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Política criminal atuarial: contornos biopolíticos da exclusão penal

Actuarial criminal policy: biopolitical contours of criminal exclusion

Resumo

O presente artigo objetiva analisar a Política Criminal atuarial e sua lógica de atuação, a partir das contribuições das novas tecnologias para, em um segundo momento, buscar explicitar os contornos biopolíticos da tensão segurança versus liberdade que subjaz a essa matriz, procurando evidenciar que, implícito na ideia de eficiência que subjaz à lógica atuarial, está o controle de determinados estratos sociais que se apresentam enquanto meras vidas nuas, ou seja, vidas que podem ser impunemente eliminadas do tecido societal.

Palavras-chave:
Política criminal atuarial; Novas tecnologias; Estado de exceção

Abstract

This article aims to analyze the actuarial Criminal Policy and its logic of operation, from the contributions of new technologies for, in a second time, seeking to explain the bio-political boundaries of the polarization safety versus freedom that underlies this matrix in order to show that implicit in view of efficiency that underlies the actuarial logic is control of certain strata which are presented as mere naked lives, or lives that can be eliminated with impunity.

Keywords:
Actuarial criminal policy; New technologies; State of exception

1 Considerações iniciais

As novas tecnologias apresentam aos discursos e às práticas punitivas a possibilidade sedutora de alcançar, com um grau de eficiência outrora inimaginável, o objetivo principal das políticas criminais contemporâneas – inseridas em um contexto marcado pela preocupação com a segurança em detrimento das liberdades individuais: o controle seletivo de determinados estratos sociais considerados “incorrigíveis” ou, dependendo do grau de franqueza do discurso, “irrelevantes”.

A denominada Política Criminal Atuarial apresenta-se como background para o pensar de um conjunto de soluções para o fenômeno da criminalidade, apoiadas na lógica econômica (atuarismo). A partir de números e estatísticas, a noção de eficiência que subjaz à perspectiva atuarial encontra nas novas tecnologias o instrumental ideal para que a persecução penal apresente o máximo de resultados com o mínimo de dispêndio (econômico) necessário.

Ocorre que, a partir dessa noção de eficiência ínsita à perspectiva atuarial, revela-se um tensionamento – em diferentes níveis – das garantias fundamentais dos cidadãos, tanto daqueles que são perseguidos efetivamente pelo sistema punitivo quanto dos que se encontram imersos em uma sociedade da vigilância, compondo bancos de dados ou, ainda, sendo constantemente monitorados por câmeras nos espaços públicos sem ao menos ter consciência disso. É justamente aqui que se revela a problemática que orienta a discussão empreendida no presente artigo: a partir do descortinamento da Política Criminal Atuarial e da utilização cada vez mais frequente, na seara das práticas punitivas, das novas tecnologias, estaria suplantada a noção de um modelo de Direito Penal de corte liberal – assentado na proteção do indivíduo em face do arbítrio punitivo estatal – em nome de um Direito Penal da exclusão de determinados indivíduos ou grupos considerados de risco – com notas características de um Direito Penal do autor?

O objetivo principal do texto é, em um primeiro momento, analisar a Política Criminal atuarial e sua lógica de atuação, a partir das contribuições das novas tecnologias (bancos de dados e de perfis genéticos, monitoramento eletrônico, escaneres ópticos, etc) para, em um segundo momento, buscar explicitar os contornos biopolíticos da tensão segurança versus liberdade, procurando evidenciar que, implícito na ideia de eficiência que subjaz à lógica atuarial, está o controle de determinados estratos sociais que se apresentam enquanto meras vidas nuas, ou seja, vidas que podem ser impunemente eliminadas do tecido societal (o que permite uma aproximação com a figura do homo sacer, resgatada do direito romano arcaico pelo pensamento do filósofo italiano Giorgio Agamben para ilustrar a situação de determinados sujeitos na contemporaneidade).

O método utilizado na presente pesquisa é o fenomenológico-hermenêutico, desenvolvido nas obras de Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer. A fenomenologia hermenêutica busca relacionar o sujeito (pesquisador) com o objeto (pesquisa), por entender que não há como o pesquisador situar-se para além do objeto pesquisado, não podendo elevar-se para fora dele, estando, dessa forma, o sujeito relacionado com o objeto. Assim, o presente trabalho utiliza-se de tal método de compreensão justamente por entender que a pesquisa ora realizada não se encontra afastada do pesquisador, visto que, este se encontra inserido em uma realidade social em que os fatos analisados na presente pesquisa (implementação da política criminal atuarial, novas tecnologias, etc) existem.

A fenomenologia “constitutiva” heideggeriana desconstrói o conceito do sentido de “ser” (ôntico, de equiparação entre o ser e o ente) da tradição metafísica, definindo a possibilidade da compreensão do sentido de “ser” pela tradição filosófica através da linguagem (de ser não mais como fundamento). A partir da atribuição do sentido de ser, Heidegger considera o processo (círculo) hermenêutico como método de pesquisa ontológico da compreensão (do ser), de constituição da experiência humana (vivências) como processo interpretativo.

2 Minority report e a política criminal atuarial: rumo a um Direito Penal da exclusão?

É cada vez mais evidente, nos discursos criminológicos da contemporaneidade, a compreensão do crime como resultado de um erro de cálculo, como uma espécie de falha na antecipação do risco inerente a uma determinada situação – a exemplo dos discursos do tipo “lei e ordem” analisados por Wacquant (2001)WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. . Ao contrário das teorias criminológicas clássicas – que compreendiam o crime como uma desautorização do soberano – e das teorias sociológicas – que enxergavam o fenômeno da criminalidade como fruto de uma espécie de “determinismo social” –, aquilo a que Garapon (2010)GARAPON, Antoine. La raison du moindre état. Le néolibéralisme et la justice. Paris: Odile Jacob, 2010. denomina de “modelo neoliberal” de criminologia deixa de se ocupar com o tempo presente, cedendo lugar ao futuro, antecipado e planejado nas suas mais obscuras possibilidades. A crescente sensação de insegurança que caracteriza as “cidades-pânico” (VIRILIO, 2011VIRILIO, Paul. Ciudad pánico. Trad. Iair Kon. Buenos Aires: Capital Intelectual, 2011.) contemporâneas exerce uma influência muito notável sobre o sistema penal, condicionando demandas de punitividade que determinam sua crescente centralidade no marco das políticas públicas e acentuam a tensão permanente que subjaz à encruzilhada entre liberdade e segurança (BRANDARIZ GARCÍA, 2014______. El gobierno de la penalidad. La complejidad de la política criminal contemporánea. Madrid: Dykinson, 2014.).

Como no conto Minority Report, de Philip K. Dick (2002)DICK, Philip K. Minority Report: a nova lei. 2. ed. São Paulo: Record, 2002. – que retrata um futuro no qual não há mais crimes, uma vez que eles são previstos antes de acontecer e os responsáveis presos antes de cometê-los – evidencia-se a obsolescência dos discursos normalizadores e ressocializadores no âmbito penal, que passam a ser tratados como meras quimeras e, portanto, absolutamente disfuncionais para orientar o controle social na contemporaneidade.

Nesse marco, a ideia de superação da criminalidade não faz mais sentido, de forma que se torna igualmente ilógico desenhar a Política Criminal operando sobre o infrator individual, a partir de teses sobre as causas do delito, pretendendo incidir sobre as disfunções que geram essas condutas criminosas. A preocupação central, na lógica atuarial, passa a ser detectar e, a partir disso, redesenhar situações consideradas criminógenas, de modo a reduzir as oportunidades para que o crime viceje. Em outras palavras, a Política Criminal passa a se orientar mais pela ideia de conter o temor da criminalidade do que efetivamente reduzir as taxas de delinquência (BRANDARIZ GARCÍA, 2007BRANDARIZ GARCÍA, José Ángel. Política criminal de la exclusión. Granada: Comares, 2007.; 2014a______. La difusión de lógicas actuariales y gerenciales en las políticas punitivas. Revista para el análisis del Derecho. Vol. 2, 2014a. Disponível em: <www.indret.com>. Acesso em: 02 out. 2015.).

Trata-se, em suma, de um modelo que poderia ser denominado de “modelo performativo” de Política Criminal, assentado sob uma lógica de “preeminencia de los medios respecto de los fines”, uma vez que “los nuevos indicadores de éxito tienden a concentrarse más en rendimientos que en resultados”, ou seja, “más en lo que las instancias del sistema penal hacen que en los beneficios sociales que producen -en términos de prevención del delito o de conformación de un modelo garantista-.” (BRANDARIZ GARCÍA, 2014a______. La difusión de lógicas actuariales y gerenciales en las políticas punitivas. Revista para el análisis del Derecho. Vol. 2, 2014a. Disponível em: <www.indret.com>. Acesso em: 02 out. 2015.).

