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Por uma história constitucional brasileira: uma crítica pontual à doutrina da efetividade

Defense of studies on the constitutional history of Brazil: a critique of the doctrine of the effectiveness of the Constitution

Resumo

O texto, ao se perguntar pela diferença, em tempos neoconstitucionalistas, do tratamento da história constitucional na Europa e no Brasil, revisita criticamente as teorias de base do constitucionalismo da efetividade. A sugestão é a de que há, nele, incorporação ideológica da noção de força normativa da constituição (Hesse), além da pretensão de fundar um constitucionalismo “verdadeiro” (Faoro). Tais método e propósito acabam por relegar a história constitucional brasileira a segundo plano. A sugestão é a de levar a história constitucional a sério, tanto por seu valor crítico quanto por sua potencialidade hermêutica, constituindo, assim, um neoconstitucionalismo mais consistente.

Palavras-chave:
direito constitucional; história constitucional; neoconstitucionalismo; constitucionalismo da efetividade

Abstract

The paper compares the uses of constitutional history in current continental Europe and in Brazil. It argues that the differences found might be related to the way Brazilian constitutional law theory perceives Brazilian past constitutional law: as a long series of ineffective, “nominal” constitutions. By so doing, Brazilian constitutional law theory underestimates constitutional history and, especially, past constitutions, who had produced some effects (albeit none of them comparable to current constitution's effects). The article concludes by suggesting that Brazilian constitutional law scholars should be more open to studies in constitutional history.

Keywords:
constitutional law; constitutional history; neoconstitutionalism; effectiveness of constitutions

Introdução

Em tempos neoconstitucionalistas, a história constitucional brasileira ainda é, em sua maior parte, ilustre desconhecida. Por quê? Haverá alguma relação entre o êxito do neoconstitucionalismo e o relativo desprezo votado à história constitucional? Seria possível e desejável, em semelhante contexto, a retomada dos estudos acadêmicos no campo da história e do pensamento constitucional brasileiro?

Estas são as perguntas que orientam o presente artigo, que se divide em seis seções. Na primeira, apresenta-se o neoconstitucionalismo e a relação por ele mantida, na Europa, com a nova história constitucional, que é, lá, saudada por seu papel crítico e seu uso hermenêutico. Dedicada ao estado da relação entre ambos no Brasil, a seção seguinte resume a crítica neoconstitucionalista nativa à nossa história constitucional, com ênfase na doutrina da efetividade de Luís Roberto Barroso, que se tornou sua versão mais difundida e consistente. O item 3 se debruça sobre o pensamento de Konrad Hesse e de Raimundo Faoro, sobre os quais repousam alguns dos principais fundamentos teóricos da crítica do constitucionalismo da efetividade à nossa história constitucional. Em seguida, tais fundamentos são questionados do ponto de vista de seu valor científico. Destaca-se sua dimensão ideológica e questiona-se o modo por que elas têm sido empregadas para desvalorizar o estudo da história do direito do país. Passa-se, enfim, à crítica das três principais teses da doutrina da efetividade a respeito da história constitucional: primeiro, a de que haveria uma tradição constitucional brasileira, que cumpria ser combatida; segundo, que essa tradição teria a inefetividade como marca; terceiro, que a referida inefetividade se originava de um vício das elites brasileiras, sua “insinceridade normativa”. Sugere-se, ao final, que nossa menor efetividade constitucional, quando comparada àquela dos países desenvolvidos, explica-se por razões históricas: aqui, a transplantação de instituições políticas consiste numa técnica de modernização social e política. A conclusão defende a necessidade e a utilidade da história constitucional para o desenvolvimento de um neoconstitucionalismo mais consistente.

1. Neoconstitucionalismo e renascimento da história constitucional na Europa.

Pela narrativa hoje convencional na academia do direito, afirma-se que, com a ascensão do pós-positivismo jurídico, neoconstitucionalismo, ou não positivismo principialista, reintroduziu-se a razão prática no mundo do direito (que teria se perdido desde Aristóteles) e se afirmou o caráter vinculante dos princípios jurídicos (Figueroa, 1998FIGUEROA, A. 1998. Principios y Positivismo Jurídico: el no positivismo principialista en las teorías de Ronald Dworkin y Robert Alexy. Madri: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales.). É claro que há divergência conceitual e terminológica entre seus defensores - a ponto de uma das primeiras obras a usar o termo “neoconstitucionalismo” já cuidar de utilizá-lo no plural1 1 Trata-se da coletânea Neoconstitucionalismo(s), organizada por Miguel Carbonell em 2003. Em 2007, o mesmo autor haveria de elaborar livro específico a respeito do tema (uma "teoria geral" do neoconstitucionalismo). -, mas, grosso modo, pode-se afirmar que o neoconstitucionalismo é geralmente identificado com a teoria constitucional, elaborada a partir da década de 1970, tendo por referência o conjunto de textos constitucionais europeus surgidos depois da segunda guerra. Tais constituições não se limitavam a estabelecer competências, estruturar os poderes públicos, e definir alguns direitos individuais; elas continham alto número de normas substantivas - as chamadas “normas programáticas” (Crisafulli, 1952CRISAFULLI, V. 1952. La Costituzione e le sue disposizioni di principio. Milão, Dott. A. Giuffrè Editore.) -, que condicionavam a atuação do Estado por meio da fixação de finalidades públicas. Além disso, muitos de seus dispositivos eram redigidos com a utilização de conceitos indeterminados. Com base neste novo padrão de constituição, a academia e a comunidade de operadores institucionais do direito, com destaque para os juízes, construíram novos topoi hermenêuticos. Tornaram-se comuns, em obras monográficas e em decisões judiciais, referências a categorias como as das “técnicas interpretativas próprias dos princípios constitucionais, a ponderação, a proporcionalidade, a razoabilidade, a maximização dos efeitos normativos dos direitos fundamentais, o efeito irradiação, a projeção horizontal dos direitos, o princípio pro personae etc.”. Os juízes passaram a lidar, por intermédio dos princípios constitucionais, com valores constitucionais, que deveriam ser aplicados aos casos “de forma justificada e razoável, dotando-os, dessa maneira, de conteúdos normativos concretos” (Carbonell, 2007CARBONELL, M. 2007. Teoría del neoconstitucionalismo. Madrid, Trotta., pp. 9-11).

Mas não é só. O neoconstitucionalismo parece haver redimensionado, ao menos na Europa, a própria função da história do direito. Ao invés de servir para legitimar o direito do presente - supostamente superior ao do passado -, ela serve para questionar o direito contemporâneo, sublinhando sua condição precária (porque histórica), e sugerindo a possibilidade de pensá-lo de modo menos naturalizado2 2 “Enquanto as disciplinas dogmáticas visam a criar certezas acerca do direito vigente, a missão da história do direito é antes a de problematizar o pressuposto implícito e acrítico das disciplinas dogmáticas, ou seja, o de que o direito dos nossos dias é o racional, o necessário, o definitivo” (Hespanha, 2005, p. 21). . O mesmo se deu com a história constitucional, entendida como “uma disciplina histórica (...) cujo objeto é a gênese e o desenvolvimento da constituição adequada a um Estado liberal e liberal democrático, independentemente da forma adquirida por essa constituição e seu lugar no ordenamento jurídico” (Suanzas-Carpegna, 2012_______________ 2012. L’histoire constitutionnelle: quelques réflexions de méthode. In: HERRERA, Carlos Miguel Herrera e Arnauld Le Pillouer (org). Comment écrit-on l’Histoire Constitutionnelle? Paris, Kimé., p. 57).

Por se achar próxima às discussões sobre democracia e política, a história constitucional sentiu de perto os efeitos do neoconstitucionalismo. É sintomático que muitos autores franceses e italianos, habituados ao direito constitucional teórico ou dogmático, ou à teoria do direito, como Michel Troper, François Saint-Bonnet e Gustavo Zagrebelsky, tenham se voltado, nas últimas duas décadas, ao estudo da história constitucional. Esse poder de atração é explicado porque o estudo da história do direito colocaria o jurista “em contato com outros mundos, com outras experiências”, impedindo “o cronocentrismo, a ilusão de que toda a realidade coincida com o nosso presente”. A história constitucional, em particular, permitiria ao jurista constitucional “recuperar a historicidade da democracia” (Costa, 2012, p. 9).

A história constitucional também ainda teria algo a dizer do ponto de vista hermenêutico: a distância crescente das constituições, em relação ao tempo de sua edição, e a complexidade de sociedades, cada vez mais plurais, enfraqueceram a vontade constituinte como fórmula de interpretação:

As constituições do nosso tempo miram o futuro mantendo firme o passado, isto é, o patrimônio da experiência histórico-constitucional que querem salvaguardar e enriquecer. (...). Passado e futuro se ligam em uma única linha e, assim como os valores do passado orientam a busca do futuro, assim também as exigências do futuro obrigam a uma continua atualização do patrimônio constitucional que vem do passado e, portanto, a uma incessante redefinição dos princípios da convivência institucional. A ‘história’ constitucional não é um passado inerte, mas a contínua reelaboração das raízes constitucionais do ordenamento que nos é imposta no presente pelas exigências constitucionais do futuro. A dimensão histórica do direito constitucional não é, então, um acidente anedótico, algo que satisfaça apenas nosso gosto pelas antiguidades ou a curiosidade pelas realizações do espírito humano. Poderia ser um elemento constitutivo do direito constitucional atual, o que lhe permitiria dar um sentido à sua obra quando a ciência do direito constitucional resolvesse compreender que não existe um amo que requeira ser servido, ao contrário do que aconteceu no passado (Zagrebelsky, 2008ZAGREBELSKY, G. 2005. Historia y Constitución. Madrid, Editorial Trotta., p. 91)

Deu-se, assim, na Europa, o renascimento da história constitucional, revigorado junto ao constitucionalismo pós-positivista. Conforme afirmavam, há alguns anos, dois de seus estudiosos, “a história constitucional se tornou onipresente, independentemente de sua forma nacional” (Herrera e Le Pillouer, 2012HERRERA, C. M. & LE PILLOUER, A. (org). Comment écrit-on l’Histoire Constitutionnelle? Paris, Kimé., p. 8).

Será esta a realidade dos estudos de história constitucional no Brasil?

2. A crítica neoconstitucionalista à nossa história constitucional.

Desde o final dos anos noventa, o direito constitucional brasileiro foi objeto de extraordinária ascensão, tendo desbancado a hegemonia da processualística e do direito civil. Para tanto, concorreram o modelo da Constituição de 1988, disciplinando a quase totalidade da vida social; e a outorga, ao Poder Judiciário, do papel de velar pela constituição, armando-o de competências extras, que afinal restaram exercidas com vigor, tais como a do controle concentrado da constitucionalidade.3 3 Sobre a ascensão do direito constitucional no Brasil, v. Luís Roberto Barroso. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). In: Revista de Direito Administrativo, vol. 240, pp. 1-42. A autonomia concedida ao Ministério Público, o incremento do acesso à Justiça pela instituição da Defensoria Pública e a multiplicação dos juizados especiais, além do boom das faculdades de direito, familiarizaram os bacharéis com o neoconstitucionalismo. O resultado foi verdadeira avalanche de obras de sobre direito constitucional em perspectiva neoconstitucionalista, o que impactou profundamente a vida jurídica e os programas de pós-graduação em direito.

