atenção diferenciada” que possibilite verdadeiro diálogo intercultural no âmbito da assistência à saúde, para além das políticas de dotação de recursos materiais.

Deste modo, pode-se identificar algumas tensões ou interações entre a saúde indígena e os princípios e diretrizes do SUS, quais sejam: a) atenção diferenciada e os princípios da igualdade e universalidade do SUS; b) integralidade da assistência e a transição do modelo campanhista para o assistencialista; c) descentralização do SUS e o modelo misto de gestão da atenção à saúde indígena; e, por fim, d) princípio da participação social, sua importância no campo da saúde indígena e terceirização dos serviços.

O princípio da universalidade no acesso às ações e serviços de saúde está previsto no art. 196 da Constituição Federal e no inciso I do art. 7° da Lei n° 8.080/90. Interligado, está o princípio da igualdade nas ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, previsto também no art. 198 da Constituição e no inciso IV do art. 7° da Lei n° 8.080/90.

Nota-se que a atenção à saúde indígena, diante das diferenças culturais nas representações de saúde-doença e nas práticas empregadas, não pode receber as mesmas políticas públicas destinadas às parcelas homogêneas da população, embora utilize, em certos níveis de atendimento, a mesma estrutura do SUS. Deve haver busca pela igualdade de condições de acesso e, portanto, relativização do princípio da igualdade formal, sem esquecer que a universalidade, ao mesmo tempo, garante total direito à proteção, promoção e recuperação da saúde a toda a população.

O princípio da integralidade da assistência está expressamente consagrado no art. 198, inciso II, da Constituição Federal de 1988. Seu conteúdo, no entanto, é determinado pelo art. 7° da Lei nº 8.080/90 “como um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema” (BRASIL, 1990BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Lei do SUS. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm> Acesso em: 23.04.2016.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
). Segundo Weichert, o poder público tem o dever de oferecer serviços de todas as especialidades e complexidades, mesmo quando não sejam rotineiramente prestados ou se destinem aos cuidados de doença rara (WEICHERT, 2004WEICHERT, Marlon Alberto. Saúde e Federação na Constituição Brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004., p. 170-171).

A interação, portanto, ocorre com a transição do modelo de atendimento à saúde indígena: quando prestado pela FUNAI, o modelo era o chamado campanhista, executado pelas Equipes Volantes de Saúde de modo periódico e de acordo com “demanda espontânea de casos em que a doença já está instalada” (GARNELO; MACEDO; BRANDÃO, 2003GARNELO, Luiza; MACEDO, Guilherme; BRANDÃO, Luiz Carlos. Os povos indígenas e a construção das políticas de saúde no Brasil. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2003., p. 48). Com a responsabilidade transferida para o âmbito do Ministério da Saúde, de acordo com as diretrizes e princípios do SUS, o modelo passou a ser o de assistência e exercido através dos DSEIs. A oferta de serviços, portanto, passou a ser ininterrupta e prestada nas próprias aldeias, possibilitando maior contato e interação entre as formas distintas de atenção à saúde, a biomédica e a indígena.

A terceira interação é, em verdade, uma relativização. O inciso I do art. 198 da Constituição Federal estabelece como princípio fundamental do SUS a descentralização dos serviços e, como regra, a direção única. Isto significa que os serviços de saúde devem ser prestados primordialmente pelos municípios, como também prevê o inciso VII, art. 30, da Constituição Federal.

A evolução da política de atenção à saúde indígena entendeu que o modelo distrital era o que melhor atendia à exigência da atenção diferenciada. Deste modo, os distritos sanitários não obedecem aos limites políticos municipais e estaduais, pois os critérios utilizados para sua atuação são outros. Nota-se, portanto, a relativização necessária do princípio da descentralização.

A participação social é considerada um dos pilares do SUS, prevista no inciso III do art. 198 da Constituição Federal e no inciso VIII do art. 7° da Lei n° 8.080/90. Configura-se em instrumento de democracia participativa e tem por objetivo impor aos agentes públicos a obrigação de criar mecanismos de participação da população na formulação, implementação, gestão e controle das políticas públicas, afastando práticas paternalistas e desenvolvendo o senso de responsabilidade comum.