Nesse contexto, a Política Criminal Atuarial revela-se como resultado da transição de um modelo que buscava punir para retribuir, intimidar ou reabilitar indivíduos – conforme a doutrina clássica de justificação da pena seguida – para um modelo que tem por objetivo a utilização da pena para o controle sistemático de determinados grupos que passam a ser considerados “de risco”, mediante estratégias de neutralização, principalmente, dos seus membros “salientes”. Essa incapacitação seletiva seria responsável pelo maior benefício político-criminal com o menor custo econômico possível (DIETER, 2013DIETER, Maurício Stegemann. Política criminal actuarial: a criminologia do fim da história. Rio de Janeiro: Revan, 2013.).

Em outras palavras: uma política criminal que parte da ideia de economia de recursos escassos deve ser capaz de eleger os grupos humanos que requerem um controle prioritário. Isso significa que não se pode deixar de relacionar a Política Criminal atuarial com a crescente preocupação neoliberal com o “gasto público”, que tem determinado que os custos do sistema penal comecem a aparecer como uma variável determinante no desenho das políticas de prevenção e controle. Essa lógica vem a substituir a racionalidade welfarista, que legitimava e orientava as políticas públicas fundamentalmente a partir da perspectiva da sua utilidade para solucionar problemas sociais, o que no âmbito punitivo outorgava prioridade à atenção às causas coletivas da criminalidade (BRANDARIZ GARCÍA, 2014a______. La difusión de lógicas actuariales y gerenciales en las políticas punitivas. Revista para el análisis del Derecho. Vol. 2, 2014a. Disponível em: <www.indret.com>. Acesso em: 02 out. 2015.). Verifica-se, nesse sentido, a ocorrência de um “giro punitivo” que se inicia na segunda metade do século XX: abandona-se cada vez mais a cultura penal assistencial em nome de um sistema sancionatório pautado no castigo, na incapacitação seletiva e na proteção social (GARLAND, 2008GARLAND, David. A cultura do controle. Rio de Janeiro: Revan, 2008.).

Na lógica atuarial parte-se da premissa de que é sempre possível a identificação, em um determinado contexto social, de um número de delinquentes que é relativamente pequeno, mas que invariavelmente são os responsáveis pela maior parte dos delitos cometidos. A partir dessa detecção, é possível predizer, a partir de dados estatísticos, que esses indivíduos continuarão delinquindo, de modo que a sua neutralização ou incapacitação pelo tempo máximo possível provocará, reflexamente, uma redução considerável nos índices de criminalidade. O raciocínio é matemático:

segregar dois anos cinco delinquentes cuja taxa previsível de delinquência é de quatro delitos por ano, gera uma "economia" para a sociedade de 40 delitos e lhe custam 10 anos de prisão. Em contrapartida, se esse mesmo custo de 10 anos de prisão se emprega para segregar cinco anos dois delinquentes, cuja taxa prevista de delinquência é de 20 delitos por ano, a "economia" social é de 200 delitos; e assim, sucessivamente (SILVA SÁNCHEZ, 2013SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do Direito Penal: aspectos a política criminal nas sociedades pós industriais. 3.ed. Tradução: Luiz Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013., p. 170-171).

Desaparece, no contexto da política criminal atuarial, qualquer preocupação com os fatores sociológicos ou até mesmo patológicos que estão por detrás da criminalidade. A lógica que subjaz ao discurso atuarial é estritamente econômica: diante da constatação de que existem poucos delinquentes habituais de existência inevitável e natureza incorrigível, que são os responsáveis pela maioria dos crimes registrados, as palavras de ordem no controle da criminalidade passam a ser a “gestão” e a “distribuição” dos riscos (BRANDARIZ GARCÍA, 2007BRANDARIZ GARCÍA, José Ángel. Política criminal de la exclusión. Granada: Comares, 2007.).

É por isso que Garapon (2010)GARAPON, Antoine. La raison du moindre état. Le néolibéralisme et la justice. Paris: Odile Jacob, 2010. refere o surgimento de um movimento de “apagamento antropológico” do criminoso. De acordo com Delmas-Marty (2010)DELMAS-MARTY, Mireille. Libertés et sûreté dans un monde dengereux. Paris: Éditions Du Seuil, 2010., esse fenômeno denunciado por Garapon pode ser vislumbrado a partir de um processo de “metamorfose” do “ser humano” em “objeto perigoso”, objetivação esta que desumaniza ao invés de responsabilizar. A autora salienta que o termo “desumanização”, aqui, não é apresentado no seu sentido extremo, de tortura, mas sim a partir de formas insidiosas e perniciosas que são apresentadas em nome da realidade e da proteção social – a exemplo dos discursos que sustentam a perspectiva atuarial. A partir desses discursos, na passagem do delinquente “real” ao delinquente “potencial”, o fantasma do “risco zero” conduz ao controle de toda uma população considerada “de risco”, uma vez que, como destaca Brandariz García (2014a)______. La difusión de lógicas actuariales y gerenciales en las políticas punitivas. Revista para el análisis del Derecho. Vol. 2, 2014a. Disponível em: <www.indret.com>. Acesso em: 02 out. 2015., a vigilância passa a ser disseminada espacialmente.

A construção de perfis dos criminosos – particularmente daqueles considerados perigosos em virtude do tipo de delitos habitualmente praticados – assume, nesse contexto, posição central. Com isso, apresenta-se o risco de perpetuação dessas seleções de “grupos de risco”, uma vez que os recursos em matéria de controle se distribuem fundamentalmente em função dos resultados estatísticos prévios da atividade de persecução, criando um círculo vicioso ou uma espécie de profecia autocumprida em matéria de perfis de risco:

de este modo, se menoscaban de forma muy notable las condiciones de vida de determinados grupos poblacionales, y se restringen las posibilidades de reinserción de los individuos pertenecientes a ellos. Al mismo tiempo, este tipo de operatividad selectiva del control penal puede producir efectos perniciosos en materia preventiva, al generar –al menos entre esos grupos sociales- el descrédito del sistema punitivo. (BRANDARIZ GARCÍA, 2014a______. La difusión de lógicas actuariales y gerenciales en las políticas punitivas. Revista para el análisis del Derecho. Vol. 2, 2014a. Disponível em: <www.indret.com>. Acesso em: 02 out. 2015.).

A construção desses perfis viabiliza que os indivíduos pertencentes a grupos de risco sejam facilmente identificados e classificados pelos agentes do sistema punitivo e, reflexamente, neutralizados pelo maior período de tempo possível a partir da aplicação da pena privativa de liberdade. Repristina-se a crença de que “a prisão funciona”, não mais, obviamente, nos moldes foucaultianos (1987)FOUCAULT, Michel.Vigiar e punir. 20. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1987. da produção de corpos docilizados, mas como “instrumento de neutralização e de retribuição que satisfaz as exigências políticas populares por segurança pública e punições duras.” (GARLAND, 2008GARLAND, David. A cultura do controle. Rio de Janeiro: Revan, 2008., p. 59).

Como destaca Dieter (2013DIETER, Maurício Stegemann. Política criminal actuarial: a criminologia do fim da história. Rio de Janeiro: Revan, 2013., p. 100, grifo do autor), “a pena voltou a ser vista apenas como instrumento legal em defesa da sociedade contra a perigosidade de certos delinquentes”. Nesse sentido, não se busca mais “tentar modificar o indivíduo ou seu contexto social”, mas sim enviá-lo para um lugar onde sua “ociosidade forçada” não possa mais ser considerada uma ameaça para os demais. Segundo Brandariz García (2014a)______. La difusión de lógicas actuariales y gerenciales en las políticas punitivas. Revista para el análisis del Derecho. Vol. 2, 2014a. Disponível em: <www.indret.com>. Acesso em: 02 out. 2015., “la Política criminal de gestión de riesgos ha contribuido de manera relevante al relanzamiento de la neutralización como fin punitivo.”

Com isso, promove-se uma sensível redução dos índices de criminalidade que prescinde da realização de reformas estruturais e/ou grandes investimentos em segurança pública ou, ainda, em políticas sociais públicas: “la segregación de ese reducido segmento de infractores habituales permitiría una importante disminución de la criminalidad, sin necesidad de expansión penitenciaria, y con un limitado empleo de recursos públicos.” (BRANDARIZ GARCÍA, 2014a______. La difusión de lógicas actuariales y gerenciales en las políticas punitivas. Revista para el análisis del Derecho. Vol. 2, 2014a. Disponível em: <www.indret.com>. Acesso em: 02 out. 2015.). Para os criminosos reincidentes, incapacitação física de segurança máxima – a exemplo do Regime Disciplinar Diferenciado instituído no Brasil por meio da Lei nº 10.792/2003; para os delinquentes eventuais, vigilância virtual e tecnológica de baixo custo – a exemplo do monitoramento eletrônico instituído no Brasil por meio da Lei nº 12.258/2010.

3 Novas tecnologias e política criminal atuarial: do portrait parlé de Bertillon à coleta de DNA, a conformação de um modelo de Direito Penal de autor

No âmbito da política criminal atuarial, as novas tecnologias assumem posição central. Para a detecção dos perfis de delinquentes (reincidentes, eventuais, perigosos, etc), assume cada vez maior relevância, por exemplo, a manutenção de bancos de dados – como aqueles “operados” pelos precognitivos (“que devem ver longe no futuro”) do conto de Dick (2002)DICK, Philip K. Minority Report: a nova lei. 2. ed. São Paulo: Record, 2002.. Essas técnicas de armazenamento de informações em arquivos e fichários acerca das características físicas dos criminosos remonta à segunda metade do século XIX, quando a figura do “delinquente habitual” assume o centro das preocupações no que diz respeito às medidas/práticas punitivas e sua eficácia.

