Acessibilidade / Reportar erro

Revolução e Forma Jurídica: Estado de Direito em contextos pós-revolucionários e desafios ao processo revolucionário.

Revolution and Legal Form: Rule of Law in post-revolutionary contexts and challenges to the revolutionary process.

Resumo

Como um ensaio de filosofia do direito, o presente artigo pretende avaliar as possibilidades de relação entre o conceito de estado de direito, como forma jurídica básica, e a ideia de revolução, como profunda mudança socioeconômica. Para isso faz, inicialmente, uma análise crítica do conceito de estado de direito apresentando seus limites e mostrando como diferentes formas de opressão podem acontecer mesmo sob o manto do estado de direito. Após, realiza uma análise da ideia de revolução e dos fundamentos teóricos da revolução bolchevique na Rússia a partir de textos de Lênin. Sustenta a importância de se garantir o estado de direito nos contextos pós-revolucionários, para assegurar o exercício de liberdades públicas. Também sustenta que o espírito e o processo revolucionário devem calibrar o funcionamento do estado de direito para que ele não se torne mero mecanismo formal das democracias liberais. O estado de direito deve fortalecer a revolução e a revolução deve fortalecer o estado de direito.

Palavras-chave:
Revolução russa; Revolução; Estado de direito; Forma jurídica

Abstract

As an essay on the philosophy of law, this article intends to evaluate the possibilities of a relationship between the concept of the rule of law as a basic juridical form and the idea of revolution as profound socioeconomic change. To do this, it initially does a critical analysis of the concept of the rule of law by presenting its limits and showing how different forms of oppression can happen even under the cloak of the rule of law. After, realizes an analysis of the idea of revolution and the theoretical foundations of the Bolshevik revolution in Russia from texts of Lenin. It maintains the importance of assuring the rule of law in post-revolutionary contexts to ensure the exercise of public freedoms. It also maintains that the spirit and revolutionary process must gauge the functioning of the rule of law so that it does not become mere formal mechanism of liberal democracies. The rule of law must strengthen the revolution and the revolution must strengthen the rule of law.

Keywords:
Russian revolution; Revolution; Rule of law; Legal form

I) Considerações iniciais

Em 1905, enquanto a fortuna da Família Romanov estava entre as 15 maiores do mundo, a maior parte do povo Russo, sob o império absolutista do Czar Nicolau II, vivia em condições extremamente precárias, ainda mais agravadas em função da guerra contra o Japão, iniciada no ano anterior. No mês de janeiro, várias pessoas fizeram uma manifestação pacífica em frente ao Palácio Imperial em São Petersburgo onde pretendiam entregar ao Czar uma petição por meio da qual reivindicavam melhores condições de trabalho e de vida, o fim da guerra contra o Japão e a implantação de um parlamento. Mas o governo reagiu de forma brutal e os soldados imperiais massacraram os manifestantes, o que produziu ainda mais indignação na população. Foram cerca de mil mortos no episódio que ficou conhecido como Domingo Sangrento.

Cinco meses após esse acontecimento, um grande cruzador de guerra russo chamado Encouraçado Potemkin, realizava exercícios no Mar Negro, após ser derrotado numa desastrosa batalha, conhecida como Batalha de Tsushima. Não bastasse o moral baixo em função da derrota na batalha, os marinheiros ainda descobriram que a carne que seria servida como refeição estava completamente estragada. Diante da indignação dos soldados, o capitão do navio determinou que a carne fosse lavada com vinagre e oferecida assim mesmo de alimento à tripulação, decisão que encontrou óbvia resistência. Nesse momento, dois marinheiros influenciados por ideais revolucionários se destacaram decisivamente: Afanasy Matyushenko e Grigory Vakulinchuk. O segundo resistiu ativamente ao comando do capitão e foi morto por ele. Nesse momento, sob a liderança de Matyushenko, a tripulação resolve se rebelar e ocorre uma sangrenta luta dentro do navio. Após assumir o comando do navio, os rebeldes liderados por Matyushenko desfraldam a bandeira vermelha no Encouraçado Potemkin e se dirigem ao porto de Odessa, sem saber que nessa cidade havia sido decretada lei marcial após a violenta repressão de greves operárias. Grevistas e líderes sindicais saúdam a chegada do navio de guerra de bandeira vermelha e se unem à tripulação amotinada para fazer uma homenagem funérea ao marinheiro Vakulinchuk. Porém esse movimento é violentamente reprimido, produzindo a morte de centenas de homens, mulheres e crianças. O conflito aumenta e o Encouraçado abre fogo contra o quartel general da polícia, mas desiste da ação após atingir residências de moradores locais. Assim, o Potemkin bate em retirada, mas já sob a mira de outros navios de guerra do Czar que haviam chegado ao local. Os comandantes desses navios ouvem seus soldados dando “hurras” aos gritos de “viva a revolução” vindos dos marinheiros rebeldes e por isso se mantém distantes. Apenas um navio resolveu se opor ao Encouraçado e foi alvejado por ele. Por fim, o Encouraçado Potemkin chega à Romênia, onde seus marinheiros conseguem asilo político. Em 1907, Afanasy Matyushenko retorna à Rússia sob a promessa de anistia feita por Nicolau II, mas acaba preso e enforcado.

