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Segurança pública no Brasil: uma crítica sobre a produção intelectual

Public security in Brazil: a critique of the intellectual production

Resumo

Este trabalho aborda o trato liberal da categoria de Estado na produção intelectual especialista sobre segurança pública no Brasil. Parte-se de uma articulação entre as proposições de Pierre Bourdieu e Michel Foucault sobre os intelectuais. Em seguida, é analisada criticamente a teoria política sobre o Estado subjacente às análises da matriz da corrente intelectual sobre segurança pública.

intelectuais especialistas; segurança pública; teoria política

Abstract

The present work intends to explore the consensual liberal approach of the category of State, which underpins the intellectual expert production on public security in Brazil. It departs from an articulation of the Pierre Bourdieu’s and Michel Foucault’s propositions about the intellectuals. Secondly, a critical analysis of the liberal perspective towards the State by the matrix of this intellectual current on public security is developed.

intellectual experts; public security; political theory

Introdução

O presente artigo se propõe a contribuir com a reflexão crítica e interdisciplinar sobre a produção intelectual como um dos elementos importantes na abordagem do problema da violência urbana e os dispositivos securitários contemporâneos no Brasil.1 1 Sobre a formação de dispositivos de operação do poder nas sociedades modernas, Foucault sugere que esses dispositivos se formam a partir da necessidade de resposta a uma urgência (FOUCAULT, 2012). A ideia de que se forma um dispositivo de segurança, historicamente, na democracia brasileira é produtiva para a compreensão dos fenômenos em torno do tema ‘segurança pública’. E, ainda, a ideia de que esse dispositivo de segurança pública teve como função responder a uma urgência, em determinado momento histórico, remete ao que Foucault chama de “imperativo estratégico” o qual funcionaria como a “matriz de um dispositivo” que, com o tempo, se torna ou pretende se tornar um dispositivo de controle-dominação. No presente caso, um dispositivo securitário. Analisa-se, assim, a produção intelectual sobre ‘segurança pública’ no Brasil e a natureza teórico-política da matriz da corrente identificada como dominante no campo intelectual mais amplo sobre violência, crime e segurança pública. Para isso, o artigo está dividido em duas partes: na primeira, são articuladas ferramentas teóricas de Michel Foucault e Pierre Bourdieu sobre a produção intelectual-especialista; na segunda, é apontada a insuficiência teórico-analítica do que se denominou perspectiva jurisdicista-liberal, a partir de perspectivas teóricas sobre o Estado que articulam o pensamento de Nicos Poulantzas e de Michel Foucault.

Assim, na primeira parte, serão trabalhadas a questão relativa ao lugar do intelectual-especialista e o campo intelectual enquanto terreno específico, assim como a questão relativa à inevitabilidade e constitutividade da dimensão teórico-política nessas análises. Na segunda parte, será problematizada a insuficiência teórico-analítica de abordagens jurisdicistas liberais, tomando-se como universo temático privilegiado a chamada ‘segurança pública’. Por fim, serão apresentados apontamentos conclusivos.

É importante ressaltar que não se pretende analisar a questão da ‘segurança pública’ no Brasil no sentido dos projetos de poder e das estratégias correspondentes, mas sim compreender o campo intelectual e seu modo de operar e produzir verdade, enquanto um componente de qualquer projeto de poder. O que move esta crítica é a percepção de que não somente uma espécie de consenso, ou horizonte, teórico liberal sustenta um conjunto heterogêneo de análises sobre segurança pública, como também este conjunto de produções intelectuais-especialistas tem figurado como o limite do debate. E, além disso, que muitas vezes podem ter papel fundamental tanto na construção ou na legitimação (mais ou menos direta) de políticas de segurança organizadas e implementadas a partir do Estado, quanto na produção da informação, na formação da percepção ou ´opinião pública´, por meio do lugar que muitas vezes ocupam nos meios de comunicação.

Esta pesquisa foi desenvolvida durante o mestrado no Programa Pós-graduação em Teoria do Estado e Direito Constitucional do Departamento de Direito, orientada pelo Prof. José María Gómez e defendida em 2013 (PRADAL, 2013PRADAL, Fernanda Ferreira. Gómez, José María. Política e Segurança Pública no Brasil: uma problematização da perspectiva especialista liberal. Rio de Janeiro, 2013. 180p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.). É importante ressaltar que seu disparador foi o instigante olhar de Vera M. Batista, que apontou uma espécie de cooptação da sociologia brasileira pelo paradigma da segurança com suas consultorias pretensamente neutras e técnicas. No prefácio ao livro de Edson Lopes “Política e Segurança Pública” (LOPES, 2009LOPES, Edson. Política e Segurança Pública: Uma vontade de sujeição. Contraponto: Rio de Janeiro, 2009.), a autora ressalta este olhar:

[...] Edson Lopes apresenta uma novidade na economia da pena: a simbiose entre o mercado da segurança e a segurança para o mercado. Um dos seus aspectos mais assustadores será a privatização e a policização da Academia: movimentos sociais, núcleos de violência, cidadanias, sociedades civis e organizadas, sociologias direitos humanos, tudo agora dirigindo-se para a construção da expansão do poder punitivo em todas as direções (BATISTA, 2009aBATISTA, Vera Malaguti. “Prefácio”. In: LOPES, Edson. Política e Segurança Pública: uma vontade de sujeição. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009a.: 10).

A socióloga, em uma entrevista, também aborda o que tem denominado de ´sociologia colaboracionista´ ou ´policialesca´ ou ´a terceira via´, a quem atribui um discurso “liberal, funcionalista e acrítico” (BATISTA, 2009bBATISTA, Vera Malaguti. “O que fizeram de ti, Rio de Janeiro?”, Jornal a Nova Democracia, Ano VIII, no 54, Junho de 2009b. Disponível em: http://www.anovademocracia.com.br/no-54/2285-que-fizeram-de-ti-rio-de-janeiro .
http://www.anovademocracia.com.br/no-54/...
; 2012a: 14), que atua em diversos estados. Esta sua percepção é demonstrada em trabalho posterior sobre a política de ´pacificação´ no Rio de Janeiro, em que identifica as injunções entre gestão governamental, meios da grande mídia e sociólogos (BATISTA, 2011BATISTA, Vera Malaguti. O Alemão é muito mais complexo. Texto apresentado no 17o Seminário Internacional de Ciências Criminais, São Paulo, 2011.: 6).

A partir deste olhar crítico, a presente pesquisa propôs-se a trabalhar a produção intelectual, a investigar os referenciais teórico-políticos pressupostos e afirmados por especialistas em segurança pública e analisá-los. Portanto, uma análise no terreno da teoria política, mas que abre a reflexão e o debate sobre possíveis limites analíticos de algumas produções.2 2 Como já apontado, a presente análise não se debruça sobre a política hegemônica de segurança pública no Brasil ou em algum estado. Neste sentido, por trabalhar sobre a produção intelectual propondo-se a compreendê-la e analisá-la criticamente a partir de determinado recorte, os referencias teóricos mobilizados voltaram-se para este objeto. Recentemente, foram publicados trabalhos de Francisco T. R. Vasconcellos baseados em sua tese de doutorado, também sobre a produção intelectual. Seu mapeamento, no entanto, não se propõe a uma análise da relação política sobre o lugar do intelectual e tampouco sobre a teoria política de suas análises. Cfr. Ver: VASCONCELOS, 2014; 2015a; 2015b.

Na investigação realizada, percebeu-se que um campo de produção intelectual tem sido afirmado, identificado, analisado e reivindicado ao longo de sua formação assim como em esforços bibliográficos de revisão, balanço ou avaliação do estado da arte da produção intelectual atribuída a este campo, pelo menos nos últimos vinte e três anos, realizados por intelectuais pioneiros3 3 A designação “pioneiros” refere-se a trabalhos coordenados por Renato Sérgio de Lima que desde 2009 (LIMA, 2009) vem publicando sobre a constituição e desenvolvimento deste campo e que se refere a esses intelectuais como “aqueles que, desde meados da década de 1970 e 1980 construíram uma reflexão sistemática e permanente, voltada, prioritariamente para as questões sobre violência, criminalidade, organizações policiais e do sistema de justiça e políticas públicas de segurança”, (LIMA e RATTON, 2011:11). ou precursores.Dentre eles, estão balanços bibliográficos que foram fundamentais no mapeamento realizado, como aqueles publicados por Sérgio Adorno (ADORNO,1993ADORNO, Sérgio. “A Criminalidade Urbana Violenta no Brasil: Um Recorte Temático”. BIB, Rio de Janeiro, n.35, 1o semestre, 1993.); Alba Zaluar (ZALUAR, 1999ZALUAR, Alba. “Violência e crime”. In: MICELLI, Sérgio (org). O que ler nas Ciências Sociais brasileiras. v.1. São Paulo: Anpocs, Editora Sumaré, 1999.); Roberto Kant de Lima, Michel Misse e Ana Paula Miranda (KANT DE LIMA, MISSE e MIRANDA, 2000); e dois estudos sobre esse campo, um coordenado por Renato de Lima (LIMA, 2009LIMA, Renato Sérgio de (coord.). Mapeamento das conexões teóricas e metodológicas da produção acadêmica brasileira em torno dos temas da violência e da segurança pública e as suas relações com as políticas públicas da área adotadas nas duas últimas décadas (1990-2000). FAPESP. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 2009.) e outro realizado por Sérgio Adorno e César Barreira (ADORNO e BARREIRA, 2010ADORNO, Sérgio e BARREIRA, César. “A violência na Sociedade Brasileira”. In: MARTINS, Carlos Benedito e MARTINS, Heloisa Helena T. De Souza. Horizontes das Ciências Sociais no Brasil: sociologia. São Paulo: ANPOCS, 2010.). Além destes, foram fundamentais os livros: “As Ciências Sociais e os Pioneiros nos Estudos sobre Crime, Violência e Direitos Humanos no Brasil” (LIMA e RATTON, 2011LIMA, Renato Sérgio de e RATTON, José Luiz (Orgs.) As Ciências Sociais e os pioneiros nos estudos sobre crime, violência e direitos humanos. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Urbania, ANPOCS, 2011.), que traz entrevistas com os principais nomes da intelectualidade desse campo tal qual identificados por seus organizadores e apoiadores (Fórum Brasileiro de Segurança Pública e a Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais - ANPOCS);4 4 As entrevistas abordam a formação do campo, as conexões teórico-metodológicas e os percursos intelectuais e profissionais de cada autor. A diferenciação entre campo e corrente, que se propôs na pesquisa, não coincide totalmente com os termos utilizados pelos autores das revisões bibliográficas e dos trabalhos mais recentes: “campo sociologia da violência” (VASCONCELOS, 2011) e “campo da segurança pública” (VASCONCELOS, 2015a e 2015b); “violência e segurança pública”, “sociologia do crime” e “crime, violência e direitos humanos” (LIMA e RATTON, 2011). Na pesquisa realizada, propôs-se uma diferenciação própria entre ‘campo’ e ‘corrente’, fundamentada nas abordagens teórico-políticas de referência e na operatividade sócio-política das análises de um grupo de intelectuais especialistas em segurança pública. e “Crime, polícia e justiça no Brasil”, coletânea publicada em 2014 (LIMA, RATTON e AZEVEDO, 2014LIMA, R. S., RATTON, J. L., AZEVEDO, R. G. (Orgs.). Crime, polícia e justiça no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014.).

Com o mapeamento e a análise da produção intelectual sobre segurança pública, foi possível identificar rupturas, adesões e especificidades que ensejam, historicamente, a delimitação dessa corrente liberal, a partir das contribuições que dão corpo e significado à existência desses universos intelectuais do campo e da corrente liberal sobre segurança pública. Neste esforço, foi formulada uma proposta de periodização do processo de formação do campo intelectual mais amplo entre 1970 e 2010. Foram apontados elementos, debates, embates políticos, atores sociais e linhas temáticas constitutivas desse campo (PRADAL, 2013PRADAL, Fernanda Ferreira. Gómez, José María. Política e Segurança Pública no Brasil: uma problematização da perspectiva especialista liberal. Rio de Janeiro, 2013. 180p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.: 52-99).5 5 Para o presente artigo as referências foram atualizadas. No interior deste campo percebeu-se que essas linhas acumulam temas e perspectivas específicas que, em um determinado momento, com o objetivo de formular soluções para a chamada ‘segurança pública’ enquanto um ‘problema social’, passaram a engendrar teses, fórmulas, programas, técnicas etc., articuladas em um regime de verdade. É, então, a partir da acumulação de linhas temáticas e perspectivas políticas em nível analítico e em nível teórico que é construída esta corrente liberal especialista sobre segurança pública, cuja problematização abriu caminho para as questões aqui apresentadas.

I - O campo sobre violência, crime e segurança pública e o intelectual-especialista: política e produção de verdade

Para a problematização e compreensão do universo intelectual, seu funcionamento e suas possíveis posições de poder, é operativa a articulação das ferramentas teóricas oferecidas por Pierre Bourdieu e Michel Foucault.