É nesse período que nasce o portrait parlé – retrato falado – desenvolvido pelo funcionário da polícia francesa Alphonse Bertillon. Por esse método, qualquer pessoa detida era imediatamente submetida a uma série de medições do crâneo, braços, dedos das mãos e pés, orelhas e rosto. Em seguida, o suspeito era fotografado de frente e de perfil, e ambas as fotografias eram armazenadas na “ficha Bertillon”, que continha os dados necessários para a sua identificação (AGAMBEN, 2011______. Desnudez. Barcelona: Editoral Anagrama, 2011.).

Posteriormente, o funcionário da administração colonial inglesa Francis Galton começou a formular um sistema de classificação de impressões digitais que permitia a identificação dos reincidentes sem possibilidade de erro. Galton entendia que esse método era fundamental principalmente para identificação de delinquentes nativos das colônias inglesas – cujas características físicas tendiam a se confundir e a parecer idênticas aos olhos europeus. Esse método também se mostrou eficaz no âmbito da prostituição, pois evitava o contato – promíscuo, embaraçoso – com o corpo das mulheres (AGAMBEN, 2011______. Desnudez. Barcelona: Editoral Anagrama, 2011.).

Já nos primeiros vinte anos do século XX, o sistema de impressões digitais se difunde em todos os países do mundo, substituindo o método Bertillon. Ou seja: as técnicas desenvolvidas para identificação de delinquentes habituais/reincidentes se estendem, ao longo do século XX, a todos os cidadãos, por meio dos cartões de identidade civil.

Segundo Agamben (2011)______. Desnudez. Barcelona: Editoral Anagrama, 2011., pela primeira vez na história da humanidade, a identidade deixa de ser estabelecida em função da “persona” social e de seu reconhecimento, e passa a sê-la por meio de dados biológicos que não mantém com ela nenhuma relação. Nesse contexto, “o fato mais neutro e mais privado se torna assim o veículo da identidade social, removendo seu caráter público.” (AGAMBEN, 2015______. Uma cidadania reduzida a dados biométricos: como a obsessão securitária faz mudar a democracia. In. GLOECKNER, Ricardo Jacobsen; FRANÇA, Leandro Ayres; RIGON, Bruno Silveira. Biopolíticas: estudos sobre política, governamentalidade e violência. Curitiba: iEA Academia, 2015, p. 125-134., p. 130). Segundo o filósofo italiano,

ya no son los “otros”, mis semejantes, mis amigos o enemigos, los que garantizan mi reconocimiento, y tampoco mi capacidade ética de no coincidir con la máscara social que he assumido: lo que ahora define mi identidad y permite reconocerme son los arabescos insensatos que mi pulgar teñido de tinta ha dejado sobre una hoja en una comisaría de policía. Es decir, algo de lo que no sé absolutamente nada, con lo cual y por lo cual no puedo identificarme de ningún modo ni tomar distancia: la vida desnuda, un dato puramente biológico (AGAMBEN, 2011______. Desnudez. Barcelona: Editoral Anagrama, 2011., p. 68).

Na contemporaneidade, na medida em que as novas tecnologias de controle se tornam cada vez mais invasivas e se amplia a vigilância dos indivíduos por meio de dados – a exemplo dos bancos de dados de perfis genéticos para fins de investigação criminal, instituídos no Brasil por meio da Lei nº 12.654/20121 1 No Brasil, a identificação genética foi viabilizada por meio da Lei nº 12.654/2012, que alterou as Leis nº 12.037/2009 e 7.210/1984, ao prever a possibilidade de coleta de material genético como forma de identificação criminal. No caso da Lei nº 12.037/2009, foi incorporado um parágrafo único ao art. 5º para viabilizar a utilização da identificação por meio do DNA. Outrossim, o art. 5º-A foi incorporado ao texto legal para regulamentar o armazenamento e tratamento dessas informações. O caput do dispositivo reza que “os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser armazenados em banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade oficial de perícia criminal.” Os parágrafos 1º a 3º do dispositivo em comento preconizam que as informações genéticas armazenadas “não poderão revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto determinação genética de gênero”. Além disso, estabelece-se que os dados constantes dos bancos serão mantidos em sigilo, bem como que “as informações obtidas a partir da coincidência de perfis genéticos deverão ser consignadas em laudo pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado.” Os arts. 7º-A e 7º-B, também incorporados à Lei nº 12.037/2009 pela Lei nº12.654/2012 estabelecem, respectivamente, “a exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá no término do prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito” e que “a identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo.” O regulamento em questão se deu por meio da instituição, por meio do Decreto nº 7.950/2013, do Banco Nacional de Perfis Genéticos e a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos. No que se refere à Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execuções Penais), houve a incorporação do art. 9º-A, que estabelece que os condenados por crime dolosamente praticado com violência de natureza grave contra pessoa, bem como os autores de crimes considerados hediondos (nos termos do art. 1º da Lei nº 8.072/1990) serão compulsoriamente submetidos à identificação genética, mediante extração de DNA com o emprego de técnica adequada e indolor. O parágrafo primeiro reitera o disposto no art. 7º-B da Lei 12.037/2009 e o parágrafo segundo dispõe que “a autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético.” –, teme-se o advento de uma espécie de “cultura da vigilância” quase que generalizada. Isso fica muito evidente, por exemplo, no caso das políticas recentemente implementadas – tanto nos EUA quanto nos países centrais europeus – no se refere ao controle de fluxos migratórios.

Após os eventos de 11 de setembro de 2001, o amálgama estrangeiro-terrorista, ao se estender por todo o planeta, tem contribuído no sentido de trivializar os procedimentos de internação, de duração cada vez mais longa, impostos aos imigrantes em situação irregular, percebidos como sujeitos potencialmente perigosos por uma sociedade do medo que prefere abrir-se à livre circulação de mercadorias do que à livre circulação de seres humanos (DELMAS-MARTY, 2010DELMAS-MARTY, Mireille. Libertés et sûreté dans un monde dengereux. Paris: Éditions Du Seuil, 2010.).

Por outro lado, o acordo firmado pelos EUA com a União Europeia em 2007, denominado “Acordo sobre o tratamento e a transferência de dados contidos nos registos de identificação dos passageiros pelas transportadoras aéreas para o Departamento da Segurança Interna dos Estados Unidos” – ou Passenger Name Record (PNR) – justifica a invasão na vida privada das pessoas, sob o argumento de que a partilha de dados contidos nos PNR “permite lutar contra o terrorismo e a criminalidade organizada, proteger os interesses vitais das pessoas e impedir que certos indivíduos se subtraiam à aplicação de mandados e medidas de detenção.”2 2 Informações disponíveis em: <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=URISERV:l33277>. Acesso em 24 set. 2015.

Outro exemplo emblemático de utilização de bancos de dados com caráter de prevenção à prática delitiva pode ser buscado nas medidas utilizadas pelo governo norteamericano para a prevenção eficaz aos delitos sexuais, por meio da criação do registro nacional compulsório de todos os indivíduos que foram processados ou condenados por esses crimes. Bancos de dados online contendo dados dos delinquentes sexuais foram criados e estão à disposição de todos para consulta irrestrita na Internet3 3 No site <http://www.nsopw.gov/?AspxAutoDetectCookieSupport=1> é possível obter informações sobre o paradeiro de “predadores sexuais” em todos os estados norteamericanos. Em alguns links nele disponibilizados, também é possível localizar o paradeiro de indivíduos condenados por outros crimes, mas considerados de “alto risco”. Acesso em: 25 set. 2015. . O estopim da criação desses bancos foi o estupro e a morte de uma menina norteamericana, Megan Kanka, por um vizinho que morava em frente à sua casa e possuía antecedentes pela prática de crimes sexuais sem que ninguém na vizinhança soubesse. A chamada “Lei de Megan”, em vigor desde 1994 no estado de Nova Jérsei – e que serviu de justificativa para uma emenda na Lei Wetterling, que tornou obrigatório o registro de pessoas condenadas por crimes sexuais em todos os 50 estados norteamericanos –, dispõe que “o rol de delinquentes sexuais deve estar disponível para consulta online, permitindo que qualquer cidadão tenha acesso aos dados pessoais (nome, altura, peso, tatuagens e sinais particulares, etc.), certidão de antecedentes, fotografias e endereço dos cadastrados”, com o objetivo de que “todos possam saber se no seu bairro ou rua residem pessoas com passagem pelo sistema de justiça criminal em função de crimes de natureza sexual”, sendo que “no caso de indivíduos considerados de alto risco a notificação dos futuros vizinhos sobre a iminência de sua saída do sistema prisional é compulsória.” (DIETER, 2013DIETER, Maurício Stegemann. Política criminal actuarial: a criminologia do fim da história. Rio de Janeiro: Revan, 2013., p. 127).