Tal avalanche, no entanto, não teve repercussão equivalente na história constitucional. Até a década de 1980, o prestígio desta acompanhava o do direito constitucional: atingiu seu zênite na Primeira República, manteve algum sucesso no período subsequente, e declinou sob o regime militar.4 4 Entre as histórias constitucionais elaboradas sob o signo do positivismo, podem ser lembradas: A Constituinte perante a História (1861), do Barão Homem de Melo; a Reforma da Constituição (1880), de Franco de Sá; a História Constitucional dos Estados Unidos do Brasil (1894), de Felisbelo Freire; a História Constitucional do Brasil (1916), de Aurelino Leal; Formação Constitucional do Brasil (1914), de Agenor de Roure; A Constituinte Republicana (1918-1920), também de Roure. A despeito da instabilidade posterior à Revolução de 1930, foram produzidas pelo menos duas grandes obras com aquele nome: a História do Direito Constitucional Brasileiro (1954), de Waldemar Ferreira; e Formação Constitucional do Brasil (1960), de Afonso Arinos de Mello Franco. Então, o que surpreende é que, ao renascimento do direito constitucional, nas últimas décadas, não tenha correspondido renascimento equivalente da história constitucional.

Na verdade, a leitura de obras paradigmáticas do novo constitucionalismo sugere que, ao contrário do europeu, o neoconstitucionalismo brasileiro - em particular, sua teoria de base, a doutrina da efetividade -, construiu-se deliberadamente contra nossa história constitucional.5 5 Está-se, aqui, assumindo que o neoconstitucionalismo brasileiro equivale, funcionalmente, à doutrina da efetividade. A rigor, como o próprio Luís Roberto Barroso observa, o constitucionalismo da efetividade propiciou o neoconstitucionalismo brasileiro, mas com ele exatamente não se confunde. Sobre o ponto, v. nota de rodapé n. 9, infra. Os autores comprometidos com a mudança da mentalidade jurídica nas décadas de 1980 e 1990 não se limitaram a apontar a decadência a que o constitucionalismo teria chegado durante o regime autoritário; condenaram, em bloco, toda a história constitucional brasileira. Contra uma suposta tradição constitucionalista anterior, reputada elitista ou inefetiva, os autores do novo constitucionalismo brasileiro enfatizavam a necessidade de romper com o passado a fim de instaurarem, não um novo, mas um verdadeiro regime de constitucionalidade.

É o que se depreende das duas principais obras de história constitucional publicadas no começo da década de 1990. Embora seus autores não se afirmassem como neoconstitucionalistas, suas obras, contemporâneas ao momento inicial do constitucionalismo da efetividade, são representativas do pensamento daquele movimento a respeito da história constitucional brasileira.

A primeira delas é a História Constitucional do Brasil, de Paes de Andrade e Paulo Bonavides (1991). Embora, nela, os autores destaquem a importância de se conhecer a história constitucional, logo enumeram seus poréns: trata-se de um passado elitista, da qual o povo não participou, “coartado pela intermediação e infidelidade de governantes habituados ao poder sem freio e sem limitações” (Bonavides & Andrade, 1991BONAVIDES, P.; & ANDRADE, P. 1991. História Constitucional do Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra., p. 5). Da mesma forma, nosso constitucionalismo havia sido, em boa medida, farsesco. O do Império teria sido aquele em que “o poder mais se apartou talvez da Constituição formal”; o da Primeira República, ponto culminante do nosso “constitucionalismo de ficção”. A despeito de seu caráter social, permanecia na Carta de 1934 “a enorme contradição entre a constitucionalidade formal e a constitucionalidade material”.

A aparente contradição entre a necessidade de se estudar um passado que os próprios autores desqualificavam resolve-se quando Bonavides e Paes de Andrade sugerem que a utilidade do estudo se encontra em sua não exemplaridade. Estudar a história constitucional brasileira serviria apenas para demonstrar a permanente manipulação do direito público nacional pelas oligarquias, que jamais teriam se interessado por concretizar os valores políticos e sociais contidos nas constituições6 6 “O direito busca fórmulas transformadoras com que alterar o status quo que fossiliza o país no imobilismo das correntes conservadoras, no estatuto político das oligarquias, no privilégio das camadas dominantes. Estas sempre refratárias ao progresso e à mudança fizeram da Constituição o ornamento do poder, a vaidade institucional, o texto luxuosamente encadernado e esquecido nas estantes da oligarquia, a lei com que nunca os chefes presidenciais efetivamente governaram o país nem a sociedade conscientemente conviveu” (Bonavides & Andrade, 1991, p. 12). .

A segunda obra é de Marcello Cerqueira: A Constituição na História: origem e história (1993). O autor justifica seu livro na necessidade de intervir no debate político, a prevenir possíveis veleidades reacionárias embutidas na revisão constitucional, prevista para 1993. Mas Cerqueira também transparece imagem negativa do nosso passado constitucional, cujo conhecimento só se justificaria, mais uma vez, pelo seu caráter de não exemplaridade: “Mais que outras, a história do constitucionalismo brasileiro é também uma narrativa de erros, desacertos e desatinos, aí incluídos os mais recentes e os que presentemente nos ameaçam”. Seu estudo só se torna de utilidade na medida em que possa “contribuir para a compreensão de que a legalidade democrática deve ser um valor duradouro, resistente às artimanhas do poder e aos azares da fortuna” (Cerqueira, 1993CERQUEIRA, M. 1993. A Constituição na História: origem e reforma. Rio de Janeiro, Revan., p. 15).

Luís Roberto Barroso é caso especial. Pelos propósitos, abrangência e impacto da obra, ele é, talvez, o constitucionalista brasileiro, desde Rui Barbosa, que mais importância teve e tem para o direito constitucional. Foi ele quem mais se comprometeu em fundamentar teoricamente a necessidade de se romper com nosso passado constitucional. A rigor, o hoje ministro do STF não se apresenta como representante do neoconstitucionalismo, mas, sim, como defensor de uma doutrina brasileira da efetividade, que teria feito a transição da antiga teoria constitucional para o neoconstitucionalismo, ao pregar um positivismo constitucional que obrigasse os intérpretes da constituição a produzir sua efetividade no mundo da vida. Barroso afirma que a doutrina da efetividade haveria precedido “desenvolvimentos teóricos importantes, como a teoria dos direitos fundamentais, a teoria dos princípios e a própria percepção do pós-positivismo como uma categoria filosófica própria”, ao buscar conferir “ao direito constitucional no Brasil uma dimensão normativa e concretizadora das promessas da modernidade; poder limitado, promoção dos direitos fundamentais, justiça material e pluralismo político” (Barroso, 2006BARROSO, L. R. 2006. [1984]. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. Rio de Janeiro, Editora Renovar., p. 282).7 7 A despeito de divergências acerca do que se entenda por “neoconstitucionalismo”, não há como separar Luís Roberto Barroso, pela posição eminente por ele ocupada, do movimento de renovação do constitucionalismo brasileiro associado à expressão. A questão está em definir o alcance e as características de um conceito como “neoconstitucionalismo”. Podem ser considerados “neoconstitucionalistas” autores como Konrad Hesse e José Joaquim Gomes Canotilho, que produziram suas obras a partir da experiência das constituições alemã de 1949 e portuguesa de 1976, referenciados fartamente por Barroso? Se podem, também o poderia o próprio Barroso, já que a definição de “neoconstitucionalismo” seria ampla o suficiente para enquadrar todos nos movimentos de renovação dos métodos da área desde a segunda guerra. Além disso, se o problema é a palavra “neoconstitucionalismo”, há outros “neoconstitucionalistas” que se valem de outras expressões, como Luís Pietro Sanchís (que se refere apenas o “constitucionalismo” em oposição a “positivismo”) e Gustavo Zagrebelsky (que opõe o atual “estado constitucional” ao “estado de direito”). Por esse ângulo, Barroso pode ser enquadrado com o principal representante do “neoconstitucionalismo brasileiro”. Por isso, torna-se indispensável compreender seus argumentos.

A maior parte deles encontra-se condensada na primeira e na segunda parte de O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas, que, escrito no contexto de crítica ao autoritarismo militar, foi o grande manifesto pelo advento de um constitucionalismo da efetividade. Logo nas primeiras páginas, Barroso explicita seu propósito: “introduzir de forma radical a juridicidade no direito constitucional brasileiro e substituir a linguagem retórica por um discurso substantivo, objetivo, comprometido com a realidade dos valores e dos direitos contemplados na Constituição” (Barroso, 2006BARROSO, L. R. 2006. [1984]. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. Rio de Janeiro, Editora Renovar., p. IX). O propósito anunciado de ruptura se confirma na primeira parte do livro, Raízes e causas do fracasso institucional brasileiro. Diferentemente daqueles que pregavam reatar o fio do constitucionalismo democrático, interrompido em 1964, Barroso declarava não haver com que reatar. Os males de que padecia o constitucionalismo brasileiro não decorriam somente dos revezes que lhe haviam infligido os governos autoritários; era todo o nosso passado constitucional que, segundo ele, carregava o “melancólico estigma de instabilidade e falta de continuidade de nossas instituições políticas” (Barroso, 2006BARROSO, L. R. 2006. [1984]. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. Rio de Janeiro, Editora Renovar., p. 7). As constituições liberais brasileiras não teriam passado de mistificações, repletas de promessas, jamais honradas, de liberdade e de democracia (Barroso, 2006BARROSO, L. R. 2006. [1984]. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. Rio de Janeiro, Editora Renovar., p. 283). A constituição de 1824 encobrira o “absolutismo prático”; a de 1891, o domínio oligárquico e a fraude eleitoral; a de 1934 morrera infante; a de 1946 nascera desatualizada e deficiente (Barroso, 2006BARROSO, L. R. 2006. [1984]. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. Rio de Janeiro, Editora Renovar., p. 8-9). O resultado havia sido uma “frustração constitucional”.

Uma vez que nada de proveitoso se poderia haurir do inventário de burlas em que se resumia nossa história constitucional, resultava o imperativo de romper com a tradição, homogênea no seu vazio de concretização democrática. Somente operando-se uma tábua rasa na história constitucional brasileira seria possível fundar um regime de “verdadeiro constitucionalismo” no Brasil (Barroso, 2006BARROSO, L. R. 2006. [1984]. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. Rio de Janeiro, Editora Renovar., p. 17). Ao invés de recorrer à história, seria para a teoria constitucional, em especial a norte-americana e a alemã, que o jurista deveria se voltar para interpretar de forma adequada a Constituição de 1988. Este é o motivo pelo qual, para Barroso, antes de 1988 o Brasil não teria história constitucional, mas “pré-história” constitucional.