A história épica do Encouraçado Potemkin se tornou mundialmente conhecida após o filme de mesmo nome dirigido por Serguei Eisenstein, o qual foi exibido no dia 21 de dezembro de 1928 no Teatro Bolshoi em Moscou. Ela é um dos símbolos mais pungentes de um radical processo de transformação social ocorrido na Rússia nas duas primeiras décadas do século XX e que culminou com a revolução de novembro de 1917, conhecida como outubro vermelho, quando os bolcheviques, sob a liderança de Vladimir Ilyich Ulyanov, mais conhecido pelo pseudônimo Lênin, assumiram o poder político por meio do Conselho dos Comissários do Povo. No fim de 1917 e em 1918, Lênin, à frente do governo revolucionário, adotou uma série de medidas de natureza socioeconômica que produziram uma transformação profunda na estrutura do país. Apenas para que se tenha uma ideia, alguns dos Decretos de Lênin expressavam as seguintes decisões do novo governo: nacionalizar os latifúndios da aristocracia e da Igreja Ortodoxa e redistribuir as terras aos camponeses; limitar a jornada de trabalho a oito horas diárias; afirmar a separação entre igreja e estado; garantir educação livre e secular para todas as crianças; iniciar campanha de alfabetização em massa; eliminar as restrições ao divórcio e proporcionar autonomia às mulheres em relação aos maridos. No campo internacional, Lênin conseguiu retirar a Rússia das batalhas da I Guerra Mundial, desejo da população, e proclamou a Declaração dos Direitos dos Povos da Rússia, incluindo o direito à autodeterminação, sendo essa a justificativa legal para que vários povos, como Finlândia, Estônia e Ucrânia, declarassem a independência. Por outro lado, transformou a velha Rússia em República Socialista Federativa Soviética Russa, ensejando uma guerra civil que terminou em 1922 com a vitória do exército vermelho. O Conselho dos Comissários do Povo ainda tomou uma instigante decisão de emitir decreto substituindo o sistema jurídico russo até então vigente por uma “consciência revolucionária” e pelo senso socialista de justiça.

No campo propriamente econômico, foram adotados decretos por meio dos quais se implantavam decisões estratégicas como: permitir aos trabalhadores de cada empresa eleger um comitê para supervisionar a gestão da empresa; nacionalizar as instituições bancárias; suspender o pagamento de dívidas externas; nacionalizar o comércio exterior e estabelecer o monopólio estatal sobre importações e exportações; nacionalizar serviços públicos e empresas de ferrovia, metalurgia e mineração. O Conselho dos Comissários do Povo também criou o Conselho Supremo da Economia Nacional com autoridade geral sobre as atividades econômicas mais importantes e que vinculava também os sindicatos dos trabalhadores. Dessa forma se esperava que nenhum interesse particular predominasse sobre os interesses nacionais – soviéticos – da economia e se assegurava um regime de planejamento econômico de natureza estatal.