O pensamento de Bourdieu, desenvolvido na década de 1970 para caracterizar sociologicamente o universo científico, a natureza do discurso científico e da ´cientificidade´ e a produção do que chamou de ´sociologia oficial´, oferece as noções de campo e capital científicos que são cruciais para uma análise sobre a política da produção intelectual (BOURDIEU, 2004BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Editora UNESP, 2004.). Essas noções, para os fins aqui propostos, podem ser sintetizadas em alguns pontos6 6 Para um desenvolvimento mais detido ver PRADAL, 2013, cap. 2. :

(i) Para se compreender dada produção intelectual, não bastaria uma referência ao texto ou ao contexto mais amplo, pois entre estes dois polos há um universo intermediário que Bourdieu chama de campo, em que estão inseridos agentes e instituições que produzem e reproduzem a ´ciência´. O campo intelectual, como outro qualquer, é formado por suas relações de força, monopólios, lutas, estratégias, interesses e lucros e é um universo em que essas invariantes revestem-se de formas específicas. O autor caracteriza este universo como um espaço estruturado de posições ou uma configuração de relações objetivas (CHAMPAGNE e CHRISTIN, 2012CHAMPAGNE, Patrick e CHRISTIN, Olivier. Pierre Bourdieu: Une iniciation. Lyon: Presses universitaires de Lyon, 2012.). A estrutura dessas relações objetivas entre os agentes é que constitui os princípios do campo, é o que implica em determinados pontos de vista, em determinadas intervenções científicas, em lugares de publicação, em temas escolhidos, em objetos de interesse (BOURDIEU, 2004BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Editora UNESP, 2004.). Ou seja, somente se compreende o que faz ou diz um agente engajado num campo a partir da posição que ele ocupa na estrutura de relações, porque esta estrutura condiciona ou determina o que fazem ou não os agentes.7 7 Bourdieu utiliza o exemplo de Einstein: “Einstein (...) deformou todo o espaço em torno de si. Essa metáfora “einsteiniana” a propósito do próprio Einstein significa que não há físico, pequeno ou grande, em Brioude ou em Harvard que (independentemente de qualquer contato direto, de qualquer interação) não tenha sido tocado, perturbado, marginalizado pela intervenção de Einstein (...)” (BOURDIEU, 2004: 23).

(ii) Esta estrutura do campo é determinada pela distribuição do capital científico em um determinado momento. Os agentes são caracterizados por seu volume de capital e determinam a estrutura do campo em proporção a esse volume, que sempre depende de todos os outros agentes, de todo o espaço (BOURDIEU, 2004BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Editora UNESP, 2004.: 24 e 25). Nesse sentido, notam Champagne e Christin, o campo deve ser pensado como relacional. É um campo de forças no qual os agentes se enfrentam em função de estratégias que lhes ditam o volume e a repartição do capital científico e, a partir dele, sua posição na estrutura de relações (CHAMPAGNE e CHRISTIN, 2012CHAMPAGNE, Patrick e CHRISTIN, Olivier. Pierre Bourdieu: Une iniciation. Lyon: Presses universitaires de Lyon, 2012.: 158 e 159). Bourdieu define o capital científico como uma forma especial de capital simbólico, fundado sobre atos de conhecimento e reconhecimento. Ou seja, consiste no reconhecimento atribuído pelo conjunto de pares-concorrentes no interior do campo científico. Exemplos de indicadores de capital científico são: citações, prêmios, traduções estrangeiras, entre outros. Dessa forma, o capital repousaria sobre uma competência que proporciona autoridade e contribui para definição de regras do jogo: as leis de distribuição dos lucros nesse jogo, as leis sobre a importância dos temas, aquilo que é brilhante ou ultrapassado, onde é mais compensador publicar etc. (BOURDIEU, 2004BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Editora UNESP, 2004.: 29).

Esse capital científico é equivalente à autoridade científica e pode ser “acumulado, transmitido e até mesmo, em certas condições, reconvertido em outras espécies” (BOURDIEU, 1982BOURDIEU, Pierre. “O campo científico”. In: BOURDIEU, Pierre. Sociologia. São Paulo: Ática, 1982.: 10). O capital científico guarda certa relação de dependência com a obtenção de fundos para pesquisa, a atração de estudantes de qualidade, a aquisição de subvenções e bolsas, convites, consultas e distinções ou prêmios, para os quais o pesquisador depende de sua reputação junto aos colegas no campo. O autor ainda aponta que o processo de acumulação de capital científico também pode englobar a reconversão deste capital e a relação de continuidade que pode se estabelecer entre universidade e cargos administrativos, comissões governamentais, entre outros.

As posições dos agentes na estrutura do campo dependem do capital. As estratégias, por sua vez, dependem das posições, porque se orientam para conservação ou transformação da estrutura. Ou seja, quanto mais as pessoas ocupam posições favorecidas mais tendem a conservar as posições (BOURDIEU, 2004BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Editora UNESP, 2004.).

(iii) A ideia de campo científico, para Bourdieu, rompe com a imagem da “comunidade científica” e afirma ou recorda que “o próprio funcionamento do campo científico produz e supõe uma forma específica de interesse” (BOURDIEU, 1982BOURDIEU, Pierre. “O campo científico”. In: BOURDIEU, Pierre. Sociologia. São Paulo: Ática, 1982.: 2), quer dizer, recorda que as práticas científicas não são desinteressadas.8 8 Aqui, vale notar que, com “forma específica de interesse” (BOURDIEU, 2004: 21), Bourdieu pretende também desembaraçar o interesse dos agentes no interior do campo com os interesses em relações exteriores que poderia determinar diretamente as ações no campo. É justamente para dar conta de um microcosmo relativamente autônomo que o autor passa a trabalhar com a noção de campo. Assim, afirma o autor, a definição do que está em jogo na luta faz parte dela. O campo é um jogo no qual as próprias regras estão postas em jogo, ou seja, aquilo que está dentro do campo ou fora também é objeto e resultado de disputas políticas: o que é ou não científico, digno de cientificidade, o que é ou não é parte do campo (CHAMPAGNE e CHRISTIN, 2012CHAMPAGNE, Patrick e CHRISTIN, Olivier. Pierre Bourdieu: Une iniciation. Lyon: Presses universitaires de Lyon, 2012.).

Por meio dessas disputas, em torno das quais o campo se organiza, os agentes não param de transformá-lo, conforme notam Champagne e Christin. Dessa forma, determinam a estrutura do campo que lhes determina. No mesmo sentido, os novos agentes, as novas gerações, tendem a modificar a relação de força no interior do campo porque é a distribuição de propriedades dos agentes de um campo que contribui para definir sua estrutura.

(iv) Para compreender a organização de um conjunto de agentes, instituições, temas, estratégias enquanto campo é fundamental o consenso que os une. Quer dizer, a noção de que o campo para ser científico necessita, por parte dos concorrentes, de acordo sobre: “os princípios de verificação da conformidade ao ‘real’ e os métodos comuns de validação de teses e de hipóteses” (BOURDIEU, 2004BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Editora UNESP, 2004.: 33), ou seja, um consenso tácito, inseparavelmente político e cognitivo que funda e rege o trabalho de produção científica. Sobre o consenso que os une e em disputa pelo que define as fronteiras do campo e hierarquiza posições em seu interior, as construções sociais e representações se defrontam no campo. São construções sociais concorrentes e representações que se pretendem fundadas numa realidade dotada de meios de impor seu veredito mediante um conjunto de métodos, instrumentos e técnicas de experimentações coletivamente acumuladas e coletivamente empregadas, sob a imposição das disciplinas e censuras do campo.

Em suma, destes pontos levantados, percebe-se que são importantes as noções de que o campo intelectual se organiza em torno de disputas cognitivas e políticas; de que as posições neste campo são condicionadas pelo acúmulo de capital científico; de que este capital deve ser entendido em termos de legitimação e, por fim, de que há conexões entre capital científico e outras formas de poder exteriores ao campo, permitindo sua conversão e, assim, a ocupação de outras posições, no Estado, principalmente. Esses são pontos que se comunicam analiticamente com as noções propostas por Foucault para se pensar a relação entre verdade e poder, assim como para problematizar o lugar do intelectual nas relações de poder entre forças sociais, no capitalismo.

Das contribuições de Foucault, primeiramente, é fundamental ter em conta a noção de práticas discursivas. Também no início da década de 1970, em um esforço de explorar o que chamou de a ‘vontade de saber’ e seu lugar e papel nos sistemas de pensamento da sociedade moderna, o autor propõe a noção de práticas discursivas como um dos níveis de análise dos sistemas de pensamento. Segundo Foucault, as práticas discursivas “caracterizam-se pelo recorte de um campo de projetos, pela definição de uma perspectiva legítima para o sujeito de conhecimento, pela fixação de normas para a elaboração de conceitos e teorias” (FOUCAULT, 1997FOUCAULT, Michel. Resumo dos Cursos do Collège de France (1970-1972). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.: 11). Portanto, neste campo de práticas discursivas recortado está pressuposto também “um jogo de prescrições que determinam exclusões e escolhas” (FOUCAULT, 1997FOUCAULT, Michel. Resumo dos Cursos do Collège de France (1970-1972). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.: 11).

Foucault esclarece que mais do que ´modos de fabricação de discursos´, as práticas discursivas engendram-se, “ganham corpo”, em “conjuntos técnicos, em instituições, em esquemas de comportamento, em tipos de transmissão e de difusão, em formas pedagógicas, que ao mesmo tempo as impõem e as mantêm” (FOUCAULT, 1997FOUCAULT, Michel. Resumo dos Cursos do Collège de France (1970-1972). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.: 12). Assim, intelectuais produzem conjuntamente sua própria legitimidade, institucionalizam-na e, por meio dela, atuam produzindo regimes de verdade. Não há discursos, há práticas discursivas. E não há neutralidade científica, há produção de legitimidade e luta política.

Posteriormente, em 1976, o autor aborda a figura do intelectual específico, ou especialista – como se designa neste trabalho – dotando-o de sentido político. Ou seja, naquilo que vai além de seu sentido sociológico ou profissional. O intelectual específico, politicamente, “faz uso de seu saber, de sua competência, de sua relação com a verdade nas lutas políticas” (FOUCAULT, 2012FOUCAULT, Michel. “Verdade e poder”. In: FOUCAULT, Michel. organização Roberto Machado. Microfísica do poder. ed. 25a. São Paulo: Graal, 2012.: 49). Sua posição é constitutivamente política e estratégica e, no contexto da correlação de forças no capitalismo. Esta posição pode também ser a de operar a serviço do Estado e do capital. Porém, afirma o autor, o que é crucial para compreender esta posição de intelectual específico é perceber que a verdade não existe fora das relações de poder. Não há fora: a verdade é produzida em meio a múltiplas coerções e produz efeitos reais de poder.

A partir da noção de que a verdade se produz em meio a variadas disputas, o autor apresenta a noção de regime de verdade. Os regimes de verdade ou a ´economia política´ da verdade se estabelecem, por exemplo, em nossa sociedade, de acordo com:

os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro. (FOUCAULT, 1997FOUCAULT, Michel. Resumo dos Cursos do Collège de France (1970-1972). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.: 52)

Foucault aponta que na sociedade capitalista ocidental, a qual para esses efeitos não diverge da nossa, a produção da verdade tem cinco caraterísticas:

a ´verdade´ é centrada na forma do discurso científico e nas instituições que o produzem; está submetida a uma constante incitação econômica e política (necessidade de verdade tanto para a produção econômica, quanto para o poder político); é objeto, de várias formas, de uma imensa difusão e de um imenso consumo (circula nos aparelhos de educação ou de informação, cuja extensão no corpo social é relativamente grande, não obstante algumas limitações rigorosas); é produzida e transmitida sob o controle, não exclusivo, mas dominante, de alguns grandes aparelhos políticos ou econômicos (universidade, exército, escritura, meios de comunicação); enfim, é objeto de debate político e de confronto social (as lutas ´ideológicas´). (FOUCAULT, 2012FOUCAULT, Michel. “Verdade e poder”. In: FOUCAULT, Michel. organização Roberto Machado. Microfísica do poder. ed. 25a. São Paulo: Graal, 2012.: 52)

A posição estratégica do intelectual específico ou especialista, portanto, está relacionada ao fato de que ele opera na produção de regimes de verdade, os quais foram condições para o desenvolvimento do capitalismo e permanecem centrais para as estruturas e o funcionamento das sociedades capitalistas ao longo do tempo.

Não há separação possível entre o que é discurso e o que é prática, da mesma forma como não se tem sentido considerar o conjunto de intelectuais de determinado campo ou corrente de modo neutro ou isento. Os intelectuais, principalmente os especialistas, que se debruçam sobre conhecimentos localizados, lutam por meio de sua produção e acumulam capitais, de formas variadas, no jogo de relações no campo e fora dele.

A percepção encontrada sobre esses universos intelectuais ou campos, a partir das reflexões de Bourdieu e Foucault, é de que atores sociais intelectuais, organizados e em constante disputa em um sistema bem específico de relações - o campo - atuam por meio de sua produção intelectual. Esta é inseparável de estratégias, instituições, técnicas, políticas etc., dentro e fora do campo intelectual, com as quais se relacionam, concedendo e ganhando sentido na relação.

No caso brasileiro, como se verá, atores sociais, intelectuais produtores de práticas discursivas sobre violência, crime e segurança pública, muitas vezes, na história dos governos de cidades e estados nas últimas três décadas, exerceram diretamente funções administrativas ou, por meio da institucionalidade de núcleos de pesquisa, prestaram consultoria a instituições estatais, participaram de conselhos públicos, realizaram estudos voltados para políticas públicas, auxiliaram ONGs em casos e análises sobre violência de Estado etc.. Não há como dissociar a produção intelectual que, em si, é prático-discursiva, da prática política, da construção de projetos e dispositivos de poder, estratégias, instituições, programas e práticas.