Passagens semelhantes se acham em suas obras mais recentes, como seu Curso de Direito Constitucional Contemporâneo (2009) e sua Interpretação e Aplicação da Constituição (2009). Um dos textos que obteve maior veiculação foi artigo, escrito em parceria com Ana Paula Barcelos, denominado O começo da história: a nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro, do qual se extrai a passagem seguinte:

A experiência política e constitucional do Brasil, da independência até 1988, é a melancólica história do desencontro de um país com sua gente e com seu destino. Quase dois séculos de ilegitimidade renitente do poder, de falta de efetividade das múltiplas Constituições e de uma infindável sucessão de violações da legalidade constitucional. Um acúmulo de gerações perdidas. A ilegitimidade ancestral materializou-se na dominação de uma elite de visão estreita, patrimonialista, que jamais teve um projeto de país para toda a gente. Viciada pelos privilégios e pela apropriação privada do espaço público, produziu uma sociedade com déficit de educação, de saúde, de saneamento, de habitação, de oportunidades de vida digna. Uma legião imensa de pessoas sem acesso à alimentação adequada, ao consumo e à civilização, em um país rico, uma das maiores economias do mundo. A falta de efetividade das sucessivas constituições brasileiras decorreu do não reconhecimento de força normativa aos seus textos e da falta de vontade política de dar-lhes aplicabilidade direta e atual imediata. Prevaleceu entre nós a tradição europeia da primeira metade do século, que via a lei fundamental como mera ordenação de programas de ação, convocações ao legislador ordinário e aos poderes públicos em geral. Daí porque as Cartas brasileiras sempre se deixaram inflacionar por promessas de atuação e pretensos direitos que jamais se consumaram na prática. Uma história marcada pela insinceridade e pela frustração. O desrespeito à legalidade constitucional acompanhou a evolução política brasileira como uma maldição, desde que D. Pedro I dissolveu a primeira Assembleia Constituinte. Das rebeliões ao longo da Regência ao golpe republicano, tudo sempre prenunciou um enredo acidentado, onde a força bruta diversas vezes se impôs sobre o direito. Foi assim com Floriano Peixoto, com o golpe do Estado Novo, com o golpe militar, com o impedimento de Pedro Aleixo, com os Atos Institucionais. Intolerância, imaturidade e insensibilidade social derrotando a Constituição. Um país que não dava certo. A Constituição de 1988 foi o marco zero de um recomeço, da perspectiva de uma nova história (Barroso, 2008_________________ 2008. A Nova Interpretação Constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3ª. Edição. Rio de Janeiro, Renovar., pp. 327-329).

3. Entendendo os fundamentos teóricos da doutrina brasileira da efetividade.

Para compreender as razões pelas quais, ao contrário do neoconstitucionalismo europeu, o brasileiro se afirmou pela condenação da história constitucional, e avaliar a correção de suas teses, é preciso remontar aos dois principais textos que estruturaram o constitucionalismo brasileiro da efetividade na versão de Luís Roberto Barroso.

O primeiro deles é a A Força Normativa da Constituição, resultado de conferência proferida por Konrad Hesse em 1959. Trata-se de texto voltado a combater o hiato entre a constituição jurídica e a constituição real, apontado, ainda no século XIX, por Ferdinand Lassalle em O que é uma constituição?. A separação entre questões políticas e jurídicas, até então claramente demarcada pelo positivismo clássico, vedava aos operadores do direito interferir em matéria considerada própria dos agentes eleitos e da administração pública. Hesse pretendia questioná-la: “Questões constitucionais não são, originariamente, questões jurídicas, mas sim questões políticas” (Hesse, 1991HESSE, K. 1991. A Força Normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre, Sergio Fabris., p. 9). A superação do hiato entre direito e política, pretendida por Hesse, dava origem a uma teoria constitucional explicitamente política, calcada na vontade soberana do constituinte.

Uma vez que questões constitucionais eram políticas, pareceu-lhe natural conferir aos juízes dos tribunais constitucionais, recém-criados depois da Segunda Guerra, o poder de interpretar diretamente tanto regras como princípios de direito, a fim de assegurar a supremacia da constituição contra os profissionais da política. Claro que, em tese, a constituição era aberta a todos. Mas, na prática, a salvaguarda dos direitos fundamentais dependeria acima de tudo daqueles que detêm a prerrogativa institucional e profissional de interpretar a constituição: os operadores jurídicos, e, principalmente, os juízes constitucionais.

A segunda base intelectual sobre a qual se assentou a doutrina brasileira da efetividade foi a interpretação do Brasil desenvolvida, durante o regime militar, por Raimundo Faoro. É ela que tem servido de esteio teórico para que Luís Roberto indique a necessidade de romper com o passado constitucional.8 8 A admiração de Barroso por Faoro é assumida. Na dedicatória ao exemplar adquirido por Faoro de O direito constitucional e a efetividade de suas normas, em 1986, o autor o saudava como “a figura marcante da minha geração universitária e da história recente do Brasil”. O exemplar acha-se disponível na biblioteca da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro (instituição à qual Luís Roberto Barroso, assim como Faoro, pertenceu por anos, e, aliás, possui sala de leitura chamada Raimundo Faoro). O texto O começo da história, de que foi extraida a extensa citação da seção anterior, é também dedicada a Faoro, “pelo papel que desempenhou na transição democrática brasileira. No particular, por ter ajudado a evitar que estudantes da UERJ sofressem violências no Departamento de Polícia Política e Social – DPPS, no final da década de 70”. Mais recentemente, Barroso reafirmou sua visão do Brasil, tributária de Faoro: "Sou totalmente convertido à livre iniciativa há muitos anos. Acho que o Brasil tinha três grandes problemas e ainda tem dois. O primeiro grande problema, eu diria, é o patrimonialismo. Essa herança ibérica que nós temos, em que Portugal não separava adequadamente a fazenda do Rei da fazenda do Reino, e havia uma certa mistura entre o que era particular e o que era público. O Brasil foi colonizado numa cultura em que o Rei era, de certa forma, sócio dos aventureiros que vinham para fazer fortuna. A segunda característica brasileira, que tem raízes profundas, é um certo oficialismo, as pessoas dependem do Estado, precisam do Estado, querem um Estado. E o Estado gosta desse papel” O Impeachment é um momento de abalo político, diz Luís Roberto Barroso. Entrevista a Matheus Leitão, G1. Acessível em: <<http://g1.globo.com/politica/blog/matheus-leitao/post/o-impeachment-e-um-momento-de-abalo-politico-diz-luis-roberto-barroso.html>>. Acesso em: 4 de abril de 2016. Para os fins que aqui nos interessam, o pensamento de Faoro deve ser apreendido pelo exame de três textos: Os donos do poder (1974________________ 1974. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. 2ª. Edição. São Paulo, Editora Globo.), Assembleia Constituinte: a legitimidade recuperada (1981________________ 1981. Assembleia Constituinte: a legitimidade recuperada.) e Existe um pensamento político brasileiro? (1986).

Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro descreve a história política e social brasileira até aquele momento (1974, ano da segunda edição aumentada), como uma espécie de Antigo Regime, herdado do português, disfarçado de estado de democrático de direito: “De Dom João I a Getúlio Vargas, numa viagem de seis séculos, uma estrutura político-social resistiu a todas as transformações fundamentais, aos desafios mais profundos, à travessia do oceano largo” (Faoro, 1995, p. 733). Este autoritarismo de matriz ibérica seria governado, desde tempos imemoriais, por um estamento burocrático sufocador da sociedade civil, descrito como “uma estratificação aristocrática, com privilégios e posição definidos pelo Estado”, acima da nação (Faoro, 1958FAORO, R. 1958. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. Porto Alegre, Editora Globo., p. 106). Dominando o país pelo patrimonialismo, o estamento impedia a nação de modernizar-se espontaneamente, impondo-lhe do alto, à maneira do despotismo ilustrado, uma modernização epidérmica, que lhe permitiria acompanhar o movimento do mundo, sem ameaça à sua preeminência.9 9 “A modernidade compromete, no seu processo, toda a sociedade, ampliando o raio de ação de todas as classes, revitalizando e removendo seus papéis sociais, enquanto a modernização, pelo seu toque voluntário, se não voluntarista, chega à sociedade por meio de um grupo condutor que, privilegiando-se, privilegia os setores dominantes. Na modernização não se segue o trilho da ‘lei natural’, mas se procura moldar, sobre o país, pela ideologia ou pela coação, uma certa política de mudança. (...). Na modernidade, a elite, o estamento, as classes – dizemos, para simplificar, as classes dirigentes – coordenam e organizam um movimento. Não o dirigem, conduzem ou promovem, como na modernização” (Faoro, 1996, p. 99).

Tal modernização autoritária se expressaria por uma política centralizadora, materializada pelo unitarismo, pela monarquia, pelo corporativismo, mas também por um capitalismo politicamente orientado encarnado pelo estatismo. O resultado era que, ao contrário do que se dava na Europa e na América do Norte, onde o tempo histórico era o do progresso democratico, na América Latina ele seria circular: aprisionados em uma verdadeira viagem redonda, os países da região restariam condenados a padecer sempre dos mesmos males do autorotarismo, devido ao pecado original da formação patrimonialista ibérica.10 10 “Essas coisas recorrentes, essas viagens redondas, esse mundo cíclico só existe na Ibero-América. Eu creio que o tempo lá (na Europa) é dialético; quero dizer, parece-me que foi muito importante, nessa transformação, a herança liberal de cada país (...). Em todo o caso, a recorrência é coisa ibero-americana. Nunca se volta quando o tempo é dialético, nunca se volta à iniquidade anterior” (Faoro, 2008, p. 159). -11 11 É representativa da proximidade entre Faoro e Luís Roberto Barroso a circunstância de que último este haja utilizado a metáfora faoriana da viagem redonda num texto sobre a admissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos. V. BARROSO, Luís Roberto. A viagem redonda: habeas data, direitos constitucionais e as provas ilícitas. In: Revista de Direito Administrativo, vol. 213, jul-set 1998.

Dessa interpretação de história resultaram elementos centrais para a formação da doutrina da efetividade. Tendo em vista que a cultura nacional se teria frustrado “ao abraço sufocante da carapaça administrativa, trazida pelas caravelas de Tomé de Souza” (Faoro, 1974________________ 1974. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. 2ª. Edição. São Paulo, Editora Globo., p. 748), o Brasil não teria pensamento político próprio. Em Existe um pensamento político brasileiro? (1992), Faoro sustentava que este não poderia existir sem um moderno Estado de direito democrático, dirigido por uma sociedade orientada por um liberalismo orgânico. Tendo em vista que o nosso estado de direito haveria sido uma farsa, tal como sugerido em Os donos do poder, nosso pensamento político não teria passado, igualmente, de um simulacro de liberalismo democrático. Tratava-se de um falso liberalismo, estatocêntrico, conservador, destinado a manter o status quo. É neste ponto que a interpretação de Faoro revela suas implicações para a história constitucional: se um liberalismo orgânico, visceralmente democrático, era-nos ausente, não menos ausente seria o seu constitucionalismo. Ele também seria um simulacro, um amontoado de ideias fora do lugar.