No âmbito da saúde indígena, este princípio constitucional assume peculiar importância. As Conferências de Nacionais de Saúde elaboraram reivindicações que objetivavam a criação de um subsistema no âmbito do SUS. Todavia, a participação não ocorre apenas nos períodos de realização das Conferências; existe uma estrutura de controle social permanente, assim como ocorre com a saúde pública não-indígena. O Conselho Nacional de Saúde, principal instância de decisão, possui uma Comissão Intersetorial de Saúde Indígena (CISI), cujas funções são consultivas e não deliberativas.

No âmbito local, o controle é exercido pelo Conselho Distrital e pelos Conselhos Locais de Saúde. O primeiro delibera sobre questões da área de abrangência do respectivo DSEI, definindo prioridades e aprovando os planos distritais. O segundo é formado exclusivamente por usuários e lideranças indígenas, responsáveis pela aproximação das discussões distritais à comunidade indígena, facilitando a execução de políticas locais.

O tão importante princípio da participação social, embora tenha garantido – através do modelo de distritos sanitários – avanços no reconhecimento estatal da necessidade de atenção diferenciada em saúde indígena, revela diversos problemas, como a centralização das decisões por falta de interlocução entre as instâncias de controle social e por descaso à contribuição dos conselheiros indígenas (LANGDON, 2007LANGDON, Esther Jean; DIEHL, Eliana E. Participação e autonomia nos espaços interculturais de Saúde Indígena: reflexões a partir do sul do Brasil. Saúde e Sociedade, vol. 16, n° 2, São Paulo, May/Aug., 2007., p. 29); falta de capacitação para atuar em contextos interculturais, gerando tendências de centralização, burocratização e institucionalização (LANGDON, 2007LANGDON, Esther Jean; DIEHL, Eliana E. Participação e autonomia nos espaços interculturais de Saúde Indígena: reflexões a partir do sul do Brasil. Saúde e Sociedade, vol. 16, n° 2, São Paulo, May/Aug., 2007., p. 32); os Agentes Indígenas de Saúde (AIS) não representam os saberes indígenas e não estão preparados para realizar um papel de mediação, ocupando um papel ambíguo sem reconhecimento como profissional em uma equipe hierarquizada, com tarefas bem definidas entre os membros (LANGDON, 2007LANGDON, Esther Jean; DIEHL, Eliana E. Participação e autonomia nos espaços interculturais de Saúde Indígena: reflexões a partir do sul do Brasil. Saúde e Sociedade, vol. 16, n° 2, São Paulo, May/Aug., 2007., p. 32).

Por fim, como alerta Garnelo, por haver uma incongruência entre os as formas genéricas de representatividade exigidas por órgãos estatais com os modos tradicionais de legitimidade de lideranças indígenas, definidos no plano interno de cada cultura, e pela dificuldade de compreensão da lógica de funcionamento de instituições de saúde, que por vezes restringem formas não institucionalizadas de participação, o controle social em saúde indígena acabada enfrentando desafios singulares e de difícil resolução (GARNELO; MACEDO; BRANDÃO, 2003GARNELO, Luiza; MACEDO, Guilherme; BRANDÃO, Luiz Carlos. Os povos indígenas e a construção das políticas de saúde no Brasil. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2003., p. 80).

Conclusão

A configuração atual da atenção à saúde indígena incorpora algumas conquistas por diretos coletivos e reconhecimento cultural da Constituição Federal de 1988, procura aplicar as diretrizes e princípios do SUS para um atendimento integral com controle social e demonstra que as teorias multiculturais ajudam a formular políticas sensíveis às diferenças e, portanto, mais eficazes.

Todavia, diante das tensões analisadas e dos relatos de inoperâncias e dificuldades na prestação do direito em um contexto intercultural, torna-se de suma importância avaliar a política também a partir dos elementos teóricos trazidos neste artigo.

As normas internacionais e as experiências constitucionais recentes configuram-se como fontes obrigatórias de convencionalidade e de exemplos a serem seguidos, pois fornecem os standards concretos de que as teorias de reconhecimento e de interculturalidade já trabalham em um plano téorico-epistemológico.