Neste sentido, percebe-se que diversos intelectuais têm ocupado diferentes posições com graus distintos de atuação, seja na contestação, seja na adesão explícita ou implícita às políticas hegemônicas de segurança pública, no nível de sua operacionalidade em vários estados brasileiros. Ou seja, têm ocupado este lugar de intelectual-especialista. Estas políticas hegemônicas têm se materializado no que pode ser chamado de dispositivos securitários,9 9 O desenvolvimento desta análise não é objeto deste trabalho. No entanto, deve-se apontar que por dispositivo de poder compreende-se uma rede de “discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas.” (FOUCAULT, 1977, 2012: 364 e 365). desenvolvidos ou aprofundados no regime democrático liberal, pós ditadura militar, em que o capitalismo brasileiro segue funcionando, agora em versão neoliberal, com suas modalidades disciplinares e biopolíticas de exercício do poder punitivo e letal seletivos e de produção de subjetividades (BATISTA, 2003BATISTA, Vera Malaguti. Difíceis Ganhos fáceis: drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Instituto Carioca de Criminologia/Revan, 2003., 2009aBATISTA, Vera Malaguti. “Prefácio”. In: LOPES, Edson. Política e Segurança Pública: uma vontade de sujeição. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009a., 2011BATISTA, Vera Malaguti. O Alemão é muito mais complexo. Texto apresentado no 17o Seminário Internacional de Ciências Criminais, São Paulo, 2011.; COIMBRA, 2001COIMBRA, Cecília. Operação Rio: o mito das classes perigosas: um estudo sobre a violência urbana, a mídia impressa e os discursos de segurança pública. Rio de Janeiro: Oficina do Autor/ Niterói: Intertexto, 2001.).

Além disso, o que se verifica, no que se refere à existência de tal campo dotado de especificidade científica - teórica, analítica e metodológica - é a predominância intelectual da corrente liberal, a partir de seu capital científico, que produz resultados no jogo de poder relativo à construção de objetos e problemas, à forma de abordá-los e ao grau de circulação, publicização e adesão à sua perspectiva.10 10 Para um estudo, em outra perspectiva, que se propôs a descrever e analisar disputas internas ao campo e a construção de uma “hegemonia tecnocrática”, próxima do que se identifica neste trabalho como corrente jurisdicista liberal, ver VASCONCELOS, 2015. O autor analisa o que denomina de “disputa por legitimidade” no “campo da segurança pública”, elaborado de forma diferente da presente análise, entre o “pólo minoritário”, da criminologia crítica, e o “pólo hegemônico”, “redes de pesquisa que adotam a linguagem da participação, dos direitos e da cidadania”. Isto porque, ao longo do mapeamento da produção acadêmica do campo articulado ao acompanhamento do debate público sobre segurança, em especial no Rio de Janeiro, assim como na fase inicial da pesquisa, essa predominância foi identificada e, frequentemente, confirmada por compilações (resenhas, análises do estado da arte etc..), debates públicos sobre o tema em momentos chave,11 11 Um exemplo recente e fundamental no contexto de produção desta pesquisa, no Rio de Janeiro, se deu em torno da instalação, funcionamento e da crise da política governamental de ocupação militarizada de favelas, por meio das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). incidência na bibliografia secundária sobre o tema etc..12 12 Adicionalmente, deve-se considerar que o livro “As Ciências Sociais e os Pioneiros nos Estudos sobre Crime, Violência e Direitos Humanos no Brasil” (LIMA e RATTON, 2011), de entrevistas com os principais nomes da intelectualidade pioneira desse campo, é composto por dezesseis pesquisadores dentre os quais dez apresentam, segundo a presente pesquisa, uma concepção de matriz jurisdicista e liberal sobre o Estado. Destes, a maioria já ocupou cargos públicos ou desenvolveu trabalhos em articulação com gestões de governos sobre segurança pública.

Além disso, percebe-se que esta produção de verdade por intelectuais especialistas sobre segurança pública opera silenciando a dimensão mais profunda sobre a política por meio de formulações sobre ‘Estado’ e a ‘sociedade’, as instituições e as políticas concretas nos distintos contextos. Este processo ocorre pela perspectiva teórica e pelos pressupostos da formulação de problemas analíticos, e, por vezes, de formas mais diretas.

Em suma, tomando por base essa articulação de problemas e ferramentas teóricas, pode-se compreender que a partir da década de 1970, um campo prático discursivo amplo e heterogêneo de produção que se denomina de campo sobre violência, crime e segurança pública, entra em formação no Brasil. Este campo foi composto de algumas correntes teóricas no interior das quais se organizam linhas analíticas, temáticas e metodológicas que se combinam de forma diversificada desde então. No interior deste campo, mais especificamente, identifica-se a formação, também a partir da década de 1970, porém com marco principal de consolidação na década de 1990, desta corrente liberal de produção intelectual sobre segurança pública.

A abordagem sobre o campo intelectual ou científico oferecida por Bourdieu, assim como a noção de práticas discursivas formulada por Foucault, portanto, informaram a problematização desta corrente intelectual, a abordagem das análises que a integram e a posição que ocupam no campo intelectual e em outras esferas da formação social brasileira.

No que se refere à inevitabilidade e constitutividade da dimensão teórico-política em análises dos saberes humanos e sociais, parece fundamental perceber que os esforços analíticos desses saberes não são desprovidos de premissas teórico-políticas componentes da bagagem de experiências e do repertório de ferramentas de quem as produz. A teoria política das análises sobre segurança pública reunidas nesta pesquisa sob a noção de corrente jurisdicista liberal não é necessariamente explícita, uma vez que não é o foco privilegiado dos autores. Por outro lado, a possibilidade de não haver teoria política em análises sobre esta questão não tem correspondência com a realidade. Além de engendrar-se em contexto histórico sem o qual perde sentido real, diz respeito à sociabilidade, ao compartilhamento e aos constitutivos conflitos da vida em sociedade.

Além disso, segurança pública é uma questão cuja própria definição está permanentemente em disputa neste campo intelectual e nas relações sociais mais amplas, as quais envolvem ações de governo em suas distintas esferas – executivo, legislativo e judiciário – e nos planos municipal, estadual e federal; de ONGs, de movimentos sociais, e de outras formas de associação. Nesse sentido, envolve o trato teórico e analítico de categorias e fenômenos fundamentalmente políticos, como a abordagem sobre o que consiste as sociedades contemporâneas, sobre a figura (ou a forma) ‘Estado’, sobre formas de associação, sobre regimes políticos - como a democracia, o autoritarismo etc.

É pertinente, para este ponto, o debate sobre a possibilidade de “totalização” ou “filiação” teóricas da produção intelectual, tema já levantado em entrevistas com Luiz Antonio Machado e Sérgio Adorno (LIMA e RATTON, 2011LIMA, Renato Sérgio de e RATTON, José Luiz (Orgs.) As Ciências Sociais e os pioneiros nos estudos sobre crime, violência e direitos humanos. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Urbania, ANPOCS, 2011.), autores considerados pioneiros neste campo e que sobre ele refletem. Neste debate, Machado, afirma que a produção intelectual não constitui um corpus orgânico e estruturado. No seu entendimento, esses tópicos apenas se entrecruzam, mas não se estruturam de modo a formar “uma totalização que supere ou unifique a diversidade de perspectivas, pontos de vista etc., nem sequer como horizonte de um processo possível”. Sem adentrar o debate em um nível teórico de análise, o autor afirma, então, sua preferência por falar em “perspectivas e objetos construídos” ao invés de “campos”, em termos bourdianos (LIMA e RATTON, 2011LIMA, Renato Sérgio de e RATTON, José Luiz (Orgs.) As Ciências Sociais e os pioneiros nos estudos sobre crime, violência e direitos humanos. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Urbania, ANPOCS, 2011.: 168, 169).

Haveria para ele um continum entre duas perspectivas que articulam vários problemas de investigação e pontos de vista. Uma seria jurídico-institucional, estatal, associada à moralidade dominante, instituída, em que as atividades criminais e o processamento de disputas estão presentes, mas o foco de análise é o funcionamento das estruturas institucionais e que fundamenta muitos debates e pesquisas (ex: discussão sobre funcionamento e práticas específicas dos subsistemas penitenciário, policial, judiciário). Esta é a perspectiva estatal. A outra seria aquela em que, o que está em questão são as práticas e vivências da população sobre a qual o Estado exerce sua soberania, a que chama de societal, e na qual os aparelhos de Estado estão presentes, porém, como referências axiológicas lidas pelos atores, conforme aponta Machado (LIMA e RATTON, 2011LIMA, Renato Sérgio de e RATTON, José Luiz (Orgs.) As Ciências Sociais e os pioneiros nos estudos sobre crime, violência e direitos humanos. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Urbania, ANPOCS, 2011.: 168, 169). O autor conclui que essas perspectivas são inseparáveis, uma vez que tematizam as mesmas práticas e organizações, mas são irredutíveis uma à outra. Tais perspectivas que dividem o universo de estudos sobre violência urbana seriam, então, complementares, sendo impossível fundi-las em uma terceira forma que as englobasse.

A partir dessas colocações de Luiz Antônio Machado sobre o universo intelectual em análise, pode-se avançar na caracterização da corrente liberal sobre segurança pública. Discorda-se apenas da abordagem teórica que o autor terminou por atribuir a este universo, uma vez que neste trabalho ele é compreendido enquanto uma corrente prático-discursiva no interior de um campo mais amplo. Mas, entende-se que sua descrição analítica da forma de organização deste universo intelectual é muito pertinente e é complementar à problematização teórica que se propõe sobre esta corrente intelectual. Assim, a partir do que o autor propôs, pode-se afirmar que há linhas temáticas e linhas metodológicas que se articulam ou que se organizam pela perspectiva estatal ou societal que estão em relação de combinação e complementariedade, conforme propõe Machado.

No que se refere à possibilidade ou não de totalização dessas perspectivas, Sérgio Adorno, ao ser consultado em sua entrevista sobre aproximações que veria entre a “produção sociológica brasileira” e as “vertentes teórico-metodológicas”, marxista, liberal, hermenêutica, genealógica e analítica, responde que as perspectivas teóricas refletem tendências que apareceram na literatura internacional e que os pesquisadores brasileiros realizaram certa incorporação dessas tendências, cada um a seu modo (LIMA e RATTON, 2011LIMA, Renato Sérgio de e RATTON, José Luiz (Orgs.) As Ciências Sociais e os pioneiros nos estudos sobre crime, violência e direitos humanos. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Urbania, ANPOCS, 2011.: 80). Para Adorno, a literatura especializada sobre violência e crime, especialmente por sociólogos e antropólogos, trabalha com diferentes fontes de análise e interpretações dos fatos e não revela filiações teóricas absolutas a certas correntes, o que faria vigorar o “ecletismo teórico” nas ciências sociais brasileiras (LIMA e RATTON, 2011LIMA, Renato Sérgio de e RATTON, José Luiz (Orgs.) As Ciências Sociais e os pioneiros nos estudos sobre crime, violência e direitos humanos. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Urbania, ANPOCS, 2011.: 80 e 81).

Quanto a esta impossibilidade de totalização ou filiações teóricas de perspectivas sobre violência, crime e segurança pública, afirmadas por Machado e Adorno, pondera-se: é possível identificar a existência de um horizonte teórico-político conformador desta corrente prático-discursiva. Argumenta-se aqui, no entanto, pela existência ou conformação de um horizonte, não de uma síntese.

A possibilidade de afirmação de uma corrente liberal sobre segurança pública, aqui defendida reside em duas questões: na complementariedade das perspectivas societal e estatal e na relação destas com categorias teórico-políticas, fundamentalmente aquelas relativas a concepção sobre o Estado. Talvez tenha sido a essas categorias que Machado se referiu como “referências axiológicas” aos aparelhos de Estado (LIMA e RATTON, 2011LIMA, Renato Sérgio de e RATTON, José Luiz (Orgs.) As Ciências Sociais e os pioneiros nos estudos sobre crime, violência e direitos humanos. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Urbania, ANPOCS, 2011.: 169). Primeiramente, a complementariedade entre as perspectivas estatal e societal demonstra que, independente de serem análises de ângulos distintos, muitas vezes se complementam porque partilham da mesma abordagem teórico-política. Por exemplo, uma série de estudos sobre a sociabilidade violenta da juventude que se relaciona ao tráfico de drogas, em áreas empobrecidas de metrópoles brasileiras, reafirma premissas relativas à manutenção da legalidade e da ordem pública por instituições estatais, mesmo criticando práticas estatais existentes, e abre caminho para sua complementação, a partir da perspectiva estatal, sobre os estudos acerca de políticas públicas e reforma no aparato policial para lidar com aquelas características identificadas nas análises sobre sociabilidade violenta.

A segunda questão é relativa às categorias políticas que são tomadas como premissas ou trabalhadas como projeções normativo-prescritivas, sobre o Estado, sua natureza, função e relação com a sociedade. Portanto, independente da perspectiva que se adote, se estatal ou societal, é possível, em alguns casos identificar uma abordagem teórico-política determinada, neste caso, aquela centrada na perspectiva liberal sobre o Estado. E, dessa forma, é possível falar em uma base ou matriz e um horizonte teórico-político comuns que, estes sim, permitem uma espécie de totalização, ao mesmo tempo em que acomoda a heterogeneidade temática, metodológica e de perspectiva das análises sobre segurança pública no interior desta corrente identificada e mesmo certo ecletismo teórico relativo a outras categorias. Para este trabalho é, portanto, em torno da abordagem teórico-política liberal sobre o Estado que esta corrente se organiza.