Nesse ponto, também se pode mencionar o surgimento das chamadas “zonas livres de criminosos sexuais”, ou seja, de políticas de urbanismo que proíbem que pessoas condenadas por delitos sexuais residam em determinadas áreas e que submetem os interessados na aquisição de imóveis a um rigoroso processo de seleção4 4 No site <http://www.cga.ct.gov/2007/rpt/2007-R-0380.htm> pode ser consultado um resumo de leis estaduais norte-americanas que restringem o direito de moradia de condenados por delitos sexuais. Acesso em: 25 jun. 2014. . Resultado desse processo é uma extrema exposição, humilhação e perseguição pública dos indivíduos que praticaram delitos sexuais, que os conduz à escolha de uma dentre as seguintes opções: a) assunção do rótulo e reincidência delitiva; b) viver na ilegalidade para não ser reconhecido e evitar a execração pública; c) suicidar-se diante da impossibilidade de coexistência em sociedade. Como assevera Dieter (2013DIETER, Maurício Stegemann. Política criminal actuarial: a criminologia do fim da história. Rio de Janeiro: Revan, 2013., p. 128-129), “a prática decorrente da medida de controle social pode muito bem favorecer a reincidência, pois apenas a última opção não redunda em novo encarceramento; última opção, aliás, que melhor realiza a vontade final de neutralização reitora da política pública de registro compulsório.”

Sobre o tema dos bancos de dados, Agamben (2011)______. Desnudez. Barcelona: Editoral Anagrama, 2011. assevera que, graças ao desenvolvimento de tecnologias biométricas que podem rapidamente revelar impressões digitais ou a estrutura da retina ou da íris por meio de escâneres ópticos, os dispositivos biométricos tendem a sair das chefeaturas de polícia e das oficinas de imigração para penetrar na vida cotidiana:

la entrada en los comedores estudantiles, las escuelas secundarias y hasta las escuelas primarias (las industrias del sector biométrico, que actualmente conocen un desarrollo frenético, recomiendan acostumbrar a los cuidadanos desde pequeños a este tipo de control) en algunos países ya está regulada por un dispositivo biométrico óptico, sobre el que el estudiante posa distraidamente su mano. En Francia y en todos los países europeos se prepara el nuevo carnet de identidad biométrico (INES), provisto de un microchip electrónico que contiene los elementos de identificación (huellas dactilares y fotografia digital) y una muestra de la firma para facilitar las transacciones comerciales. Y, en la incesante deriva gubernamental del poder político, en el que curiosamente convergen tanto el paradigma liberal como el intervencionista, las democracias occidentales se preparan para organizar el archivo de ADN de todos los ciudadanos, tanto con una finalidade de seguridad y de represión del crímen como gestión de la salud pública (AGAMBEN, 2011______. Desnudez. Barcelona: Editoral Anagrama, 2011., p. 69).

Em reportagem publicada na Revista Scientific American Brasil (2014CUIDADO COM OS ESPIÕES DE OLHOS. Scientific American Brasil. Ano 12, n. 141. São Paulo: Duetto Editorial. p. 17, 2014., p. 17) sob o título “Cuidado com os espiões de olhos”, é possível constatar que a preocupação agambeniana encontra eco em uma prática que, desde 2011, já tem sido utilizada por delegacias de polícia em todos os Estados Unidos. Segundo a reportagem, tem sido utilizados dispositivos como o MORIS (Mobile Offender Recognition and Information Sistem), um aplicativo do iPhone que verifica impressões digitais e padrões de íris. Outrossim, a reportagem informa que o FBI tem trabalhado na construção de um banco de dados denominado Next Generation Indentification, que incluirá impressões digitais, impressões palmares, escaneamentos de íris, registros de voz e fotografias de rostos. Ainda de acordo com a revista, pesquisadores da Carnegie Mellon University, sob financiamento do Departamento de Defesa norte-americano, estão aperfeiçoando uma máquina fotográfica capaz de escanear rapidamente a íris de qualquer pessoa em uma multidão a uma distância de dez metros, com qualidade suficiente para banco de dados.

Essas tecnologias representam um grave risco à proteção de direitos fundamentais. Como salienta o Conselho Editorial da Revista Scientific American Brasil (2014CUIDADO COM OS ESPIÕES DE OLHOS. Scientific American Brasil. Ano 12, n. 141. São Paulo: Duetto Editorial. p. 17, 2014., p. 17), assim que o rosto, a íris ou o perfil de DNA humano se transformam em arquivo digital, eles ficam mais difíceis de serem protegidos: “como recentes revelações do NSA deixam claro, o limite entre informações comerciais e governamentais apresenta lacunas, na melhor das hipóteses. Identificadores biométricos também podem ser roubados.” Além disso, no que se refere especificamente ao caso dos bancos de perfis genéticos, “embora a maioria dos bancos de dados de DNA de órgãos de segurança contenha apenas trechos do genoma, agências podem manter amostras físicas de DNA eternamente.” Isso levanta à questão “do que futuras ferramentas de análise genética serão capazes de discernir.”

Esses riscos apresentados pela Scientific American não passam despercebidos à análise agambeniana (2011, p. 70), quando o filósofo salienta que, “en manos de un poder semejante, el exterminio de los judíos (y cualquier otro genocicio imaginable), que se llevó a cabo sobre bases documentales incomparablemente menos eficaces, habría sido total y rapidíssimo.” Ainda de acordo com Agamben (2011______. Desnudez. Barcelona: Editoral Anagrama, 2011., p. 70-71), a redução da vida humana a um puro dado biológico é hoje um fato consumado, sendo justamente esta a base da identidade que o Estado reconhece aos seus cidadãos:

así como el deportado a Auschwitz ya no tenía nombre ni nacionalidad y era sólo ese número que se le tatuaba en el brazo, del mismo modo el ciudadano contemporáneo, perdido en la masa anónima, equiparado a un criminal en potencia, se define sólo a partir de sus datos biométricos y, en última instancia, a través de una especie de antiguo destino aún más opaco e incomprensible: su ADN.

Nesse marco, é possível asseverar que, se no passado a política criminal se preocupava com o crime de modo retrospectivo e individual, de modo a isolar o ato ilícito individual e atribuir-lhe uma pena ou um tratamento, hoje – com o auxílio das novas tecnologias na investigação e persecução criminal – o crime é visto de modo prospectivo, e em termos agregados, como forma de calcular riscos e estabelecer medidas preventivas (GARLAND, 2008GARLAND, David. A cultura do controle. Rio de Janeiro: Revan, 2008.).

Para alcançar esses objetivos, a Política Criminal Atuarial aplica aos comportamentos humanos as técnicas estatísticas desenvolvidas para as finanças e os seguros para calcular os riscos: os atuários procuram por “fatores salientes” que determinam estatisticamente maiores riscos de um comportamento delituoso, de modo a fazer com que a intervenção punitiva incida certeira sobre esses indivíduos, incapacitando-os (BRANDARIZ GARCÍA, 2007BRANDARIZ GARCÍA, José Ángel. Política criminal de la exclusión. Granada: Comares, 2007.; GARAPON, 2010GARAPON, Antoine. La raison du moindre état. Le néolibéralisme et la justice. Paris: Odile Jacob, 2010.). O objetivo do novo modelo é gerenciar grupos, não punir indivíduos: sua finalidade não é combater o crime – embora saiba se valer dos rótulos populistas, quando necessário – mas identificar, classificar e administrar segmentos sociais indesejáveis na ordem social da maneira mais fluida possível (DIETER, 2013DIETER, Maurício Stegemann. Política criminal actuarial: a criminologia do fim da história. Rio de Janeiro: Revan, 2013., p. 20, grifos do autor).

A própria lei penal, nessa perspectiva, precisa passar por um processo de reformulação, de modo a abandonar parâmetros axiológicos de justiça e abrir espaço para a automação da repressão, transformando policiais, promotores, juízes e agentes penitenciários em gestores, que não precisam definir suas ações com base em interpretações pessoais ou normativas, mas somente a partir da estatística aplicada (DIETER, 2013DIETER, Maurício Stegemann. Política criminal actuarial: a criminologia do fim da história. Rio de Janeiro: Revan, 2013., p. 119, grifo do autor).

Nessa ótica, a neutralização eficiente dos grupos considerados perigosos, evidencia uma preocupação cada vez maior com o “custo” da justiça e com a necessidade de contenção dos gastos públicos relacionados à atuação do sistema penal. Como salienta Dieter (2013DIETER, Maurício Stegemann. Política criminal actuarial: a criminologia do fim da história. Rio de Janeiro: Revan, 2013., p. 140), “ao contrário dos profissionais de saúde, os atuários não têm, em princípio, compromisso ético com o tratamento do sujeito e, por isso, não precisam explicar a prática de atos violentos. Basta prevê-los.” Nessa ótica, se a figura do delinquente sexual, por exemplo, é predefinida por algumas características objetivas, os agentes da repressão estatal irão se concentrar sobre os indivíduos que correspondem a esses perfis e relaxar a vigilância sobre os demais. Ganha-se, com isso, tempo e, principalmente, dinheiro.

