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Quando a corte se divide: coalizões majoritárias mínimas no Supremo Tribunal Federal

Resumo

O objetivo do artigo é discutir o comportamento decisório no Supremo Tribunal Federal (STF) no controle de constitucionalidade das leis, analisando a dinâmica de funcionamento do colegiado quando “cada voto conta”, ou seja, em casos decididos de forma apertada, por margem de 1 ou 2 votos. Realizamos, para isso, um estudo exploratório com base nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) julgadas pelo colegiado do STF entre 1988-2014, buscando responder: i) com que frequência e em que situações o tribunal ficou dividido nos julgamentos de ADIs? ii) como os ministros se compuseram para votar nessas ações, mapeando a constituição e a fluidez das coalizões majoritárias mínimas, e iii) como se deu o processo deliberativo nesses casos? Respondemos a essas questões descritivas, reunindo elementos empíricos para discutir os determinantes das coalizões majoritárias mínimas, e melhor compreender o comportamento decisório do Supremo, no sentido de dialogar com argumentos que entendem o processo decisório dessa corte como personalista, questionando sua capacidade de deliberação colegiada – o que traria problemas de legitimidade democrática para a instituição. Concluímos que o Supremo foi bastante consensual no período analisado, ficando “dividido” em apenas 3% do total de decisões colegiadas. Em termos da composição de votação, houve bastante fluidez na corte, mas apesar dessa fluidez, identificamos fatores que tornam a constituição de coalizões mais previsíveis, como a combinação do tema em julgamento e a trajetória de carreira pregressa dos ministros, havendo indícios de que ministros oriundos da magistratura têm maior probabilidade de votar em conjunto do que dividir seus votos. Verificamos, ainda, que o processo deliberativo no tribunal se deu com intensa troca de argumentos, mudança de direção de votos e debates. A principal contribuição do artigo é, portanto, a relativização das teses do personalismo decisório, apresentando evidências da centralidade do colegiado no processo deliberativo e na construção das decisões do STF.

Palavras-chave:
Supremo Tribunal Federal; Processo decisório; Coalizões majoritárias mínimas

Abstract

The aim of this article is to examine the decision-making behavior in Brazil’s Supreme Court (STF) judicial review cases, analyzing the dynamics of the collegial body in situations where "every vote counts", i.e., in cases that divided the court being decided by a margin of 1 or 2 votes. To do so, we conducted an exploratory study analyzing judicial review cases (ADIs) decided by the Supreme Court from 1988 to 2014, seeking to answer: i) how often and in which situations the court was divided in ADIs trials? ii) how compositions were formed, mapping the constitution and the fluidity of the minimum winning coalitions, and iii) how did its deliberative process flow? We answered to these descriptive questions, gathering empirical evidence to discuss the determinants of the minimum winning coalitions, to better understand the decision-making behavior of Supreme Court, dialoguing with arguments that understand the decision-making process of this court as personalistic, questioning its potential as a collegial body - which would pose concerns to democratic legitimacy of the institution. We conclude the Supreme Court was very consensual in the period analyzed, being divided into only 3% of all decisions. In terms of voting composition, we found much fluidity in coalitions, but even so we identified factors that make coalitions more predictable, like combination of the subject being questioned and the past career of Justices. We found strong evidence that Justices with career in the judiciary are more likely to vote together than to divide their votes. We also observed that the deliberative process in the court occurred with intense exchange of arguments, changes in vote direction and debates. The main contribution of this article is therefore the relativization of the personalism in decisions, presenting evidence of the centrality of the collegial game in the deliberative process and in the construction of decisions of the Brazil’s Supreme Court.

Keywords:
Supreme Court; Decision-making process; Minimum winning coalition

1. Introdução1

O campo de estudos do comportamento judicial começou a se configurar nos Estados Unidos já nas primeiras décadas do século XX, como um empreendimento descritivo, reconhecendo nas decisões judiciais a ação do contexto político no qual elas eram tomadas, sendo essas decisões vistas não apenas como influenciadas por aspectos legais, mas também pela personalidade, treinamento, preferências e valores dos juízes (MAVEETY, 2003MAVEETY, Nancy. (Ed.). (2003). The Pioneers of Judicial Behavior. Ann Arbor: The University of Michigan Press. 433pp.: 3).

Foi somente no final da década de 1940, a partir do domínio da abordagem behaviorista (“behavioral revolution”), que os estudos do comportamento judicial se consolidaram, passando os pesquisadores a preocuparem-se menos com o resultado das decisões e mais com a dinâmica decisória em si. Nesse momento, tendo como marco o trabalho de Pritchett (1948)PRITCHETT, Herman. (1948). The Roosevelt Court; A Study in Judicial Politics and Values, 1937-1947. New Orleans: Quid Pro, LLC., ocorreu uma virada nesse campo de estudos, fazendo com que o foco da discussão deixasse de ser o produto das decisões judiciais, ou seja, o sentido e conteúdo da decisão dos juízes, passando a ser o processo decisório, ou seja, o que faz com que os juízes decidam da forma como decidem (GROSSMAN e TANENHAUS, 1969, apud MAVEETY, 2003MAVEETY, Nancy. (Ed.). (2003). The Pioneers of Judicial Behavior. Ann Arbor: The University of Michigan Press. 433pp.: 11). Assim, a busca pelos determinantes do comportamento judicial tornou-se o foco teórico central.

No Brasil, o interesse pelo comportamento judicial ganhou relevância acadêmica somente na década de 1990, quando trabalhos pioneiros2 acerca do papel do Supremo Tribunal Federal na regulação da vida econômica, política e social do país começaram a emergir. E com isso a compreensão do processo decisório desse tribunal tornou-se tema de interesse, ocupando espaço ainda pequeno, mas crescente, na agenda de pesquisa sobre o Poder Judiciário, não só no Direito, mas especialmente na Ciência Política e na Sociologia3.

Os estudos sobre o processo decisório do STF investigam os fatores que influenciam a decisão dos ministros no julgamento de uma ação, com a proposta de mapear os determinantes do comportamento judicial e a compreender o processo deliberativo da corte e a dinâmica do colegiado (ver, por exemplo, OLIVEIRA, 2012aOLIVEIRA, Fabiana Luci de (2012a). Processo decisório no Supremo Tribunal Federal: coalizões e 'panelinhas'. Revista de Sociologia e Política (UFPR), v. 20, p. 139-153. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-44782012000400011.
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e FERREIRA, 2013FERREIRA, Pedro Fernando de Almeida Nery (2013). Como decidem os ministros do STF: pontos ideais e dimensões de preferências. Dissertação (Mestrado em Economia). Universidade de Brasília, Brasília. Disponível em: http://repositorio.unb.br/handle/10482/13565. Acesso em: 27nov2015.
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).

Mais recentemente, com a profunda renovação da composição do Supremo Tribunal Federal entre os governos FHC (1995-2002) e Lula (2003-2010), pesquisadores direcionaram seus olhares também à compreensão da influência da nomeação presidencial na forma como os ministros se compõem para votar (ver, por exemplo, OLIVEIRA, 2012b_________(2012b). “Supremo relator: processo decisório e mudanças na composição do STF nos governos FHC e Lula”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Vol. 27 (80), pp. 89-115. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69092012000300006.
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; FERREIRA e MUELLER, 2014; DESPOSATO, INGRAM e LANNES, 2015DESPOSATO, Scott W., INGRAM, Matthew C., and LANNES, Osmar P. (2015). "Power, Composition, and Decision Making: The Behavioral Consequences of Institutional Reform on Brazil's Supremo Tribunal Federal." Journal of Law, Economics, and Organization 31. DOI: 10.1093/jleo/ewu018
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e ROSEVEAR, HARTMANN e ARGUELHES, 2015ROSEVEAR, Evan; HARTMANN, Ivar & ARGUELHES, Diego (2015). Disagreement on the Brazilian Supreme Court: An Exploratory Analysis. (October 31, 2015). Available at SSRN: http://ssrn.com/abstract=2629329. Acesso em 10jun2016.
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).

Esses trabalhos têm confluído para a análise do processo decisório sobretudo em casos de controle de constitucionalidade, com destaque para as ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs). Os pesquisadores têm utilizado diferentes recortes de tempo e critérios de escolha de casos, alguns realizando análises de grandes volumes de ações em que há dissidência no colegiado, e outros baseando-se em casos considerados complexos, difíceis ou de grande repercussão midiática.

Em termos de recorte teórico-metodológico, a base da discussão tem se dado a partir dos modelos desenvolvidos para compreensão do processo decisório da Suprema Corte norte-americana, adaptados à realidade brasileira – sobretudo os modelos atitudinal e estratégico, com influência do neoinstitucionalismo (seguindo os três paradigmas dominantes na abordagem do comportamento judicial da ciência política e da sociologia norte-americanas4).

Os resultados alcançados até aqui indicam que as decisões judiciais são, sim, passíveis de redução a eventos concretos empiricamente observáveis. Portanto, a agenda de pesquisas sobre o STF tem caminhado cada vez mais na busca por traduzir as dimensões teóricas postas na discussão do comportamento judicial em aspectos tangíveis.

Sabemos hoje, com base em estudos sobre grandes volumes de casos decididos pelo STF, que fatores como a origem da lei ou norma sendo questionada (se Federal ou Estadual, por exemplo) e sua temática (tributária, econômica, seguridade social, servidor público, etc.) impactam no processo decisório, com o STF tendo maior probabilidade de indeferir diplomas de origem federal do que de origem estadual, declarando proporcionalmente menos a inconstitucionalidade de diplomas de origem no Executivo Federal e sendo mais contrário aos Estados ocuparem um espaço maior na federação. Sabemos também que o STF tem sido mais receptivo às temáticas econômico-tributárias e da administração pública, sobretudo nos temas do funcionalismo público, do que às temáticas de direitos sociais (ver, por exemplo, OLIVEIRA, 2012aOLIVEIRA, Fabiana Luci de (2012a). Processo decisório no Supremo Tribunal Federal: coalizões e 'panelinhas'. Revista de Sociologia e Política (UFPR), v. 20, p. 139-153. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-44782012000400011.
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e FERREIRA, 2013FERREIRA, Pedro Fernando de Almeida Nery (2013). Como decidem os ministros do STF: pontos ideais e dimensões de preferências. Dissertação (Mestrado em Economia). Universidade de Brasília, Brasília. Disponível em: http://repositorio.unb.br/handle/10482/13565. Acesso em: 27nov2015.
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).

Sabemos, ainda, que a nomeação presidencial influencia na configuração de coalizões no Supremo, sendo que diferentes composições, formadas a partir dos blocos de nomeação presidencial, resultam em diferentes padrões decisórios (ver, por exemplo, OLIVEIRA, 2012b_________(2012b). “Supremo relator: processo decisório e mudanças na composição do STF nos governos FHC e Lula”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Vol. 27 (80), pp. 89-115. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69092012000300006.
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; DESPOSATO, INGRAM e LANNES, 2015DESPOSATO, Scott W., INGRAM, Matthew C., and LANNES, Osmar P. (2015). "Power, Composition, and Decision Making: The Behavioral Consequences of Institutional Reform on Brazil's Supremo Tribunal Federal." Journal of Law, Economics, and Organization 31. DOI: 10.1093/jleo/ewu018
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e ROSEVEAR, HARTMANN e ARGUELHES, 2015ROSEVEAR, Evan; HARTMANN, Ivar & ARGUELHES, Diego (2015). Disagreement on the Brazilian Supreme Court: An Exploratory Analysis. (October 31, 2015). Available at SSRN: http://ssrn.com/abstract=2629329. Acesso em 10jun2016.
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).

Outros pesquisadores têm se voltado a abordagens mais qualitativas, observando o processo decisório em questões politicamente custosas, casos difíceis, complexos, ou de grande repercussão midiática. Kapiszewski (2011)KAPISZEWSKI, Diana (2011). “Tactical Balancing: High Court Decision Making on Politically Crucial Cases”. Law & Society Review, Vol. 45 (2), pp. 471–506. DOI: 10.1111/j.1540-5893.2011.00437.x.
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, por exemplo, analisou vinte e seis casos desse tipo, concluindo que múltiplas pressões políticas e institucionais influenciam as decisões judiciais, desenvolvendo a tese do equilíbrio tático. Essa tese propõe a complementaridade dos modelos de interpretação do comportamento judicial (legal, atitudinal, estratégico e neoinstitucional) argumentando que tanto fatores legais quanto extralegais influenciam a tomada de decisão judicial.