As medidas adotadas e o enfrentamento militar para a efetivação da Rússia como União das Repúblicas Socialistas Soviéticas geraram, como consequência, o crescimento da máquina e da burocracia estatal. Lênin foi acusado por divergentes de implantar um estado policial e acusado por dissidentes de governar sem uma ampla participação popular. Algumas medidas especialmente duras chamaram a atenção dos detratores do regime bolchevique, tais como a demolição da religião organizada; o fechamento de meios de comunicação considerados contrarrevolucionários; e a supressão da Assembleia Constituinte em janeiro de 1918. Importantes lideranças marxistas como Rosa Luxemburgo e Karl Kautsky trataram de fazer a crítica interna, especialmente esse último que chegou a lançar uma manifesto anti-leninista e foi duramente criticado por Lênin, obviamente.

Décadas após o intenso período da Revolução Russa, no longínquo ano de 1989, o jurista russo Marat Baglai publicou um importante artigo no livro The Revolution Continues: Soviet society in the conditions of restructuring, editado pela Academia de Ciências da União Soviética.1 1 - O artigo de Baglai, intitulado Um Estado Socialista de Direito – Essência e Perspectivas, foi publicado em português no mesmo ano, no nº 19 da revista Lua Nova que, nesse número, teve o tema “Reflexões sobre o Marxismo”. Cf. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64451989000400006 Baglai, na época da publicação do artigo, era professor especializado em Direito do Trabalho e Pró-reitor da Escola Superior do Conselho Central da União Sindical da União Soviética, porém, posteriormente, veio a tornar-se membro e presidente da Corte Constitucional da Rússia. Vale lembrar que de acordo com o artigo 125 da Constituição Russa de 1993 há previsão de uma Corte Constitucional formada por dezenove juízes. Marat Baglai era um deles e sucedeu Vladimir Tumanov na presidência da Corte em 1997 para um mandato de três anos, sendo, em seguida, reconduzido para um novo mandato de três anos, isso é, até 2003.2 2 - Cf. SHARLET, Robert. The Russian Constitutional Court’s Long Struggle for Viable Federalism. InSMITH, Gordon. SHARLET, Robert.Russia and its Constitutions: Promise and Political Reality. Boston: Martinus Nijhoff Publishers, Leiden, The Netherlands, 2008, p. 29. Na sua gestão, se preocupou em consolidar o sistema constitucional russo na forma de um estado de direito. Essa forma de atuação esteve em consonância com o artigo de 1989 escrito após a XIX Conferência do Partido Comunista da União Soviética onde foi aprovada a tese sobre a transição da URSS a um Estado socialista engajado com o conceito de império da lei.3 3 - BAGLAI, Marat.Um Estado Socialista de Direito – Essência e Perspectivas. In Lua Nova: Revista de Cultura e Política. São Paulo, nº 19, novembro 1989, p. 69. Baglai afirma que o estado baseado numa ditadura do proletariado, tal qual pensado por Lênin, se valia da coerção em larga escala enquanto a legalidade socialista ainda estava em processo de formação.4 4 - BAGLAI, Marat. Ob Cit., p. 70. Superado esse momento inicial da Revolução, para o autor, o conceito de império da lei deve exercer em todas as sociedades, inclusive nas socialistas, a tarefa de evitar a concentração excessiva do poder nas mãos de poucos e proteger os direitos e a liberdade dos cidadãos. Acredita que a ideia de estado de direito é um estágio qualitativo no desenvolvimento de uma democracia socialista e deve ser capaz de combater males, tais como: a excessiva burocracia da máquina estatal; a prevalência da opinião de um ou de poucos como norma de estado; atuação das entidades de coerção sem base legal; negação do pluralismo de opiniões e, até mesmo, o culto à personalidade.5 5 - BAGLAI, Marat. Ob Cit., pp. 71-77. Ainda segundo Marat Baglai,

o Estado de Direito deve proteger a liberdade das organizações sociais e vê-las como parceiros iguais e fortes. O papel desse Estado na vida da sociedade não deve aumentar ou diminuir e sim manter-se no nível de funções e poderes rigorosamente definidos que em circunstância alguma, salvo emergências, infringiriam a liberdade dos cidadãos e de suas organizações, tanto oficiais quanto extraoficiais.6 6 - BAGLAI, Marat. Ob Cit., pp. 79.