A Política Criminal Atuarial, portanto, preconiza a detecção das características recorrentes de um comportamento humano para melhor preveni-lo. A partir de uma perspectiva gerencialista, entende-se que, primeiramente, é preciso identificar os indivíduos com “perfil de risco” para, em um segundo momento, classificar esses indivíduos em busca dos que efetivamente podem ser considerados “perigosos” ou de “alto risco” a fim de viabilizar, assim, a criação de mecanismos aptos a neutralizá-los pelo maior período de tempo possível (DIETER, 2013DIETER, Maurício Stegemann. Política criminal actuarial: a criminologia do fim da história. Rio de Janeiro: Revan, 2013.).

Abandona-se, nessa perspectiva, qualquer pretensão normalizadora dos sujeitos. A lógica atuarial não se preocupa com as causas pessoais ou sociais do comportamento delitivo, e renuncia às medidas de tratamento: “su finalidad fundamental es la gestión del riesgo, y para ello, se concentra en la neutralización de la peligrosidad de determinados sectores.” (BRANDARIZ GARCÍA, 2007BRANDARIZ GARCÍA, José Ángel. Política criminal de la exclusión. Granada: Comares, 2007., p. 86). Isso, segundo Garapon (2010)GARAPON, Antoine. La raison du moindre état. Le néolibéralisme et la justice. Paris: Odile Jacob, 2010. representa uma completa descontextualização e a-historicização dos eventos, fazendo surgir uma espécie de “criminologia do fim da história”, que não mais ambiciona a reabilitação dos criminosos, mas que demanda aos indivíduos apenas “adaptação”.

Em suma, como destaca Luca D’Ambrosio (2014D’AMBROSIO, Luca. ¿De la incapacitación a la exclusión? Peligrosidad y Derecho Penal en Italia. In. ARROYO, Luis; DELMAS-MARTY, Mireille; DANET, Jean; SÁNCHEZ, María Acale (editores). Securitarismo y Derecho penal. Por un Derecho penal humanista. Cuenca: Ediciones de la Universidad de Castilla-La Mancha, 2014, p. 189-208., p. 202), assiste-se a um modelo de política criminal a partir do qual “la ley construye el tratamiento penal que más se aleja de los índices de gravedad del delito (y por tanto de un Derecho penal de la culpabilidade), para concentrarse sobre las cualidades subjetivas del autor (deslizándose hacia un Derecho penal de autor).” Nesse contexto, o denominado “multirreincidente”, antes de ser considerado como “una persona socialmente fiable que puede tropezar en el caminho resbaladizo de la legalidade”, passa ser visto como um inimigo a ser abatido:

la marca de Caín se le ha quedado grabada a fuego por el solo hecho de ser considerado multireincidente e independentemente de la naturaliza o de la gravedad de los delitos cometidos. Además, una vez grabada ya no puede ser borrada: la peligrosidad del multireincidente es de hecho una peligrosidad ‘permanente’, ‘indiferenciada’ a cualquier observación empírica, incluso la indicadora de su cese.

Em um contexto tal, a periculosidade do multirreincidente, que justifica a adoção de medidas punitivas mais drásticas, não decorre da gravidade dos crimes cometidos, mas sim das qualidades pessoais de seu autor, decorrentes do seu pertencimento a determinadas categorias de sujeitos – considerados “de risco”. Este conceito de periculosidade se mostra não somente privado de fundamento epistemológico e criminológico, como também desprovido de fundamento constitucional, uma vez que ao impedir uma correta individualização da pena em função da culpabilidade efetiva do autor do delito, o tratamento diferenciado reservado aos multirreincidentes se revela como um verdadeiro dispositivo de segregação, chocando assim com os princípios de legalidade, de culpabilidade e de reinserção (D´AMBROSIO, 2014).

Com efeito, as estimativas estatísticas de riscos somente podem ser realizadas a partir da valoração das peculiaridades de determinados grupos. Este modo de organizar a prevenção criminal implica que os sujeitos são integrados em grupos de risco, independentemente de terem ou não um histórico delitivo, o que resulta preocupante a partir de uma ótica garantista, afinal, “los instrumentos actuariales de medición de riesgo condicionan la ejecución de las sanciones, centrándose menos en el hecho cometido que en el perfil formalizado del infractor.” (BRANDARIZ GARCÍA, 2014a______. La difusión de lógicas actuariales y gerenciales en las políticas punitivas. Revista para el análisis del Derecho. Vol. 2, 2014a. Disponível em: <www.indret.com>. Acesso em: 02 out. 2015.).

Há, aqui, claramente, a conformação de um modelo de Direito Penal de autor, uma vez que a Política Criminal se mostra explicitamente orientada “a controlar e reprimir agrupamentos antes que comportamentos, já que são aqueles os que se consideram como sendo portadores dos riscos e perigos para os bons cidadãos.” Em essência, busca-se, por meio da “prevenção”, a contenção e a constante vigilância desses grupos, em detrimento da colocação em prática de “políticas tendentes a diminuir as causas dessa possível periculosidade”, já que “o interesse maior está em diminuir o risco de vitimização e em aplacar o temor ao delito”, mesmo que, para tanto, se faça “uso de técnicas de exclusão de determinadas pessoas.” (CARUNCHO; CABRAL, 2014CARUNCHO, Alexey Choi; CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. A neurociência e as consequências sancionatórias a partir de uma desconsideração da linguagem. In. BUSATO, Paulo César (org.). Neurociência e Direito Penal. São Paulo: Atlas, 2014, p. 143-164., p. 151-152, grifo dos autores). Retomando as palavras de Dick (2002)DICK, Philip K. Minority Report: a nova lei. 2. ed. São Paulo: Record, 2002. no conto Minority Report, o risco que se descortina, em um contexto tal, é o de se alcançar uma sociedade “segura”, na qual não há crimes maiores – como salienta o personagem Anderton – graças à criação de campos de detenção abarrotados de supostos criminosos.

Por meio dessas medidas, a fórmula “por razões de segurança” opera em praticamente todos os domínios, “enquanto palavra-chave para a imposição de medidas que a sociedade não teria motivos para aceitar em outro contexto.” Não se leva em conta – talvez justamente porque não se perceba – “que essas medidas de segurança até então possuíam um cunho exclusivamente emergencial estariam sendo utilizadas como uma tecnologia permanente para governar.” (CARUNCHO; CABRAL, 2014CARUNCHO, Alexey Choi; CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. A neurociência e as consequências sancionatórias a partir de uma desconsideração da linguagem. In. BUSATO, Paulo César (org.). Neurociência e Direito Penal. São Paulo: Atlas, 2014, p. 143-164., p. 153-154). Agamben (2015______. Uma cidadania reduzida a dados biométricos: como a obsessão securitária faz mudar a democracia. In. GLOECKNER, Ricardo Jacobsen; FRANÇA, Leandro Ayres; RIGON, Bruno Silveira. Biopolíticas: estudos sobre política, governamentalidade e violência. Curitiba: iEA Academia, 2015, p. 125-134., p. 125) assevera, a propósito, que a expressão “‘por razões de segurança’ [...] funciona como um argumento de autoridade que, cortando qualquer discussão pela raiz, permite impor perspectivas e medidas que não seriam aceitas sem ela.” Isso evidencia aquilo a que o referido autor (2004; 2010) tem denominado como “estado de exceção permanente”.

4 Quando a exceção é a regra: a produção da vida nua a partir da lógica da “imunização” decorrente da aliança da Política Criminal Atuarial com as novas tecnologias

Como se demonstrou no tópico precedente, a Política Criminal Atuarial, ao se apropriar das novas técnicas reveladas pelas recentes descobertas tecnológicas para fins de investigação/persecução criminal, orientada pela ideia de eficiência que subjaz à lógica atuarial, representa o nascimento de uma nova versão do “biopoder”, ou seja, do controle/poder sobre a vida – ou biopolítica –5 5 Por biopolítica compreende-se uma cada vez maior implicação da vida natural do homem nos mecanismos e nos cálculos do poder. O termo é utilizado por Foucault para designar o modo por meio do qual o poder se encaminha para a transformação, entre o final do século XVIII e início do século XIX, rumo a uma forma de governo que não tem por destinatários os indivíduos singularmente considerados – por meio de uma série de procedimentos disciplinares –, mas também o conjunto dos seres vivos que compõem a população (REVEL, 2011). Na concepção de Foucault (2010, p. 201-202), a biopolítica, ou seja, essa “assunção da vida pelo poder” ou “estatização do biológico” foi “um dos fenômenos fundamentais do século XIX” e representa um câmbio importante em relação à teoria clássica da soberania: se na teoria clássica da soberania o soberano, ao deter o poder em relação à vida e à morte do súdito, poderia fazê-lo morrer ou deixá-lo viver, a biopolítica é o fenômeno que vai completar esse velho direito de soberania “com outro direito novo, que não vai apagar o primeiro, mas vai penetrá-lo, perpassá-lo, modificá-lo, e que vai ser um direito, ou melhor, um poder exatamente inverso: poder de ‘fazer’ viver e de ‘deixar’ morrer.” Na mesma linha de raciocínio, “pode-se dizer que o velho direito de causar a morte ou deixar viver foi substituído por um poder de causar a vida ou devolver à morte.” (FOUCAULT, 2012, p. 150). , que se revela, in casu, a partir do acesso à vida íntima das pessoas (por meio dos bancos de dados de DNA/biométricos, por exemplo), vasculhando-a para fins de produção probatória e/ou controle de “grupos de risco”.