Kapiszewski afirma que, ao julgarem casos importantes, os ministros do STF tendem a alternar a contestação de políticas de interesse do governo federal, com o endosso de tais politicas, sendo que ao desafiar ou favorecer os interesses do governo federal, os ministros sopesariam seis considerações: (1) suas próprias preferências; (2) preferências institucionais; (2) preferências do governo federal; (4) potenciais consequências econômicas ou políticas da decisão; (5) a opinião pública sobre o caso e (6) os aspectos legais envolvidos (2011: 472-473).

Há também pesquisadores que discutem o processo decisório a partir dos seus aspectos normativos e teóricos, deduzindo da razão abstrata o melhor modelo decisório para o colegiado do Supremo Tribunal Federal, ou discutindo a adequação de modelos teóricos desenvolvidos em outros contextos nacionais ao caso brasileiro (ver SILVA, 2009SILVA, Virgílio Afonso da. (2009). O STF e o controle de constitucionalidade: deliberação, diálogo e razão pública. Revista de Direito Administrativo, São Paulo, n. 250, pp. 197-227, jan./abr.; 2013_________(2013). “Deciding without deliberating”. International Journal of Constitutional Law, Vol. 11 (3), pp. 557-584. DOI: 10.1093/icon/mot019.
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; RIBEIRO, ARGUELHES e PEIXOTO, 2009RIBEIRO, Leandro Molhano; ARGUELHES, Diego Werneck & PEIXOTO, Vitor. (2009), "Processo decisório, Judiciário e políticas públicas". Trabalho apresentado no 33º Encontro da Anpocs.).

No presente artigo, adentramos nessa discussão considerando um aspecto não observado de forma sistemática por nenhum desses estudos, que é o comportamento decisório no STF em casos de controle de constitucionalidade em que “cada voto conta”5. Analisamos, para isso, a totalidade de decisões em casos de ADIs no período de 1988-2014 que dividiram a corte, considerando como casos que dividiram a corte aqueles em que a margem de vitória se deu por somente um ou no máximo dois votos6.

Dialogamos diretamente com os trabalhos de Silva (2009; 2013)SILVA, Virgílio Afonso da. (2009). O STF e o controle de constitucionalidade: deliberação, diálogo e razão pública. Revista de Direito Administrativo, São Paulo, n. 250, pp. 197-227, jan./abr., levando em conta as características que o autor destaca acerca do processo deliberativo no STF, buscando analisar elementos empíricos para discutir o que o autor construiu normativamente.

Discutimos, sobretudo, três aspectos que, segundo Silva (2013)_________(2013). “Deciding without deliberating”. International Journal of Constitutional Law, Vol. 11 (3), pp. 557-584. DOI: 10.1093/icon/mot019.
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, diminuem a qualidade deliberativa do Supremo, afetando, consequentemente, sua legitimidade democrática: (i) a irrelevância do relator; (ii) a ausência de uma verdadeira troca de ideias e argumentos entre os ministros durante o julgamento, o que segundo Silva se evidencia uma vez que só muito raramente um ministro menciona os argumentos apresentados por outros ministros em seu voto, tendo o processo decisório do tribunal característica puramente agregadora, no qual cada ministro escreve sua própria opinião e todas as opiniões são publicadas; e (iii) a possibilidade de interrupção da sessão plenária, antes de cada ministro ter tido a oportunidade de expressar seus pontos de vista sobre um determinado caso. Para o autor, esse fato seria agravado pela disposição regimental de cada ministro manifestar seu voto em ordem reversa de senioridade depois do relator, o que impossibilitaria ou dificultaria que ministros reconsiderassem seus votos, ou seja, mudassem de posição após ouvirem os votos de seus pares (SILVA, 2013_________(2013). “Deciding without deliberating”. International Journal of Constitutional Law, Vol. 11 (3), pp. 557-584. DOI: 10.1093/icon/mot019.
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: 569).

Além do diálogo com os trabalhos de Silva (2009SILVA, Virgílio Afonso da. (2009). O STF e o controle de constitucionalidade: deliberação, diálogo e razão pública. Revista de Direito Administrativo, São Paulo, n. 250, pp. 197-227, jan./abr.; 2013), nos baseamos, em termos teórico-metodológicos, em um estudo exemplar sobre decisões com coalizão majoritária mínima na Suprema Corte norte-americana, que é o de Riggs (1993)RIGGS, Robert E. (1993) "When Every Vote Counts: 5-4 Decisions in the United States Supreme Court, 1900-90", Hofstra Law Review: Vol. 21(3), pp. 667-724..

No artigo que segue, traçamos um panorama geral dos trabalhos com os quais dialogamos, e analisamos as Ações Diretas de Inconstitucionalidade que dividiram o plenário do Supremo, sendo decididas por coalizões majoritárias mínimas, com margem de um ou dois votos, visando responder às seguintes questões descritivas: com que frequência e em que situações o STF ficou dividido nos julgamentos de ADIs? Como se deram as composições dos blocos majoritários e minoritários nessas situações, ou seja, quem votou com quem? E como se deu a dinâmica do processo deliberativo? Para responder a essa última questão, mapeamos: (i) a frequência da mudança de direção do voto de um ministro, atribuída ao convencimento a partir da manifestação de voto de outro(s) ministro(s); (ii) a frequência com que um ministro fez menção explícita à argumentação de outro(s) ministro(s); (iii) a frequência e a justificativa de pedidos de vista pelos ministros ao longo das decisões, e (iv) a frequência com que o voto do relator foi seguido. Com isso, buscamos dialogar com argumentos que afirmam ser o processo decisório do STF personalista, um somatório de votos individuais mais do que uma deliberação colegiada.

Respondendo a essas questões descritivas, reunimos elementos empíricos para discutir os determinantes das coalizões majoritárias mínimas, e melhor compreender o comportamento decisório do STF.

2. “Quando cada voto conta”

Riggs (1993)RIGGS, Robert E. (1993) "When Every Vote Counts: 5-4 Decisions in the United States Supreme Court, 1900-90", Hofstra Law Review: Vol. 21(3), pp. 667-724. analisou o padrão de votação na Suprema Corte norte-americana considerando os casos decididos por coalizões majoritárias mínimas (com margem de um único voto), num período de noventa anos, de 1900 à 1990. Na definição do autor, uma coalizão majoritária é mínima se, dado o número total de juízes que participaram da decisão, a mudança na direção do voto de um único juiz teria a capacidade de alterar o resultado final da decisão.

O autor identificou, pela aplicação do critério acima explicitado, 1.428 casos que dividiram a Suprema Corte norte-americana, o que corresponde a cerca de 11% do total de casos decididos por essa corte no período de noventa anos que estudou. O interesse de Riggs é entender como as coalizões vencedoras mínimas são formadas e se e como elas se deterioram.

Um primeiro ponto a notar com Riggs é que, desde o Judicial Act de 1925, a Suprema Corte norte-americana teve ampliada sua discricionariedade na escolha dos casos que decidiria, deixando de ouvir obrigatoriamente uma série de casos considerados de menor relevância, tidos como menos controversos, tendo oportunidade, assim, de escolher julgar casos mais difíceis, de amplo interesse público. Portanto, de acordo com o autor, nesse contexto, era esperado que a dissidência no tribunal passasse a ser maior, e também que as divisões se tornassem mais acirradas. Ele observa que ao longo do tempo as questões decididas por margem de um único voto aumentaram: permaneceram em torno de 3% até 1934, passando a 6% no período de 1935-1940 e ficando sempre acima de 10% depois da década de 1940, atingindo marcas expressivas acima de 20% no período de 1985-1989 (RIGGS, 1993RIGGS, Robert E. (1993) "When Every Vote Counts: 5-4 Decisions in the United States Supreme Court, 1900-90", Hofstra Law Review: Vol. 21(3), pp. 667-724.: 674).

O autor argumenta que entre os principais fatores explicativos da mudança dessa tendência estaria o perfil ideológico dos juízes, atentando especialmente para o perfil de liderança do Chief Justice Harlan F. Stone (RIGGS, 1993RIGGS, Robert E. (1993) "When Every Vote Counts: 5-4 Decisions in the United States Supreme Court, 1900-90", Hofstra Law Review: Vol. 21(3), pp. 667-724.: 682). Riggs aponta que é possível notar o critério de afinidade ideológica na coalização majoritária, afirmando que embora haja variação decorrente do tipo e da temática dos casos, e de outros fatores imponderáveis, é notória e constante a variação devida ao alinhamento ideológico dos ministros em termos de liberalismo e conservadorismo em suas decisões.

Ele analisa a formação de coalizões a partir de duas medidas: a fluidez das coalizões, observando o número de diferentes coalizões majoritárias como uma percentagem do número total de decisões 5-4, sendo que a fluidez completa (100%) se daria quando o número de decisões e o número de diferentes coalizões fossem iguais; e o nível de concordância emparelhada ou polarização da corte, obtida a partir da frequência relativa com que cada juiz vota com cada um dos demais.

Riggs (1993RIGGS, Robert E. (1993) "When Every Vote Counts: 5-4 Decisions in the United States Supreme Court, 1900-90", Hofstra Law Review: Vol. 21(3), pp. 667-724.: 705) utiliza como valores limiares para a constituição dos pares e blocos de concordância emparelhada o limite de 70% para alta concordância, e de 30% para baixa concordância, sendo possível afirmar a existência de fluidez absoluta na corte caso nenhum par alcançasse algum desses limiares. No período analisado pelo autor, ele encontra polarização apenas uma vez, em 1936, com dois grupos constantes (juízes Brandeis, Cardozo, Hughes, Roberts e Stone com 94% de concordância, e Butler, McReynolds, Sutherland, e Van Devanter com 100%), e a fluidez absoluta nunca foi atingida.

Na análise dos alinhamentos no STF utilizamos esses mesmos limiares para identificar a fluidez ou a polarização das coalizões, mas lembrando que, diferente da Suprema Corte norte-americana, o Supremo têm discricionariedade bem menor quanto aos casos que vai ouvir, sendo obrigado a se posicionar em muitos casos rotineiros e de baixa complexidade7.

Sunstein (2015)SUNSTEIN, Cass R. (2015). “Unanimity and Disagreement on the Supreme Court”. Cornell Law Review, Vol. 100 (4), pp. 769-823. Disponível em: http://cornelllawreview.org/files/2015/05/Sunsteinfinal.pdf. Acesso em 28dez2015.
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também se dedicou à análise dos padrões de votação na Suprema Corte norte-americana ao longo do tempo. Partindo da consideração do Justice John Roberts, feita em entrevista dada em 2006, na qual, preocupado com a legitimidade do tribunal, afirma que decisões unânimes ou com pouco dissenso são difíceis de reverter e contribuem para a estabilidade do Direito, enquanto decisões muito divididas, do tipo 5-4, aproximam mais a corte de uma instituição onde predomina a política partidária, Sustein argumenta que não há evidências empíricas que sustentem que o padrão decisório da corte represente problemas de legitimidade para a instituição.

Analisando o comportamento do colegiado ao longo do tempo, desde o século 19 até o ano de 2012, demonstra que a mudança de perfil da corte se deu a partir de 1941, quando deixou de operar sob a “norma do consenso” (em que a coesão do colegiado permanecia acima de 80%), aumentando consideravelmente o dissenso, que passou a representar a maioria das decisões.

De acordo com o autor, o dissenso só esteve abaixo de 50% desde 1941 em quatro períodos (terms): 1996, 1997, 2005 e 2013, com a taxa global de dissenso girando em torno de 60%, e as decisões do tipo 5-4 atingindo quase 17% do total anualmente. E afirma que não há qualquer evidência de que a tendência de dissenso esteja se revertendo ao longo da última década, e nem que o as divisões na corte comprometam o papel do tribunal no governo norte-americano ou sua legitimidade pública (2015: 815-816).