Além disso, as diretrizes analíticas do paradigma jurídico do multiculturalismo contra-hegemônico sistematizadas por Garavito e Díaz (2015)GARAVITO, César Rodríguez; DÍAZ, Carlos Andrés Baquero. Reconocimiento con redistribución. El derecho y la justicia étnico-racial en América Latina. Bogotá: Centro de Estudios de Derecho, Justicia y Sociedad, 2015. 112 p. dão concretude os aportes teóricos e fornecem um quadro importante de análise para avaliar a configuração institucional e a atuação da política de assistência à saúde indígena, que não pode, até mesmo por vedação constitucional, retroceder a práticas assimilacionistas ou integracionistas. Nota-se que a política não tem levado à aplicação do princípio da autodeterminação com suas consequências empíricas, mas deixado os indígenas como objetos de políticas ou meros sujeitos de direitos individuais, em detrimento de sujeitos de direitos coletivos. Igualmente, as fontes adotadas ainda não alcançam as normas internacionais mais avançadas no paradigma do multiculturalismo contra-hegemônico e de experiências pluriétnicas.

Por fim, é importante mencionar a recente iniciativa legislativa do Governo Federal em criar o Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI), pessoa jurídica de direito privado supervisionada pela SESAI e que será responsável pela prestação de serviços de atenção básica em saúde aos povos indígenas que vivem nas aldeias. Após acelerada consulta aos povos indígenas, o Projeto de Lei n° 3501/2015 passou a tramitar no Congresso, mas ainda vem recebendo diversas críticas por parte de entidades indígenas e do Ministério Público Federal9 9 Sobre as críticas de entidades indígenas, vide o Dossiê de Saúde Indígena do CIMI e diversas notícias veiculadas desde 2014, ano em que as discussões iniciaram. Disponível em: <https://dossiesaude.wordpress.com/> Acesso em: 23.04.2016. .

O Grupo de Trabalho Saúde Indígena, ligado à 6ª Câmara de Coordenação e Revisão (Povos indígenas e Comunidades Tradicionais) do Ministério Público Federal, entende que a transferência da prestação da saúde a órgão privado que não faz parte da administração pública fere a Constituição, pois caberia ao SUS executar a saúde pública e a entes privados somente ações de complementação. Outras preocupações referem-se a não fiscalização por parte do MPF, pois o modelo de “serviço social autônomo” não se sujeita à jurisdição da Justiça Federal; ao controle social, que estaria prejudicado pela baixa representatividade de membros indicados por organizações indígenas; aos trabalhadores, que seriam regidos pela CLT, sem garantias do concurso público, o que não representaria o ideal para profissional que atua nesta área; e não teria havido o efetivo cumprimento da Convenção 169 da OIT no que tange ao dever de consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas de medidas que possam afetá-los diretamente10 10 “Para MPF, modelo de criação de Instituto Nacional de Saúde Indígena é inconstitucional.” Disponível em: <http://www.prms.mpf.mp.br/servicos/sala-de-imprensa/noticias/2014/09/para-6a-camara-do-mpf-modelo-de-criacao-de-instituto-de-saude-indigena-e-inconstitucional> Acesso em: 23.04.2016. Nota pública divulgada em 9 de setembro de 2014. Disponível em: <http://noticias.pgr.mpf.mp.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_pdfs/nota%20sobre%20INSI.pdf> Acesso em: 23.04.2016. .

Todos estes entraves demonstram que, além de reformas materiais, é necessário se pensar na afirmação do reconhecimento e de um multiculturalismo contra-hegemônico enquanto teorias que fundamentam a prática. Estes argumentos teóricos e epistemológicos que orientam a formulação de políticas interculturais possuem tanta importância quanto o aporte de recursos materiais para a prestação de tal direito no âmbito dos seus espaços institucionais.