Era o que Faoro afirmava em Assembleia Constituinte: a legitimidade recuperada (1981). Baseando-se na classificação de Karl Loewenstein12 12 A classificação de Loewenstein indica a existência de três tipos ideais de constituições. A primeira seria a normativa, caracterizada pela “concordância das normas constitucionais com a realidade do processo do poder”. O regime de efetividade restaria caracterizado pela observância leal de todos os interessados. A constituição “nominal”, por sua vez, seria marcada por sua vigência, mas inefetividade. “Se a dinâmica do processo político não se adapta às suas normas; a constituição carece de realidade existencial”. Haveria uma disparidade entre as ambições do texto e as condições sociais e econômicas, levando a crer que sua adoção teria sido prematura. “A função primária da constituição nominal é educativa; seu objetivo é, em um futuro mais ou menos distante, converter-se em uma constituição normativa e determinar realmente a dinâmica do processo do poder em lugar de estar submetida a ela”. O último tipo de constituição era a “semântica” que, ainda que efetiva, ao invés de limitar o poder, apenas formalizava a “situação existente do poder político em benefício exclusivo dos detentores do poder fático, que dispõem do aparato coativo do Estado” (Loewenstein, 1970, pp. 217-218). , Faoro afirmava que nenhuma das constituições brasileiras teria sido normativa, comandando a realidade a partir do poder constituinte. Oscilando entre o nominalismo das formas jurídicas incapazes de modificar o domínio oligárquico, e a semântica do disfarce para o exercício autoritário do poder, nossas constituições haveriam sido incapazes de cumprir suas promessas democráticas. Não teria havido constitucionalismo nem no Império nem no Estado Novo, dois regimes antiliberais e autocráticos (Faoro, 2007________________ 2007. A República Inacabada. São Paulo, Globo., p. 274). As demais experiências não haveriam sido melhores, nem a de 1946: “Nunca o Poder Constituinte conseguiu nas suas quatro tentativas vencer o aparelhamento do poder, firmemente ancorado no patrimonialismo de Estado” (Faoro, 1981________________ 1981. Assembleia Constituinte: a legitimidade recuperada., p. 92). Apenas ruptura com esse passado circular seria capaz de abrir caminho a uma ordem democrática. Ela seria operada pelo povo que, do alto de sua soberania, por meio de assembleia constituinte, instauraria uma ordem político-jurídica capaz de romper com o “monstro patrimonial-estamental-autoritário” e inaugurar a modernidade brasileira (Faoro, 1996, p. 95). Somente então poderia haver liberalismo democrático autêntico e, com ele, um constitucionalismo verdadeiro.

No fundo, o apelo de Assembleia Constituinte: a legitimidade recuperada se explica pela transposição do esquema teórico desenvolvido pelo abade Sieyès em O que é o Terceiro Estado (Sieyès, 2010SIEYES, E. J. 2010. Qu’est que c’est le Tiers État? Nabu Press.) para o Brasil nos estertores do regime militar. As analogias são claras. O Brasil dos generais-presidentes equivale à França do Antigo Regime; o estamento burocrático aparece como sucedâneo da nobreza; a sociedade civil brasileira faz as vezes de Terceiro Estado. Assim como o Estado francês do Antigo Regime não é legitimamente francês (isto é, gaulês), porque dominado pela aristocracia descendente dos invasores francos, o brasileiro também não o seria de fato, porque monopolizado pelo estamento herdado dos portugueses. A única solução, em ambos os casos, é a tábua rasa com a história; a ruptura com o passado, em nome da justiça e da razão.

4. Entre a doutrina e a imaginação política: um exame crítico dos fundamentos teóricos do constitucionalismo da efetividade.

Para avaliar a apreciação da história constitucional feita pelo constitucionalismo da efetividade, cumpre examinar o valor cientifico das teses de Hesse e Faoro. O propósito dos autores deste texto não é o de questionar a validade intrínseca daquelas teses, tampouco é o de criticar a doutrina da efetividade; é outro, bem mais circunscrito.13 13 Mas, se se trata de avaliar os méritos da doutrina da efetividade, é de se ver que nenhuma outra teoria jurídica esteve na base de tantas e tamanhas transformações na realidade brasileira. Pretende-se, tão somente, avaliar a argumentação empregada pela doutrina da efetividade ao tratar de nossa história constitucional.

Dito isto, é fácil perceber que nem o texto Hesse nem a interpretação de Faoro constituem teorias descritivas da realidade histórica, mas doutrinas desenvolvidas a partir de determinados valores, com o intuito de imprimir à cultura jurídica e política de suas comunidades uma direção julgada tida como mais justa e adequada14 14 “A teoria é a expressão puramente cognoscitiva que o homem assume perante uma certa realidade e é, portanto, constituída por um conjunto de juízos de fato, que têm a única finalidade de informar os outros acerca de tal realidade. A ideologia, em vez disso, é a expressão do comportamento avaliativo que o homem assume face a uma realidade, consistindo num conjunto de juízos de valores relativos a tal realidade, juízos estes fundamentados no sistema de valores acolhidos por aquele que o formula, e que têm por escopo de influírem sobre tal realidade. A propósito de uma teoria, dizemos ser verdadeira ou falsa (segundo seus enunciados correspondam ou não à realidade). Não faz sentido, ao contrário, apregoar a verdade ou a falsidade de uma ideologia, dado que isto não descreveria a realidade, mas sobre ela influiria. Diremos, em vez disso, que uma ideologia é do tipo conservador ou progressista, segundo avalie positivamente a realidade atual e se proponha influir sobre ela, para conservá-la, ou que a avalie negativamente, destarte se propondo a influir sobre ela, para muda-la” (Bobbio, 1995, p. 223). .

No que diz respeito a Hesse, a doutrina da força normativa da constituição ancorava-se numa visão negativa acerca do constitucionalismo alemão de seu tempo, em que juízos políticos prevaleciam na interpretação do direito. O conservadorismo daí resultante decorreria, segundo ele, do historicismo hegemônico na hermenêutica, ou seja, de uma história constitucional que, a todo o tempo, sugeria ao intérprete levar em conta “fatores reais de poder” (Hesse, 1991HESSE, K. 1991. A Força Normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre, Sergio Fabris., p. 10). A fim de libertar o texto da constituição de uma hermenêutica prisioneira do historicamente dado, sem se valer de uma justificação idealista, filosófica e moral, Hesse lançou mão da hipótese de uma força normativa da Constituição. Tratava-se de artifício engenhoso que, pretensamente neutro, autonomizaria o texto constitucional, de modo a permitir que o juiz pudesse imprimir-lhe significados mais adequados do que os fornecidos pela tradição. Nem por isso o jurista alemão deixava de reconhecer que aquela força normativa não existia de fato, sendo antes “ficção necessária para o constitucionalista, que tenta criar a suposição de que o direito domina a vida do Estado” (Hesse, 1991HESSE, K. 1991. A Força Normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre, Sergio Fabris., p 11-12).

Embora não possa ser classificada como doutrinária, a obra de Faoro também não pode ser considerada expressiva de uma teoria, no sentido que a palavra possui nos dias de hoje. Ela pertence ao gênero do ensaio histórico de interpretação do Brasil, que encontrou seu apogeu entre 1922 e 197015 15 As interpretações do Brasil mais célebres produzidas desde 1930 foram provavelmente Casa Grande e Senzala (1933), de Gilberto Freire; Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda; Formação do Brasil Contemporâneo (1940), de Caio Prado Jr.; Coronelismo, Enxada e Voto, de Victor Nunes Leal (1948); Instituições Políticas Brasileiras, de Oliveira Viana (1949); e Formação Econômica do Brasil, de Celso Furtado (1958). A despeito de sua primeira edição datar de 1958, Os Donos do Poder só emerge como clássico quinze anos depois, quando, em pleno regime militar, veio a lume a segunda edição, revista e ampliada. . Anteriores ao amadurecimento das ciências sociais no Brasil, esses ensaios se pautavam por uma imaginação política, que oscilava entre o teórico e o ideológico (Santos, 1970SANTOS, W. G. 1970. “Raízes da imaginação política brasileira”. Dados - Revista de Ciências Sociais, 7: 137-161., p. 137). Buscavam compreender as causas do atraso brasileiro, criticando sua realidade atual para encaminhar a opinião pública a favorecer determinados projetos político-sociais. Assim que “o objetivo de persuadir as elites políticas e culturais da época é visível na própria estrutura narrativa (do ensaio de interpretação), que invariavelmente se inicia com amplas reflexões histórico-sociológicas sobre a formação colonial do país, estende-se no diagnóstico do presente e culmina na proposição de algum modelo alternativo de organização político-social” (Lamounier, 1990, p. 371).

Além de eivados de certa ideologização, os ensaios de caráter mais político se filiam, com poucas variações, a duas tradições marcadas pelo antagonismo com que veem as relações entre Estado e sociedade no Brasil. Os liberais cosmopolitas creem nas virtudes da autorregulação da sociedade, atribuindo sua eventual fraqueza ao peso excessivo do Estado. Já os nacional-estatistas, ao contrário, partem da premissa de fraqueza ou inorganicidade da sociedade, que só poderia ser elevada à altura das grandes nações do mundo graças à ação de um Estado forte. Nenhuma das duas tradições é inteiramente falsa ou verdadeira, funcionando antes como repositórios periodicamente atualizados de argumentos de nossa cultura política (Lynch, 2015______________2015. Cultura política brasileira. In: Gustavo Santos e Éder Brito, Política no Brasil. São Paulo Oficina Municipal, 2015, pp. 57-83.). Quanto à interpretação de Faoro, ela pertence, de modo quase arquetípico, à tradição liberal cosmopolita (Vianna, 1999VIANNA, L. W. 1999. Weber e a interpretação do Brasil Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 53, p. 33-47.; Brandão, 2005BRANDÃO, G. M. 2005. Linhagens do pensamento político brasileiro. DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 48, no 2, pp. 231 a 269; Ferreira & Ricupero, 2005FERREIRA, G. N. & RICUPERO, B. 2005. Raimundo Faoro e as interpretações do Brasil. São Paulo, Perspectivas, 28: 37-55.)16 16 O próprio Faoro declara-se identificado com Lafaiete Rodrigues Pereira, civilista filiado ao Partido Liberal do Império que, poeta e amigo de Machado de Assis, flertava com a literatura (Costa, 2010, p. 354). . De fato, o argumento de Os Donos do Poder remonta à tradição liberal radical do Império, tendo sido extraída de panfletos protorrepublicanos como O Rei e o Partido Liberal, de Saldanha Marinho (Marinho, 1869MARINHO, J. S. 1869. O Rei e o Partido Liberal, Rio de Janeiro, Tipografia e Litografia Franco-Americana.). Como tal, apresenta as dicotomias de tal linhagem: sociedade versus Estado; modernidade versus pré-modernidade; liberalismo versus absolutismo; cultura ocidental ou europeia versus cultura oriental ou ibérica.