Sustein aponta que dois principais fatores ligados ao perfil ideológico dos juízes ajudam a entender essa mudança na tendência de dissenso e no aumento das cisões na corte: a mudança no perfil de liderança da corte, com a ascensão de Harlan Fiske Stone para o cargo de Chief Justice, e a mudança na composição ideológica da corte, com a nomeação de sete novos justices entre 1937 e 1941.

No presente artigo, analisamos um período significativamente mais curto para o STF do que aquele observado para a corte norte-americana por Sustein, e mesmo por Riggs (1993)RIGGS, Robert E. (1993) "When Every Vote Counts: 5-4 Decisions in the United States Supreme Court, 1900-90", Hofstra Law Review: Vol. 21(3), pp. 667-724., cobrindo apenas 25 anos, que contemplam 34 ministros em 21 diferentes composições, e 15 presidências do tribunal, sendo que se considerarmos o total de ADIs decididas no período pelo colegiado (1.419), 72% delas foram unânimes8, não parecendo haver uma tendência bem desenhada ou robusta do impacto da mudança de composições na proporção de decisões majoritárias. Em apenas 2 das 21 composições a proporção de decisões majoritárias esteve acima de 25%.

Talvez seja por essa razão que na linha de estudos do processo decisório do Supremo a preocupação com a incidência e o tamanho do dissenso na corte venha recebendo pouca atenção. Nessa linha, uma das teses que predominam é a do personalismo. Segundo essa tese, o tribunal funcionaria como onze ilhas, ou como onze escritórios independentes, havendo o somatório de votos individuais e pouca ou nenhuma deliberação (ver SILVA, 2009SILVA, Virgílio Afonso da. (2009). O STF e o controle de constitucionalidade: deliberação, diálogo e razão pública. Revista de Direito Administrativo, São Paulo, n. 250, pp. 197-227, jan./abr.; MENDES, 2010MENDES, Conrado Hübner (2010). Onze Ilhas. Folha de São Paulo: Tendências e Debates, São Paulo, 01.02.2010, disponível em: http://avaranda.blogspot.com/2010/02/conrado-hubner-mendes.html. Acesso em: 07dez2015.
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).

As justificativas dessa tese, que somam mais conjecturas do que elementos empíricos, apontam para diversos fatores, como a vaidade dos ministros, intensificada pelo excesso de publicidade das audiências, e o volume de trabalho, entre outros.

Silva (2013)_________(2013). “Deciding without deliberating”. International Journal of Constitutional Law, Vol. 11 (3), pp. 557-584. DOI: 10.1093/icon/mot019.
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está entre os autores que discutem essa tese, voltando sua preocupação para a qualidade da deliberação no Supremo. O autor afirma que predominaria na corte a deliberação externa, voltada à persuasão de atores externos ao tribunal, entre os quais a opinião pública, atores governamentais e políticos, e outros profissionais do direito, quando a deliberação interna, aquela voltada a influenciar o colegiado a decidir sobre algum curso de ação comum, é que deveria ser o foco central. Assim, critica diversas práticas e regras institucionais do tribunal que contribuiriam para alimentar atitudes individualistas dos ministros, comprometendo a legitimidade da corte, suscitando a publicação de enorme quantidade de opiniões divergentes, uma vez que o processo de tomada de decisão seria puramente agregador, em que cada ministro escreve sua própria opinião e todas as opiniões são publicadas (seriatim) (2013: 579-580).

Como já apresentamos na introdução, Silva defende a tese de que há pouca ou nenhuma deliberação no Supremo e que isso prejudica a qualidade das decisões, podendo mesmo afetar a legitimidade do tribunal. Utiliza como evidências para sua tese a irrelevância do relator, uma vez que os demais ministros só conheceriam o teor do seu argumento na sessão plenária, portanto cada um dos ministros teria produzido seu voto antes mesmo de saber qual decisão seria proposta pelo relator, de modo que os ministros não podem “apenas concordar” com opiniões que nem sequer conhecem (SILVA, 2013_________(2013). “Deciding without deliberating”. International Journal of Constitutional Law, Vol. 11 (3), pp. 557-584. DOI: 10.1093/icon/mot019.
https://doi.org/10.1093/icon/mot019...
: 570).

Outro aspecto que dificultaria uma deliberação de qualidade seria, na visão do autor, a extrema publicidade com que as decisões são tomadas, sendo televisionadas e transmitidas ao vivo. Isso tornaria pouco provável que um ministro que já proferiu seu voto voltasse atrás após ouvir os votos dos colegas, uma vez que teriam assumido um compromisso público de uma determinada posição (2013: 571). E um último aspecto trazido por Silva, que julgamos importante retomar, é a crítica aos pedidos de vista. Segundo o autor, essa possibilidade de interromper a sessão plenária antes de todos os ministros terem exposto sua opinião também prejudicaria a qualidade da deliberação.

Klafke e Pretzel (2014)KLAFKE, Guilherme F. e PRETZEL, Bruna R. (2014). “Processo Decisório no Supremo Tribunal Federal: aprofundando o diagnóstico das onze ilhas”. Revista de Estudos Empíricos em Direito, Vol. 1 (1), pp. 89-104. questionam algumas das proposições de Silva, apontando para “nuances” no processo de construção das decisões finais, a partir da análise de uma amostra de 266 acórdãos do STF, provenientes de decisões em controle abstrato de constitucionalidade entre 2006 e 2010. Segundo os autores, é preciso considerar sobre um acórdão que,

[...] há dois modos não-excludentes de confecção do documento: (i) por meio da anexação dos votos escritos liberados pelos Gabinetes; (ii) por meio da anexação da transcrição do áudio do julgamento. O acórdão final pode ser composto, portanto, por votos liberados pelo Gabinete e/ou por transcrições de áudio do julgamento. [...] o voto pode ser revisado de modo a conter posições surgidas nos debates em Plenário, inclusive mudanças no resultado. Ademais, se houver situação de conflito entre um e outro, prevalece a gravação de áudio, como o tribunal já teve a oportunidade de decidir. (KLAFKE e PRETZEL, 2014KLAFKE, Guilherme F. e PRETZEL, Bruna R. (2014). “Processo Decisório no Supremo Tribunal Federal: aprofundando o diagnóstico das onze ilhas”. Revista de Estudos Empíricos em Direito, Vol. 1 (1), pp. 89-104.: 94)

Esse aspecto ressaltado por Klafke e Pretzel (2014)KLAFKE, Guilherme F. e PRETZEL, Bruna R. (2014). “Processo Decisório no Supremo Tribunal Federal: aprofundando o diagnóstico das onze ilhas”. Revista de Estudos Empíricos em Direito, Vol. 1 (1), pp. 89-104. é extremamente relevante, pois é no debate que conseguimos apreender aspectos do processo deliberativo do Supremo. Embora os ministros escrevam seus votos na maioria das vezes antes da sessão plenária, em alguns casos esses votos sequer são lidos na íntegra, sendo apenas anexados à decisão.

Os autores se dedicaram a verificar a dispersão argumentativa provocada pelo processo de tomada de decisão agregador. Contabilizaram nos 266 acórdãos a quantidade de votos publicada em cada corrente (vencedora ou vencida), concluindo que em 29% dos acórdãos há concentração máxima dos fundamentos, ou seja, apenas o relator apresenta voto escrito com a fundamentação da corrente vencedora; em 39% o que classificam como concentração submáxima, ou seja, há mais de um voto na corrente vencedora, mas menos do que a metade de ministros que a compõe; e em 32% encontram dispersão máxima, quando todos os ministros da corrente vencedora publicaram seus votos (2014: 98). Com base nesses dados, apontam que a metáfora das 11 ilhas, do extremo personalismo, é relativizável.

Aqui, seguimos nessa linha de relativizar a tese do personalismo, trazendo elementos do processo decisório que contribuem para ressaltar a importância do colegiado e do processo de deliberação na construção das decisões do Supremo. Nosso objetivo não é refutar a tese de Silva, mas sim delimitar seu alcance.

3. Disputas acirradas no STF

A base de dados que analisamos aqui foi construída a partir da busca no site do STF por ADIs com decisão final entre 1988 e julho de 2014. Por decisão final consideramos as ações que tenham tido julgamento do mérito, ou que tenham sido consideradas prejudicadas, não conhecidas ou extintas, e baixadas do arquivo. Aplicando esse critério, identificamos 2.712 ações. Desse montante, 1.419 foram decididas pelo colegiado - 52% do total, sendo os outros 48% decisões monocráticas tomadas pelo relator, sendo essa expressiva quantidade de decisões monocráticas um dos elementos acionados no debate para criticar a individualização do tribunal (SILVA, 2013_________(2013). “Deciding without deliberating”. International Journal of Constitutional Law, Vol. 11 (3), pp. 557-584. DOI: 10.1093/icon/mot019.
https://doi.org/10.1093/icon/mot019...
; ARGUELHES E RIBEIRO, 2015). Nesse aspecto, não questionamos o argumento da concentração de poder individual dos ministros. Mas nosso interesse está em verificar nas decisões colegiadas, qual a dinâmica do processo deliberativo, e se nessas decisões existem debates, trocas de ideias e argumentos, e outros elementos que permitam relativizar a tese do personalismo.

3.1. Frequência e situações que dividiram o plenário do STF em ADIs

Dentre as 1.419 decisões colegiadas, 403 foram majoritárias (28%), e apenas 48 delas dividiram a corte (3%), mas uma vez que 13 delas foram julgadas em conjunto com outras, temos 35 julgamentos que dividiram a corte, sendo que 21 ADIs foram decididas por um único voto e 14 por margem de dois votos. São esses 35 julgamentos que analisamos aqui, e como em um deles a corte ficou dividida em dois pontos distintos, com diferentes composições para cada ponto, consideramos um total de 36 decisões com divisão acirrada.

Assim, respondemos parte da primeira questão, identificando que o Supremo ficou poucas vezes dividido, sendo bastante consensual em termos de controle concentrado de constitucionalidade no período analisado.

O dissenso começa a aumentar com a chegada de novos ministros ao tribunal, sobretudo a partir das nomeações de Carlos Velloso e Marco Aurélio, em 1990, na quinta composição, que corresponde também ao aumento do acionamento do Supremo pelos legitimados, com a entrada de um número maior de casos. O Tribunal segue nessa tendência até as nomeações feitas por Fernando Henrique Cardoso nas 10a e 11a composições, que tornaram o Supremo mais coeso novamente. E com a renovação maior da corte no governo Lula, o dissenso voltou a aparecer com maior frequência. É a partir de 2004, na 13a composição, que o dissenso volta a aumentar novamente.

Observando apenas as decisões colegiadas, as composições que apresentaram maior dissenso, estando acima de 35% dos casos decididos, foram as 5a , 7a , 9a , 13a, 17a e 19a (verquadro 1).

Quadro 1
Percentual de decisões majoritárias de acordo com a composição do STF

Levando em conta todo o dissenso na corte, temos que das 403 ações com decisão majoritária, 47% delas (n =189) tiveram apenas um ministro na dissidência, sendo Marco Aurélio minoria isolada em 76% dessas decisões com dissidência única (n =143). O ministro Britto foi o segundo dissidente isolado mais frequente, ficando sozinho em 5% dessas decisões e o ministro Pertence, o terceiro, sendo dissidente isolado em 4% das decisões majoritárias com um só voto minoritário.

Com esse comportamento o ministro Marco Aurélio ganhou a “pecha” de dissidente intencional, “voto vencido”, levando muitos pesquisadores, inclusive, a excluí-lo de seus modelos de compreensão do comportamento judicial (ver DESPOSATO et al, 2015DESPOSATO, Scott W., INGRAM, Matthew C., and LANNES, Osmar P. (2015). "Power, Composition, and Decision Making: The Behavioral Consequences of Institutional Reform on Brazil's Supremo Tribunal Federal." Journal of Law, Economics, and Organization 31. DOI: 10.1093/jleo/ewu018
https://doi.org/10.1093/jleo/ewu018...
).