Por fim, é importante notar que analisar em nível teórico-político a produção da matriz desta corrente, implica identificar premissas e abordagens que têm distintos, porém fundamentais, significados políticos. São autores que formam a matriz de uma corrente e que se colocam e atuam como intelectuais-especialistas produzindo regimes de verdade e intervindo, direta ou indiretamente, nos debates políticos.13 13 É certo que outros autores estariam, senão no interior, bem próximos dessa corrente, em um espectro imaginário que tomasse o conjunto de suas obras, intervenções, relações e posições seja na estrutura de relações do campo intelectual, seja no conjunto mais amplo de relações institucionais, especialmente com instâncias do Estado (instituições policiais e de segurança pública). Além disso, deve estar claro que a abordagem crítica oferecida diz respeito aos limites teóricos de uma corrente por vezes crítica às políticas em funcionamento em relação à segurança pública nas cidades brasileiras. Limites estes que, em momentos cruciais de disputas políticas concretas, tornam análises e proposições especialistas legitimadoras de projetos e programas distantes do ideal democrático que preconizam. A explicitação necessária do lugar político do intelectual, pela impossibilidade de isenção, é o que torna crucial uma reflexão que tome séria e politicamente o que se produz intelectualmente.

II – A insuficiência analítica e prescritivo-normativa do jurisdicismo liberal sobre segurança pública

Na pesquisa realizada, considerando a necessidade de uma delimitação, foi estabelecido um recorte do grande universo disponível. Foram trabalhadas as abordagens teórico-políticas da produção intelectual considerada precursora da corrente liberal sobre segurança pública, ou seja, a matriz dessa corrente, segundo a coprodução do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e da ANPOCS, intitulada “As Ciências Sociais e os pioneiros nos estudos sobre crime, violência e direitos humanos” (LIMA e RATTON, 2011LIMA, Renato Sérgio de e RATTON, José Luiz (Orgs.) As Ciências Sociais e os pioneiros nos estudos sobre crime, violência e direitos humanos. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Urbania, ANPOCS, 2011.). Por meio do recorte metodológico explicitado a seguir, foi possível selecionar publicações que formam um conjunto representativo e simbólico, sem pretensões de exaustividade.

A metodologia seguida pela pesquisa pode ser apresentada segundo quatro fases. Primeiramente, a fase exploratória ou preliminar consistiu no acompanhamento do debate acadêmico e público sobre o tema da segurança pública, a identificação de distintas perspectivas analíticas e teóricas e a percepção do papel político da produção intelectual nas disputas políticas específicas à questão criminal e à ´segurança pública´, ou seja, da noção de intelectual-especialista.

Em segundo lugar, o mapeamento da produção acadêmica foi realizado por meio do cruzamento de autores presentes nas resenhas bibliográficas de referência sobre o campo14 14 Elaboradas por autores que compõem o grupo dos pioneiros do campo (com exceção de uma coautora de uma das resenhas), estas resenhas apontam publicações relevantes das distintas linhas temáticas que propõem como mais significativas no campo e foram produzidas em diferentes períodos. Deve-se também ressaltar que estes balanços bibliográficos estabeleceram seus próprios critérios de seleção das referências para ilustrar a produção intelectual do campo, o que deu suporte para uma seleção representativa e simbólica, portanto não exaustiva, dos temas, das perspectivas e da abordagem teórico-política que apresentam. e da referida obra de entrevistas com pioneiros do campo (LIMA e RATTON, 2011LIMA, Renato Sérgio de e RATTON, José Luiz (Orgs.) As Ciências Sociais e os pioneiros nos estudos sobre crime, violência e direitos humanos. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Urbania, ANPOCS, 2011.), além de terem sido identificados argumentos centrais sobre o processo de constituição do campo intelectual.15 15 Nesta fase foi desenvolvida a análise sobre a formação deste campo. Porém, deve-se esclarecer que a primeira parte da pesquisa realizada não está desenvolvida neste artigo. Em linhas gerais, propôs-se como interpretação que esta corrente se constitui como um feixe de linhas temáticas inauguradoras do campo intelectual mais amplo sobre violência, crime e segurança pública (desde meados da década de 1970) as quais, ao acumular-se historicamente, produziram-na. Em suma, propõe-se que a temática “segurança pública”, enquanto política pública de controle criminal, precipita a partir de 1990, de um feixe de outras linhas temáticas, que não se resumem a ela. Cfr. (PRADAL, 2013: 52-99). Identificou-se, então, um conjunto cuja produção foi analisada a partir da noção de especialista em segurança pública desenvolvida na fase preliminar da pesquisa. Trabalhou-se, então, com as abordagens dos seguintes autores componentes dessa matriz: Alba Zaluar, Cesar Barreira, Cláudio C. Beato Filho, Antônio Luiz Paixão, Paulo Sérgio Pinheiro, Sérgio Adorno, Luiz Eduardo Soares, Julita Lemgruber, José Vicente Tavares dos Santos e Roberto Kant de Lima.16 16 É importante notar que, dos outros apontados como precursores do campo por LIMA e RATTON (2011), não foram analisadas as abordagens dos seguintes: Edmundo Campos Coelho, Gláucio Soares, Luciano Oliveira, Michel Misse, Luiz Antônio Machado e Maria Stela Grossi Porto. Essas exclusões ocorreram por dois motivos distintos. Primeiro, porque não configuram análises especialistas no sentido em que trabalhamos ou porque não desenvolvem suas análises em termos teóricos jurisdicistas-liberais. Segundo, porque não abordam diretamente temas relativos à segurança pública, não são estudiosos desse tema e sim de outros, dentro do campo sobre violência, crime e segurança pública. Além disso, dois casos chamam atenção pela inserção que têm no debate atual sobre segurança pública, é o caso de Luiz Antônio Machado e de Michel Misse. Sobre Machado, não se pode afirmar de forma suficiente uma concepção teórico-política sobre o Estado, uma vez que trabalha em perspectiva primordialmente “societal”, antropológica, sobre a sociabilidade em favelas do Rio de Janeiro, o que resultou em suas formulações sobre a “sociabilidade violenta”, para dar conta da dimensão violenta na atuação do tráfico de drogas (Machado, 2008). Misse, por sua vez desenvolve uma interessante análise sociológica que considera elementos históricos para formular a noção de “acumulação social da violência”, além de propor categorias teórico-analíticas como “sujeição criminal”, “mercadorias políticas” e “desnormalização” que não situam sua abordagem teórico-política no marco do trato liberal sobre o Estado e a política, objeto desta pesquisa.

Em terceiro lugar, foram selecionados textos sobre o tema ´segurança pública´ de acordo com seus títulos, resumos ou introduções, relativos ao período entre 1990 e 201017 17 O corte inicial deste período justifica-se pela consolidação do tema, afirmada consensualmente pelas resenhas, ter se dado nesta década, o que ganha sentido histórico nos períodos analisados no capítulo 3 da dissertação (PRADAL, 2013: 52-99), e o corte final de 2010 deveu-se ao fato de que a última resenha sobre o campo intelectual publicada pela ANPOCS data deste ano, tendo a pesquisa sido realizada ao longo de 2012 e do primeiro semestre de 2013. No entanto, para o presente artigo foi realizada uma atualização com fontes que seguiam os mesmos critérios: textos publicados pelos autores precursores que se propusessem a abordar o tema da segurança pública e que demonstrassem ser de grande relevância ou estivessem disponíveis para pesquisa em fontes disponíveis eletronicamente. Alguns dos textos identificados nas resenhas não foram encontrados, o que se supriu com outras referências citadas pelos próprios autores ou textos apresentados como representativos da obra do autor, por exemplo ver LIMA, RATTON, AZEVEDO, 2014. , também com base nas referidas resenhas, e outros textos publicados por esses autores precursores que tenham sido de grande relevância sobre o tema entre 1990 e 2015, dentre eles a coletânea “Crime, polícia e justiça no Brasil” (LIMA, RATTON, AZEVEDO, 2014LIMA, R. S., RATTON, J. L., AZEVEDO, R. G. (Orgs.). Crime, polícia e justiça no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014.) publicada como uma compilação de referências sobre o campo, conforme os organizadores. Assim, foram trabalhados textos que demonstrassem ser de grande relevância de forma que fossem reunidas pelo menos três referências de cada autor e foram identificadas as linhas gerais do trato teórico sobre o Estado nesses trabalhos.

Por fim, foi realizado o cruzamento das linhas interpretativas sobre o Estado desenvolvidas pelos autores, como forma de sintetizar a abordagem de natureza teórica presente nas premissas e nas projeções dos estudos - um deslocamento de seu nível de análise meso-sociológico para o nível teórico a ele subjacente. Assim, foi realizada uma análise de conteúdo que identificou a reincidência de questões e argumentos que possibilitam o acesso à concepção de Estado. As três questões identificadas que organizam suas abordagens sobre o Estado são a noção de Estado democrático de Direito, a concepção sobre a instituição policial e as avaliações e propostas de modelos de políticas de segurança pública. Questões estas que serviram de eixos para uma análise crítica desta perspectiva.

Assim, o foco foi a abordagem tomada sobre o Estado, em sua relação com a sociedade, e as políticas em operação no decorrer das análises sobre segurança pública ou em torno dela. Para isso, esses três temas e proposições chaves de suas análises e intervenções foram utilizados, sem nenhuma pretensão de esgotar as possibilidades de abordagens de outros temas pelos autores. O que se pretendeu foi ilustrar e demonstrar os pressupostos de caráter liberal comuns a elas, o que as conforma em uma corrente. Nesse sentido, o ciclo se fecha com o consenso teórico-político e sobre proposições centrais dessas intervenções, tanto para se compreender de onde vêm, quanto para dar conta de para onde podem ir.

No que se refere às três questões identificadas, primeiramente, percebe-se a utilização de uma noção abstrata e a-histórica de Estado democrático de Direito apoiada em perspectivas centradas nas instituições enquanto segmentos representativos do Estado. Esta abordagem mede a democracia brasileira pós ditadura militar em termos mais ou menos próximos ao ideal de democracia em que mecanismos de justiça e transparência seriam utilizados pelos cidadãos, direitos fossem garantidos e leis fossem cumpridas. Neste sentido, diversas análises adotam a tese de que a transição brasileira não haveria assegurado a redemocratização no interior das instituições estatais e que esta transição estaria por ser completada em suas etapas. Como desdobramento, duas atribuições às figuras do Estado e da sociedade são comuns a algumas análises: o Estado seria “incapaz” ou faltaria “vontade” estatal na garantia de direitos e na solução do problema da violência institucional, e a sociedade, afirmada como algo homogêneo, seria “autoritária” ou “conservadora”, não apoiando mudanças.

Além disso, percebe-se o uso e afirmação acrítica do Direito como linguagem política pronta e acabada do Estado soberano, por meio da reivindicação normativa e idealizada de categorias abstratas como lei, direitos fundamentais, monopólio estatal da violência, justiça, direitos civis etc. Nestas abordagens, o formalismo da lei e o controle das instituições burocráticas do Estado democrático de Direito seriam os garantidores do gozo de direitos.18 18 Dentre os textos identificados neste sentido, estão: PINHEIRO, 1987, 1991 e 1997; PINHEIRO, MÉNDEZ e O'DONNELL, 2000; BEATO F., 1999; BARREIRA, 2004a, 2004b e 2014; ADORNO, 2008; ADORNO e DIAS, 2014; ZALUAR, 2002, 20, 2007, 2012 e 2014; SOARES, 2007, 20, 2011; TAVARES DOS SANTOS, 1997, 20, 2008 e 2014.

Em segundo lugar, a abordagem da instituição policial como um dos focos dessas análises é realizada de maneira estritamente institucional, sem que processos históricos, forças sociais e práticas concretas e sistemáticas sejam tomadas como elementos centrais.19 19 Algumas analises definem em termos genéricos as práticas policiais como classistas e racistas, incorporando estas dimensões históricas. Ou mesmo abordando contradições no interior das instituições, como o problema da militarização das polícias. Porém o enfoque segue sendo o modelo institucional policial e de segurança pública. São os casos, por exemplo, de Cesar Barreira e Luiz Eduardo Soares e Julita Lemgruber. A autora também tem ressaltado a necessidade da descriminalização das drogas. Soares, especialmente, aponta questões como a lei de drogas, o racismo estrutural, o caráter sistêmico do problema da “corrupção policial” e o conservadorismo “da sociedade”. Ressalta o genocídio da juventude pobre e negra e a criminalização da pobreza. No entanto, essas questões não tocam profundamente a construção dos problemas em sua produção, que aposta em reformas e modelos institucionais, por vezes partindo da alteração constitucional ou legislativa. Ou seja, apostando no nível meramente institucional da formulação e análise dos problemas. E estes, no entanto, seguem sendo exemplos dos limites do debate sobre violência. Assim, a polícia é tratada em geral de forma abstrata e ancorada na naturalização da linguagem do Direito como: instituição estatal ´estratégica´, ´democrática´ de ´proteção e controle´; ´prestadora de serviços´, ´serviço público de primeira necessidade´, ´promotora da ordem, da justiça e da paz social´; e ´protetora da vida, integridade, liberdade e da propriedade, conforme a constituição´. Apontam que a transição democrática no interior dos aparelhos repressivos se efetivaria ´com políticas de segurança pública eficazes na prevenção e no combate à criminalidade´, com uma polícia mais ‘rápida’ e ‘competente’, sob o controle dos mecanismos institucionais do Estado de Direito. E a não realização desta função ideal é afirmada como ´incapacidade´ ou ´inércia´ do Estado na realização da democracia. O ´conservadorismo da sociedade´ também é uma tese adotada com frequência para explicar a ausência de garantia de direitos e cumprimento da lei.20 20 Dentre os textos identificados aqui: PINHEIRO, 1991, 19, 1997; PINHEIRO, MÉNDEZ e O'DONNELL, 2000; PAIXÃO, 1991; BEATO F., 1999; BEATO, SILVA e TAVARES, 2008; BARREIRA, 2004a; ADORNO, 2008; ADORNO e DIAS, 2014; TAVARES DOS SANTOS, 1997, 2008, , 2008, 2014; ZALUAR, 2012 e 2014.