A concepção de estado de direito sustentada por Baglai parece, ao mesmo tempo, se aproximar das definições tradicionais das democracias ocidentais7 7 - Cf. COSTA, Pietro. ZOLO, Danilo (Orgs.). O Estado de Direito: história, teoria, crítica. São Paulo: Martins Fontes, 2006. e tentar resolver problemas próprios resultantes do regime comunista da era soviética. Seja como for, a tese da transição da URSS a um estado socialista engajado com o conceito de império da lei parece querer se aproximar da ideia de democracia por meio da forma jurídica. Sem dúvida, há uma imbricação entre o conceito de democracia e a ideia de estado de direito. Entretanto, a democracia também está profundamente ligada, enraizada, em outra ideia fundamental: a de povo. Assim, democracia significa, por um lado, uma forma de governo que se dá a partir da atenção e do respeito às demandas e necessidades populares. Desde o famoso Discurso de Gettysburg, de Abraham Lincoln, é conhecida a fórmula do governo do povo, pelo povo, para o povo, realizado com respeito à liberdade e à igualdade. Portanto democracia implica uma vinculação profunda entre a vontade e participação popular e as ações e políticas do governo. Todavia, por outro lado, democracia significa também uma forma de governo que se dá a partir da atenção e do respeito às leis, onde a vontade do governante fica limitada e adstrita às normas e ao arcabouço jurídico existente. Assim, o respeito à lei se converte numa forma de proteção da população contra o arbítrio do governante e contra a tirania do Estado.

Com efeito, num sistema democrático, a vontade do povo deveria se encarnar na legislação e essa seria a base normativa sobre a qual o governo deveria ser exercido, de forma que sua atuação fosse delimitada pelo respeito à lei, isso é, de acordo com a forma jurídica do estado de direito. Mas é claro que na vida real as coisas não são simples e cristalinas dessa maneira como previstas na teoria. Em um contexto democrático, os conceitos de povo e estado de direito são complementares, todavia, ainda no mesmo contexto democrático, esses conceitos de povo e estado de direito podem ser também antagônicos. Na vivência social concreta, tanto a realidade política como as condições materiais de vida podem se apresentar de forma miserável para boa parte da população, mesmo em ambiente formalmente democrático com a garantia do estado de direito. Aliás, essa é uma afirmação bastante intuitiva e que dispensa maiores esforços de comprovação, basta um olhar mais sensível e acurado sobre o mundo contemporâneo. Nessa confluência entre democracia, povo e lei, temos a constituição de um complexo campo social. É nesse campo que opera a ideia de revolução.

No contexto dos debates e das análises produzidas a partir dos cem anos da Revolução Russa, o presente artigo pretende fazer uma reflexão sobre essa relação praticamente impossível entre revolução e forma jurídica, levando em conta tanto as tarefas de estabilização social no day after da revolução, como as tarefas de manter acesa a chama da resistência emancipatória que se opõe aos diferentes processos de opressão que podem ocorrer mesmo num contexto democrático e sob a vigência de um estado de direito, ao menos no plano formal.

II) O estado de direito e seus limites

Como é sabido, o núcleo do conceito de estado de direito é a ideia de império da lei, isto é, a norma jurídica é a única força que pode vincular e limitar de forma legítima a vontade dos cidadãos. Há uma vinculação entre força e legitimidade que deve caracterizar a definição de autoridade. Uma autoridade sem força não é autoridade, mas mera caricatura; já uma autoridade sem legitimidade não é autoridade, mas autoritarismo. Num estado de direito toda autoridade pública se radica, em última instância, na norma jurídica. Por isso a vontade que vincula o povo, os governados, não é a vontade particular de quem governa, mas a vontade da lei. Não é por outra razão que o princípio da legalidade, do ponto de vista dos governados, significa a possibilidade de fazer tudo aquilo que a lei não proíbe; mas esse mesmo princípio, do ponto de vista dos governantes, significa que esses somente podem fazer aquilo que a lei autoriza. Nesse sentido, o império da lei pode ser caracterizado como uma forma de proteção dos governados em face do arbítrio dos governantes. Todavia, para além disso, o império da lei deve caracterizar um compromisso de isonomia, isto é, todos devem ser igualmente considerados perante a lei, sem que haja nenhum tipo de privilégio ou favorecimento injustificado. Ainda, um estado de direito também é marcado pela ideia de separação de poderes ou divisão das funções internas. O principal fundamento desse atributo é evitar o agigantamento do estado para impedir que ele se transforme numa máquina por demais invasiva e hostil à vida do cidadão comum. Essa divisão interna de funções manteria uno o poder do estado, contudo impediria uma concentração excessiva de poder em uma única pessoa ou órgão. Além disso, deve propiciar um sistema de controle interno onde cada um dos grandes setores ou poderes do estado teria a tarefa e prerrogativa de fiscalizar o outro num sistema que ficou conhecido como checks and balances. Por fim, o conceito mais elementar de estado de direito se realiza acrescentando-se às características já apresentadas uma terceira: a garantia dos direitos individuais. Tanto a noção de império da lei como a de separação de poderes convergem para o sentido maior de proteção do indivíduo. Pois esse sentido alcança seu ápice exatamente na garantia dos direitos individuais, sendo esses basicamente a vida, a integridade e as diferentes formas de expressão das liberdades civis ou liberdades públicas.