Aqui, não seguimos essa orientação por acreditar que aprendemos mais sobre o comportamento judicial mantendo o ministro Marco Aurélio na análise, uma vez que ele é parte constitutiva do Tribunal9.

Mas vale ressaltar que a dissidência isolada do ministro Marco Aurélio parece ter um padrão em sua ratio decidendi – o ministro tende a considerar como legitimadas associações ou confederações que apresentam, em sua leitura, potencial de terem representação nacional, e mesmo em alguns casos reconhece legitimidade a “associações de associações”10.

Algumas vezes ele tende a discordar da terminologia empregada nas decisões, afirmando que deve-se considerar a carência de demanda proposta e não a ilegitimidade11. Outras vezes, sua dissidência é por entender que o Supremo deveria acolher ações que os demais ministros julgam não caber ao tribunal decidir12. Portanto, não parece descabida a necessidade de investigar com maior sistematicidade o comportamento dissidente do ministro Marco Aurélio, no sentido de verificar uma hipótese plausível de que ele tenderia a reconhecer e a buscar um alargamento da competência do Supremo.

Considerando o total de julgamentos de ADIs com decisões majoritárias de que participou, o ministro Marco Aurélio votou com a maioria em apenas 24% das vezes, e foi minoria isolada em 37% das vezes. Francisco Rezek foi minoria isolada nos dois julgamentos com decisão majoritária de que participou.

Outro dado importante para compreender o comportamento decisório é atentar para a fluidez judicial – ou seja, com que frequência ministros se posicionaram junto à maioria ou à minoria (verquadro 2).

Quadro 2
Frequência com que ministros votaram com a maioria

Notamos que os ministros Barbosa, Velloso, Rezek, Direito, Britto, Silveira, Pertence e Borja são os que apresentam comportamento de maior fluidez (votando com a maioria em um percentual entre 30% e 69% das vezes), sendo Marco Aurélio bastante consistente na posição de minoria (votando na minoria em 76% das vezes).

Já os ministros Alves, Passarinho, Gallotti, Sanches, Brossard, Galvão, Mello, Corrêa, Jobim, Gracie, Mendes, Peluso, Grau, Lewandowski, Toffoli, Lúcia, Fux, Weber, Zavascki e Barroso, votaram consistentemente com a maioria, em 70% das vezes ou mais.

Mas quando consideramos apenas as divisões acirradas, percebemos que esses posicionamentos sofrem alterações. Votaram consistentemente com a maioria os ministros Alves, Sanches, Gracie, Corrêa e Gallotti. Já os ministros Mello, Jobim, Grau, Lúcia, Lewandowski, Galvão, Britto, Peluso, Passarinho, Brossard, Barbosa, Velloso, Pertence, Mendes, Direito, Rezek e Aurélio se posicionam com maior fluidez entre maioria e minoria. Sendo que apenas Borja e Silveira votaram consistentemente com a minoria. Os ministros Weber e Zavascki só participaram de uma decisão com divisão acirrada, ficando com a maioria.

Esses dados constituiriam evidência suficiente para ponderar o rótulo de voto vencido que o ministro Marco Aurélio carrega, sendo que quando o que está em jogo são casos “difíceis”, o ministro tende a apresentar um comportamento mais fluido entre maioria e minoria.

A segunda parte da questão diz respeito às situações que mais dividiram o Supremo. Nesse ponto dois aspectos são relevantes: a origem dos diplomas questionados e o assunto em questão. Observamos que os diplomas federais foram os que provocaram as maiores divisões no tribunal. Apesar de corresponderem a apenas 29% do total de diplomas questionados em controle concentrado via ADI, as normas federais foram responsáveis por 47% das divisões acirradas no STF.

Com relação ao tema, a maior parte trata da carreira de agentes públicos (40%), em especial da organização de carreiras da justiça (19%) e das prerrogativas dos cargos de profissionais da justiça (11%), seguida da regulação da sociedade civil (14%), envolvendo direitos sociais (8%) e direitos civis (6%).

Gráfico 1
Origem do diploma questionado na ação, de acordo com o resultado da decisão

As normas federais dizem respeito principalmente aos agentes públicos e à sociedade civil (29% das normas federais cada), vindo na sequência normas que buscam regular outros temas da administração pública (23%), sobretudo organização institucional.

Exemplo de ação que dividiu o tribunal na temática de agentes públicos no âmbito federal é a ADI 3.772, requerida pelo Procurador-Geral da República em 2006, questionando a definição pela Lei 11.301/06 das funções de magistério para efeito de aposentadoria especial de professor, permitindo computar o tempo de serviço fora da sala de aula, com atividades de coordenação e direção. O Supremo julgou parcialmente procedente a ação, com interpretação conforme para excluir a aposentadoria especial apenas aos especialistas em educação, ficando na maioria os ministros Lewandowski, Peluso, Aurélio, Mello e Grau, e vencidos os ministros Britto (relator), Cármen Lúcia e Barbosa, que julgavam a ação totalmente procedente, e Gracie, que julgava de todo improcedente.

Gráfico 2
Tema do diploma questionado na ação, de acordo com o resultado da decisão

Já com relação às ações que questionam temáticas da sociedade civil, temos, por exemplo, a ADI 1.755, na qual o na qual o Partido Liberal questionou o parágrafo único do artigo 1º da Lei Federal 9.294/96, que dispunha sobre as restrições ao uso e à propaganda de bebidas alcoólicas e cigarros, proibindo propaganda de bebidas com teor alcoólico superior a treze graus. O autor da ação argumentava que a lei não poderia deixar de fora bebidas com teor alcoólico inferior à treze graus.

O tribunal não conheceu da ação, nos termos do voto do relator, ministro Nelson Jobim, por considerar que o STF estaria sendo chamado a atuar como “verdadeiro legislador positivo”, ficando na maioria junto ao ministro Jobim, os ministros Alves, Pertence, Galvão e Corrêa, vencidos os ministros Aurélio, Silveira e Velloso que conheciam da ação. No debate, durante esse julgamento, é possível perceber a disputa de posições entre as correntes minoritária e majoritária, no sentido de ampliação ou restrição da competência do Tribunal, ou seja, se o Supremo poderia ou não decidir essa questão. E notamos que três dos quatro magistrados presentes à decisão se posicionaram pela ampliação da competência do STF, ficando vencidos.

MIN. VELLOSO (Presidente): Srs. Ministros, não dou ao “slogan”, “O Judiciário, no controle de constitucionalidade, é, simplesmente, legislador negativo”, a relevância que ele parece ter, mas que, na realidade, não tem. (...) Essa questão foi posta à Corte Suprema norte-americana, há duzentos anos, e ela a enfrentou. MIN. ALVES: Sr. Presidente, em controle concentrado, não podemos estender o que se alega ter ferido a isonomia. Podemos retirar o que foi dado, mas não podemos estender a outrem o que não lhe foi dado, devendo ter-lhe sido. MIN. VELLOSO (Presidente): no caso, Brown x Board of Education, de 1954, a Suprema Corte americana agiu como legislador positivo. Esse é um dos casos que posso mencionar, de pronto, mas há outros. O Supremo Tribunal Federal assim procedeu, recentemente, no caso dos 28% dos servidores públicos. Não levou esse “slogan” à ortodoxia que alguns querem. (Min. Carlos Velloso e Min. Moreira Alves, inteiro teor do acórdão da ADI 1.755, pp. 26-27).

Outros exemplos na temática da sociedade civil que dividiram a corte são a ADI 3.11213, na qual é questionada a Lei Federal nº 10826/03, do estatuto do desarmamento, e a ADI 3.510, na qual é questionada a Lei 11105/05, que trata de pesquisa com células tronco, que discutiremos mais a frente.

Na temática da administração pública temos como exemplo a ADI 3.290, na qual o PSDB questiona a Medida Provisória nº 207, de 13 de agosto de 2004, que equiparou o cargo de natureza especial de presidente do Banco Central ao cargo de Ministro de Estado. A maioria dos ministros, composta por Jobim, Gracie, Mendes, Peluso, Barbosa e Grau, julgou improcedente a ação, vencidos os ministros Britto, Velloso, Aurélio e Pertence que julgavam procedente, e em parte o ministro Mello, que julgava parcialmente procedente.

No âmbito estadual, a maioria dos diplomas é referente à temática de agentes públicos: 60% do total dos diplomas estaduais que dividiram a corte tratam do funcionalismo público, sendo em grande parte referentes às carreiras da justiça, como a ADI 139, na qual a Associação dos Magistrados Brasileiros questiona o artigo 82 do ato das disposições transitórias da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, assegurando aos titulares de serventias judiciais e extrajudiciais o direito de se aposentarem com 60% dos vencimentos dos juízes. Nessa ação, a maioria, composta pelos ministros Alves, Sanches, Gallotti, Mello, Velloso e Aurélio, julgou inconstitucional o artigo 82, dando procedência à ação, ficando vencidos os ministros Pertence, Passarinho, Brossard, Borja e Silveira.

Apenas 13% dos diplomas de âmbito estadual que dividiram a corte dizem respeito a temáticas da sociedade civil, como por exemplo, a ADI 386, proposta por três associações da indústria (ABRASSUCOS, ABECITRUS e ANIC), questionando o artigo 190 da Constituição estadual e o artigo 41 das disposições transitórias da Constituição do Estado de São Paulo, acerca da segurança no transporte de trabalhadores rurais e urbanos. A maioria do tribunal, ministros Sanches, Alves, Silveira, Gallotti, Passarinho e Brossard, não conheceu da ação, por ilegitimidade ativa das proponentes, ficando vencidos os ministros Velloso, Aurélio, Mello, Pertence e Borja, que dela conheciam em parte.

Notamos, assim, que algumas das divisões acirradas na corte se deveram à possibilidade ou não de reconhecer legitimidade aos requerentes (8% do total), sendo que em todas ocasiões, o ministro Aurélio ficou na minoria, reconhecendo legitimidade em maior extensão a esses requerentes. Por exemplo, na ADI 23, proposta pela ADEPOL (Associação dos Delegados de Polícia do Brasil), arguindo a inconstitucionalidade por omissão do Governador de São Paulo do artigo 241 da Constituição Federal, que daria isonomia de vencimentos dos Delegados de Polícia de carreira com outras carreiras jurídicas, pela assemelhação de funções. A coalizão majoritária não reconheceu a legitimidade da ADEPOL por ser uma associação de associações, ficando vencidos os ministros Marco Aurélio, Galvão, Pertence e Silveira, que reconheciam sua legitimidade.

O ministro Marco Aurélio também tende a se posicionar pela ampliação de competência do STF quando do recebimento de iniciais incompletas ou “deficientes”, argumentando que o STF pode, sim, acolher tais pedidos (exemplos são as ADIs 2.174 e 2.980) – dado que reforça a já posta necessidade de analisar em detalhe o comportamento dissidente desse ministro, e não simplesmente excluí-lo dos modelos de análise.

3.2. Coalizões majoritárias mínimas

A segunda questão que nos interessa responder diz respeito à formação dos blocos majoritários, ou coalizões majoritárias mínimas, e sua contrapartida, os blocos vencidos. Utilizamos o grau de coesão de ministros dois a dois, trabalhando com o corte de 70% de concordância entre os ministros para alta coesão, e abaixo de 30% de concordância para baixa coesão, seguindo os mesmos parâmetros adotados por Riggs (1993)RIGGS, Robert E. (1993) "When Every Vote Counts: 5-4 Decisions in the United States Supreme Court, 1900-90", Hofstra Law Review: Vol. 21(3), pp. 667-724..

O primeiro dado que chama atenção é que desde 1988, em todos os julgamentos de ADI em que a corte ficou dividida apenas duas “panelinhas”14 com mais de dois ministros foram identificadas, uma composta pelos ministros Alves, Sanches e Corrêa, e outra pelos ministros Alves, Corrêa e Jobim, que mantiveram uma alta coesão estando no mesmo lado em mais de 80% das vezes em que votaram juntos.