Em nome da segurança, esse direcionamento “seletivo” das armas do sistema punitivo a alguns grupos representa aquilo a que Giorgio Agamben (2004AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Trad. Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004.; 2010AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I. Trad. Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.) tem investigado como uma espécie de “transbordamento” do estado de exceção. Com efeito, sob a retórica da “segurança”, cria-se um verdadeiro estado de emergência que pressupõe – tanto em âmbito nacional quanto internacional – a suspensão da lei, de modo a impor um novo estado de soberania que não somente se exerce fora da lei, mas que também se constrói por meio da criação de uma burocracia administrativa a partir da qual se faculta ao Executivo o poder de determinar, por exemplo, a necessidade de medidas como a paradigmática “detenção indefinida”, viabilizada pelo USA Patriot Act – após os atentados terroristas ocorridos em Nova Iorque em setembro de 2001 (BUTLER, 2009BUTLER, Judith. Vida precária: el poder del duelo y la violencia. Trad. Fermín Rodríguez. Buenos Aires: Paidós, 2009.).

Em um contexto tal, a polícia, diante de muitas situações, torna-se “soberana”, revelando o nexo originário entre direito e violência descortinado pela obra agambeniana (2004; 2010). De acordo com o filósofo italiano, a polícia, ao contrário da opinião de quem a enxerga como uma função meramente administrativa de execução do direito, pode ser considerada o locus onde se mostra com maior clareza a proximidade e o comércio constitutivo entre violência e direito que caracteriza a figura do soberano. Isso porque, se o soberano é aquele que, proclamando o estado de exceção e suspendendo a validade da lei, marca o ponto de indistinção entre violência e direito, a polícia se move sempre em um similar “estado de exceção”, uma vez que as razões de “ordem pública” ou de “segurança”, que devem por ela ser decididas em cada caso singular, configuram uma zona de indistinção entre violência e direito exatamente simétrica àquela da soberania.” (AGAMBEN, 2015a__________. Meios sem fim: notas sobre a política. Trad. Davi Pessoa. 1. reimp. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015a.).

Isso fica muito evidente quando se retoma o já discutido tema do controle policialesco das zonas de imigração. Nele, Agamben (2004a)______. Não à tatuagem biopolítica. Folha de São Paulo, São Paulo, 18 jan. 2004a. identifica aquilo que, na contemporaneidade, representa uma generalização, ou seja, uma aplicação a todos os cidadãos, daquelas técnicas e dispositivos que foram gestados para “as classes perigosas”. Nesse sentido, “os Estados, que deveriam constituir o espaço da vida política, fizeram dela o suspeito por excelência, a tal ponto que é a própria humanidade que se tornou a classe perigosa.”

Nestes casos, evidencia-se uma espécie de “suspensão da lei” ou, ainda, sua consideração enquanto um “instrumento” que o Estado pode colocar a serviço do constrangimento ou da delimitação de uma determinada população. A lei é suspensa para cumprir com os requisitos de um Estado que busca cada vez mais dotar o Executivo e a administração de um poder soberano. A suspensão da lei se dá em nome da “soberania” da nação, entendida como a obrigação de qualquer Estado em preservar e proteger sua própria territorialidade. Por meio desse ato, o Estado resta então desarticulado em um conjunto de poderes administrativos que em alguma medida situam-se no exterior do próprio aparato estatal, ainda que as formas de soberania que ressuscitam em seu interior sinalizam a persistência de formas de poder para o Executivo que são prévias à emergência do Estado moderno (BUTLER, 2009BUTLER, Judith. Vida precária: el poder del duelo y la violencia. Trad. Fermín Rodríguez. Buenos Aires: Paidós, 2009.).

Por meio dessa suspensão da lei, o Estado acaba por produzir “leis que não são leis”, assim como “Cortes que não são Cortes” e “processos que não são processos”: o estado de exceção “retrotrae el funcionamiento del poder de un conjunto de leyes (judiciales) a un conjunto de normas (gubernamentales) que restablecen el poder soberano”, sendo que essas normas “no son obligatorias a causa de las leyes establecidas o de modos de legitimación, sino completamente discrecionales, incluso arbitrarias, ejercidas por funcionarios que las interpretan unilateralmente y que deciden las condiciones y la forma en que son invocadas.” (BUTLER, 2009BUTLER, Judith. Vida precária: el poder del duelo y la violencia. Trad. Fermín Rodríguez. Buenos Aires: Paidós, 2009., p. 91-92).

No contexto delineado, a lei não é aquilo a que o Estado está sujeito e também não representa um critério de aferição da legitimidade dos atos de governo. Enquanto mero “instrumento”, a lei se transforma em um dispositivo de poder que pode ser aplicado ou suspenso à vontade. Isso significa afirmar que a soberania, na contemporaneidade, consiste na possibilidade de uma aplicação variável da lei, em sua tergiversação e em sua suspensão. Estabelece-se uma relação de exploração instrumental, desdenhosa, substitutiva e arbitrária da lei (BUTLER, 2009BUTLER, Judith. Vida precária: el poder del duelo y la violencia. Trad. Fermín Rodríguez. Buenos Aires: Paidós, 2009.). Em razão disso, “una vez que la auto-referencialidad de la soberanía deja de coincidir con cuestiones de legitimidad, la ley subsiste como táctica”, ou seja, trata-se de “una táctica de gobernabilidad que incluye la suspensión de la ley como mecanismo para restablecer y reforzar el poder soberano.” (SKULJ, 2010SKULJ, Agustina Iglesias. La política criminal del enemigo: riesgo y tecnologías de control en tiempos excepcionales. 2010. Disponível em: <http://ruc.udc.es/dspace/bitstream/2183/8312/2/AD_14_2010_art_26.pdf.txt>. Acesso em: 21 jan. 2016.
http://ruc.udc.es/dspace/bitstream/2183/...
, p. 511).

Em um contexto tal, a criação de bancos de dados de DNA, o fichamento eletrônico de impressões digitais e de retinas, a tatuagem subcutânea e outras práticas similares são elementos que evidenciam essa suspensão da lei em nome do restabelecimento/reforço do poder soberano. De acordo com a leitura agambeniana (2004a)______. Não à tatuagem biopolítica. Folha de São Paulo, São Paulo, 18 jan. 2004a., as razões de segurança evocadas para legitimá-las não devem causar nenhum espanto, uma vez que essas medidas não têm qualquer relação com as razões aventadas para a sua utilização. Segundo o autor, a própria história nos mostra que aquelas práticas inicialmente reservadas para os “estrangeiros” acabaram sendo aplicadas ao conjunto dos “cidadãos”, o que acaba por revelar que

o que está em jogo aqui não é nada menos que a nova relação biopolítica supostamente ‘normal’ entre os cidadãos e o Estado. Essa relação não tem mais nada a ver com a participação livre e ativa na esfera pública, mas diz respeito ao registro e fichamento do elemento mais privado e incomunicável da subjetividade: falo da vida biológica dos corpos.

Em Agamben (2004AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Trad. Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004., p. 44), essa utilização da lei como “instrumento” e essa cada vez maior implicação da vida natural, biológica, do homem, nos cálculos de poder, evidencia que o estado de exceção “tende cada vez mais a se apresentar como o paradigma de governo dominante na política contemporânea”, já que tende por “toda parte a coincidir com o ordenamento normal, no qual tudo se torna assim novamente possível.”

Esse “transbordamento” do estado de exceção é visualizado pelo sobredito autor como uma tendência em ato em todas as democracias ocidentais, nas quais a declaração de um estado de exceção é progressivamente substituída por uma generalização sem precedentes do paradigma da segurança como técnica “normal” de governo. De acordo com Castro (2012CASTRO, Edgardo. Introdução a Giorgio Agamben: uma arqueologia da potência. Trad. Beatriz de Almeida Magalhães. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012., p. 76-77), “a tese histórico-interpretativa sustentada por Agamben é, precisamente, de que, a partir de sua criação, a história do estado de exceção é a história de sua progressiva emancipação a respeito das situações de guerra, para converter-se em um instrumento extraordinário da função de polícia que exerce o governo e, finalmente, no paradigma de governo das democracias contemporâneas.” A ideia agambeniana é demonstrar que “o estado de exceção independe progressivamente da ameaça bélica, que originalmente o justificava, desloca-se até as situações de emergência econômica (crises econômicas, desvalorizações drásticas) e finalmente converte-se em uma prática habitual” (CASTRO, 2012CASTRO, Edgardo. Introdução a Giorgio Agamben: uma arqueologia da potência. Trad. Beatriz de Almeida Magalhães. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012., p. 77), revelando, nesse sentido, os seus contornos biopolíticos.