Em terceiro lugar, a noção de política pública de segurança, enquanto mero modelo ou programa institucional, é fundamental. A partir da década de 1990, ela ganha mais uso e difusão com uma conotação de novos padrões técnicos de controle sobre ações violentas tanto da polícia quanto de grupos privados, em especial do ´tráfico de drogas´. São apresentadas em termos de técnicas reformadoras ´de prevenção e combate´ da ação do Estado, sempre concebido institucional e juridicamente e posto em relação com ´grupos criminosos´ externos a ele. Nessas análises, não há política, em sentido profundo, no modo de construção e funcionamento das políticas públicas. Assim, a segurança pública é afirmada como um dos aspectos fundamentais do Estado democrático de Direito e da nova ordem constitucional, sendo, portanto, em torno da aplicação do Direito, como linguagem tradutora de soluções acabadas, que este tema é tratado: ‘legalidade’, ‘controle estatal’, ‘eficiência na prevenção e no combate à criminalidade’, ‘manutenção ou melhora da ordem pública’ e ‘punição’21 21 Alguns trabalhos desenvolvem críticas ao modelo de punição apenas pelo encarceramento, como é o caso de Julita Lemgruber (ano). Kant de Lima (ano), em outra perspectiva e por outros métodos, questiona sistema inquisitorial de produção de verdade e centrado na punição, o que os diferencia de algumas posições, colocando-os, muitas vezes, em disputas. No entanto, no que se refere à segurança pública, afirmam novos mecanismos e técnicas de maneira acrítica em adesão ao movimento de proposições no sentido do alargamento do controle Estatal, este mesmo que criticam no tema do sistema punitivo. compõem o repertório da interpretação, análise e construção de modelos de políticas nestas análises.

Em seguida, as soluções reformadoras para o problema aparecem como técnicas: ‘reformas institucionais’; ‘controle, prevenção e punição da criminalidade’; ‘transparência’; ‘diversificação de formas punitivas’; ‘erradicação da impunidade’; ‘leis especiais e políticas assistenciais de proteção’; ‘controle estatal sobre o mercado privado da segurança’; ‘mecanismos institucionais de participação’; ‘combate efetivo ao tráfico de drogas na periferia social’; ‘integração intersetorial e intergovernamental’; ‘sofisticação técnica para o combate à criminalidade’, ‘combinação entre lei e eficiência’; estratégias de ‘qualificação policial, estímulo ao policiamento comunitário, apoio ao programa de proteção às testemunhas e criação de ouvidorias’; ‘gestão policial mediante resultados´ ‘controle externo da polícia’; ‘intervenção de instituições federais nos estados’; ‘valorização da polícia na cultura judiciária’, ‘harmonização dos métodos de produção de verdade nas diferentes esferas do sistema de justiça’, ‘acesso à justiça’ etc..22 22 Dentre os identificados neste ponto: ZALUAR, 2002 e 2007; PINHEIRO, 1991 e 1997; PAIXÃO e BEATO F., 1997 e 1999; PAIXÃO, 1991; BEATO, SILVA e TAVARES, 2008; ADORNO, 1991, 2008, 2008; ADORNO e DIAS, 2014; SOARES e SENTO-SE, 1996; SOARES, 2000, 2003, , 2003, 2006, 2007, 2011, 2015; LEMGRUBER, 2001 e 2004; LEMGRUBER, CANO, MUSUMECI, 2003; BARREIRA, 2004a e 2004b; KANT DE LIMA, 1997 e 2013; KANT DE LIMA, PIRES e EILBAUM, 2008; TAVARES DOS SANTOS, 2008; ZALUAR, 2012 e 2014.

Em suma, o modelo de política de segurança pública ideal seria aquele da complementariedade entre eficiência do combate policial à criminalidade e a proteção dos direitos humanos, em uma combinação entre prevenção e repressão qualificada. O Estado e o gestor público aparecem como agentes que devem ser capazes de efetivar programas e mecanismos institucionais.

As questões levantadas abrem diversos debates tanto em nível analítico e propositivo como em nível teórico. Por exemplo, discussões acerca das características da transição democrática brasileira, das funções exercidas historicamente pela polícia, das relações entre atores e práticas ´legais´ e práticas ´ilegais´, dos alcances de programas e políticas públicas sobre segurança e sua relação com outras ações a partir do Estado, entre outras. Também suscitam uma gama de debates teóricos, que é perceptível se for verificado que as análises passam pela qualificação política da transição brasileira; pela formação e caracterização do Estado no Brasil, assim como das relações entre os regimes autoritários e democrático brasileiros; pela relação entre o Estado, na formação social brasileira, e as formas de controle e coerção que operam na democracia, assim como sua relação com as mesmas questões no regime autoritário etc. Além da questão fundamental da forma como se concebe o que é chamado de ´Estado´ em sua relação com a ´sociedade´ e a política.

Estas questões guardam relação com rupturas e adesões teóricas com diferentes tradições nos percursos intelectuais dessa corrente. No entanto, apesar da variedade de questões, tanto analíticas quanto teóricas, é possível apreender o trato jurisdicista liberal no que se refere ao Estado, sua relação com a sociedade nestas análises. Com diferentes nuances, a concepção de Estado que se nota nas abordagens especialistas sobre segurança pública aqui consideradas, desde a década de noventa, refere-se a uma imagem de hierarquias, postos, subdivisões, leis etc. Além disso, trata-se uma visão que considera o Estado, ou o ´regime democrático´ brasileiro, mais ou menos forte ou consolidado e que trabalha com referenciais altamente abstratos e de modo a-histórico (CODATO E PERISSINOTTO, 2001CODATO, A. e PERISSINOTTO, R.. “O Estado como Instituição: uma leitura das obras históricas de Marx”. In: Crítica Marxista. São Paulo, Boitempo, v.1, no.13. 2001.). Consiste numa concepção sobre do Estado que, via de regra, o toma enquanto instituição pré-concebida, ou melhor, partilham da postura de que instituições políticas devem ser vistas como ´variáveis explicativas´ autônomas das relações sociais, econômicas e culturais (CODATO e PERISSINOTTO, 2001CODATO, A. e PERISSINOTTO, R.. “O Estado como Instituição: uma leitura das obras históricas de Marx”. In: Crítica Marxista. São Paulo, Boitempo, v.1, no.13. 2001.). Perspectiva esta que não traduz para os níveis analíticos e teóricos a concretude de elementos históricos (CODATO, 2005CODATO, Adriano Nervo. “Uma história política da transição brasileira: da ditadura à democracia”. In: Revista Sociologia e Política, Curitiba, no. 25, nov. 2005.), das relações de poder e seus modos e mecanismos de operação (FOUCAULT, 2011aFOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 39 ed. Vozes: Petrópolis, 2011a., 2011bFOUCAULT, Michel. História da Sexualidade: vontade de saber. vol. 1. Graal: Rio de Janeiro, 2011b., 2012FOUCAULT, Michel. “Verdade e poder”. In: FOUCAULT, Michel. organização Roberto Machado. Microfísica do poder. ed. 25a. São Paulo: Graal, 2012.) e tampouco as relações sociais que (re)produzem (CODATO e PERISSINOTTO, 2001CODATO, A. e PERISSINOTTO, R.. “O Estado como Instituição: uma leitura das obras históricas de Marx”. In: Crítica Marxista. São Paulo, Boitempo, v.1, no.13. 2001.: 24).

A este propósito, seguindo o fio condutor de Marx sobre a política e o Estado e baseando-se nas proposições de Gramsci sobre Estado e hegemonia e de Foucault sobre dispositivos de poder, Nicos Poulantzas marcou o debate sobre a caracterização do Estado capitalista (sua constituição, aparatos e funcionamento) no fim dos anos 1960, afirmando-o como uma relação social (POULANTZAS, 1968 e 1978; JESSOP, 2009JESSOP, Bob. “O Estado, o poder e o socialismo de Poulantzas como um clássico moderno”. In: Revista de Sociologia e Política v. 17, no. 33, jun. 2009.). Em termos gerais, desde então, este vasto debate tem-se voltado para a conceitualização complexa e política do Estado, suas funções e a questão da correspondência entre as relações sociais, a política, as políticas públicas (JESSOP, 2009JESSOP, Bob. “O Estado, o poder e o socialismo de Poulantzas como um clássico moderno”. In: Revista de Sociologia e Política v. 17, no. 33, jun. 2009.; CODATO e PERISSINOTTO, 2001CODATO, A. e PERISSINOTTO, R.. “O Estado como Instituição: uma leitura das obras históricas de Marx”. In: Crítica Marxista. São Paulo, Boitempo, v.1, no.13. 2001.; MOTTA, 2009MOTTA, Luiz Eduardo. “Nicos Poulantzas, 30 anos depois”. Revista de Sociologia e Política, vol.17, no.33, Curitiba, jun. 2009.; BRAND, 2013BRAND, Ulrich. “State, context and correspondence. Contours of a historical-materialist policy analysis”. Österreichische Zeitschrift für Politikwissenschaft (ÖZP), 42(4), 2013.). No interior deste debate, recentemente revigorado (MOTTA, 2009MOTTA, Luiz Eduardo. “Nicos Poulantzas, 30 anos depois”. Revista de Sociologia e Política, vol.17, no.33, Curitiba, jun. 2009.), um conjunto de autores tem apostado em pesquisas sobre políticas públicas concretas que mobilizam essa discussão teórica e esse repertório para uma análise histórico materialista de políticas, a partir da proposta de analisá-las de modo complexo e politizado (BRAND, 2013BRAND, Ulrich. “State, context and correspondence. Contours of a historical-materialist policy analysis”. Österreichische Zeitschrift für Politikwissenschaft (ÖZP), 42(4), 2013.; VESTENA, 2015VESTENA, Carolina Alves. “Reformas Sociais e Programa Bolsa Família: redução da desigualdade, novo desenvolvimentismo e disputa por direitos”. In: SIQUEIRA, S. Gustavo (Org.). Teoria e Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2015.).23 23 Para uma síntese em português do debate teórico materialista sobre o Estado e a metodologia de análise histórico materialista de políticas ver VESTENA (2016).

A abordagem da corrente aqui analisada ainda tem como pontos de apoio categorias como lei, monopólio estatal da violência legítima, direitos fundamentais, as quais articuladas à noção de Estado mencionada, exprimem o caráter jurisdicista desta perspectiva. A noção de jurisdicismo de cunho liberal (GÓMEZ, 1984GÓMEZ, José María. “Surpresas de uma crítica: a propósito de juristas repensando as relações entre o Direito e o Estado”. In: PLASTINO, Carlos Alberto (Org.). Crítica do Direito e do Estado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984.) refere-se à perspectiva abstrata e mistificadora sobre o Estado em sua relação com o papel operativo do Direito enquanto linguagem. Assim, a lei é afirmada como fundamento do poder instituído, como expressão do ‘interesse geral’ da sociedade (GÓMEZ, 1984GÓMEZ, José María. “Surpresas de uma crítica: a propósito de juristas repensando as relações entre o Direito e o Estado”. In: PLASTINO, Carlos Alberto (Org.). Crítica do Direito e do Estado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984.). Nesse sentido, a Constituição se justifica como fonte de princípios e legitimação, funcionando como “o princípio de explicação do poder na sociedade, ao consagrar os direitos do indivíduo-cidadão e as instituições jurídico-políticas (separação dos poderes, sistema eleitoral etc.) ” (GÓMEZ, 1984GÓMEZ, José María. “Surpresas de uma crítica: a propósito de juristas repensando as relações entre o Direito e o Estado”. In: PLASTINO, Carlos Alberto (Org.). Crítica do Direito e do Estado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984.: 106).

Esta legitimação do poder instituído no Estado, com base na lei, articula-se à uma dissolução das dimensões de poder no Direito (Gómez, 1984GÓMEZ, José María. “Surpresas de uma crítica: a propósito de juristas repensando as relações entre o Direito e o Estado”. In: PLASTINO, Carlos Alberto (Org.). Crítica do Direito e do Estado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984.: 105). Isto porque o Estado – instituição ou abstração – seria presumido enquanto depositário da soberania tanto jurídica quanto popular. Legitimando o pensamento a partir do Estado concebido abstratamente como soberano, a perspectiva jurisdicista liberal naturaliza noções que são construções doutrinárias como ´separação de poderes´, ´independência do poder judiciário´ e ´supremacia legal´, categorias dotadas de uma espécie de legitimidade constitutiva e apriorística e que são, a todo tempo, utilizadas no trato dos problemas atribuídos à segurança, ao ideal cumprimento do Estado de Direito, à função do poder judiciário na aplicação da lei e da punição etc..

Assim, a lei não é somente código sancionador, mas também “linguagem legitimadora” do poder político (GÓMEZ, 1984GÓMEZ, José María. “Surpresas de uma crítica: a propósito de juristas repensando as relações entre o Direito e o Estado”. In: PLASTINO, Carlos Alberto (Org.). Crítica do Direito e do Estado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984.: 110). O Direito enquanto linguagem fundadora do Estado desloca a legitimidade para a legalidade, uma vez que o Estado é fundado na lei (GÓMEZ, 1984GÓMEZ, José María. “Surpresas de uma crítica: a propósito de juristas repensando as relações entre o Direito e o Estado”. In: PLASTINO, Carlos Alberto (Org.). Crítica do Direito e do Estado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984.: 107 e 109; FOUCAULT, 1994FOUCAULT, Michel. Dits et Écrits II, Paris, Gallimard, 1994.: 806). Disso decorre uso do Direito enquanto doutrina, o que se verifica correntemente em abordagens relativas à segurança pública ao partirem do uso naturalizado de premissas do Direito e de suas categorias como linguagem do que se toma por ser o ´Estado´.