Os ministros Alves, Sanches e Corrêa têm em comum serem percebidos como tendo um comportamento mais técnico, vindo de nomeações presidenciais diferentes, e com trajetórias de carreiras distintas. Já Corrêa e Jobim guardam em comum terem ocupado previamente ao posto de Ministro do STF, o posto de Ministro da Justiça.

Há diversos casos de pares de alta coesão, como os ministros Alves e Brossard, Gallotti e Galvão e também Gallotti e Jobim, Borja e Brossard e Borja e Pertence, Mello e Velloso, Velloso e Britto, Peluso e Direito, Grau e Lewandowski, Lúcia e Direito, entre outros – os pares de alta coesão estão destacados em amarelo no quadro três.

Chama atenção que o ministro Marco Aurélio apresentou alta coesão com apenas um ministro, Carlos Velloso (71% de concordância). O que os dois ministros guardam em comum é a nomeação via presidente Fernando Collor de Mello e o fato de virem da carreira da magistratura15. Por outro lado, Marco Aurélio discordou sistematicamente de Alves, Gallotti e Sanches, sendo este último também vindo da magistratura – os pares de discordância estão destacados em vermelho no quadro três.

Apesar da grande fluidez na formação das coalizões majoritárias mínimas, notamos algumas situações que posicionam os ministros de forma mais frequente no mesmo bloco. Há indícios de que, de maneira geral, os ministros com carreira pregressa na magistratura tendem com maior frequência a votar no mesmo sentido do que a dividir seus votos, de forma a contribuir para uma maior coesão do tribunal – esses indícios foram obtidos a partir de um indicador de coesão, próximo às medidas de coesão utilizadas em estudos de comportamento decisório parlamentar, como razão da diferença entre o total de ministros na maioria e o total de ministros na minoria, sobre o total de ministros votando no caso.

O indicador de coesão varia de 0 a 1, embora aqui nunca atinja os extremos, pois seria igual a 1 se houvesse unanimidade (todos os ministros votaram em conjunto) e igual a 0 se os ministros fossem igualmente divididos entre minoria e maioria. Portanto, quanto mais próximo de zero, menor a coesão, e quanto mais próximo de 1, maior a coesão - esse indicador foi construído com base em Rice (1928)RICE, S. A. (1928). Quantitative methods in politics. New York: Knopf..

A coesão média nessas 36 decisões foi de 14% e a mínima de 9% - já que estamos tratando das ações que mais dividiram o tribunal. Correlacionando esse indicador de coesão com a proporção de ministros com carreira pregressa na magistratura votando em cada decisão, temos um coeficiente positivo de 0,31, num intervalo de confiança de 90%.

É possível notar que os ministros com carreira pregressa na magistratura tenderam a votar com maior frequência juntos nas demandas que envolviam a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Um exemplo é a já mencionada ADI 139, na qual a AMB questiona artigo das disposições transitórias da Constituição do Estado do Rio de Janeiro que equiparava proventos dos titulares de serventias judiciais e extrajudiciais aos proventos dos juízes de direito. O STF julgou procedente a ação, ficando três dos cinco magistrados presentes na decisão no bloco majoritário: Sanches, Aurélio e Velloso, e no bloco minoritário ficaram Silveira e Passarinho.

Outro exemplo é a ADI 3.362, na qual todos os magistrados de carreira votaram no sentido dos interesses da AMB. A associação questionava artigo da Constituição do Estado da Bahia que estabelecia limite máximo de 35 desembargadores no TJBA. Todos os quatro ministros com carreira pregressa na magistratura presentes à decisão, ministros Aurélio, Gracie, Peluso e Lewandowski, votaram pela procedência da ação, argumentando vício de iniciativa, na violação da competência dos tribunais de justiça para propor ao Legislativo Estadual a alteração do número de membros dos tribunais inferiores.

Quadro 3
Matriz dos índices de similaridade, correspondentes às combinações de ministros 2 x 2, nas ações com divisão acirrada (em %)

Na ADI 314, proposta pelo Procurador Geral da República, questionando o parágrafo 2º do artigo 58 da Constituição do Estado de Pernambuco, que atribuía ao governador do Estado o provimento do cargo de desembargador, mediante promoção de juiz de carreira, permite visualizar também essa mesma tendência dos magistrados votarem em conjunto, tratando-se da defesa de interesses do Judiciário.

A maioria do tribunal, composta pelos ministros Sanches, Silveira, Velloso, Galvão, Mello e Gallotti, decidiu pela inconstitucionalidade do artigo, na medida em que violaria prerrogativa do Poder Judiciário na nomeação dos desembargadores, ferindo sua autonomia. Notamos que quatro dos cinco magistrados nessa composição votam em conjunto, pela garantia da independência do Judiciário. O quinto magistrado, ministro Marco Aurélio, ficou na minoria, juntamente com os ministros Brossard, Pertence, Borja e Alves, considerando a norma constitucional.

O relator do caso, ministro Carlos Velloso, trouxe em seu voto o princípio inscrito no art. 96, I, “c”, da Constituição Federal, estabelecendo competência privativa dos próprios tribunais para nomeação dos desembargadores. Retomou, ainda, citação própria em palestra proferida em 29/05/1985, na qual indicava a necessidade de reformar o Judiciário, criticando a forma de provimento e promoção de juízes estaduais,

Em certos Estados-Membros, a nomeação ou a promoção de juízes depende da indicação e do apoio das lideranças políticas locais - prefeito, vereador, deputado da região. Isto obriga o juiz a procurar indicações desses políticos, o que, evidentemente, lhe reduz, significativamente, a independência, redundando em prejuízo para os jurisdicionados. (Min. Carlos Velloso, inteiro teor do acórdão da ADI 314, pp. 13-14).

Velloso concluiu seu voto afirmando que “em boa hora a Constituição de 1988 eliminou a mazela e deu mais independência ao Poder Judiciário, em proveito, assim, do jurisdicionado” (pp. 14), concluindo pela inconstitucionalidade da norma em questão, dado o perigo que essa forma de nomeação representaria para a autonomia conquistada pelo Poder Judiciário desde a Constituição de 1988.

O ministro Paulo Brossard contrapôs o argumento de Velloso, afirmando que o fato de ser nomeado pelo Governador não tiraria a independência de um juiz, sendo que qualquer processo de escolha tem méritos e limitações, votando, portanto, pela constitucionalidade da norma em questão. O ministro trouxe sua experiência como político, no governo Estadual gaúcho, como elemento adicional formador de seu convencimento, num forte indício de como a experiência pregressa ao STF influencia na forma como os ministros votam.

Os tribunais são compostos de homens e estes, com capa preta ou sem ela, se parecem e, por vezes, não são imunes a sentimentos que não são os melhores. Nem os tribunais estão isentos da formação de grupos em seu seio, que, uma vez constituídos, estão acima de qualquer correção ou sanção. (...) Também fui Secretário do Interior e Justiça no meu Estado, durante pouco tempo, é certo, mas o suficiente para poder dizer que, enquanto fui secretário jamais recebi pedido de juiz para ser promovido. E na magistratura gaúcha eu tinha colegas de turma, amigos meus, por conseguinte. Dado esse depoimento, quero acrescentar que o fato de um juiz empenhar-se na sua promoção mediante pedidos não faz com que ele perca sua independência (Min. Paulo Brossard, inteiro teor do acórdão da ADI 314, pp. 22-23).

Mesmo quando contrariam os interesses da AMB (o que é raro), os ministros com carreira na magistratura tendem a se manter em maior número no mesmo bloco. Exemplo é a ADI 1.289, requerida pela AMB contra decisão do Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho, na qual o conselho estabelecia critérios para a composição das listas sêxtuplas de candidatos ao preenchimento de cargos de Juiz dos Tribunais Regionais do Trabalho, via quinto constitucional. Quatro dos cinco magistrados de carreira presentes à sessão votaram contrários à ação: Velloso, Aurélio, Silveira e Galvão. O ministro Sanches ficou na coalização majoritária, julgando procedente a ação.

Durante o debate, ao contrapor o argumento do ministro Sepúlveda Pertence, o ministro Marco Aurélio expôs o argumento que orientou a minoria:

Aí V. Exa. não homenageia o procedente estabelecido quando do julgamento da ação direta de inconstitucionalidade no. 581. O mais interessante é que foi um julgamento que versava também sobre ato normativo ligado à Justiça do Trabalho. Demos essa interpretação quanto às vagas de carreira; agora, em relação às vagas do quinto, vamos emprestar à Constituição Federal outro enfoque. Onde a harmonia? Onde a célebre, tão decantada preservação da jurisprudência do Tribunal? De que valeu essa decisão que foi unânime? Não tivemos votos divergentes. (...) E agora não queremos mais adotar a paternidade desse filho; estamos dizendo que é um filho feio e que, portanto, não somos os pais. (Min. Marco Aurélio, inteiro teor do acórdão da ADI 1.289, pp. 65-66).

Vemos aqui, além da formação da corrente minoritária em torno dos ministros com trajetória pregressa na magistratura, o discurso pela valorização de precedentes e da jurisprudência do Supremo. E outro aspecto que nos interessa nessa ADI é a declaração da mudança de entendimento feita pelo ministro Velloso. Ao votar no mérito da ação, o ministro afirmou alterar a forma como votou no julgamento liminar, por acreditar que não perfilhou naquela ocasião “a melhor interpretação do texto constitucional”, reconsiderando seu posicionamento após ouvir votos de outros ministros. Esse aspecto, da mudança de orientação do voto, será explorado mais adiante.

Ainda sobre o impacto que a carreira pregressa têm na forma como os ministros se posicionam e se agrupam para votar, é possível observar uma maior divisão entre aqueles que tiveram atuação no Ministério Público e os que vieram da advocacia, quando o que está em julgamento são assuntos de interesse das respectivas corporações profissionais.

Um exemplo no qual transparece essa influência é o debate travado entre os ministros Sepúlveda Pertence e Ayres Britto no julgamento da ADI 3.028, na qual o Procurador Geral da República questiona o artigo 28 da lei complementar 166/99 do Estado do Rio Grande do Norte, que instituiu cobrança de receita adicional sobre todos os procedimentos extrajudiciais estaduais para compor o fundo de reaparelhamento do Ministério Público estadual.

MIN. BRITTO: Sra. Presidente, como já fui relator de algumas adis, na matéria, inclusive, em favor da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, acompanharei o eminente relator, pedindo vênia, porém, para não subscrever os fundamentos da decisão de Sua Excelência. MIN. PERTENCE: O fundo da Defensoria foi julgado constitucional? MIN. BRITTO: Foi. MIN. PERTENCE: Por que, não obstante, Vossa Excelência julga inconstitucional, acompanhando o relator, neste caso? MIN. BRITTO: Estou acompanhando o Relator, mas não com os seus fundamentos, pois eu receio que… MIN. LÚCIA: Neste caso, aqui, parece que há outras características. MIN. BRITTO: Isso mesmo, não se compatibilizam com os fundamentos que aprovamos na ADI no. 3.643. (…) MIN. PERTENCE: Sim, por isso perguntei por que Vossa Excelência, não obstante ter votado pela constitucionalidade do Fundo da Defensoria, está concordando com o eminente Relator. MIN. BRITTO: É porque - vou citar de memória e não sei se Vossa Excelência se recorda - entendemos que, na Defensoria, era um instrumento necessário para a democratização do acesso à jurisdição. Foi nessa linha, e por aí seguimos. MIN. PERTENCE: O Ministério Público seria uma inutilidade? MIN. BRITTO: Absolutamente. (…) Faço o seguinte, Excelência: peço vista dos autos para não entrar em contradição. começamos pela consideração de que a Defensoria Pública era um mecanismo absolutamente indispensável à democratização do acesso à jurisdição. MIN. AURÉLIO (relator): o mais interessante é o antagonismo: Ministério Público X Ministério Público - mas revela que a coisa é um pouco extravagante: envolve um “plus” e cobra-se por um serviço que nada tem a ver com esse serviço. (Min. Ayres Britto, Min. Sepúlveda Pertence, Min. Marco Aurélio e Min. Cármen Lúcia, inteiro teor do acórdão da ADI 3.028, pp. 08-10).