Claro que essa forma de compreender o estado de direito é elementar e corresponde aos anseios e necessidades de organização da vida social e política após a derrota do Ancien Régime. Nessa linha, pode-se dizer que o estado de direito coincide com um projeto burguês de sociedade. Porém, a consolidação do modo de produção capitalista instituiu uma classe trabalhadora em larga escala e, com efeito, o proletariado como um agente social atuante não apenas no enfrentamento de classes, mas também na esfera pública e política da sociedade, apresentando demandas e reivindicações ao próprio estado. Esse novo processo social acabou por redefinir as formas de atuação de organizações econômicas, como aquelas vinculadas ao processo produtivo, e também de órgãos públicos. No limite, deu origem a uma transformação no próprio conceito de estado de direito. Não que as características anteriores tenham desaparecido, mas a elas foram agregadas novas características, o que fez com que alguns preferissem usar a denominação estado democrático de direito. De um ponto de vista histórico, isso implica a desvinculação, até certo ponto, do estado de direito daquele projeto próprio da burguesia ascendente, bem como a sua recolocação social e política, de forma a considerar os interesses e as necessidades da sociedade como um todo. Isso se expressa por constituições socialmente comprometidas e por uma legislação infraconstitucional mais engajada na realidade, que pretende enfrentar algumas distorções provocadas pela desigualdade material existente na sociedade. Se no contexto do estado de direito a isonomia pretende que todos sejam iguais perante a lei, no contexto do estado democrático de direito ela admite tratar desigualmente os desiguais de forma a reduzir a própria desigualdade. Além desse engajamento da lei na realidade, um estado democrático de direito será marcado pela ampliação das formas de participação política. O voto livre e universal em eleições periódicas e limpas continua sendo um pressuposto fundamental, mas ele não é suficiente para dar conta da amplitude da diversidade ideológica e das convicções de cada pessoa como um ser político. Dito em outras palavras, o instituto da representação já não é mais capaz de expressar os diferentes anseios e desejos de participação de boa parte da população. Assim, a democracia representativa é mesclada com elementos de democracia direta, como referendo, plebiscito e, até mesmo, iniciativa popular de projetos de lei. Todavia, mais do que isso, passa a haver canais institucionais de diálogo e participação com distintos grupos populares e movimentos sociais organizados. As vias democráticas são ampliadas e a sociedade civil ganha em voz e vez. Por fim, em um estado democrático de direito é esperado que não apenas os direitos individuais, caracterizados como civis e políticos, sejam protegidos, mas os direitos fundamentais como um todo, englobando também os sociais e econômicos, como direito à saúde, educação e previdência. Aqui o comprometimento moral do estado de direito estaria além da liberdade para incluir, ademais, a igualdade.

Essa breve caracterização feita acima, revela como a ideia de estado de direito sempre se apresenta como algo bom e necessário. Isso ocorre a tal ponto que nos dias de hoje o estado de direito parece ter se consolidado como algo inquestionável, uma credencial necessária para qualquer sociedade que se pretenda civilizada. Afirmei anteriormente que o conceito de democracia se vincula a duas ideias fundamentais: estado de direito e povo. Vale notar que enquanto o estado de direito alcançou um extraordinário prestígio, a ideia de povo permanece sempre sob suspeita... Os agentes do sistema político, os representantes dos interesses do capital, a imprensa, costumam se referir ao povo ou à vontade popular com certa deferência, mas poucas vezes admitem os processos sociais que sacrificam a vida do povo e quando o fazem, fazem apenas de forma retórica. Isso sem falar nas vezes em que pessoas e grupos atacam frontalmente a consciência popular com afirmações de que o povo é ignorante, não sabe votar e coisas nessa linha. Aliás, a palavra “popular” na cultura política e econômica brasileira foi gradualmente se deslocando, de um ponto de vista semântico, para se referir à parcela da população de menor renda, instituindo uma clivagem que imuniza os grupos mais abastados da ideia de povo que, nesse caso, é vista de forma pejorativa.