O formalismo da concepção de Estado perde de vista a ilegalidade, para usar o termo tradicional da linguagem do Direito, como componente das instituições estatais. No entanto, é certo que práticas que se situam para além ou aquém da lei, são constitutivas também do agir no e a partir do Estado, e funcionam mais como regra do que como exceção. As práticas ilegais cometidas sistematicamente a partir do Estado são vistas por essa corrente liberal, em geral, como uma questão individual, moral e criminal que diz respeito muito mais à dimensão individual dos agentes do que às forças sociais e poderes que condicionam e se exercem simultaneamente a partir do Estado. Um exemplo é a tese sobre a chamada ´banda podre da polícia´ que, de acordo com alguns, se extirpada e reformada pela ´vontade política´, ´capacidade institucional´, ´racionalidade´ dos governantes, seria capaz de exercer sua função democrática de polícia.

Além disso, o monopólio estatal da violência, consensualmente reivindicado como condição para o Estado democrático de Direito, é outro aspecto fundamental desta concepção de Estado. Tomado como premissa para a soberania, a ´pacificação social´ e a ´civilização´, seja a partir de Weber ou de Norbert Elias, por quase a totalidade desta matriz, essa categoria é abstraída, assim como o próprio Estado, de seu sentido histórico.

Visto de outra forma, o monopólio estatal da violência almejado ou reivindicado enquanto ´avanço civilizatório´ não é outra coisa senão uma forma histórica específica das relações de exploração e opressão (HIRSCH, 2005HIRSCH, Joachim. “Qué significa Estado? Reflexiones acerca de la teoría del Estado capitalista”. In: Revista de Sociologia e Política, Curitiba, no. 24, jun. 2005.: 167). As raízes desta concentração da força armada no Estado se encontram na articulação entre relações de produção e relações políticas e ideológicas de dominação-subordinação (GÓMEZ, 1984GÓMEZ, José María. “Surpresas de uma crítica: a propósito de juristas repensando as relações entre o Direito e o Estado”. In: PLASTINO, Carlos Alberto (Org.). Crítica do Direito e do Estado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984.: 109). O modo de se exercer a violência e de se levar a cabo as lutas sociais foi modificado, racionalizado e tornado previsível e, neste sentido, civilizado (HIRSCH, 2005HIRSCH, Joachim. “Qué significa Estado? Reflexiones acerca de la teoría del Estado capitalista”. In: Revista de Sociologia e Política, Curitiba, no. 24, jun. 2005.: 167). Tomado apenas como premissa e prescrição normativa, o monopólio estatal e legítimo da violência é abordado por essa corrente, de modo geral, como algo não alcançado no Brasil, em escala de medição de caráter simplificado e insuficiente. Essas afirmações são feitas em alusão ao poder armado do tráfico de drogas nas grandes cidades ou de grupos armados no campo.

Para esta matriz, além desses problemas, o fato de o Estado democrático brasileiro não lograr êxito é, ainda, uma questão do campo institucional penal. A garantia da lei, do monopólio legítimo da violência e, em última instância, da paz é, para essa corrente, uma questão de capacidade institucional (Estados fortes ou fracos, transições completas ou incompletas), planejamentos e mecanismos eficientes (políticas de controle territorial policial, investigações) e garantia da punição (GÓMEZ, 1984GÓMEZ, José María. “Surpresas de uma crítica: a propósito de juristas repensando as relações entre o Direito e o Estado”. In: PLASTINO, Carlos Alberto (Org.). Crítica do Direito e do Estado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984.: 106). Completa-se assim, a imagem do Estado soberano projetada normativamente sobre a realidade das violências vivenciadas em nossas cidades.

Esta visão pressupõe a imagem do Estado representativo como um universal, independente da sociedade civil, a forma política que encarna o interesse geral, detém a racionalidade superior e promove a defesa da ordem jurídica imparcial e justa (GÓMEZ, 1984GÓMEZ, José María. “Surpresas de uma crítica: a propósito de juristas repensando as relações entre o Direito e o Estado”. In: PLASTINO, Carlos Alberto (Org.). Crítica do Direito e do Estado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984.; HIRSCH, 2005HIRSCH, Joachim. “Qué significa Estado? Reflexiones acerca de la teoría del Estado capitalista”. In: Revista de Sociologia e Política, Curitiba, no. 24, jun. 2005.). Constrói, assim, a visão autônoma dessa instituição ou estrutura, além de pinçá-lo das relações sociais. Não haveria contradições profundas de classes sociais e constitutivas do Estado e suas instituições, assim como das políticas que dele provém, ao materializarem e cristalizarem relações de forças sociais, entre classe (POULANTZAS, 1978:147; HIRSCH, 2005HIRSCH, Joachim. “Qué significa Estado? Reflexiones acerca de la teoría del Estado capitalista”. In: Revista de Sociologia e Política, Curitiba, no. 24, jun. 2005.: 173). Dessa maneira, a perspectiva jurisdicista liberal contribui para o processo de ´dissimulação-inversão´ do Estado como aspecto, um terreno e um aparato constitutivo e ao mesmo tempo organizador da sociedade capitalista em todos os níveis (POULANTZAS, 1978, GÓMEZ, 1984GÓMEZ, José María. “Surpresas de uma crítica: a propósito de juristas repensando as relações entre o Direito e o Estado”. In: PLASTINO, Carlos Alberto (Org.). Crítica do Direito e do Estado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984.; JESSOP, 2009JESSOP, Bob. “O Estado, o poder e o socialismo de Poulantzas como um clássico moderno”. In: Revista de Sociologia e Política v. 17, no. 33, jun. 2009.). Enfim, as premissas teóricas dessa matriz têm desdobramentos frequentemente explícitos em suas projeções normativas de caráter político e técnico que funcionam, muitas vezes, como os limites do debate.

III - Apontamentos finais e (re)aberturas de outros caminhos

Esta pesquisa propôs-se a uma abertura para a reflexão crítica sobre o profundo e permanente problema das violências e da chamada ´segurança pública´ no Brasil, tomando em sério a produção intelectual, enquanto prática produtora de regimes de verdade, e seu lugar político neste fenômeno complexo da violência nos diferentes contextos brasileiros. Neste percurso, a abordagem identificada como jurisdicista-liberal nas análises sobre segurança pública demonstrou-se insuficiente para a formulação de alguns problemas cruciais. Além disso, pela posição que busca ocupar, especialistas muitas vezes, direta ou indiretamente, terminam por legitimar relações de poder nesta ordem social insuportavelmente violenta que, ao mesmo tempo, criticam. Com diferenças, que em uma análise dos problemas analíticos concretos podem aparecer, isto se verifica seja na produção de intelectuais da matriz precursora dessa corrente intelectual especialista, seja em derivações temáticas dessas abordagens presentes em gerações posteriores.

A naturalização, adesão ou mesmo a construção de formas securitárias de gestão ´democrática´ e liberal da pobreza é o processo social de fundo desta análise. Neste sentido, esta pesquisa e problematização procurou propiciar outro olhar sobre o campo intelectual enquanto um universo específico, porém, articulado às demais esferas sociais. Um universo de produção intelectual que não está fora das relações de poder inerentes à vida social e às lutas entre forças sociais e que, portanto, não pode existir de forma neutra. Da mesma forma, propôs-se o questionamento crítico sobre o lugar do intelectual-especialista, explicitando as relações entre a produção intelectual e o poder exercido a partir do Estado e dos atores empresariais de comunicação de massa no Brasil.

Além disso, essa pesquisa levantou a questão relativa à inevitabilidade e constitutividade da dimensão teórico-política em qualquer análise, no campo dos saberes humanos e sociais. Com foco especificamente no tema da segurança pública, colocou-se em cheque, por exemplo, a possibilidade de pesquisas empíricas descoladas de posicionamentos e bagagens relativas às questões fundamentais da política.

Por fim, esta pesquisa apontou para a insuficiência teórico-analítica de abordagens compreendidas como jurisdicistas liberais tendo em vista as limitações geradas pelo caráter abstrato e geral das categorias utilizadas e da perspectiva a-histórica e naturalizadora das relações de poder constitutivas do Estado e de suas políticas.

A partir desta problematização abrem-se outros caminhos para a compreensão da violência como componente das relações na formação social brasileira, em especial nos contextos urbanos. Estes caminhos indicam frutos profícuos em análises que formulem outros problemas e formas teoricamente mais complexas de abordá-los. E, nesse sentido, que primem pela articulação entre a elaboração conceitual e teórica sobre as forças sociais em operação na realidade urbana capitalista e periférica, e os atores sociais, os contextos e processos históricos específicos, assim como as práticas e dados reais e empíricos pertinentes a análises políticas (POULANTZAS, 1978; FOUCAULT 2011aFOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 39 ed. Vozes: Petrópolis, 2011a., 2011bFOUCAULT, Michel. História da Sexualidade: vontade de saber. vol. 1. Graal: Rio de Janeiro, 2011b.; JESSOP, 2009JESSOP, Bob. “O Estado, o poder e o socialismo de Poulantzas como um clássico moderno”. In: Revista de Sociologia e Política v. 17, no. 33, jun. 2009.; BRAND, 2013BRAND, Ulrich. “State, context and correspondence. Contours of a historical-materialist policy analysis”. Österreichische Zeitschrift für Politikwissenschaft (ÖZP), 42(4), 2013.).

Essas análises podem se articular a outras que em um caminho próprio, também de forma heterogênea, a corrente da criminologia crítica brasileira (em diálogo com produções sul americanas) vem produzindo sobre o poder punitivo e seletivo operante a partir do Estado, a produção de subjetividades punitivistas, a letalidade policial seletiva, a política do controle policial da pobreza, a imbricação entre mercado e Estado na formulação de políticas securitárias, entre outros. Isto também por meio de distintas gerações de intelectuais e pesquisadores. Nesse sentido, é importante lembrar que no campo intelectual sobre violência, crime e segurança pública, mapeado para a elaboração desta pesquisa, outras posições e correntes existem. Neste campo, tomando-se em conta as abordagens teórico-politicas, a criminologia crítica brasileira tem perseverado, por meio dos problemas analíticos que formula, como uma contracorrente que contribui politicamente para outras compreensões do real e, possivelmente, para outras práticas.