Quando votou após o pedido de vista, o Ministro Britto reconsiderou sua posição, inaugurando dissidência que se tornou vencedora, no sentido de considerar constitucional a criação do fundo, sendo julgada improcedente a ação.

Outra decisão em que percebemos os ministros trazendo sua experiência profissional para justificarem seus pontos de vista é a ADI 1.194, em que a Confederação Nacional da Indústria questiona artigos da Lei Federal nº 8.906/94, dispondo sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), nos aspectos em que impunha a obrigatoriedade de advogado em celebração de contrato, e o pagamento de honorário de sucumbência.

Durante o debate, o ministro Pertence trouxe sua experiência como advogado para fundamentar sua posição pela procedência parcial da ação com relação ao artigo 21 da referida lei (dispondo que as causas em que for parte o empregador, os honorários de sucumbência seriam devidos aos advogados empregados). Pertence argumentou que pela sua experiência na advocacia é possível, havendo vontade das partes, incluir estipulação em contrário, por ser direito disponível. O ministro Aurélio rebateu o argumento, afirmando ter também experiência na temática, dada sua vivência na justiça do trabalho. O ministro Britto foi outro a se valer dos anos de advocacia para fundamentar sua posição.

MIN. PERTENCE: Sr. Presidente, o meu voto coincide com o de Vossa Excelência, apenas com o título para contrariar opiniões tão doutas, a de um pouco mais de vivência da advocacia, e a saber que será uma raridade estatística, por exemplo, na advocacia trabalhista, do trabalhador pobre, o recebimento de honorários pro labore. MIN. AURÉLIO: Excelência, aí posso falar com a experiência que tenho da Justiça do Trabalho. MIN. PERTENCE: vossa Excelência tem uma experiência na Justiça do Trabalho sempre na Mesa Presidencial. MIN. AURÉLIO: Da mesma forma que Vossa Excelência tem e trouxe há pouco, inclusive se sobrepondo aos demais, na advocacia em geral. Estou seguindo seus passos, Excelência. MIN. PERTENCE: apenas foi uma falta de emprego, Excelência. O que tinha me tomaram. MIN. AURÉLIO: É privilégio do Ministro Sepúlveda Pertence a experiência. MIN. PERTENCE: Ministro Marco Aurélio, também fui Ministério Público, mas, ao invés de ser promovido, tomaram-me o emprego. Por isso é que tive tanta experiência na advocacia. MIN. AURÉLIO: Não guarde ressentimento, Excelência. MIN. BRITTO: Sr. Presidente, fui advogado por 33 anos, sobretudo de causas coletivas. Raríssimas vezes fiz contrato de honorários para receber algo antecipado. quase todas as vezes colocávamos, eu e meu cliente, uma cláusula contratual ad exitum. MIN. AURÉLIO: Vossa Excelência, como advogado, foi um cristão ímpar. (Min. Sepúlveda Pertence, Min. Marco Aurélio e Min. Ayres Britto, inteiro teor do acórdão da ADI 1.194, pp. 27-29).

Seja a experiência em cargos políticos, seja a experiência na magistratura, seja a experiência na advocacia, o que esses votos ilustram é que a carreira pregressa que os ministros tiveram antes de ocuparem o posto no Supremo permeia a construção de seus posicionamentos, assim como influencia com quem eles se agrupam para votar.

3.3. Processo deliberativo nas divisões acirradas

A terceira pergunta que procuramos responder foi como se deu o processo deliberativo nas ações decididas por coalizões majoritárias mínimas. Nos interessa observar a frequência de mudança de direção do voto de um ministro, a frequência com que um ministro fez menção explícita à argumentação de outro(s) ministro(s), a frequência e justificativa de pedidos de vista, e o peso que o voto do relator tem nessas decisões, observando a incidência da adesão dos ministros a sua argumentação.

O primeiro ponto a notar é que em 28% das vezes que o tribunal ficou dividido em julgamentos de ADIs, a maioria decidiu pelo não conhecimento da ação. Como já pontuado, o ministro Marco Aurélio tendeu a ficar na coalizão minoritária na quase totalidade dessas decisões, seja por reconhecer um escopo mais amplo de atuação ao STF ou por considerar legitimadas associações não reconhecidas pela maioria do tribunal. Em 20% das vezes o STF julgou improcedente a ação, noutros 20% procedente e em 22%, parcialmente procedente.

O segundo ponto é que para 32 das 35 ADIs aqui analisadas está disponível a transcrição dos debates, sendo possível analisar o processo de interação entre os ministros durante o julgamento. E nesses debates algumas vezes aparece referência de um ministro que trouxe voto escrito, mas que iria apenas apensá-lo, ou ler trechos, e não fazer a leitura na íntegra durante a sessão. Exemplo disso, é o ministro Gilmar Mendes na já citada ADI 3.112, afirmando “trouxe longas considerações - não vou lê-las, não precisam ficar preocupados -, a respeito dessa questão dos mandatos de criminalização” (pp. 124). E a ministra Ellen Gracie, no julgamento da também já mencionada ADI 3.510, que após pedido de vista do ministro Menezes Direito, ao solicitar adiantamento do voto, manifestou seu posicionamento informando brevemente a forma como votaria, seguindo o relator, e que faria juntar seu voto escrito, no qual detalhava os fundamentos da direção do voto.

Peço licença ao Ministro Carlos Alberto Direito, se o Tribunal assim me permitir, para, desde logo, adiantar o meu voto. (...) Tenho certeza de que Vossa Excelência, com a sua diligência, trará o processo dentro em breve. No entanto, esta cadeira me traz, infelizmente, a tarefa de rememorar aos Colegas que temos, na fila, para serem chamados a julgamento por este Plenário, nada menos que 565 outros processos. Desse modo, peço novamente escusas ao Ministro Carlos Alberto Direito e aos Colegas para adiantar o meu voto no sentido de acompanhar o eminente Relator. Tenho algumas razões do meu convencimento - e as farei juntar posteriormente - que coincidem, em larga medida, com as que foram brilhantemente desenvolvidas pelo Ministro Carlos Britto. (...) Por essas razões, que estarão bem explicitadas nas palavras que escrevi, concluo pela improcedência da ação, conforme o voto do Relator. (Gracie, ADI 3.510 , pp. 79-80)

Adentrando às questões centrais sobre o processo deliberativo que nos interessa responder, sobretudo dialogando com os argumentos de Silva (2013)_________(2013). “Deciding without deliberating”. International Journal of Constitutional Law, Vol. 11 (3), pp. 557-584. DOI: 10.1093/icon/mot019.
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, da ausência de troca de ideias e argumentos entre os ministros durante o julgamento, e da ínfima probabilidade de um ministro que já tenha proferido seu voto voltar atrás após ouvir os votos dos colegas, uma vez que teriam assumido um compromisso público de determinada posição, notamos que a mudança de direção do voto de um ministro, atribuída ao convencimento a partir da manifestação de voto de outro(s) ministro(s), ocorreu em 22% das vezes – o que não é desprezível.

Os ministros que mais retificaram a direção do voto foram Ayres Brito, três vezes, e Cezar Peluso, duas vezes. E os ministros Barbosa, Mendes, Pertence, Corrêa, Jobim e Rezek mudaram a direção de voto já proferido uma vez cada um.

Um exemplo, é a ADI 1.648, requerida pela Confederação Nacional do Comércio, questionando lei do Estado de Minas Gerais que previa a incidência de ICMS na alienação, pela seguradora, de salvados de sinistro. A maioria do tribunal julgou a ação parcialmente procedente, ficando vencidos os ministros Jobim, Lewandowski, Barbosa e Britto. Estes dois últimos alteraram seu entendimento após ouvirem o posicionamento e voto de outros ministros.

Senhor Presidente, na assentada de julgamento de que participei desta ADI no. 1.648/MG, sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes, acompanhei Sua Excelência, o Relator, dando, portanto, pela procedência da ação. Mas segui refletindo sobre o tema e tive oportunidade de ler um voto do Ministro Nelson Jobim nesta mesma ADI que me pareceu precioso e convincente, levando-me a um reposicionamento quanto ao meu juízo técnico. Os Ministros Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa, nesta assentada, fizeram um resumo do que hoje corresponde ao meu pensar sobre o tema, mas a minha base de inspiração para o presente voto é, sobretudo, o voto do Ministro Nelson Jobim. (Min. Ayres Britto, inteiro teor do acórdão da ADI 1.648, pp. 77).

Outro exemplo é na ADI 2.586, na qual a Confederação Nacional da Indústria questiona a Lei nº. 9.314 , de 14 de novembro de 1996 , e a Portaria nº. 503 , de 28 de dezembro de 1999, do Ministério das Minas e Energia, que regulamentam pesquisas na área de mineração. A divergência posta no processo decisório girou em torno da técnica de julgamento. O relator, Ministro Carlos Velloso, votou pelo não conhecimento da ação relativamente à portaria e pela improcedência da ação com relação à lei. A partir do seu voto abriu-se um debate acerca das implicações de não se conhecer a portaria, ou julgá-la prejudicada.

MIN. CORRÊA: Estou de pleno acordo com o eminente Ministro-Relator, embora essa questão de julgar prejudicada e não conhecer da ação guarda uma similitude muito grande. Vou preferir, tecnicamente, na hipótese, dizer que, com relação à portaria, a ação encontra-se prejudicada. MIN. VELLOSO: Sr. Ministro, não se está dizendo que a Portaria é ilegal. MIN. PERTENCE: Alega-se que, como a lei é inconstitucional, porque delegou ao Ministro a fixação da alíquota, consequentemente, a portaria, seja qual for o seu conteúdo que fixou a alíquota, também será inconstitucional. Senão, deixa-se, no ordenamento jurídico, ao não conhecer da ação quanto a portaria, o seguinte: a lei é inconstitucional. mas a portaria, que diz que a alíquota da taxa é de 10%, é constitucional, ou quanto a ela, não conhecemos da ação. MIN. VELLOSO: Seria perfeito se estivéssemos declarando a inconstitucionalidade da lei, mas estamos declarando a constitucionalidade desta. MIN. PERTENCE: Se acabou a questão por causa da decisão tomada na ação de inconstitucionalidade direta da lei, o que houve foi prejuízo quanto ao mais. Não se tem mais que discutir a portaria. MIN. VELLOSO: Penso que estamos em uma discussão acadêmica do melhor nível. MIN. PERTENCE: Não. Data vênia, essa não é acadêmica, é de técnica de julgamento. Se não se conhecer, não seria conhecida em nenhuma hipótese. o que pode decorrer do efeito de uma decisão sobre a outra é o prejuízo. (Min. Maurício Corrêa, Min. Sepúlveda Pertence, Min. Carlos Velloso, inteiro teor do acórdão da ADI 2.586, pp. 26-27).

O debate segue em torno dessa questão técnica, sendo que ao final, os ministros Pertence, Corrêa e Jobim retificaram seus votos, no sentido de formar maioria e julgar improcedente a ação tanto com relação à lei, quanto com relação à portaria. Nas palavras do ministro Corrêa, “Sr. Presidente, parece que a solução mais certa seria julgar prejudicada a ação no ponto, mas concordo que, até para encerrar essa discussão, sejam julgadas todas as duas questões improcedentes.” (pp. 32).

Além de observar a retificação de voto, foi comum encontrar nessas decisões situações em que um ministro esboçava entendimento em um sentido durante o debate, antes de proferir seu voto, mas ao votar mudava de entendimento, atribuindo essa mudança à argumentação dos colegas, como na já referida ADI 3.028, na qual o ministro Sanches afirma ter alterado seu julgamento após ouvir os argumentos postos no voto do ministro Pertence.

Confesso que, de início, estava propenso a acompanhar o eminente Relator, mas, a partir do voto do Sr. Ministro Sepúlveda Pertence, verifiquei que é possível conciliar o texto do art. 273 com a Constituição, desde que escoimado das expressões “do Ministério Público”. Quanto aos demais dispositivos impugnados, adoto, também, os fundamentos dos votos dos Ministros Sepúlveda Pertence e Moreira Alves e dos que goraram a mesma corrente, para concluir no mesmo sentido. (Min. Sidney Sanches, inteiro teor do acórdão da ADI 171, pp. 84).