Passada sua utilidade como instrumento de combate da herança autoritária do regime militar, a narrativa histórica de Faoro vem recebendo, desde então, críticas por parte de historiadores como Antônio Manuel Hespanha e Marcelo Jasmin, cientistas políticos como José Murilo de Carvalho e sociólogos como Guerreiro Ramos. As críticas mais frequentes voltam-se à concepção circular do tempo latino-americano, e à hipótese de perene domínio de uma mesma elite ou estamento burocrático séculos afora. A dinâmica da narrativa histórica por ele apresentada contradiz a tese da invariabilidade. Sempre que o autor denuncia a opressão promovida pelos “donos do poder” ao longo da história, a interpretação adquire contornos anacrônicos. Faoro tende a ver, no passado, encarnações anteriores dos mesmos personagens históricos de seu próprio: assim como é o estamento burocrático de 1958/1974 que ele imagina oprimir a sociedade no século dezenove, a nação oprimida no tempo do Império é pintada como aquela de 1958/1974, com idênticos anseios liberais e democráticos. Talvez por essa razão, o famoso estamento burocrático jamais é definido por Faoro de modo satisfatório, pois, do contrário, talvez se percebesse, como depois de fato se percebeu, que ele nunca existiu enquanto tal, e que os donos do poder nunca foram os mesmos. Na própria narrativa histórica, por fim, sua hipótese da sociedade sufocada pelo estamento parece contrariada: quando o domínio deste é posto em xeque, como no começo da Regência ou durante a Primeira República, quem emerge não é nação, mas caudilhos e coronéis, igualmente abominados por Faoro17 17 Marcelo Jasmin critica a estrutura de longa duração da teoria da história de Faoro na medida em que afirmava a perpetuidade da não-variação: “Nenhuma mudança altera as linhas de força do quadro analítico. Aliás, pelo contrário (...). A dinâmica histórica envolve a contínua atualização do poder estamental – manifestação do pecado original – a qual corresponde o eterno retorno da ausência do desejado – a secessão não realizada, a modernidade” (Jasmin, 2003, p. 364). A descrição de Faoro do modo por que seria dado a transferência do suposto estamento burocrático para o Brasil foi condenada sem rebuços pelo principal historiador português contemporâneo, Antônio Manuel Hespanha: “Embora anotando uma série impressionante de argumentos anticentralistas, está completamente cego por um modelo de interpretação ‘absolutista’ e ‘explorador’ da história luso-brasileira, produzindo um texto em que toda a base empírica invocada está em contradição com as interpretações propostas” (Hespanha, 2001, p. 168). A possibilidade sociológica de um estamento burocrático dirigente já havia sido negada por Guerreiro Ramos antes mesmo da segunda edição de Os donos do poder: “É cientificamente insustentável a ideia de uma burocracia dirigente (...). Toda estratégia ao alcance da burocracia é necessariamente limitada pelas premissas e pela estrutura de poder vigente em cada sociedade global" (Ramos, 1966, p. 312). Por fim, a afirmação de Faoro de que a elite política do Segundo Reinado teria encarnado arquetipicamente o estamento burocrático foi contrariada por José Murilo de Carvalho em sua tese de doutorado: “Não se tratava de um estamento, mas de uma elite política formada em processo bastante elaborado de treinamento, a cuja formação se chegava por vários caminhos, os principais sendo alguns setores da burocracia, como a magistratura. (Carvalho, 1996, p. 137). .

A tese de uma mesma nação sistematicamente oprimida pelos mesmos donos do poder ao longo da história é tão problemática quanto aquela da inexistência de um pensamento político ou de um constitucionalismo brasileiro, sustentada em seu texto de 1992. Faoro descreve as ideias políticas como entes desencarnados, que teriam potência para organizar a realidade política de qualquer parte do mundo. Como bom liberal, ele também reduz o significado de pensamento político àquele de liberalismo, para, em seguida, sustentar que sua autenticidade dependeria da prévia existencia de uma sociedade civil madura, à maneira inglesa ou norte-americana. As exigências impostas pelo jurista gaúcho inviabilizam a de existência do liberalismo e do constitucionalismo fora das sociedades do Atlântico Norte. Uma abordagem abrangente e compreensiva da história constitucional não pode adotar semelhante perspectiva eurocêntrica e essencialista das ideias, devendo, ao contrário, concebê-las no contexto dos diferentes momentos da construção nacional das sociedades periféricas, tendo em vista os desafios e as possibilidades de ação inscritas em cada um deles.

A próxima seção se dedicará a reconsiderar criticamente, à luz do exposto nas anteriores, o que reputamos serem as três teses históricas do constitucionalismo da efetividade: primeiro, a de que haveria uma tradição constitucional brasileira, contra a qual se voltaria a doutrina da efetividade; segundo, a de que a ordem constitucional brasileira anterior à atual estaria maculada pela inefetividade; terceiro, a de que a inefetividade se originava quase de um vício moral, a “insinceridade normativa” das elites, responsáveis pela elaboração e manutenção das constituições anteriores a 1988.

5. Críticas às teses da doutrina da efetividade ao nosso passado constitucional.

A primeira tese histórica do constitucionalismo da efetividade sustenta a existência, anterior a 1988, de uma tradição contra a qual ele teria buscado se contrapor. Nem sempre, porém, fica claro o que se quer expressar com a palavra “tradição”. Se ela se referir a uma tradição de textos constitucionais, significando que cada um influencia o subsequente, a assertiva não procede: a despeito de inovações, o texto da Carta de 1988 se aproxima suficientemente daquele de sua antecessora, a de 1967-69, para se pôr em dúvida a tese da tábua rasa18 18 Ao examinar o título do Poder Executivo, por exemplo, Fernando Limongi ressalta que “os constituintes (de 1988) estiveram longe de simplesmente rejeitar toda a experiência institucional do período militar tratando-a como parte do ‘entulho autoritário’ a ser varrido. Antes o contrário. Os constituintes mantiveram as prerrogativas legislativas conferidas ao Poder Executivo pelas seguidas ‘reformas constitucionais’ do período militar. Destacam-se, entre estas, o poder de decreto e o controle sobre a elaboração do orçamento” (Limongi, 2008, p. 26). Luiz Werneck Vianna sustenta que as inovações constitucionais de 1988 teriam se dado na linha de certa “tradição republicana brasileira”, que, desde 1824, apelaria ao direito como instrumento de pedagogia cívica: “A carta de 1988 realiza uma surpreendente confirmação da tradição republicana brasileira, que, ainda nos anos 1930, recobrira duas dimensões cruciais à modernidade – o mercado político e o mercado de trabalho – com o direito, suas instituições e procedimentos, por meio da criação da Justiça Eleitoral e da Justiça do Trabalho”. Ainda: “Contínua também em seu diagnóstico cético quanto às possibilidades de as instituições da representação política, em país socialmente desigual, sem história de auto-organização e carente de sedimentação das virtudes cívicas, serem capazes de, por si só, conduzirem a sociedade em direção aos ideais de justiça social”. O constituinte, assim, inovou sem romper a tradição: “O continuar descontinuando da Carta de 1988 se expressa na operação que faz do direito a sua principal referencia ético-pedagógica” (Vianna, 2002, pp. 98-101). . Caso a referência seja a uma “tradição” brasileira de pensamento constitucional, a afirmativa também não parece acertada. Conforme notado por Maurizio Fioravanti, “nunca existiu um constitucionalismo, mas várias doutrinas da Constituição, com a intenção, sempre recorrente, de representar no plano teórico da existência, ou a necessidade de uma constituição, de um ordenamento geral da sociedade e de seus poderes” (Fioravanti, 2001FIORAVANTI, M. 2001. Constitución: de la Antigüedad a nuestros días. Tradução de Manuel Martínez Neira. Madrid, Editorial Trotta., p. 12). O mesmo pode ser dito do Brasil. O estudo acurado da história de seu constitucionalismo até 1964 revela pelo menos três diferentes tradições: a conservadora, a que podem ser filiados o Marquês de Caravelas e o de São Vicente, bem como o Visconde de Uruguai (e, mais recentemente, um Manoel Gonçalves Ferreira Filho), preocupada em conciliar a liberdade individual com as prerrogativas do Estado; a liberal, na qual podem ser enquadrados juristas como Rui Barbosa, Pedro Lessa e Afonso Arinos (e, dir-se-ia, os próprios Raimundo Faoro e Luís Roberto Barroso), que privilegia a liberdade individual e das minorias contra o arbítrio do Estado ditatorial ou oligárquico; a nacionalista, da qual foram no passado expoentes Alberto Torres e Oliveira Viana (e hoje o seria, por exemplo, Gilberto Bercovici), garantidora da nacionalidade e dos diretos sociais contra os riscos da desagregação e do imperialismo.

Por outro lado, se, por “tradição” anterior, o constitucionalismo da efetividade entende a de uma sistemática despreocupação com o problema da inefetividade, a proposição também merece reservas. Rui Barbosa, com sua interpretação extensiva do habeas corpus, já se preocupava com a disponibilidade de ações processuais capazes de fazer valerem os direitos constitucionais. Também obcecado com a questão, Alberto Torres já recomendava, em A organização nacional, que “tudo quanto está escrito na Constituição, e tudo quanto se deduz do que está escrito, deve ser cumprido, executado, posto em prática (...). Quando assim, a Constituição diz que garante aos habitantes da República os direitos de liberdade, de propriedade e de segurança, quer significar não somente que proclamará e desenvolverá em leis esses direitos, como que os fará observar, respeitar, reintegrar, ou reparar, quando lesados” (Torres, 1982TORRES, A. 1978 [1914]. A organização nacional. Brasília, UnB. [1914], p. 81). E foi o primeiro a propor a criação do mandado de segurança como instrumento de garantia de direito líquido e certo do cidadão contra violações da autoridade pública. Do ponto de vista da inefetividade como fenômeno político e social, Oliveira Vianna afirmou, ao tratar do idealismo da Constituição, que este levava nossa classe dirigente, com seu complexo de inferioridade, a copiar dos países cêntricos modelos constitucionais, os quais acabavam, sempre, inefetivos (Vianna, 1924; 1974____________1974. Instituições políticas brasileiras. Rio de Janeiro, Record.). Outros exemplos poderiam ser citados.