Nesse sentido, o biopoder pode ser compreendido como aquele poder que é exercido sobre a vida, fixando-se ao longo de todo o seu desenrolar. Segundo Esposito (2006ESPOSITO, Roberto. Biopolítica y filosofía. Buenos Aires: Grama Ediciones, 2006., p. 7), em sua formulação mais genérica, a biopolítica refere-se à “implicación cada vez más intensa y directa que se estabelece, a partir de cierta fase que se puede situar en la segunda modernidad, entre las dinámicas políticas y la vida humana entendida en su dimensión especificamente biológica.”

E o refinamento da tese foucaultiana reside justamente nesse ponto: a biopolítica enquanto forma encontrada pelo Estado para “gerir a vida da população” não pode ser ingenuamente compreendida pelo seu “caráter humanitário” de administrar, por meio de intervenções políticas, as condições de vida da população. Há um aspecto violento desse controle, denunciado pelo autor e que vem ao encontro da discussão ora empreendida, que reside justamente na exigência contínua e crescente da morte (não apenas no sentido literal, mas também no sentido de “neutralização”6 6 Nesse ponto, é importante consignar que, por “tirar a vida” não se compreende, na perspectiva foucaultiana (2010, p. 216), unicamente o assassínio direto, mas também tudo que pode ser considerado assassínio indireto: “o fato de expor à morte, de multiplicar para alguns o risco de morte ou, pura e simplesmente, a morte política, a expulsão, a rejeição.” ) em massa do “outro”, enquanto instrumento privilegiado para a garantia de melhores meios de sobrevivência de uma determinada população. Nessa lógica, “o poder de expor uma população à morte geral é o inverso do poder de garantir a outra sua permanência em vida.” (FOUCAULT, 2012______. História da Sexualidade I: A Vontade de Saber. Trad. Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 22ª. Impressão. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2012., p. 149).

Portanto, na medida em que o biológico passa a refletir-se no político, toda forma de eugenia, de cisão entre o que é considerado normal e o que é considerado anormal, passa a ser justificado. Isso porque o biopoder, em nome da proteção à vida da população, encontra legitimidade para a eliminação de todo perigo a que esta vida possa estar exposta. Segundo Esposito (2006ESPOSITO, Roberto. Biopolítica y filosofía. Buenos Aires: Grama Ediciones, 2006., p. 10-11), “el bíos es artificialmente recortado, por una serie de umbrales, en zonas dotadas de diferente valor que someten una de sus partes al dominio violento y destructivo de otra.”

Como ressalta Agamben (2010AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I. Trad. Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010., p. 127), “uma das características essenciais da biopolítica moderna (que chegará, no nosso século [século XX], à exasperação) é a sua necessidade de redefinir continuamente, na vida, o limiar que articula e separa aquilo que está dentro daquilo que está fora.” Para o autor (2010, p. 135), é como se toda valorização e toda politização da vida “implicasse necessariamente uma nova decisão sobre o limiar além do qual a vida cessa de ser politicamente relevante” e passa a ser somente “vida sacra”, que, como tal, pode ser impunemente eliminada: “toda sociedade fixa este limite, toda sociedade – mesmo a mais moderna – decide quais sejam os seus ‘homens sacros’.”

Em um contexto tal, pelo menos potencialmente, a vida humana é convertida em um terreno de decisões que dizem respeito não somente a seus umbrais externos (como, por exemplo, o que distingue a vida animal da vegetal), mas também a partir de seus umbrais internos, o que significa dizer que “será concedido o, más bien, exigido a la política el decidir cuál es la vida biologicamente mejor y también como potenciarla a través del uso, la explotación, o si hiciera la muerte de la vida menos valiosa biologicamente.” (ESPOSITO, 2006ESPOSITO, Roberto. Biopolítica y filosofía. Buenos Aires: Grama Ediciones, 2006., p. 11). O ponto de decisão reside justamente em definir em que momento uma vida deixa de ser política (e economicamente) relevante e, consequentemente, pode ser eliminada do tecido societal – seja pela morte pura e simples, seja pela sua neutralização por meio da imposição de penas.

Aqui reside um dos pontos fundamentais: a criação de “castas” por meio da criação de bancos de dados – biométricos, de perfis genéticos, etc –, que são ínsitos à perspectiva atuarial, é uma ferramenta que, caso não seja devidamente controlada, pode servir para potenciar/facilitar a realização dessas cesuras. Afinal, ainda de acordo com a lição de Foucault (2010______. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). Trad. Maria Ermantina Galvão. 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010., p. 52-53), o racismo de Estado é exercido pela sociedade sobre ela mesma, ou seja, “sobre seus próprios elementos, sobre os seus próprios produtos”; trata-se de um “racismo interno, o da purificação permanente, que será uma das dimensões fundamentais da normalização social.”

O quadro esboçado permite, então, a afirmação de que a união entre a Política Criminal Atuarial e as inovações tecnológicas aplicadas à investigação/persecução criminal se inserem nesta lógica, porque potencializam as possibilidades de cesuras entre a vida politicamente relevante e a vida descartável (homo sacer). E mais: passa-se a admitir que “pequenas doses de mal” sejam injetadas na sociedade com o objetivo de tornar a persecução penal o mais eficiente possível – valorizando a “segurança” cada vez mais em detrimento da “liberdade”, o que acaba por consolidar aquilo a que Esposito (2006ESPOSITO, Roberto. Biopolítica y filosofía. Buenos Aires: Grama Ediciones, 2006., p. 10) denomina de “paradigma imunitário”7 7 De acordo com Esposito (2006, p. 12), o totalitarismo do século XX – sobretudo o nazista – pode ser compreendido como ápice do paradigma imunitário: “la vida del pueblo alemán se convierte en el ídolo biopolítico al cual sacrificar la existencia de cualquier otro pueblo y en particular del pueblo judío que parece contaminarla y debilitarla desde adentro. Nunca como en este caso, el dispositivo inmunitario señala una absoluta coincidencia entre protección y negación de la vida. El potenciamiento supremo de la vida de una raza, que se pretende pura, es pagado con la producción de muerte a gran escala. En primer lugar, la de los otros y, al final, en el momento de la derrota, también de la propia, como testimonia la orden de autodestrucción transmitida por Hitler assediado en el búnker de Berlín. Como en las enfermedades llamadas autoimunes, el sistema inmunitario se hace tan fuerte que ataca el mismo cuerpo que debería salvar, determinando su descomposición.” . Com efeito, assim como se busca prevenir o contágio pela injeção de uma porção de mal no corpo que se quer salvaguardar, “también en la inmunización social la vida es custodiada en una forma que le niega su sentido más intensamente común.”

O resultado disso é que o Direito – in casu, o Direito Penal – acaba se transformando em um “dispositivo imunitário inoculado na sociedade como antídoto que combate com aquilo que ameaça.” (RUIZ, 2012RUIZ, Castor M. M. Bartolomé. A sacralidade da vida na exceção soberana, a testemunha e sua linguagem: (re)leituras biopolíticas da obra de Giorgio Agamben. Cadernos IHU. São Leopoldo: Instituto Humanitas Unisinos. Ano 10, nº 39, 2012.). Nesse quadro, a única garantia do Direito é a violência, o que significa dizer que a violência passa a funcionar como dispositivo imunitário que defende com o mesmo que ameaça, o que implica a multiplicação da violência na sociedade.

5 Considerações finais

A contemporaneidade assiste, na seara dos discursos e das práticas punitivas, ao ressurgimento do punitivismo/repressivismo, com a repristinação de teses que já se supunham soterradas pelo devir histórico – a exemplo das considerações lombrosianas sobre o “homem delinquente”. O fenômeno da expansão do Direito Penal – marcado por teses como, por exemplo, a do Direito Penal do Inimigo – evidencia que o contexto no qual essas ideias se desenvolvem é o de um sentimento cada vez maior de insegurança, por um lado, e de permissividade, por outro. Insegurança no sentido de que as sociedades pós-modernas perderam os referenciais modernos e caminham como “almas errantes” à procura de identidade – o que faz surgir uma série de novos “medos”, notadamente os relacionados ao desenvolvimento científico e sua potencialidade lesiva; permissividade porque, diante desses “novos riscos” que o contexto atual apresenta, passa-se a admitir certas flexibilizações de direitos e garantias penais e processuais penais que passam a ser considerados como meros “obstáculos” à eficiência que se espera em relação ao exercício do jus puniendi estatal, dada a posição central que ele volta a ocupar no enfrentamento às (novas?) formas assumidas pela criminalidade.

A Política Criminal Atuarial se insere neste contexto. A partir de cálculos e estatísticas, busca-se a elaboração de “previsões” acerca da criminalidade, de modo a estabelecer estratégias eficientes de enfrentamento às suas mais variadas formas – como no conto Minority Report, de Philip K. Dick. Como no conto – que se passa em uma sociedade futurista (ano de 2054) na qual os crimes são previstos antes de acontecerem efetivamente graças à ação de indivíduos conhecidos comoprecognitivos, dotados da capacidade de antever o futuro, que trabalham na agência “Precrime” – acredita-se que, a partir da criação de determinados “perfis”, é possível reforçar o controle sobre determinados grupos de sujeitos, em especial aqueles que apresentam maior risco à sociedade, com o menor dispêndio econômico possível. A preocupação com os “custos” do enfrentamento à criminalidade assume, nessa lógica, posição central, o que revela sua inscrição nos marcos do neoliberalismo.