Observamos também, em mais da metade das decisões (56% das vezes), a menção explícita de um ministro à argumentação de outro(s) ministro(s) na justificativa de seu voto, trazendo os argumentos postos, seja no sentido de rebatê-los, seja no sentido de complementá-los ou ainda de solicitar maiores explicações. Ou seja, em mais da metade dessas decisões houve discussão e debate franco, com ministros formando seus convencimentos a partir da troca de ideias ao longo do julgamento. E mais, nessas decisões encontramos diversos trechos nos quais os ministros indicam que não vieram ao plenário com voto pronto, e que estariam aguardando o posicionamento dos colegas para formar seu entendimento.

Exemplo é a ADI 236, requerida pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro, questionando o artigo 180 da Constituição Estadual, em seu inciso II, que estabelecia a polícia penitenciária. Nessa ação, o ministro Marco Aurélio, ao comentar ressalva feita pelo ministro Moreira Alves, de que o relator não havia tocado no aspecto formal da discussão, afirma estar aguardando “com alguma ansiedade” o voto do ministro Borja, “que pediu vista em processo em que é versado”, para somente então se posicionar quanto à possibilidade, ou não, da própria Constituição dispor sobre determinadas matérias (ver inteiro teor do acórdão da ADI 236, pp. 40-41).

Outro exemplo, na já citada ADI 3.112, que trata do estatuto do desarmamento, também o ministro Marco Aurélio faz um intervenção que reforça a existência de processo deliberativo em plenário,

Senhora Presidente, vou insistir na questão que coloquei inicialmente. A meu ver, nós outros, que estamos na bancada e não examinamos o processo, não temos como, de forma conscientizada, emitir entendimento sobre os diversos dispositivos. Daí a necessidade de retomarmos a tradição de, quando a ação direta de inconstitucionalidade atacar vários preceitos legais, submeter-se ao Plenário dispositivo a dispositivo. Percebo que estamos a pinçar, pela memória, certos artigos. (…) Ultimamente a praxe tem sido esta - o relator realmente examina o todo do diploma, quando, para nós outros, que votamos de ouvido, isso causa uma dificuldade muito grande. (Min. Marco Aurélio, inteiro teor do acórdão da ADI 3.112, pp. 68).

E, nesse mesmo sentido, o debate entre os ministros Pertence, Britto e Aurélio na ADI 3.833, na qual o Partido Popular Socialista questiona o decreto legislativo federal n. 444, de 19 de dezembro de 2002, que dispunha sobre a remuneração dos membros do Congresso Nacional durante a 52a. legislatura,

MIN. PERTENCE: Hoje, os subsídios só poderão, ser fixados por decreto legislativo, não por lei, na conformidade do art. 49, VII, da constituição. MIN. BRITTO: Aí temos outra discordância, Ministro. MIN. PERTENCE: Estamos aqui para discordar. MIN. AURÉLIO: É a beleza do Colegiado: o somatório de forças distintas. (Min. Sepúlveda Pertence, Min. Ayres Britto, Min. Marco Aurélio, inteiro teor do acórdão da ADI 3.833, pp. 45).

Contabilizamos, ainda, a frequência da citação de precedentes na fundamentação do voto dos ministros, e em 78% das decisões aparece menção à “jurisprudência consolidada do Tribunal”.

Observamos, igualmente, a frequência e as justificativas de pedidos de vista pelos ministros ao longo dessas decisões, uma vez que Silva (2013)_________(2013). “Deciding without deliberating”. International Journal of Constitutional Law, Vol. 11 (3), pp. 557-584. DOI: 10.1093/icon/mot019.
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critica também essa possibilidade regimental como um entrave ao processo deliberativo. Concordamos que essa possa ser uma das consequências, mas é preciso considerar outras – por exemplo, a possibilidade do pedido de vista ser motivado pela necessidade do(a) ministro(a) revisar seu voto, ou aprofundar o exame do caso, uma vez que tenha tido contato, no plenário, com argumento(s) diferente(s) do(s) seu(s).

Em 53% das decisões com divisão acirrada não houve pedido de vista, em 39% delas houve um pedido de vista e em 8%, dois pedidos de vista.

Os ministros Borja, Britto, Grau, Mendes e Alves pediram vista em duas dessas ações cada um, e os ministros Aurélio, Direito, Gracie, Jobim, Mello, Pertence, Rezek, Velloso, Peluso e Silveira pediram vista em uma dessas ações, cada um.

Dados apresentados no terceiro relatório do Supremo em Números (ver FALCÃO, HARTMANN e CHAVES, 2014FALCÃO, Joaquim, HARTMANN, Ivar, CHAVES, Vitor. (2014). III Relatório Supremo em Números: O Supremo e o tempo. Rio de Janeiro: Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas. Disponível em: http://hdl.handle.net/10438/12055. Acesso em 07dez2015.
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), contabilizam um total de 481 ADIs com pedido de vista, o que corresponde a aproximadamente 10% do total de ADIs no STF no período coberto pelo relatório (1988-2013). A duração média das ADIs com pedidos de vista devolvidos (94%) era de 1,2 anos, e a duração média dos pedidos de vista ainda em aberto naquele momento contabilizava 3,7 anos.

A média de duração dos pedidos de vista nas decisões com divisão acirrada não variam muito com relação a esses dados, sendo de 1,3 anos no primeiro pedido de vista, com mediana de 6 meses, e 1,2 anos no segundo pedido de vista, com mediana de três meses. O pedido de vista com duração mais elevada nessas ações foi de 3,6 anos - pedido de vista do ministro Nelson Jobim, na ADI 1.648, notando que essa decisão teve um segundo pedido de vista, do ministro Cezar Peluso, que teve a segunda maior duração, levando cerca de 3,4 anos para retornar o caso ao plenário.

Foi comum nessas decisões os ministros atentarem para a importância do pedido de vista, no sentido de ponderarem melhor os argumentos e estudarem as implicações do caso, na busca de uma decisão mais equilibrada e acertada. E também a observação, por parte de alguns ministros de estarem inclinados a pedir vista, mas que o desenrolar das argumentações e das colocações de outros ministros os fizeram dispensar esse recurso.

O espaço de tempo que passou desde o voto do Ministro Carlos Britto permitiu-nos ponderar prudentemente argumentos, bem assim o acesso a textos e esclarecimentos isentos de emoção. O pedido de vista feito pelo Ministro Carlos Alberto Direito foi sábio. Sem esse espaço de tempo, necessário ao exercício da reflexão própria à prhonesis, eu não teria logrado alinhar as razões que conformam o voto que passo a formular. O tempo é indispensável ao exercício da prudência, ainda que isso cause transtorno aos interessados mais estouvados. Consumiremos, na prolação de nossos votos, as horas necessárias ao correto desempenho do nosso ofício. Nobre ofício, em especial quando diante de matéria dotada de complexidade, qual a de que ora cogitamos. Não há nem deve haver limitação de tempo para a prolação de nossos votos. Estou certo de que falo, neste momento, por toda a Corte, que aqui está para prestar acatamento à Constituição, não à comodidade dos interessados. (Min. Eros Grau, inteiro teor do acórdão da ADI 3.510, pp. 316).

Eu ia pedir vista, diante da ausência de controvérsia que se colocava, mas posta a questão pelo Ministro Marco Aurélio e agora pelo Ministro Cezar Peluso, não vejo como acompanhar a Ministra-Relatora. Até poderia aderir a tese, mas também não me sentiria confortável se seguisse as premissas do voto de V. Exa. quanto ao não conhecimento da ação direta por razões técnico-jurídicas (…) (Min. Gilmar Mendes, inteiro teor do acórdão da ADI 2.885, pp. 26).

Com a votação tão dividida – cinco a cinco – que me exige o voto de desempate, normalmente haveria eu de pedir vista dos autos para aprofundar meu estudo. Mas, desde o início, com a devida vênia dos que pensam em contrário, convenci-me da procedência da ação. (Min. Sidney Sanches, inteiro teor do acórdão da ADI 139, pp. 35).

Dois últimos aspectos que julgamos relevantes para compreender o processo deliberativo é a frequência de adesão direta de um ministro ao voto de outro, sem acrescentar justificativas, e o papel do relator no processo decisório.

No que se refere à adesão de um ministro ao voto de outro, contabilizamos em 75% dessas decisões pelo menos um dos ministros aderindo diretamente ao voto de outro, sem acrescentar argumentos. Um exemplo, é o voto transcrito abaixo, na íntegra, do ministro Eros Grau na ADI 3.833.

Senhora Presidente, quanto à competência do Supremo, desejo reafirmar que ele é um tribunal político porque cuida da viabilidade da polis e a provê. É um Tribunal político porque deve compreender a singularidade de cada situação no âmbito da polis. a lição de Pedro Lessa, relembrada pela Ministra Cármen Lúcia, é simplesmente antológica. Eu gostaria apenas de lamentar a circunstância de votar após as manifestações dos que me antecederam, especialmente o voto da Ministra Carmen Lúcia, que esgota o que eu teria a dizer sobre a matéria. Acompanho o voto do relator. (Min. Eros Grau, inteiro teor do acórdão da ADI 3.833, pp. 28).

Já com relação ao papel do relator, considerando o total de ações decididas majoritariamente, em 85% das vezes ele foi vencedor, e considerando apenas as ADIs decididas com divisão acirrada, em 67% das vezes o relator foi vencedor.

Considerando o total de decisões majoritárias, o ministro que mais ficou vencido como relator foi Marco Aurélio, seguido de Britto, Silveira e Corrêa (vergráfico 3). Já nas ADIs com divisão acirrada, Marco Aurélio ficou vencido 3 vezes, e os ministros Velloso, Gracie, Grau, Galvão, Corrêa, Silveira, Gallotti, Pertence e Sanches ficaram vencidos uma vez cada.

Gráfico 3
Frequência com que ministro relator ficou vencido

Ou seja, ainda naquelas decisões em que cada voto conta, o relator têm peso significativo na determinação do resultado da decisão, sendo muito frequente os ministros acompanharem seu voto. Portanto, a “irrelevância” do relator apontada por Silva (2013)_________(2013). “Deciding without deliberating”. International Journal of Constitutional Law, Vol. 11 (3), pp. 557-584. DOI: 10.1093/icon/mot019.
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, pode ser questionada, uma vez que o posicionamento do relator, tanto no sentido, quanto na fundamentação do voto, é seguido na maioria das vezes, sendo que em diversas ocasiões, sem a adição de outros argumentos.

4. Considerações finais

Nosso objetivo nesse artigo foi analisar o comportamento decisório no Supremo Tribunal Federal em casos de controle de constitucionalidade das leis, examinando a dinâmica de funcionamento do colegiado nos casos que dividiram a corte. Foram três as questões norteadoras: (i) com que frequência e em que situações o STF ficou dividido nos julgamentos de ADIs? (ii) como se deram as composições dos blocos majoritários e minoritários nessas situações, isto é, quem votou com quem? E (iii) como os ministros decidiram, ou seja, como se deu o processo deliberativo?

Constatamos que o Supremo foi bastante consensual em termos de controle concentrado no período analisado, com apenas 28% do total de decisões colegiadas em sede de ADI gerando votos dissidentes. Ainda mais infrequente foi a divisão da corte, sendo que nesses pouco mais de 25 anos apenas 3% do total de decisões colegiadas provocaram divisões acirradas, em que cada voto teve peso considerável.

Em termos da composição de blocos de votação, houve bastante fluidez na corte, havendo apenas duas “panelinhas”, uma com os ministros Alves, Sanches e Corrêa e outra com os ministros Alves, Corrêa e Jobim, ambas alcançando mais de 80% de coesão. E apesar do ministro Marco Aurélio ter sido voto minoritário recorrente, observamos que quando se tratam de questões mais complexas em que cada voto conta, o ministro tendeu a ter um comportamento mais fluido, apresentando alta coesão com o ministro Carlos Velloso.

Observamos, também, que apesar da grande fluidez, há alguns fatores que tornam a constituição de coalizões mais previsíveis, como a combinação do tema em questão e a carreira anterior ao ingresso do ministro no STF, havendo fortes indícios de que os ministros que vieram da magistratura têm maior probabilidade de votarem juntos do que dividir seus votos.