Quanto à segunda tese histórica da doutrina da efetividade, ela enuncia a inefetividade das ordens constitucionais anteriores para reivindicar que, antes de 1988, não haveria uma história constitucional, mas uma “pré-história constitucional”. Esta tese não parece formulada de forma adequada, cumprindo, antes de tudo, relativizar a generalidade do fenômeno da inefetividade. Todas, ou quase todas, as instituições políticas e os institutos jurídicos previstos em nossas constituições - com a provável exceção da constituição de 1937 - existiram: imperador, câmaras, conselhos, presidência da República, governos provinciais, governos estaduais, estado de sítio, habeas corpus, polícia, juízes e tribunais, liberdade de locomoção, direito de propriedade, liberdade de imprensa etc. Ninguém ousaria, é claro, afirmar que, por exemplo, o acesso à justiça fosse generalizado ou equivalente aos padrões de hoje. Mas o exame da efetividade no passado não pode ser orientado pelos critérios das democracias contemporâneas; deve se guiar pelos critérios das sociedades oligárquicas da América Latina daquele tempo. Assim, a experiência e a observação indicam que não há ordem constitucional inefetiva; existem dispositivos constitucionais mais ou menos efetivos. Além disso, se nossas constituições não foram todas inefetivas, nem igualmente inefetivas, também é equivocado supor uma situação de completa efetividade constitucional. A Constituição de 1988, como reconhece o próprio Luís Roberto Barroso, não é exemplo de efetividade plena.

O que se verifica é a existência de graus diversos de efetividade, tanto no Brasil quanto no exterior – ao contrário do que Faoro dava a entender, o fenômeno da inefetividade não era nem é privativo da América Ibérica. Na década de 1950, o próprio Karl Loewenstein lamentava a inefetividade de que padecia o constitucionalismo na França, na Itália, na Bélgica, na Alemanha e nos Estados Unidos. Na França, a proibição da delegação legislativa pela Constituição de 1946 era ignorada; na Itália, o governo continuava a aplicar disposições declaradas nulas pelo Tribunal Constitucional, e não cumpria determinação constitucional de dividir seu território em regiões; na Bélgica, a proibição da participação do país em organismos internacionais não a impedia de integrar a Liga das Nações e a Organização das Nações Unidas; embora imposta pela constituição, jamais se procedera à regulamentação do art. 48 da Constituição de Weimar; já na vigência da Lei Fundamental de 1949, era igualmente inconstitucional a adesão da Alemanha à Comunidade Europeia de Defesa, o que implicava o estabelecimento de um novo exército (Loewenstein, 1960, pp. 224-226). Nem é preciso ir tão longe: Afonso Arinos, em 1960, afirmava que a primeira emenda da constituição norte-americana era letra morta para os afro-americanos (Franco, 1960FRANCO, A. A. de M. 1960. Formação constitucional do Brasil. Rio de Janeiro, Forense., p. 238), em época em que a luta pelos direitos civis ainda não havia produzido seus frutos.

A terceira tese da doutrina da efetividade sobre nosso passado constitucional se refere à causa apontada de sua inefetividade: a “insinceridade normativa” das elites a respeito do cumprimento das promessas constitucionais. Encantada por tal ângulo, a questão parece depender apenas de caráter e vontade política: ser bom, honesto e sincero, e desejar cumprir a constituição; ser mau, desonesto e insincero, descumprindo-a, no espírito ou letra.19 19 Luís Roberto Barroso anota o seguinte: "Por mais de uma razão, determinada disposição constitucional deixa de ser cumprida. Em certos casos, ela se apresenta desde o primeiro momento como irrealizável. De outras vezes, o próprio poder constituído impede sua concretização, por contrariar-lhe o interesse político. E, ainda, um preceito constitucional frustra-se em sua realização por obstáculos opostos por injunções de interesses de segmentos econômica e politicamente influentes." BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas: limites e possibilidades da constituição brasileira. 3a ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. p. 59. Vê-se, então, que, embora as constituições possam ser inefetivas por vários motivos, a insinceridade normativa tem motivo específico: a contrariedade ao interesse do poder constituído e/ou de segmentos econômica e politicamente influentes. Mas, assim como as generalizações de Faoro, esta também é de difícil verificação empírica. Do ponto de vista histórico, tais promessas provavelmente não eram tão claras para os intérpretes do passado quanto hoje podem parecer. A hipótese tem seu quê de anacrônico, na medida em que, desconsiderando, de um lado, o campo de experiências, e de outro, o horizonte de expectativas (Koselleck, 2006KOSELLECK, R. 2006. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, Editora Puc-RJ.) daquelas elites, atribui a conceitos como liberdade e democracia, presentes em 1824, 1891, e, mesmo, em 1933, significados que ainda não possuíam nem poderiam possuir.

Do ponto de vista hermenêutico, há complicador adicional. A hipótese da insinceridade normativa pressupõe a existência de uma única interpretação constitucional legítima da constituição: aquela que é impedida pelas elites. Entretanto, textos jurídicos - e textos constitucionais ainda mais - raramente gozam de consenso hermenêutico. Há sempre disputas, motivadas por diferentes interesses e valores, em torno do significado de seus dispositivos. Por esse motivo, liberais e conservadores sempre interpretaram diversamente instituições e institutos nevrálgicos das constituições de 1824 e 1891, como poder moderador, fusão de câmaras, conselho de Estado etc. Mas os textos constitucionais, em si, não eram nem liberais ou conservadores; o caldo de cultura jurídico-política que os produzira admitia legitimamente as duas interpretações.

Não é fácil identificar os motivos que levam a doutrina brasileira da efetividade a alimentar a ideia de que, no passado, nossas constituições liberais teriam comportado uma única interpretação legítima, sempre sabotada pelas nossas elites. Ela pode decorrer da filiação do atual constitucionalismo da efetividade à tradição liberal de que Rui Barbosa foi o mestre. O jurista baiano sempre apresentou a interpretação conservadora e oligárquica de Campos Sales da Carta de 1891 como inconstitucional, porque negadora das promessas liberais e democráticas de que ela, ao seu juízo, seria portadora (Lynch, 2010LYNCH, C. E. C. 2010. Entre o Liberalismo Monárquico e o Conservadorismo Republicano: a democracia impossível de Rui Barbosa. Revista da Escola de Magistratura Regional Federal, volume especial, p. 39‐65;).

O pressuposto da única interpretação legitima pode também ser consequência da forma por que se recepcionou, no Brasil, a doutrina de Hesse. Enquanto o doutrinador alemão reconhecia o caráter ficcional da força normativa da Constituição, prevaleceu, entre nós, a versão de que “a Constituição tem uma existência própria, autônoma, embora relativa” (Barroso, 2008_________________ 2008. A Nova Interpretação Constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3ª. Edição. Rio de Janeiro, Renovar., p. 256). A sugestão de que a força normativa seria intrínseca ao texto - e não dependente, em alguma medida, dos valores do intérprete – generalizou a ideia de que a constituição teria vontade própria. Ter-se-ia uma espécie de hipostasia constitucional. Esta pode ser a razão pela qual, em sua versão mais singela, a doutrina da efetividade pode haver sido apreendida como simples técnica de cognição da “força normativa”. É verdade que, em sua versão mais sofisticada, costuma-se apelar à vontade do constituinte de 1988 como fonte daquela força. Contudo, raramente se recorre a reconstruções históricas. O apelo é a teorias da argumentação do tipo jurídico-moral, extraídas da teoria e da filosofia do direito de autores estadunidenses, alemães, espanhóis, portugueses e italianos, a maior parte das quais veio a lume depois de 1988.

Não se trata, é claro, de negar a maior incidência da inefetividade entre nós, em comparação aos países vistos como modelos de “bom” constitucionalismo. O que é preciso é levar em conta o modo por que a condição periférica do Brasil modelou a mentalidade de nossas elites jurídicas quando se tratava de manipular a caixa de utensílios do direito constitucional. Conforme notado por Guerreiro Ramos, na Inglaterra e na França, a sociedade modificou suas instituições em sentido liberal na medida em que se destruía a cultura autoritária e aristocrática do Antigo Regime. O constitucionalismo pôde acompanhar pari passu as mudanças sociais e econômicas decorrentes da modernização, organizando instituições políticas e garantindo direitos. Esse procedimento foi impossível nos países ibero-americanos, onde o direito constitucional foi encarado, acima de tudo, como instrumento da modernização ausente, e destinado a introduzir em suas sociedades atrasadas os padrões de comportamento dos países desenvolvidos.

Os três poderes, nas velhas nações, foram primeiramente uma realidade, costumes coletivamente consagrados e, depois, uma teoria formal e sistemática, elaborada e discutia por autores. No Brasil, por força da particularidade de sua formação histórica, observa-se o inverso desse processo. Não caminhamos do costume para a teoria; do vivido, concreta e materialmente, para o esquema formal. É o inverso que se dá; caminhamos, até agora, no tocante à construção nacional, do teórico para o consuetudinário, do formal para o concretamente vivido. O formalismo é, nas circunstâncias típicas e regulares que caracterizam a história do Brasil, uma estratégia de construção nacional (Ramos, 1966RAMOS, A. G. 1966. Administração Pública e Estratégia do Desenvolvimento. Rio de Janeiro, FGV., pp. 389-390).

No momento de se organizar o Brasil como nação independente, as elites políticas e jurídicas se viram na contingência de adotar governo representativo garantidor de direitos individuais para inseri-lo na ordem global. Daí a insistência na transplantação de instituições ao longo de nossa história constitucional. Antes que houvesse substancias políticas e sociais modernas, o constitucionalismo se destinava a criar as formas jurídicas que deveriam introduzi-las entre nós. Porém, uma dinâmica complexa resultou da necessidade de combinar este imperativo com outro, que as obrigava a governar conforme o estado de pobreza, analfabetismo, fragmentação e ruralismo de sua sociedade periférica de formação colonial20 20 Por isso mesmo, até a Carta de 1824 foi vista, por Arinos, como “grande código político, um os maiores produzidos pela ciência e experiência políticas do século XIX (...). Não poderia deixar de ser uma grande lei, aquela que, vencendo óbices e dificuldades sem conta, propiciou a consolidação da Independência e da unidade nacionais, e tornou possível, durante 65 anos, o desenvolvimento geralmente pacífico do Império brasileiro, oásis de ordem, equilíbrio e relativa civilização, em comparação com o drama circundante da anarquia sul-americana” (Franco, 1960, p. 88). . Do contraste entre modernas constituições e realidades mais atrasadas do que elas supunham na França, na Inglaterra ou nos Estados Unidos, era previsível que as possibilidades de efetivação das promessas constitucionais ficassem limitadas. Contudo, é preciso levar em conta que, embora certas constituições não obtenham efetividade integral, nem por isso elas deixam de orientar globalmente a realidade à qual se destinam. Por esse motivo, a organização constitucional liberal, ainda que aplicada seletivamente, foi benéfica. O domínio autocrático ou oligárquico nunca foi tão completo que não facultasse, aos excluídos, a possibilidade de burlá-lo pela invocação dos mecanismos constitucionais; da mesma forma, estes sempre forneceram ao próprio establishment as diretrizes de sua autorreforma.