Se o “povo” anda mal, o mesmo não ocorre com o estado de direito. Mais do que um prestígio, há uma ideologia da forma jurídica que tenta imunizá-lo de críticas. Contudo, por vezes, o estado de direito se configura como o próprio arcabouço institucional por meio do qual pilhagens podem ocorrer. Esse é o argumento central de Ugo Mattei e Laura Nader sustentado no livro Pilhagem: quando o Estado de Direito é ilegal. Para os autores, existe um lado obscuro no estado de direito que permite que ele seja utilizado como parte de um projeto imperial de colonização e basicamente a serviço dos interesses do mercado, isto é, do capital:

Consideramos que a imagem dominante do Estado de Direito foi falsa ao longo da história e continua sendo no presente, uma vez que não admite de modo pleno seu lado obscuro. A representação falsa começa com a ideia de que o bom direito (que “falta” aos outros) é autônomo, independente da sociedade e de suas instituições, técnico, não político, não distributivo e mais reativo do que proativo – de modo mais conciso, uma estrutura tecnológica para um mercado “eficiente”. Devido a essas representações falsas, a boa governança que aparentemente caracteriza os objetivos do Direito transforma-se na espinha dorsal de argumentos profissionais incorporados e organizados tendo em vista a legitimação da pilhagem.8 8 - MATTEI, Ugo. NADER, Laura.Pilhagem: quando o Estado de Direito é ilegal. São Paulo: Martins Fontes, 2013, p. 8.

Para explicar o que entendem por “pilhagem”, os autores recorrem ao conceito dicionarizado para dizer que pilhar é tomar aquilo que é alheio por meio da força ou de fraude. Mas esclarecem que apenas partem desse significado inicial para adotar um sentido mais amplo onde pilhagem seria a distribuição injusta de recursos praticada pelos fortes à custa dos fracos. Segundo Mattei e Nader, esse sentido mais amplo permite incluir noções de legalidade e ilegalidade, de modo que, por vezes, a pilhagem ocorre sob os auspícios do estado de direito; esse é exatamente o seu lado obscuro. Citam o exemplo de situações contrastantes como aquela onde uma criança morre de fome enquanto outras andam em carros esportivos dos pais que consomem enormes quantidades de combustível.9 9 - MATTEI, Ugo. NADER, Laura. Ob. Cit., pp. 17-18. Claro que o fato de o estado de direito poder se tornar uma fria tecnologia jurídica a ser utilizada tanto por juristas como por políticos contrariamente aos interesses de pessoas empobrecidas e oprimidas de maneira geral, não quer dizer que ele não tenha um lado positivo. Por isso afirmam:

A implantação do estado de Direito sempre apresenta vantagens e desvantagens. Por um lado, os profissionais do Direito – os agentes do Estado de Direito – podem dar legitimidade à pilhagem. Por outro, o Estado de Direito pode se impor de maneira importante, fortalecendo os hipossuficientes, ao proteger seus direitos contra a pilhagem.10 10 - MATTEI, Ugo. NADER, Laura. Ob. Cit., p. 302.