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  • WEICHERT, Marlon Alberto. Saúde e Federação na Constituição Brasileira Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.
  • 1
    Toma-se como exemplo principal a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n° 215, de 2000, que objetiva transferir a competência da demarcação de terras indígenas do Poder Executivo Federal (Portaria do Ministério da Justiça), juntamente com a FUNAI, de caráter eminentemente técnico, para o Congresso Federal, onde perduram avaliações de cunho político, sob possível influência da chamada Bancada Ruralista. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=42974111701B8B7E9D9FF73518588BC1.proposicoesWeb2?codteor=1288819&filename=Tramitacao-PEC+215/2000>. Acesso em: 31.03.2016.
  • 2
    Vide a recente visita ao Brasil da Relatora Especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas e suas declarações sobre a violência contra os povos indígenas advinda da não demarcação de terras. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/relatora-especial-da-onu-sobre-direitos-dos-povos-indigenas-anuncia-visita-ao-brasil/> Acesso em: 31.03.2016.
  • 3
    A tese do marco temporal é uma criação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, consolidada no julgamento do caso Raposa Serra do Sol em 2012 (Ação Popular PET 3388 de 2008), segundo a qual o direito a uma terra indígena só deve ser reconhecido nos casos em que a área se encontrava tradicionalmente ocupada na data da promulgação da Constituição (05/10/1988), a menos que se comprove que os índios tenham sido impedidos de ocupá-la por “renitente esbulho”, ou seja, porque o grupo foi expulso à força e comprovadamente tentou retornar à área.
  • 4
    Em dezembro de 2015 o Ministério Público Federal do Estado do Pará protocolou Ação Civil Pública contra a União, a FUNAI e o Consórcio Norte Energia, responsável pela obra da Usina de Belo Monte, narrando uma série de violações ao modo de vida culturalmente diferenciado das comunidades indígenas afetadas, bem como sua total desestruturação, o que foi classificado como “etnocídio”. A petição, na íntegra, está disponível em: <http://www.prpa.mpf.mp.br/news/2015/mpf-denuncia-acao-etnocida-e-pede-intervencao-judicial-em-belo-monte> Acesso em: 31.03.2016.
  • 5
    Com relação à incorporação de tratados de direitos humanos pelo ordenamento jurídico brasileiro, é importante salientar que a Emenda Constitucional n° 45, de 2004, previu que os tratados internacionais aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, são equiparados às emendas constitucionais (artigo 5º, §3º da Constituição Federal). Com relação aos tratados aprovados anteriormente à emenda e que não seguiram o rito previsto por ela, o STF firmou a chamada “teoria do duplo estatuto”, ao julgar o Recurso Extraordinário 466.343-SP. A decisão foi no sentido de reconhecer que os tratados de direitos humanos aprovados sem o quórum qualificado do art. 5º, §3º, CF, têm valor supralegal, ou seja, com hierarquia superior às leis infraconstitucionais, mas abaixo da Constituição.
  • 6
    Relatório do Relator Especial sobre a situação dos direitos humanos e liberdades individuais dos povos indígenas, James Anaya, sobre a situação dos direitos humanos dos povos indígenas do Brasil (UNITED NATIONS, 2009UNITED NATIONS. Report on the situation of human rights of indigenous peoples in Brazil, A/HRC/12/34/Add.2, 26 Aug. 2009. Disponível em: <http://unsr.jamesanaya.org/docs/countries/2009_report_brazil_en.pdf> Acesso em: 21.12.2015.
    http://unsr.jamesanaya.org/docs/countrie...
    , tradução nossa).
  • 7
    De acordo com todos os indicadores, os povos indígenas no Brasil sofrem com precárias condições de saúde, subnutrição, dengue, malária, hepatite, tuberculose e parasitoses, que são frequentes doenças e principais causas de morte (UNITED NATIONS, 2009UNITED NATIONS. Report on the situation of human rights of indigenous peoples in Brazil, A/HRC/12/34/Add.2, 26 Aug. 2009. Disponível em: <http://unsr.jamesanaya.org/docs/countries/2009_report_brazil_en.pdf> Acesso em: 21.12.2015.
    http://unsr.jamesanaya.org/docs/countrie...
    , p. 18, tradução nossa).
  • 8
    O Relatório Violência Contra os Povos Indígenas é uma publicação anual produzida pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), organização vinculada à Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), que apresenta dados oficiais do governo brasileiro e dados coletados pela própria organização sobre diversos tipos de violência contra os povos indígenas.
  • 9
    Sobre as críticas de entidades indígenas, vide o Dossiê de Saúde Indígena do CIMI e diversas notícias veiculadas desde 2014, ano em que as discussões iniciaram. Disponível em: <https://dossiesaude.wordpress.com/> Acesso em: 23.04.2016.
  • 10
    “Para MPF, modelo de criação de Instituto Nacional de Saúde Indígena é inconstitucional.” Disponível em: <http://www.prms.mpf.mp.br/servicos/sala-de-imprensa/noticias/2014/09/para-6a-camara-do-mpf-modelo-de-criacao-de-instituto-de-saude-indigena-e-inconstitucional> Acesso em: 23.04.2016. Nota pública divulgada em 9 de setembro de 2014. Disponível em: <http://noticias.pgr.mpf.mp.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_pdfs/nota%20sobre%20INSI.pdf> Acesso em: 23.04.2016.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2017

Histórico

  • Recebido
    23 Abr 2016
  • Aceito
    7 Jul 2016
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