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    » http://blogdaboitempo.com.br/category/colaboracoes-especiais/luiz-eduardo-soares/
  • TAVARES DOS SANTOS, José Vicente. “A arma e a flor: formação da organização policial, consenso e violência”. In: Tempo Social/ Revista Sociol. USP, São Paulo, 9(1), maio de 1997.
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  • VASCONCELOS, Francisco Thiago Rocha. Esboço de uma sociologia política das ciências sociais contemporâneas (1968-2010): a formação do campo da segurança pública e o debate criminológico no Brasil. Tese em Sociologia. USP. 2014.
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  • VASCONCELOS, Francisco Thiago Rocha. “O “campo da segurança pública” no Brasil: cientistas sociais como grupo dirigente?”. 39º Encontro Anual da ANPOCS. 26-30 de outubro, 2015b.
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  • VESTENA, Carolina Alves. Desigualdade, direito e estratégias políticas: uma análise do processo de institucionalização do programa Bolsa Família. Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em Direito da UERJ, Rio de Janeiro, 2016.
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  • ZALUAR, Alba. “Etos guerreiro e criminalidade violenta”. In: LIMA, R. S., RATTON, J. L., AZEVEDO, R. G. (Orgs.). Crime, polícia e justiça no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014.
  • 1
    Sobre a formação de dispositivos de operação do poder nas sociedades modernas, Foucault sugere que esses dispositivos se formam a partir da necessidade de resposta a uma urgência (FOUCAULT, 2012FOUCAULT, Michel. “Verdade e poder”. In: FOUCAULT, Michel. organização Roberto Machado. Microfísica do poder. ed. 25a. São Paulo: Graal, 2012.). A ideia de que se forma um dispositivo de segurança, historicamente, na democracia brasileira é produtiva para a compreensão dos fenômenos em torno do tema ‘segurança pública’. E, ainda, a ideia de que esse dispositivo de segurança pública teve como função responder a uma urgência, em determinado momento histórico, remete ao que Foucault chama de “imperativo estratégico” o qual funcionaria como a “matriz de um dispositivo” que, com o tempo, se torna ou pretende se tornar um dispositivo de controle-dominação. No presente caso, um dispositivo securitário.
  • 2
    Como já apontado, a presente análise não se debruça sobre a política hegemônica de segurança pública no Brasil ou em algum estado. Neste sentido, por trabalhar sobre a produção intelectual propondo-se a compreendê-la e analisá-la criticamente a partir de determinado recorte, os referencias teóricos mobilizados voltaram-se para este objeto. Recentemente, foram publicados trabalhos de Francisco T. R. Vasconcellos baseados em sua tese de doutorado, também sobre a produção intelectual. Seu mapeamento, no entanto, não se propõe a uma análise da relação política sobre o lugar do intelectual e tampouco sobre a teoria política de suas análises. Cfr. Ver: VASCONCELOS, 2014VASCONCELOS, Francisco Thiago Rocha. Esboço de uma sociologia política das ciências sociais contemporâneas (1968-2010): a formação do campo da segurança pública e o debate criminológico no Brasil. Tese em Sociologia. USP. 2014.; 2015aVASCONCELOS, Francisco Thiago Rocha. “Sociologia do “campo da segurança pública”: cientistas sociais como grupo dirigente e disputas disciplinar”. 1o Seminário Internacional de Ciência Política. Estado e Democracia em Mudança no sec. XXI. 9-11 de setembro, 2015a.; 2015bVASCONCELOS, Francisco Thiago Rocha. “O “campo da segurança pública” no Brasil: cientistas sociais como grupo dirigente?”. 39º Encontro Anual da ANPOCS. 26-30 de outubro, 2015b..
  • 3
    A designação “pioneiros” refere-se a trabalhos coordenados por Renato Sérgio de Lima que desde 2009 (LIMA, 2009LIMA, Renato Sérgio de (coord.). Mapeamento das conexões teóricas e metodológicas da produção acadêmica brasileira em torno dos temas da violência e da segurança pública e as suas relações com as políticas públicas da área adotadas nas duas últimas décadas (1990-2000). FAPESP. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 2009.) vem publicando sobre a constituição e desenvolvimento deste campo e que se refere a esses intelectuais como “aqueles que, desde meados da década de 1970 e 1980 construíram uma reflexão sistemática e permanente, voltada, prioritariamente para as questões sobre violência, criminalidade, organizações policiais e do sistema de justiça e políticas públicas de segurança”, (LIMA e RATTON, 2011LIMA, Renato Sérgio de e RATTON, José Luiz (Orgs.) As Ciências Sociais e os pioneiros nos estudos sobre crime, violência e direitos humanos. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Urbania, ANPOCS, 2011.:11).
  • 4
    As entrevistas abordam a formação do campo, as conexões teórico-metodológicas e os percursos intelectuais e profissionais de cada autor. A diferenciação entre campo e corrente, que se propôs na pesquisa, não coincide totalmente com os termos utilizados pelos autores das revisões bibliográficas e dos trabalhos mais recentes: “campo sociologia da violência” (VASCONCELOS, 2011VASCONCELOS, Francisco Thiago Rocha. “A sociologia da violência em São Paulo: a formação de um campo em meio à fragmentação de uma intelligentsia na transição democrática”. In: Contemporânea – Revista de Sociologia da UFSCar. São Carlos, Departamento e Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFSCar, 2011.) e “campo da segurança pública” (VASCONCELOS, 2015aVASCONCELOS, Francisco Thiago Rocha. “Sociologia do “campo da segurança pública”: cientistas sociais como grupo dirigente e disputas disciplinar”. 1o Seminário Internacional de Ciência Política. Estado e Democracia em Mudança no sec. XXI. 9-11 de setembro, 2015a. e 2015bVASCONCELOS, Francisco Thiago Rocha. “O “campo da segurança pública” no Brasil: cientistas sociais como grupo dirigente?”. 39º Encontro Anual da ANPOCS. 26-30 de outubro, 2015b.); “violência e segurança pública”, “sociologia do crime” e “crime, violência e direitos humanos” (LIMA e RATTON, 2011LIMA, Renato Sérgio de e RATTON, José Luiz (Orgs.) As Ciências Sociais e os pioneiros nos estudos sobre crime, violência e direitos humanos. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Urbania, ANPOCS, 2011.). Na pesquisa realizada, propôs-se uma diferenciação própria entre ‘campo’ e ‘corrente’, fundamentada nas abordagens teórico-políticas de referência e na operatividade sócio-política das análises de um grupo de intelectuais especialistas em segurança pública.
  • 5
    Para o presente artigo as referências foram atualizadas.
  • 6
    Para um desenvolvimento mais detido ver PRADAL, 2013PRADAL, Fernanda Ferreira. Gómez, José María. Política e Segurança Pública no Brasil: uma problematização da perspectiva especialista liberal. Rio de Janeiro, 2013. 180p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro., cap. 2.
  • 7
    Bourdieu utiliza o exemplo de Einstein: “Einstein (...) deformou todo o espaço em torno de si. Essa metáfora “einsteiniana” a propósito do próprio Einstein significa que não há físico, pequeno ou grande, em Brioude ou em Harvard que (independentemente de qualquer contato direto, de qualquer interação) não tenha sido tocado, perturbado, marginalizado pela intervenção de Einstein (...)” (BOURDIEU, 2004BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Editora UNESP, 2004.: 23).
  • 8
    Aqui, vale notar que, com “forma específica de interesse” (BOURDIEU, 2004BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Editora UNESP, 2004.: 21), Bourdieu pretende também desembaraçar o interesse dos agentes no interior do campo com os interesses em relações exteriores que poderia determinar diretamente as ações no campo. É justamente para dar conta de um microcosmo relativamente autônomo que o autor passa a trabalhar com a noção de campo.
  • 9
    O desenvolvimento desta análise não é objeto deste trabalho. No entanto, deve-se apontar que por dispositivo de poder compreende-se uma rede de “discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas.” (FOUCAULT, 1977FOUCAULT, Michel. Resumo dos Cursos do Collège de France (1970-1972). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997., 2012FOUCAULT, Michel. “Verdade e poder”. In: FOUCAULT, Michel. organização Roberto Machado. Microfísica do poder. ed. 25a. São Paulo: Graal, 2012.: 364 e 365).
  • 10
    Para um estudo, em outra perspectiva, que se propôs a descrever e analisar disputas internas ao campo e a construção de uma “hegemonia tecnocrática”, próxima do que se identifica neste trabalho como corrente jurisdicista liberal, ver VASCONCELOS, 2015. O autor analisa o que denomina de “disputa por legitimidade” no “campo da segurança pública”, elaborado de forma diferente da presente análise, entre o “pólo minoritário”, da criminologia crítica, e o “pólo hegemônico”, “redes de pesquisa que adotam a linguagem da participação, dos direitos e da cidadania”.
  • 11
    Um exemplo recente e fundamental no contexto de produção desta pesquisa, no Rio de Janeiro, se deu em torno da instalação, funcionamento e da crise da política governamental de ocupação militarizada de favelas, por meio das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).
  • 12
    Adicionalmente, deve-se considerar que o livro “As Ciências Sociais e os Pioneiros nos Estudos sobre Crime, Violência e Direitos Humanos no Brasil” (LIMA e RATTON, 2011LIMA, Renato Sérgio de e RATTON, José Luiz (Orgs.) As Ciências Sociais e os pioneiros nos estudos sobre crime, violência e direitos humanos. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Urbania, ANPOCS, 2011.), de entrevistas com os principais nomes da intelectualidade pioneira desse campo, é composto por dezesseis pesquisadores dentre os quais dez apresentam, segundo a presente pesquisa, uma concepção de matriz jurisdicista e liberal sobre o Estado. Destes, a maioria já ocupou cargos públicos ou desenvolveu trabalhos em articulação com gestões de governos sobre segurança pública.
  • 13
    É certo que outros autores estariam, senão no interior, bem próximos dessa corrente, em um espectro imaginário que tomasse o conjunto de suas obras, intervenções, relações e posições seja na estrutura de relações do campo intelectual, seja no conjunto mais amplo de relações institucionais, especialmente com instâncias do Estado (instituições policiais e de segurança pública).
  • 14
    Elaboradas por autores que compõem o grupo dos pioneiros do campo (com exceção de uma coautora de uma das resenhas), estas resenhas apontam publicações relevantes das distintas linhas temáticas que propõem como mais significativas no campo e foram produzidas em diferentes períodos. Deve-se também ressaltar que estes balanços bibliográficos estabeleceram seus próprios critérios de seleção das referências para ilustrar a produção intelectual do campo, o que deu suporte para uma seleção representativa e simbólica, portanto não exaustiva, dos temas, das perspectivas e da abordagem teórico-política que apresentam.
  • 15
    Nesta fase foi desenvolvida a análise sobre a formação deste campo. Porém, deve-se esclarecer que a primeira parte da pesquisa realizada não está desenvolvida neste artigo. Em linhas gerais, propôs-se como interpretação que esta corrente se constitui como um feixe de linhas temáticas inauguradoras do campo intelectual mais amplo sobre violência, crime e segurança pública (desde meados da década de 1970) as quais, ao acumular-se historicamente, produziram-na. Em suma, propõe-se que a temática “segurança pública”, enquanto política pública de controle criminal, precipita a partir de 1990, de um feixe de outras linhas temáticas, que não se resumem a ela. Cfr. (PRADAL, 2013PRADAL, Fernanda Ferreira. Gómez, José María. Política e Segurança Pública no Brasil: uma problematização da perspectiva especialista liberal. Rio de Janeiro, 2013. 180p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.: 52-99).
  • 16
    É importante notar que, dos outros apontados como precursores do campo por LIMA e RATTON (2011)LIMA, Renato Sérgio de e RATTON, José Luiz (Orgs.) As Ciências Sociais e os pioneiros nos estudos sobre crime, violência e direitos humanos. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Urbania, ANPOCS, 2011., não foram analisadas as abordagens dos seguintes: Edmundo Campos Coelho, Gláucio Soares, Luciano Oliveira, Michel Misse, Luiz Antônio Machado e Maria Stela Grossi Porto. Essas exclusões ocorreram por dois motivos distintos. Primeiro, porque não configuram análises especialistas no sentido em que trabalhamos ou porque não desenvolvem suas análises em termos teóricos jurisdicistas-liberais. Segundo, porque não abordam diretamente temas relativos à segurança pública, não são estudiosos desse tema e sim de outros, dentro do campo sobre violência, crime e segurança pública. Além disso, dois casos chamam atenção pela inserção que têm no debate atual sobre segurança pública, é o caso de Luiz Antônio Machado e de Michel Misse. Sobre Machado, não se pode afirmar de forma suficiente uma concepção teórico-política sobre o Estado, uma vez que trabalha em perspectiva primordialmente “societal”, antropológica, sobre a sociabilidade em favelas do Rio de Janeiro, o que resultou em suas formulações sobre a “sociabilidade violenta”, para dar conta da dimensão violenta na atuação do tráfico de drogas (Machado, 2008). Misse, por sua vez desenvolve uma interessante análise sociológica que considera elementos históricos para formular a noção de “acumulação social da violência”, além de propor categorias teórico-analíticas como “sujeição criminal”, “mercadorias políticas” e “desnormalização” que não situam sua abordagem teórico-política no marco do trato liberal sobre o Estado e a política, objeto desta pesquisa.
  • 17
    O corte inicial deste período justifica-se pela consolidação do tema, afirmada consensualmente pelas resenhas, ter se dado nesta década, o que ganha sentido histórico nos períodos analisados no capítulo 3 da dissertação (PRADAL, 2013PRADAL, Fernanda Ferreira. Gómez, José María. Política e Segurança Pública no Brasil: uma problematização da perspectiva especialista liberal. Rio de Janeiro, 2013. 180p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.: 52-99), e o corte final de 2010 deveu-se ao fato de que a última resenha sobre o campo intelectual publicada pela ANPOCS data deste ano, tendo a pesquisa sido realizada ao longo de 2012 e do primeiro semestre de 2013. No entanto, para o presente artigo foi realizada uma atualização com fontes que seguiam os mesmos critérios: textos publicados pelos autores precursores que se propusessem a abordar o tema da segurança pública e que demonstrassem ser de grande relevância ou estivessem disponíveis para pesquisa em fontes disponíveis eletronicamente. Alguns dos textos identificados nas resenhas não foram encontrados, o que se supriu com outras referências citadas pelos próprios autores ou textos apresentados como representativos da obra do autor, por exemplo ver LIMA, RATTON, AZEVEDO, 2014LIMA, R. S., RATTON, J. L., AZEVEDO, R. G. (Orgs.). Crime, polícia e justiça no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014..