Por esses motivos, o descompasso entre o país constitucional e o real, que produzia inefetividade constitucional superior à das constituições europeias, não resultou, em grande parte, da falta de vontade de suas elites. Ele era inevitável nas condições em que surgiram países ibero-americanos como o Brasil. Muitos dos constituintes de 1823/24, 1890/91 e 1933/34 sabiam que certos dispositivos normativos, então consagrados, seriam de difícil efetividade no curto prazo. Apostavam no futuro. Em longo prazo, a intuição se revelou verdadeira. Esta foi a tendência de nossa história constitucional: maiores níveis de efetividade à medida que o país atingia patamares superiores de desenvolvimento, depois de 1934 e, principalmente, da década de 1970, de acelerada modernização e urbanização. O constitucionalismo da efetividade não trabalhou no vácuo; encontrou terreno histórico propício para frutificar.

Conclusão

O objetivo do artigo não foi discutir o mérito da doutrina da efetividade, mas questionar suas teses sobre história constitucional brasileira. Afirmou-se que, na Europa, a distância temporal com a promulgação das constituições fez com que o neoconstitucionalismo, lá, valha-se da história como técnica de atualização constitucional. Aqui, dada a maior proximidade com a data da promulgação, a história não tem sido vista como instrumento hermenêutico tão útil. Quando se afirmou, o constitucionalismo brasileiro da efetividade encontrava-se relativamente próximo do período autoritário. Disso resultou que, ao contrário do europeu, o neoconstitucionalismo brasileiro reste orientado por certa concepção progressista de história. Pela mão de Faoro, ele repetiu Sieyès: condenar o passado de injustiças para louvar uma ordem jurídica nova. Superar o passado é condição para o futuro. Isso se vê, de modo quase literal, quando Barroso afirma que o papel do juiz constitucional no Brasil é o de “empurrar a história”; e, significativamente, quando sugere que a jurisdição constitucional brasileira exerce, hoje, “papel iluminista” (Barroso, 2015_________________ 2015. A razão sem voto: o Supremo Tribunal Federal e o governo da maioria. Revista Brasileira de Políticas Públicas, volume 5. Brasília, UNICEUB., pp. 25 e 42). É o que explica, em boa parte, a dimensão essencialmente filosófica e anti-histórica assumida pelo neoconstitucionalismo brasileiro.

É o caso de se indagar se, quase trinta anos depois de promulgada a constituição, já não estaria na hora de rever o ponto. Para tanto, buscou-se demonstrar que houve alguma efetividade constitucional no passado. Da mesma forma, não houve, em 1988, tábua rasa com as tradições anteriores, digam elas respeito ao constitucionalismo dos textos ou dos pensamentos que os orientaram.

A Constituição de 1988, para ser bem compreendida, pode e deve ser estudada também à luz de suas antecessoras, sem que isso implique, decerto, nenhuma interpretação retrospectiva.21 21 Sobre a interpretação retrospectiva, leia-se o comentário de José Carlos Barbosa Moreira: "Põe-se ênfase nas semelhanças, corre-se um véu sobre as diferenças e conclui-se que, à luz daquelas, e a despeito destas, a disciplina da matéria, afinal de contas, mudou pouco, se é que na verdade mudou. É um tipo de interpretação (...) em que o olhar do intérprete dirige-se antes ao passado que ao presente, e a imagem que ele capta é menos a representação da realidade que uma sombra fantasmagórica” (“O Poder Judiciário e a efetividade da nova Constituição”, Revista Forense 304:151, 1988, p. 152). Há, na atual constituição, comandos herdados de constituições anteriores, e que, naturalmente, já foram interpretados no passado. Tais interpretações merecem ser recuperadas e compreendidas. Seu caráter autoritário, oligárquico ou elitista não condena seu estudo. A função científica da história constitucional não é a de ser exemplar ou não-exemplar; é a de mostrar a mutabilidade da noção de constituição; é a de estudar sua relação com o desenvolvimento social e político das sociedades. O papel científico de uma história constitucional brasileira, em especial, deve ser o de revelar como se desenvolve o constitucionalismo num país periférico, orientado obsessivamente pela modernização. A democracia constitucional de 1988 não nasceu ex novo da constituinte, como Minerva da cabeça de Júpiter . Se a democracia é processo sempre inacabado, a história é seu natural reflexo. Para compreender tais questões, e, antes disso, para exercer um neoconstitucionalismo pleno, é preciso mergulhar na história constitucional brasileira, conhecer seus textos, seus comentadores, seus debates. Daí a pergunta de encerramento, com o quê dos clichês bem-intencionados: por que não uma história constitucional para valer?