Verificamos que o processo deliberativo no tribunal foi intenso. Na leitura dos acórdãos das decisões em que cada voto conta, ou seja, naqueles casos mais complexos que dividiram o tribunal, encontramos elementos suficientes para relativizar as teses de personalismo decisório, e afirmar a importância da deliberação colegiada na construção das decisões do STF.

Encontramos, ainda, uma série de referências a outros elementos que parecem influenciar a deliberação para além dos fatores legais dos casos, como a opinião pública e os atores e experts chamados a se posicionar na corte, seja por meio de audiências publicas, como amici curie, seja pela manifestação midiática. O voto do ministro Gilmar Mendes, na ADI 3.510, referente a pesquisas com células tronco, exemplifica essas diversas influências, posicionando o colegiado como um espaço de deliberação democrática,

Certamente, a alternativa da atitude passiva de self restraint - ou, em certos casos, de greater restraint, utilizando a expressão de Garcia de Enterria - teriam sido mais prejudiciais ou menos benéficas para a nossa democracia. O Supremo Tribunal Federal demonstra, com este julgamento, que pode, sim, ser uma Casa do povo, tal qual o parlamento. Um lugar onde os diversos anseios sociais e o pluralismo político, ético e religioso encontram guarida nos debates procedimental e argumentativamente organizados em normas previamente estabelecidas. As audiências públicas, nas quais são ouvidos os expertos sobre a matéria em debate, a intervenção dos amici curiae, com suas contribuições jurídica e socialmente relevantes, assim como a intervenção do Ministério Público, como representante de toda a sociedade perante o Tribunal, e das advocacias pública e privada, na defesa de seus interesses, fazem desta Corte também um espaço democrático. Um espaço aberto à reflexão e à argumentação jurídica e moral, com ampla repercussão na coletividade e nas instituições democráticas (Min. Gilmar Mendes, inteiro teor do acórdão da ADI 3.510, pp. 465-466).

Evidente que nosso estudo tem caráter exploratório, havendo a necessidade de pesquisas direcionadas a investigar esses elementos. Mas as evidências levantadas aqui permitem a conclusão de que quando os casos são complexos, com votações apertadas em que cada voto conta, o papel desempenhado pelo colegiado é central na construção das decisões do Supremo Tribunal Federal.

Encontramos nesse estudo evidências que apontam para a possibilidade de relativização das teses do personalismo decisório, demonstrando que, quando a corte se divide, as decisões resultam de um processo deliberativo com intensa troca de ideias e argumentos, gerando até mesmo mudanças na direção de votos já proferidos.

Podemos afirmar, com Ferejohn e Pasquino (2010FEREJOHN, John, & PASQUINO, Pasquale. (2010). The Countermajoritarian Opportunity. Journal of Constitutional Law. Vol 353. Disponível em: http://scholarship.law.upenn.edu/jcl/vol13/iss2/6. Acesso em: 07dez2015.
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: 372-373), que nos casos analisados aqui, os ministros do Supremo trabalharam com discurso persuasivo, deliberando tanto internamente, entre si, a fim de chegar a um acordo sobre as suas decisões, quanto externamente, oferecendo razões para suas decisões ao público mais amplo. Assim, nas decisões em que cada voto conta, pudemos perceber a configuração do Supremo Tribunal Federal como um espaço deliberativo.

  • 1 A pesquisa contou com suporte financeiro da FAPESP. A autora agradece os dois pareceristas anônimos pela leitura cuidadosa e pelas críticas e sugestões ao trabalho.
  • 2 Entre os pioneiros estão CASTROCASTRO, Marcus Faro de. (1997), “O Supremo Tribunal Federal e a judicialização da política”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 12 (34): 147-155. (1993), VIEIRA (1994)VIEIRA, Oscar Vilhena. (1994). O Supremo Tribunal Federal: jurisprudência política. São Paulo, Malheiros Editores., SADEK (1995)SADEK, Maria Tereza Aina. (1995). A Crise do Judiciário Vista Pelos Juízes: resultados da pesquisa quantitativa. São Paulo: Sumaré, 1995. v. 1. 250p., ARANTES (1997)ARANTES, Rogério Bastos. (1997), Judiciário e política no Brasil. São Paulo, Idesp/Sumaré., TEIXEIRA (1997)TEIXEIRA, Ariosto. A judicialização da política no Brasil (1990-1996). (Dissertação). Universidade de Brasília. Brasília, 1997., e VIANNA et al (1999)VIANNA, Luiz Werneck et al. (1999). A Judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro, Iuperj/Revan..
  • 3OLIVEIRA, FALAVINHA e BRAGHIN (2015)OLIVEIRA, Fabiana Luci de. FALAVINHA, Diego H. S. BRAGHIN, Simone. (2015). “Processo decisório no STF e o caso da Reforma do Judiciário”. Revista Direito e Práxis, vol. 6, p. 365-394. DOI: 10.12957/dep.2015.18739.
    https://doi.org/10.12957/dep.2015.18739...
    mapearam os encontros anuais da Associação Nacional de Pós Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS), pesquisando os grupos de trabalho (GTs) que trataram do Judiciário entre 2010-2015, encontrando 18 artigos referentes ao STF, num total de 73 artigos apresentados nesses GTs. Em 61% dos 18 artigos o foco temático é o resultado das decisões; em 22%, os determinantes do processo decisório, e 17% trazem uma análise doutrinário-jurisprudencial de casos de grande repercussão midiática, sendo essas as três categorias temáticas com maior incidência. Os autores mapearam também o portal de periódicos Scielo, sem recorte temporal, mas pesquisando artigos a partir do uso de três palavras-chave (“Supremo Tribunal Federal”, “judicialização da política” e “ativismo judicial”), encontrando um total 46 artigos (exclusivos) sobre o STF. Desses total, 26% dos artigos enfocam o desenho institucional do STF, 20% discutem os determinantes do processo decisório, outros 20% os resultados de decisões de casos de grande repercussão mediática, e 6% trazem análise jurisprudencial, sendo os quatro temas de maior incidência.
  • 4 Ver MAVEETY, 2003MAVEETY, Nancy. (Ed.). (2003). The Pioneers of Judicial Behavior. Ann Arbor: The University of Michigan Press. 433pp..
  • 5 Utilizamos aqui, propositadamente, a expressão do título do artigo de RIGSS (1993) “When every vote counts”.
  • 6 É importante frisar que diferente de Riggs (1993)RIGGS, Robert E. (1993) "When Every Vote Counts: 5-4 Decisions in the United States Supreme Court, 1900-90", Hofstra Law Review: Vol. 21(3), pp. 667-724., que considerada apenas os casos decididos por margem de um voto, incluímos os casos decididos por margem de dois votos, alargando a concepção de “decisão apertada”. Essa escolha se deu basicamente por ser a corte brasileira mais coesa se comparada à norte-americana.
  • 7 A EC 45/2004 aumentou a discricionariedade do STF, com a adoção da repercussão geral, mas ainda assim o STF tem que julgar em controle de constitucionalidade todos os casos que chegam até ele. Assim, ao longo do tempo, os ministros desenvolveram mecanismos processuais para lidar com o volume massivo de casos. VERÍSSIMO (2008)VERISSIMO, Marcos Paulo (2008). A constituição de 1988, vinte anos depois: suprema corte e ativismo judicial "à brasileira". Revista Direito GV, vol.4, n.2, pp. 407-440., por exemplo, aponta para o que chama de “certiorary informal”, destacando “a possível existência de uma espécie de certiorary à brasileira, isto é, de um filtro de cunho processual que pode estar permitindo ao tribunal gerir, de forma eventualmente informal, sua expressiva carga de trabalho” (2008: 416). Entre os mecanismos desse certiorary informal estariam, por exemplo, as decisões monocráticas.
  • 8 SEGAL e SPAETH (2002), ao analisarem o montante de casos decididos pela Suprema Corte norte-americana em 50 anos, entre 1953 e 2003, num total de 12.004 julgados, constataram que apenas 39% dessas decisões foram tomadas de forma unânime.
  • 9 Acreditamos que excluir um outlier de uma composição máxima de 11 ministros em cada decisão, no total de 34 diferentes ministros que fizeram parte do tribunal no período em estudo, tem implicações diferentes da prática usual de excluir outliers de uma amostra em estudos demográficos e populacionais, por exemplo. Assim, como controle para esse tipo de outlier, optamos por observar na configuração de blocos de votação somente aqueles casos em que mais de um ministro votou na minoria. Não questionamos a validade dos estudos que fazem a opção por excluir o ministro Marco Aurélio, mas acreditamos que para o presente estudo, tendo em vista o interesse apresentado, a forma de controle adotada é mais apropriada.
  • 10 Exemplos são a ADI 335, na qual o Tribunal julgou prejudicado o pedido por ilegitimidade ativa “ad causam” da Central Única Dos Trabalhadores, e o ministro Marco Aurélio discordou, reconhecendo-a não como integrante do sistema sindical, mas como entidade de classe de âmbito nacional e conferindo a ela legitimidade para o pedido; a ADI 912 na qual o ministro sugere que não se conteste de imediato a falta de abrangência nacional da Associação Brasileira dos Professores do Ensino Público, sugerindo uma diligência para que a associação comprove ter essa característica, mas fica derrotado com a maioria votando pela ilegitimidade ativa e ele concluindo pelo “enquadramento no permissivo constitucional alusivo à legitimidade”; a ADI 1.788, na qual reconhece legitimidade à Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais, afirmando serem eles também notários em uma associação de segmento específica compatível com a associação mais abrangente de Notários e Registradores do Brasil; e a ADI 2.353, na qual reconhece legitimidade à Associação Nacional do Ministério Público Junto aos Tribunais de Contas (dos Estados, Distrito Federal e Municípios).
  • 11 Exemplos são a ADI 17, proposta pela Federação Nacional dos Engenheiros, e a ADI 466, proposta pelo PSB.
  • 12 Ver, por exemplo, ADI 2.387, referente ao questionamento de lei que disciplina funcionamento das entidades fechadas de previdência. Lê-se no acórdão da decisão que “É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido de que a questão relativa ao decreto que, a pretexto de regulamentar determinada lei, extrapola o seu âmbito de incidência, é tema que se situa no plano da legalidade, e não no da constitucionalidade. No caso, o decreto em exame não possui natureza autônoma, circunscrevendo-se em área que, por força da Lei nº 6.435/77, é passível de regulamentação, relativa à determinação de padrões mínimos adequados de segurança econômico-financeira para os planos de benefícios ou para a preservação da liquidez e da solvência dos planos de benefícios isoladamente e da entidade de previdência privada no seu conjunto.” O voto do ministro Marco Aurélio reconhecia caráter autônomo ao decreto, sendo portanto passível de ser atacado, e justifica afirmando que “tudo recomenda a concessão da liminar, evitando-se, assim, o ajuizamento de inúmeras ações, que teriam desfecho imaginável, inclusive no campo da tutela antecipada, somente servindo ao emperramento, ainda maior, da máquina judiciária.”
  • 13 Essa ação foi julgada em conjunto com as ADIs 3.137, 3.198, 3.263, 3.518, 3.535, 3.586, 3.600, 3.788 e 3.814.
  • 14 O conceito de panelinha é utilizado aqui conforme Oliveira (2012a)OLIVEIRA, Fabiana Luci de (2012a). Processo decisório no Supremo Tribunal Federal: coalizões e 'panelinhas'. Revista de Sociologia e Política (UFPR), v. 20, p. 139-153. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-44782012000400011.
    http://dx.doi.org/10.1590/S0104-44782012...
    .
  • 15 Nesse artigo, não diferenciamos o tipo de ingresso na magistratura. Assim, consideramos como sendo procedente de carreira na magistratura, ministros que tenham exercido o cargo de magistrado anteriormente a sua nomeação do STF, tenham ingressado na carreira pela via do concurso público ou do quinto constitucional.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul 2017

Histórico

  • Recebido
    10 Jul 2016
  • Aceito
    17 Out 2016
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