  • 18
    Dentre os textos identificados neste sentido, estão: PINHEIRO, 1987PINHEIRO, Paulo Sergio. Tese de livre docência intitulada “Insurreição e repressão (comunistas, tenentes e a violência do Estado)”. 1987., 1991PINHEIRO, Paulo Sergio. “Autoritarismo e transição”. In: Revista USP, Março-Maio, 1991. e 1997PINHEIRO, Paulo Sergio. “Violência, crime e sistemas policiais em países de novas democracias”. In: Tempo Social/ Rev. Sociol. USP, São Paulo, 9(1), maio, 1997.; PINHEIRO, MÉNDEZ e O'DONNELL, 2000PINHEIRO, Paulo Sérgio; MÉNDEZ, Juan; O'DONNELL, Guillermo (Org.). Democracia, violência e injustiça. São Paulo: Paz e Terra, 2000.; BEATO F., 1999BEATO F., Cláudio C.. “Políticas Públicas de Segurança e a Questão Policial”. In: São Paulo em Perspectiva, São Paulo, 13 (4), 1999.; BARREIRA, 2004aBARREIRA, César. “Introdução”. In: BARREIRA, César (Org.). Questão de segurança: políticas governamentais e práticas sociais. Rio de Janeiro: Relume Dumaré/Núcleo de Antropologia da Política/UFRJ, 2004a., 2004bBARREIRA, Cesar. “Em nome da lei e da ordem: a propósito da política de segurança pública”. In: São Paulo em Perspectiva, 18 (1), 2004b. e 2014BARREIRA, César. “Crimes de pistolagem e de mando”. In: LIMA, R. S., RATTON, J. L., AZEVEDO, R. G. (Orgs.). Crime, polícia e justiça no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014.; ADORNO, 2008ADORNO, Sérgio. “Políticas Públicas de Segurança e Justiça Penal”. Cadernos Adenauer, São Paulo, v. 9, 2008.; ADORNO e DIAS, 2014ADORNO, S. e DIAS, C.. “Monopólio estatal da violência”. In: LIMA, R. S., RATTON, J. L., AZEVEDO, R. G. (Orgs.). Crime, polícia e justiça no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014.; ZALUAR, 2002, 20ZALUAR, Alba. “Oito temas para debate: violência e segurança pública”. In: GUERREIRO, Maria das Dores (Org.). Sociologia: problemas e práticas. Lisboa: Celta, v. 38, 2002., 2007ZALUAR, Alba. “Democracia inacabada: fracasso da segurança pública”. In: Estudos Avançados 21 (61), 2007., 2012ZALUAR, Alba. “Juventude Violenta: Processos, Retrocessos e Novos Percursos”. In: DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 55, no 2, 2012. e 2014ZALUAR, Alba. “Etos guerreiro e criminalidade violenta”. In: LIMA, R. S., RATTON, J. L., AZEVEDO, R. G. (Orgs.). Crime, polícia e justiça no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014.; SOARES, 2007, 20SOARES, Luiz Eduardo. “A política Nacional de Segurança Pública: histórico, dilemas e perspectivas”. Estudos Avançados. 21 (61). USP: São Paulo, 2007., 2011SOARES, Luiz Eduardo. “Segurança Pública: dimensão essencial do Estado Democrático de Direito”. In: BOTELHO, André e SCHWARCZ, Lilia Moritz (orgs.). Agenda Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.; TAVARES DOS SANTOS, 1997, 20TAVARES DOS SANTOS, José Vicente. “A arma e a flor: formação da organização policial, consenso e violência”. In: Tempo Social/ Revista Sociol. USP, São Paulo, 9(1), maio de 1997., 2008TAVARES DOS SANTOS, José Vicente. “Segurança pública e violência no Brasil”. In: Cadernos Adenauer IX, no 4, 2008. e 2014TAVARES DOS SANTOS, José Vicente. “Modernidade tardia e violência”. In: LIMA, R. S., RATTON, J. L., AZEVEDO, R. G. (Orgs.). Crime, polícia e justiça no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014..
  • 19
    Algumas analises definem em termos genéricos as práticas policiais como classistas e racistas, incorporando estas dimensões históricas. Ou mesmo abordando contradições no interior das instituições, como o problema da militarização das polícias. Porém o enfoque segue sendo o modelo institucional policial e de segurança pública. São os casos, por exemplo, de Cesar Barreira e Luiz Eduardo Soares e Julita Lemgruber. A autora também tem ressaltado a necessidade da descriminalização das drogas. Soares, especialmente, aponta questões como a lei de drogas, o racismo estrutural, o caráter sistêmico do problema da “corrupção policial” e o conservadorismo “da sociedade”. Ressalta o genocídio da juventude pobre e negra e a criminalização da pobreza. No entanto, essas questões não tocam profundamente a construção dos problemas em sua produção, que aposta em reformas e modelos institucionais, por vezes partindo da alteração constitucional ou legislativa. Ou seja, apostando no nível meramente institucional da formulação e análise dos problemas. E estes, no entanto, seguem sendo exemplos dos limites do debate sobre violência.
  • 20
    Dentre os textos identificados aqui: PINHEIRO, 1991PINHEIRO, Paulo Sergio. “Autoritarismo e transição”. In: Revista USP, Março-Maio, 1991., 19, 1997PINHEIRO, Paulo Sergio. “Violência, crime e sistemas policiais em países de novas democracias”. In: Tempo Social/ Rev. Sociol. USP, São Paulo, 9(1), maio, 1997.; PINHEIRO, MÉNDEZ e O'DONNELL, 2000PINHEIRO, Paulo Sérgio; MÉNDEZ, Juan; O'DONNELL, Guillermo (Org.). Democracia, violência e injustiça. São Paulo: Paz e Terra, 2000.; PAIXÃO, 1991PAIXÃO, Antônio Luiz. “Segurança privada, direitos humanos e democracia: notas preliminares sobre novos dilemas políticos”. In: Novos Estudos Cebrap, São Paulo, (31) Outubro, 1991.; BEATO F., 1999BEATO F., Cláudio C.. “Políticas Públicas de Segurança e a Questão Policial”. In: São Paulo em Perspectiva, São Paulo, 13 (4), 1999.; BEATO, SILVA e TAVARES, 2008BEATO F. C.; SILVA, B.F.A.; TAVARES, R. “Crime e Estratégias de Policiamento”. In: Dados – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v.51, no 3, 2008.; BARREIRA, 2004aBARREIRA, César. “Introdução”. In: BARREIRA, César (Org.). Questão de segurança: políticas governamentais e práticas sociais. Rio de Janeiro: Relume Dumaré/Núcleo de Antropologia da Política/UFRJ, 2004a.; ADORNO, 2008ADORNO, Sérgio. “Políticas Públicas de Segurança e Justiça Penal”. Cadernos Adenauer, São Paulo, v. 9, 2008.; ADORNO e DIAS, 2014ADORNO, S. e DIAS, C.. “Monopólio estatal da violência”. In: LIMA, R. S., RATTON, J. L., AZEVEDO, R. G. (Orgs.). Crime, polícia e justiça no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014.; TAVARES DOS SANTOS, 1997SOARES, Luiz Eduardo. “Segurança Pública: dimensão essencial do Estado Democrático de Direito”. In: BOTELHO, André e SCHWARCZ, Lilia Moritz (orgs.). Agenda Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2011., 2008TAVARES DOS SANTOS, José Vicente. “Segurança pública e violência no Brasil”. In: Cadernos Adenauer IX, no 4, 2008., , 2008TAVARES DOS SANTOS, José Vicente. “Segurança pública e violência no Brasil”. In: Cadernos Adenauer IX, no 4, 2008., 2014TAVARES DOS SANTOS, José Vicente. “Modernidade tardia e violência”. In: LIMA, R. S., RATTON, J. L., AZEVEDO, R. G. (Orgs.). Crime, polícia e justiça no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014.; ZALUAR, 2012ZALUAR, Alba. “Juventude Violenta: Processos, Retrocessos e Novos Percursos”. In: DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 55, no 2, 2012. e 2014ZALUAR, Alba. “Etos guerreiro e criminalidade violenta”. In: LIMA, R. S., RATTON, J. L., AZEVEDO, R. G. (Orgs.). Crime, polícia e justiça no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014..
  • 21
    Alguns trabalhos desenvolvem críticas ao modelo de punição apenas pelo encarceramento, como é o caso de Julita Lemgruber (ano). Kant de Lima (ano), em outra perspectiva e por outros métodos, questiona sistema inquisitorial de produção de verdade e centrado na punição, o que os diferencia de algumas posições, colocando-os, muitas vezes, em disputas. No entanto, no que se refere à segurança pública, afirmam novos mecanismos e técnicas de maneira acrítica em adesão ao movimento de proposições no sentido do alargamento do controle Estatal, este mesmo que criticam no tema do sistema punitivo.
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    Dentre os identificados neste ponto: ZALUAR, 2002ZALUAR, Alba. “Oito temas para debate: violência e segurança pública”. In: GUERREIRO, Maria das Dores (Org.). Sociologia: problemas e práticas. Lisboa: Celta, v. 38, 2002. e 2007; PINHEIRO, 1991PINHEIRO, Paulo Sergio. “Autoritarismo e transição”. In: Revista USP, Março-Maio, 1991. e 1997PINHEIRO, Paulo Sergio. “Violência, crime e sistemas policiais em países de novas democracias”. In: Tempo Social/ Rev. Sociol. USP, São Paulo, 9(1), maio, 1997.; PAIXÃO e BEATO F., 1997PINHEIRO, Paulo Sergio. “Autoritarismo e transição”. In: Revista USP, Março-Maio, 1991. e 1999; PAIXÃO, 1991PAIXÃO, Antônio Luiz. “Segurança privada, direitos humanos e democracia: notas preliminares sobre novos dilemas políticos”. In: Novos Estudos Cebrap, São Paulo, (31) Outubro, 1991.; BEATO, SILVA e TAVARES, 2008BEATO F. C.; SILVA, B.F.A.; TAVARES, R. “Crime e Estratégias de Policiamento”. In: Dados – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v.51, no 3, 2008.; ADORNO, 1991, 2008ADORNO, Sérgio. “Sistema Penitenciário no Brasil: problemas e desafios”. Revista USP, São Paulo, Março a Maio, 1991., 2008ADORNO, Sérgio. “Políticas Públicas de Segurança e Justiça Penal”. Cadernos Adenauer, São Paulo, v. 9, 2008.; ADORNO e DIAS, 2014ADORNO, S. e DIAS, C.. “Monopólio estatal da violência”. In: LIMA, R. S., RATTON, J. L., AZEVEDO, R. G. (Orgs.). Crime, polícia e justiça no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014.; SOARES e SENTO-SE, 1996SOARES, Luiz Eduardo e SENTO-SE, João Trajano. “O que aconteceu com o Rio de Janeiro em 93 e 94, segundo os dados sobre criminalidade?” In: SOARES, Luiz Eduardo (org.). Violência e Política no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relumé Dumaré e ISER, 1996.; SOARES, 2000SOARES, Luiz Eduardo. Meu Casaco de General: 500 dias no front da segurança pública no Rio de Janeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2000., 2003SOARES, Luiz Eduardo. “A histórica desqualificação da Segurança Pública no Brasil e as mudanças no governo Lula”. In: VELLOSO. João Paulo dos Reis (coord.). Op. Cit. Governo Lula: novas prioridades e desenvolvimento sustentado. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003., , 2003SOARES, Luiz Eduardo. “A histórica desqualificação da Segurança Pública no Brasil e as mudanças no governo Lula”. In: VELLOSO. João Paulo dos Reis (coord.). Op. Cit. Governo Lula: novas prioridades e desenvolvimento sustentado. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003., 2006SOARES, Luiz Eduardo. “Segurança Pública: Expectativas e a construção introspectiva da ordem”. In: AMARAL Jr., Aécio e BURITY, Joanildo A. (Orgs.). Inclusão Social, Identidade e Diferença: Perspectivas Pós-estruturalistas de Análise Social. São Paulo: Annablume, 2006., 2007SOARES, Luiz Eduardo. “A política Nacional de Segurança Pública: histórico, dilemas e perspectivas”. Estudos Avançados. 21 (61). USP: São Paulo, 2007., 2011SOARES, Luiz Eduardo. “Segurança Pública: dimensão essencial do Estado Democrático de Direito”. In: BOTELHO, André e SCHWARCZ, Lilia Moritz (orgs.). Agenda Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2011., 2015SOARES, Luiz Eduardo. “Por que tem sido tão difícil mudar as polícias”. Blog Boitempo. 2015. Disponível em: http://blogdaboitempo.com.br/category/colaboracoes-especiais/luiz-eduardo-soares/.
    http://blogdaboitempo.com.br/category/co...
    ; LEMGRUBER, 2001LEMGRUBER, Julita. “Controle da criminalidade: mitos e fatos”. In: Revista Think Tank, Instituto Liberal, São Paulo, 2001. e 2004LEMGRUBER, Julita. “Violência, omissão e insegurança pública: o pão nosso de cada dia”. In: Academia Brasileira de Ciências, Rio de Janeiro, 2004.; LEMGRUBER, CANO, MUSUMECI, 2003LEMGRUBER, Julita, CANO, Ignácio e MUSUMECI, Leonarda. Quem vigia os vigias? Um estudo sobre o controle externo da polícia no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 2003.; BARREIRA, 2004aBARREIRA, César. “Introdução”. In: BARREIRA, César (Org.). Questão de segurança: políticas governamentais e práticas sociais. Rio de Janeiro: Relume Dumaré/Núcleo de Antropologia da Política/UFRJ, 2004a. e 2004bBARREIRA, Cesar. “Em nome da lei e da ordem: a propósito da política de segurança pública”. In: São Paulo em Perspectiva, 18 (1), 2004b.; KANT DE LIMA, 1997KANT DE LIMA, Roberto. “Polícia e exclusão na cultura judiciária”. In: Tempo Social; Rev. Sociol. USP. 9 (1) São Paulo. maio de 1997. e 2013KANT DE LIMA, Roberto. “Antropologia, Direito e Segurança Pública: uma combinação heterodoxa”. In: Cuadernos de Antropología Social No 37, 2013.; KANT DE LIMA, PIRES e EILBAUM, 2008KANT DE LIMA, Roberto. PIRES, Lenin e EILBAUM, Lúcia. “Constituição e segurança pública: exercício de direitos, construção de verdade e a administração institucional de conflitos”. In: OLIVEN, Ruben G., RIDENTI, Marcelo e BRANDAO, Gildo M. (orgs.) A constituição de 1988 na vida brasileira. São Paulo: Aderaldo & Rothschild: Anpocs, 2008.; TAVARES DOS SANTOS, 2008TAVARES DOS SANTOS, José Vicente. “Segurança pública e violência no Brasil”. In: Cadernos Adenauer IX, no 4, 2008.; ZALUAR, 2012ZALUAR, Alba. “Juventude Violenta: Processos, Retrocessos e Novos Percursos”. In: DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 55, no 2, 2012. e 2014ZALUAR, Alba. “Etos guerreiro e criminalidade violenta”. In: LIMA, R. S., RATTON, J. L., AZEVEDO, R. G. (Orgs.). Crime, polícia e justiça no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014..
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    Para uma síntese em português do debate teórico materialista sobre o Estado e a metodologia de análise histórico materialista de políticas ver VESTENA (2016)LIMA, R. Kant de; MISSE, Michel e MIRANDA, Ana Paula Mendes de. “Violência, Criminalidade Segurança Pública e Justiça Criminal no Brasil: Uma bibliografia”. In: BIB, Rio de Janeiro, n.50, 2o semestre, 2000..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2017

Histórico

  • Recebido
    02 Fev 2016
  • Aceito
    30 Ago 2016
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