  • 1
    Trata-se da coletânea Neoconstitucionalismo(s), organizada por Miguel Carbonell em 2003. Em 2007, o mesmo autor haveria de elaborar livro específico a respeito do tema (uma "teoria geral" do neoconstitucionalismo).
  • 2
    “Enquanto as disciplinas dogmáticas visam a criar certezas acerca do direito vigente, a missão da história do direito é antes a de problematizar o pressuposto implícito e acrítico das disciplinas dogmáticas, ou seja, o de que o direito dos nossos dias é o racional, o necessário, o definitivo” (Hespanha, 2005, p. 21).
  • 3
    Sobre a ascensão do direito constitucional no Brasil, v. Luís Roberto Barroso. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). In: Revista de Direito Administrativo, vol. 240, pp. 1-42.
  • 4
    Entre as histórias constitucionais elaboradas sob o signo do positivismo, podem ser lembradas: A Constituinte perante a História (1861), do Barão Homem de Melo; a Reforma da Constituição (1880), de Franco de Sá; a História Constitucional dos Estados Unidos do Brasil (1894), de Felisbelo Freire; a História Constitucional do Brasil (1916), de Aurelino Leal; Formação Constitucional do Brasil (1914), de Agenor de Roure; A Constituinte Republicana (1918-1920), também de Roure. A despeito da instabilidade posterior à Revolução de 1930, foram produzidas pelo menos duas grandes obras com aquele nome: a História do Direito Constitucional Brasileiro (1954), de Waldemar Ferreira; e Formação Constitucional do Brasil (1960), de Afonso Arinos de Mello Franco.
  • 5
    Está-se, aqui, assumindo que o neoconstitucionalismo brasileiro equivale, funcionalmente, à doutrina da efetividade. A rigor, como o próprio Luís Roberto Barroso observa, o constitucionalismo da efetividade propiciou o neoconstitucionalismo brasileiro, mas com ele exatamente não se confunde. Sobre o ponto, v. nota de rodapé n. 9, infra.
  • 6
    “O direito busca fórmulas transformadoras com que alterar o status quo que fossiliza o país no imobilismo das correntes conservadoras, no estatuto político das oligarquias, no privilégio das camadas dominantes. Estas sempre refratárias ao progresso e à mudança fizeram da Constituição o ornamento do poder, a vaidade institucional, o texto luxuosamente encadernado e esquecido nas estantes da oligarquia, a lei com que nunca os chefes presidenciais efetivamente governaram o país nem a sociedade conscientemente conviveu” (Bonavides & Andrade, 1991BONAVIDES, P.; & ANDRADE, P. 1991. História Constitucional do Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra., p. 12).
  • 7
    A despeito de divergências acerca do que se entenda por “neoconstitucionalismo”, não há como separar Luís Roberto Barroso, pela posição eminente por ele ocupada, do movimento de renovação do constitucionalismo brasileiro associado à expressão. A questão está em definir o alcance e as características de um conceito como “neoconstitucionalismo”. Podem ser considerados “neoconstitucionalistas” autores como Konrad Hesse e José Joaquim Gomes Canotilho, que produziram suas obras a partir da experiência das constituições alemã de 1949 e portuguesa de 1976, referenciados fartamente por Barroso? Se podem, também o poderia o próprio Barroso, já que a definição de “neoconstitucionalismo” seria ampla o suficiente para enquadrar todos nos movimentos de renovação dos métodos da área desde a segunda guerra. Além disso, se o problema é a palavra “neoconstitucionalismo”, há outros “neoconstitucionalistas” que se valem de outras expressões, como Luís Pietro Sanchís (que se refere apenas o “constitucionalismo” em oposição a “positivismo”) e Gustavo Zagrebelsky (que opõe o atual “estado constitucional” ao “estado de direito”). Por esse ângulo, Barroso pode ser enquadrado com o principal representante do “neoconstitucionalismo brasileiro”.
  • 8
    A admiração de Barroso por Faoro é assumida. Na dedicatória ao exemplar adquirido por Faoro de O direito constitucional e a efetividade de suas normas, em 1986, o autor o saudava como “a figura marcante da minha geração universitária e da história recente do Brasil”. O exemplar acha-se disponível na biblioteca da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro (instituição à qual Luís Roberto Barroso, assim como Faoro, pertenceu por anos, e, aliás, possui sala de leitura chamada Raimundo Faoro). O texto O começo da história, de que foi extraida a extensa citação da seção anterior, é também dedicada a Faoro, “pelo papel que desempenhou na transição democrática brasileira. No particular, por ter ajudado a evitar que estudantes da UERJ sofressem violências no Departamento de Polícia Política e Social – DPPS, no final da década de 70”. Mais recentemente, Barroso reafirmou sua visão do Brasil, tributária de Faoro: "Sou totalmente convertido à livre iniciativa há muitos anos. Acho que o Brasil tinha três grandes problemas e ainda tem dois. O primeiro grande problema, eu diria, é o patrimonialismo. Essa herança ibérica que nós temos, em que Portugal não separava adequadamente a fazenda do Rei da fazenda do Reino, e havia uma certa mistura entre o que era particular e o que era público. O Brasil foi colonizado numa cultura em que o Rei era, de certa forma, sócio dos aventureiros que vinham para fazer fortuna. A segunda característica brasileira, que tem raízes profundas, é um certo oficialismo, as pessoas dependem do Estado, precisam do Estado, querem um Estado. E o Estado gosta desse papel” O Impeachment é um momento de abalo político, diz Luís Roberto Barroso. Entrevista a Matheus Leitão, G1. Acessível em: <<http://g1.globo.com/politica/blog/matheus-leitao/post/o-impeachment-e-um-momento-de-abalo-politico-diz-luis-roberto-barroso.html>>. Acesso em: 4 de abril de 2016.
  • 9
    “A modernidade compromete, no seu processo, toda a sociedade, ampliando o raio de ação de todas as classes, revitalizando e removendo seus papéis sociais, enquanto a modernização, pelo seu toque voluntário, se não voluntarista, chega à sociedade por meio de um grupo condutor que, privilegiando-se, privilegia os setores dominantes. Na modernização não se segue o trilho da ‘lei natural’, mas se procura moldar, sobre o país, pela ideologia ou pela coação, uma certa política de mudança. (...). Na modernidade, a elite, o estamento, as classes – dizemos, para simplificar, as classes dirigentes – coordenam e organizam um movimento. Não o dirigem, conduzem ou promovem, como na modernização” (Faoro, 1996, p. 99).
  • 10
    “Essas coisas recorrentes, essas viagens redondas, esse mundo cíclico só existe na Ibero-América. Eu creio que o tempo lá (na Europa) é dialético; quero dizer, parece-me que foi muito importante, nessa transformação, a herança liberal de cada país (...). Em todo o caso, a recorrência é coisa ibero-americana. Nunca se volta quando o tempo é dialético, nunca se volta à iniquidade anterior” (Faoro, 2008, p. 159).
  • 11
    É representativa da proximidade entre Faoro e Luís Roberto Barroso a circunstância de que último este haja utilizado a metáfora faoriana da viagem redonda num texto sobre a admissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos. V. BARROSO, Luís Roberto. A viagem redonda: habeas data, direitos constitucionais e as provas ilícitas. In: Revista de Direito Administrativo, vol. 213, jul-set 1998.
  • 12
    A classificação de Loewenstein indica a existência de três tipos ideais de constituições. A primeira seria a normativa, caracterizada pela “concordância das normas constitucionais com a realidade do processo do poder”. O regime de efetividade restaria caracterizado pela observância leal de todos os interessados. A constituição “nominal”, por sua vez, seria marcada por sua vigência, mas inefetividade. “Se a dinâmica do processo político não se adapta às suas normas; a constituição carece de realidade existencial”. Haveria uma disparidade entre as ambições do texto e as condições sociais e econômicas, levando a crer que sua adoção teria sido prematura. “A função primária da constituição nominal é educativa; seu objetivo é, em um futuro mais ou menos distante, converter-se em uma constituição normativa e determinar realmente a dinâmica do processo do poder em lugar de estar submetida a ela”. O último tipo de constituição era a “semântica” que, ainda que efetiva, ao invés de limitar o poder, apenas formalizava a “situação existente do poder político em benefício exclusivo dos detentores do poder fático, que dispõem do aparato coativo do Estado” (Loewenstein, 1970, pp. 217-218).
  • 13
    Mas, se se trata de avaliar os méritos da doutrina da efetividade, é de se ver que nenhuma outra teoria jurídica esteve na base de tantas e tamanhas transformações na realidade brasileira.
  • 14
    “A teoria é a expressão puramente cognoscitiva que o homem assume perante uma certa realidade e é, portanto, constituída por um conjunto de juízos de fato, que têm a única finalidade de informar os outros acerca de tal realidade. A ideologia, em vez disso, é a expressão do comportamento avaliativo que o homem assume face a uma realidade, consistindo num conjunto de juízos de valores relativos a tal realidade, juízos estes fundamentados no sistema de valores acolhidos por aquele que o formula, e que têm por escopo de influírem sobre tal realidade. A propósito de uma teoria, dizemos ser verdadeira ou falsa (segundo seus enunciados correspondam ou não à realidade). Não faz sentido, ao contrário, apregoar a verdade ou a falsidade de uma ideologia, dado que isto não descreveria a realidade, mas sobre ela influiria. Diremos, em vez disso, que uma ideologia é do tipo conservador ou progressista, segundo avalie positivamente a realidade atual e se proponha influir sobre ela, para conservá-la, ou que a avalie negativamente, destarte se propondo a influir sobre ela, para muda-la” (Bobbio, 1995BOBBIO, N. 1995. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo, Ícone., p. 223).
  • 15
    As interpretações do Brasil mais célebres produzidas desde 1930 foram provavelmente Casa Grande e Senzala (1933), de Gilberto Freire; Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda; Formação do Brasil Contemporâneo (1940), de Caio Prado Jr.; Coronelismo, Enxada e Voto, de Victor Nunes Leal (1948); Instituições Políticas Brasileiras, de Oliveira Viana (1949); e Formação Econômica do Brasil, de Celso Furtado (1958). A despeito de sua primeira edição datar de 1958, Os Donos do Poder só emerge como clássico quinze anos depois, quando, em pleno regime militar, veio a lume a segunda edição, revista e ampliada.
  • 16
    O próprio Faoro declara-se identificado com Lafaiete Rodrigues Pereira, civilista filiado ao Partido Liberal do Império que, poeta e amigo de Machado de Assis, flertava com a literatura (Costa, 2010COSTA, J. M. 2010. Raymundo Faoro: o advogado como “líder da comunidade” e “transmissor da cultura”. In: Carlos Guilherme Mota; Natasha Schmitt Caccia Salinas (Coord). Os juristas na formação do Estado-Nação brasileiro (de 1930 aos dias atuais). São Paulo, Saraiva., p. 354).
  • 17
    Marcelo Jasmin critica a estrutura de longa duração da teoria da história de Faoro na medida em que afirmava a perpetuidade da não-variação: “Nenhuma mudança altera as linhas de força do quadro analítico. Aliás, pelo contrário (...). A dinâmica histórica envolve a contínua atualização do poder estamental – manifestação do pecado original – a qual corresponde o eterno retorno da ausência do desejado – a secessão não realizada, a modernidade” (Jasmin, 2003JASMIN, M. 2003. A Viagem Redonda de Raymundo Faoro em Os Donos do Poder. In: João Cezar de Castro Rocha. Nenhum Brasil Existe – pequena enciclopédia. Rio, Topbooks., p. 364). A descrição de Faoro do modo por que seria dado a transferência do suposto estamento burocrático para o Brasil foi condenada sem rebuços pelo principal historiador português contemporâneo, Antônio Manuel Hespanha: “Embora anotando uma série impressionante de argumentos anticentralistas, está completamente cego por um modelo de interpretação ‘absolutista’ e ‘explorador’ da história luso-brasileira, produzindo um texto em que toda a base empírica invocada está em contradição com as interpretações propostas” (Hespanha, 2001HESPANHA, A. M. 2001. A Constituição do Império Português. Revisão de alguns enviesamentos correntes. In: João Fragoso, Maria Fernanda Bicalho e Maria de Fátima Gouvêa (org). O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira., p. 168). A possibilidade sociológica de um estamento burocrático dirigente já havia sido negada por Guerreiro Ramos antes mesmo da segunda edição de Os donos do poder: “É cientificamente insustentável a ideia de uma burocracia dirigente (...). Toda estratégia ao alcance da burocracia é necessariamente limitada pelas premissas e pela estrutura de poder vigente em cada sociedade global" (Ramos, 1966RAMOS, A. G. 1966. Administração Pública e Estratégia do Desenvolvimento. Rio de Janeiro, FGV., p. 312). Por fim, a afirmação de Faoro de que a elite política do Segundo Reinado teria encarnado arquetipicamente o estamento burocrático foi contrariada por José Murilo de Carvalho em sua tese de doutorado: “Não se tratava de um estamento, mas de uma elite política formada em processo bastante elaborado de treinamento, a cuja formação se chegava por vários caminhos, os principais sendo alguns setores da burocracia, como a magistratura. (Carvalho, 1996CARVALHO, J. M. 1996. A construção da ordem: a elite política imperial; Teatro de sombras: a política imperial. 2ª. Edição, revista. Rio de Janeiro, Editora da UFRJ/Relume Dumará., p. 137).
  • 18
    Ao examinar o título do Poder Executivo, por exemplo, Fernando Limongi ressalta que “os constituintes (de 1988) estiveram longe de simplesmente rejeitar toda a experiência institucional do período militar tratando-a como parte do ‘entulho autoritário’ a ser varrido. Antes o contrário. Os constituintes mantiveram as prerrogativas legislativas conferidas ao Poder Executivo pelas seguidas ‘reformas constitucionais’ do período militar. Destacam-se, entre estas, o poder de decreto e o controle sobre a elaboração do orçamento” (Limongi, 2008LIMONGI, F. 2008. O Poder Executivo na Constituição de 1988. In: Ruben George Oliven, Marcelo Ridenti, Gildo Marçal Brandão. (Org.). A Constituição de 1988 na vida brasileira. 1ed.São Paulo: Editora Hucitec, 2008, v. 1, p. 23-56., p. 26). Luiz Werneck Vianna sustenta que as inovações constitucionais de 1988 teriam se dado na linha de certa “tradição republicana brasileira”, que, desde 1824, apelaria ao direito como instrumento de pedagogia cívica: “A carta de 1988 realiza uma surpreendente confirmação da tradição republicana brasileira, que, ainda nos anos 1930, recobrira duas dimensões cruciais à modernidade – o mercado político e o mercado de trabalho – com o direito, suas instituições e procedimentos, por meio da criação da Justiça Eleitoral e da Justiça do Trabalho”. Ainda: “Contínua também em seu diagnóstico cético quanto às possibilidades de as instituições da representação política, em país socialmente desigual, sem história de auto-organização e carente de sedimentação das virtudes cívicas, serem capazes de, por si só, conduzirem a sociedade em direção aos ideais de justiça social”. O constituinte, assim, inovou sem romper a tradição: “O continuar descontinuando da Carta de 1988 se expressa na operação que faz do direito a sua principal referencia ético-pedagógica” (Vianna, 2002, pp. 98-101).
  • 19
    Luís Roberto Barroso anota o seguinte: "Por mais de uma razão, determinada disposição constitucional deixa de ser cumprida. Em certos casos, ela se apresenta desde o primeiro momento como irrealizável. De outras vezes, o próprio poder constituído impede sua concretização, por contrariar-lhe o interesse político. E, ainda, um preceito constitucional frustra-se em sua realização por obstáculos opostos por injunções de interesses de segmentos econômica e politicamente influentes." BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas: limites e possibilidades da constituição brasileira. 3a ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. p. 59. Vê-se, então, que, embora as constituições possam ser inefetivas por vários motivos, a insinceridade normativa tem motivo específico: a contrariedade ao interesse do poder constituído e/ou de segmentos econômica e politicamente influentes.
  • 20
    Por isso mesmo, até a Carta de 1824 foi vista, por Arinos, como “grande código político, um os maiores produzidos pela ciência e experiência políticas do século XIX (...). Não poderia deixar de ser uma grande lei, aquela que, vencendo óbices e dificuldades sem conta, propiciou a consolidação da Independência e da unidade nacionais, e tornou possível, durante 65 anos, o desenvolvimento geralmente pacífico do Império brasileiro, oásis de ordem, equilíbrio e relativa civilização, em comparação com o drama circundante da anarquia sul-americana” (Franco, 1960FRANCO, A. A. de M. 1960. Formação constitucional do Brasil. Rio de Janeiro, Forense., p. 88).
  • 21
    Sobre a interpretação retrospectiva, leia-se o comentário de José Carlos Barbosa MoreiraMOREIRA, J. C. B. 1988. O Poder Judiciário e a efetividade da nova Constituição. Revista Forense 304: 1512.: "Põe-se ênfase nas semelhanças, corre-se um véu sobre as diferenças e conclui-se que, à luz daquelas, e a despeito destas, a disciplina da matéria, afinal de contas, mudou pouco, se é que na verdade mudou. É um tipo de interpretação (...) em que o olhar do intérprete dirige-se antes ao passado que ao presente, e a imagem que ele capta é menos a representação da realidade que uma sombra fantasmagórica” (“O Poder Judiciário e a efetividade da nova Constituição”, Revista Forense 304:151, 1988, p. 152).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    19 Set 2016
  • Aceito
    24 Mar 2017
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