Com o advento das novas tecnologias – algumas delas desenvolvidas especificamente para o enfrentamento eficiente à criminalidade (como os computadores da agência Precrime do conto de Dick) – a Política Criminal Atuarial encontra o aliado ideal para a concretização de seus objetivos. Por meio, por exemplo, da criação de bancos de dados biométricos, bem como de perfis genéticos, é possível estabelecer o máximo controle de grupos de risco com o mínimo esforço – aqui compreendido a partir de uma perspectiva estritamente econômica.

O fato é que, a partir dessa aliança, a permissividade que caracteriza o processo expansivo do Direito Penal ameaça colocar por terra os seus alicerces liberais, ao enveredar para a conformação de um modelo de Direito Penal de autor, segundo o qual o indivíduo é punido em razão de uma forma específica de “ser” e não em virtude de um fato praticado.

A partir da análise de algumas medidas recentemente implementadas mundo afora – e que evidenciam essa aliança entre a lógica atuarial e o desenvolvimento de novas tecnologias que lhes servem de suporte – o presente artigo buscou evidenciar que essa cada vez maior intromissão do braço punitivo do Estado na intimidade dos indivíduos representa uma espécie de “transbordamento” do Estado de polícia. Nessa lógica, a eficiência no controle da criminalidade assume posição central, em detrimento da defesa incondicional dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, características de um modelo de Estado Democrático de Direito.

Por meio dessas medidas, viabiliza-se constantemente a (re)definição das vidas que merecem proteção e aqueles que se apresentam enquanto ameaça, a legitimar que contra si se dirija toda a potencialidade punitiva do Estado. As novas tecnologias, aliadas à perspectiva atuarial de política criminal, potencializam a criação de medidas de controle da criminalidade assentadas na necessidade de constantes cesuras entre a vida politicamente relevante e a vida descartável (homo sacer), permitindo, em relação a esta última, que “pequenas doses de mal” sejam administradas, com o objetivo de tornar a persecução penal o mais eficiente possível, valorizando o fator “segurança” em detrimento do fator “liberdade”, de modo a “imunizar” o tecido societal contra o mal, o que revela os seus contornos biopolíticos.

Em um país no qual o sistema punitivo foi histórica e sistematicamente utilizado como um importante mecanismo de contenção e disciplinamento de uma clientela “tradicional” composta pelas camadas subalternas da população esse debate se impõe com maior vigor. Isso porque, a par da cegueira provocada pelo deslumbramento das medidas que, dentro da lógica atuarial, oferecem eficiência a todo custo na seara das práticas punitivas, não se pode desconsiderar que essas práticas são responsáveis pela criação de sucessivas cesuras que são típicas de um modelo racista-biologicista que servem para fragmentar o contínuo biológico ao qual se dirige o biopoder. E as práticas nazistas, nesse sentido, são a lição histórica mais clara do que isso pode significar.

  • 1
    No Brasil, a identificação genética foi viabilizada por meio da Lei nº 12.654/2012, que alterou as Leis nº 12.037/2009 e 7.210/1984, ao prever a possibilidade de coleta de material genético como forma de identificação criminal. No caso da Lei nº 12.037/2009, foi incorporado um parágrafo único ao art. 5º para viabilizar a utilização da identificação por meio do DNA. Outrossim, o art. 5º-A foi incorporado ao texto legal para regulamentar o armazenamento e tratamento dessas informações. O caput do dispositivo reza que “os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser armazenados em banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade oficial de perícia criminal.” Os parágrafos 1º a 3º do dispositivo em comento preconizam que as informações genéticas armazenadas “não poderão revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto determinação genética de gênero”. Além disso, estabelece-se que os dados constantes dos bancos serão mantidos em sigilo, bem como que “as informações obtidas a partir da coincidência de perfis genéticos deverão ser consignadas em laudo pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado.” Os arts. 7º-A e 7º-B, também incorporados à Lei nº 12.037/2009 pela Lei nº12.654/2012 estabelecem, respectivamente, “a exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá no término do prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito” e que “a identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo.” O regulamento em questão se deu por meio da instituição, por meio do Decreto nº 7.950/2013, do Banco Nacional de Perfis Genéticos e a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos. No que se refere à Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execuções Penais), houve a incorporação do art. 9º-A, que estabelece que os condenados por crime dolosamente praticado com violência de natureza grave contra pessoa, bem como os autores de crimes considerados hediondos (nos termos do art. 1º da Lei nº 8.072/1990) serão compulsoriamente submetidos à identificação genética, mediante extração de DNA com o emprego de técnica adequada e indolor. O parágrafo primeiro reitera o disposto no art. 7º-B da Lei 12.037/2009 e o parágrafo segundo dispõe que “a autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético.”
  • 2
    Informações disponíveis em: <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=URISERV:l33277>. Acesso em 24 set. 2015.
  • 3
    No site <http://www.nsopw.gov/?AspxAutoDetectCookieSupport=1> é possível obter informações sobre o paradeiro de “predadores sexuais” em todos os estados norteamericanos. Em alguns links nele disponibilizados, também é possível localizar o paradeiro de indivíduos condenados por outros crimes, mas considerados de “alto risco”. Acesso em: 25 set. 2015.
  • 4
    No site <http://www.cga.ct.gov/2007/rpt/2007-R-0380.htm> pode ser consultado um resumo de leis estaduais norte-americanas que restringem o direito de moradia de condenados por delitos sexuais. Acesso em: 25 jun. 2014.
  • 5
    Por biopolítica compreende-se uma cada vez maior implicação da vida natural do homem nos mecanismos e nos cálculos do poder. O termo é utilizado por Foucault para designar o modo por meio do qual o poder se encaminha para a transformação, entre o final do século XVIII e início do século XIX, rumo a uma forma de governo que não tem por destinatários os indivíduos singularmente considerados – por meio de uma série de procedimentos disciplinares –, mas também o conjunto dos seres vivos que compõem a população (REVEL, 2011REVEL, Judith. Dicionário Foucault. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011.). Na concepção de Foucault (2010______. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). Trad. Maria Ermantina Galvão. 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010., p. 201-202), a biopolítica, ou seja, essa “assunção da vida pelo poder” ou “estatização do biológico” foi “um dos fenômenos fundamentais do século XIX” e representa um câmbio importante em relação à teoria clássica da soberania: se na teoria clássica da soberania o soberano, ao deter o poder em relação à vida e à morte do súdito, poderia fazê-lo morrer ou deixá-lo viver, a biopolítica é o fenômeno que vai completar esse velho direito de soberania “com outro direito novo, que não vai apagar o primeiro, mas vai penetrá-lo, perpassá-lo, modificá-lo, e que vai ser um direito, ou melhor, um poder exatamente inverso: poder de ‘fazer’ viver e de ‘deixar’ morrer.” Na mesma linha de raciocínio, “pode-se dizer que o velho direito de causar a morte ou deixar viver foi substituído por um poder de causar a vida ou devolver à morte.” (FOUCAULT, 2012______. História da Sexualidade I: A Vontade de Saber. Trad. Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 22ª. Impressão. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2012., p. 150).
  • 6
    Nesse ponto, é importante consignar que, por “tirar a vida” não se compreende, na perspectiva foucaultiana (2010______. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). Trad. Maria Ermantina Galvão. 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010., p. 216), unicamente o assassínio direto, mas também tudo que pode ser considerado assassínio indireto: “o fato de expor à morte, de multiplicar para alguns o risco de morte ou, pura e simplesmente, a morte política, a expulsão, a rejeição.”
  • 7
    De acordo com Esposito (2006ESPOSITO, Roberto. Biopolítica y filosofía. Buenos Aires: Grama Ediciones, 2006., p. 12), o totalitarismo do século XX – sobretudo o nazista – pode ser compreendido como ápice do paradigma imunitário: “la vida del pueblo alemán se convierte en el ídolo biopolítico al cual sacrificar la existencia de cualquier otro pueblo y en particular del pueblo judío que parece contaminarla y debilitarla desde adentro. Nunca como en este caso, el dispositivo inmunitario señala una absoluta coincidencia entre protección y negación de la vida. El potenciamiento supremo de la vida de una raza, que se pretende pura, es pagado con la producción de muerte a gran escala. En primer lugar, la de los otros y, al final, en el momento de la derrota, también de la propia, como testimonia la orden de autodestrucción transmitida por Hitler assediado en el búnker de Berlín. Como en las enfermedades llamadas autoimunes, el sistema inmunitario se hace tan fuerte que ataca el mismo cuerpo que debería salvar, determinando su descomposición.”

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul 2017

Histórico

  • Recebido
    03 Abr 2016
  • Aceito
    20 Set 2016
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