Essas duas faces do estado de direito deveriam ser consideradas pelos agentes dos processos revolucionários. Mas é compreensível que na luta contra a opressão e tudo aquilo que funcione como parte de seu arcabouço institucional, o sistema legal seja visto com profunda desconfiança por esses agentes. Para além da desconfiança, é preciso desnaturalizar o direito e revelar que a despeito da autonomia invocada pelo estado de direito, o mundo jurídico continua sendo parte de processos sociais mais amplos, algumas vezes marcados por colaboração e outras vezes marcados por antagonismos, conflitos e lutas. Nesse sentido vai a crítica de Marx ao afirmar que a instituição da forma capitalista de produção implica, necessariamente, uma legislação que assegura a propriedade privada, a tal ponto que as leis de propriedade que regulam a produção de mercadorias se convertem em leis da apropriação capitalista.11 11 - MARX, Karl.O Capital. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 662. Isso não quer dizer que o estado de direito não assegure direitos para os trabalhadores nesse processo de produção da mercadoria, onde atuam como trabalho vivo que cria um determinado produto. Como dizem Mattei e Nader, a tecnologia do estado de direito se afirma como autônoma em relação à política e, nesse sentido, poderia ser usada a favor dos interesses de um ou de outro grupo. O olhar atento de Marx percebe que não poderia haver o modo de produção capitalista não fosse o arcabouço jurídico que sustenta a circulação da mercadoria como propriedade privada e a regulamentação da força de trabalho. Essa regulamentação institui o trabalho também como mercadoria que pode ser negociada pelo trabalhador livre, portanto diferente de um regime de escravidão servil. Diz Marx, em O Capital, que o capitalista pretende fazer valer os seus direitos como comprador tentando estabelecer um contrato que prolongue ao máximo possível a jornada de trabalho; já o trabalhador pretende fazer valer os seus direitos como vendedor tentando limitar essa jornada a uma duração determinada. Isso resulta numa espécie de antinomia: um direito contra outro, ambos apoiados na lei da troca de mercadorias. Então conclui Marx: entre direitos iguais, quem decide é a força.12 12 - MARX, Karl. Ob. Cit., p. 309. Daí uma inevitável luta de classe que ocorre no coração do estado de direito e sobre a qual o sistema legal já se encontra previamente comprometido com a apropriação privada da mercadoria. Em Crítica do Programa de Gotha, Marx deixa bem claro que, em sua forma de ver, as lutas sociais que são travadas no campo econômico precedem a forma jurídica, por isso afirma que o direito nunca pode ultrapassar a forma econômica e o desenvolvimento cultural, por ela condicionado, da sociedade.13 13 - MARX, Karl.Crítica ao Programa de Gotha. São Paulo: Boitempo, 2012, p. 31.

Isso ajuda a entender aquela desconfiança que revolucionários possuem em relação à forma jurídica. Lênin, nos meses de agosto e setembro de 1917, ainda na clandestinidade, escreveu o livro O Estado e a Revolução, onde sustenta as teses de que o estado burguês deve ser abolido pela revolução, mas em seguida deve ser instaurado um modelo de estado proletário que, aos poucos, será extinto com a plena vigência do regime comunista. Nesse processo, a relação com o direito é meramente instrumental: o direito como aparato de regras necessita de um aparelho de coerção social que assegura o cumprimento dessas mesmas regras, esse aparato é o estado. Assim, na transição entre a sociedade capitalista e a sociedade comunista persiste um direito burguês e, até mesmo, um estado burguês, porém sem burguesia, mas sim sob o controle do proletariado. Aqui o estado de direito poderia ser útil para ajudar num processo de transformação cultural até que os princípios comunistas e os hábitos socializantes fossem internalizados por pessoas e grupos sociais.14 14 - Cf. LÊNIN, Vladimir Ilitch.O Estado e a Revolução. São Paulo: Global, 1987, p. 139. Nesse sentido, uma constituição pode ser desejável, porém sem que se alimentem grandes ilusões acerca do alcance e da efetividade de qualquer texto constitucional, ainda que resulte de uma constituinte realizada sob os auspícios da revolução. Em um conjunto de cartas e pequenos textos escritos entre 1905 e 1918 intitulado A Questão da Constituinte, Lênin afirma com grande convicção: a lógica da vida é mais forte do que a dos manuais constitucionais. A revolução ensina. E segue advertindo que as ilusões constitucionalistas mostram-se como uma visão enganadora.15 15 - LÊNIN, Vladimir Ilitch.A Questão da Constituinte. Contagem: Editora História, 1979, p. 61. Explica o autor:

Dá-se o nome de ilusões constitucionalistas ao erro político que consiste em ter como existente uma ordem normal, jurídica, regulamentada, legal, numa palavra, ‘constitucional’, mesmo quando essa ordem na verdade não existe... É, sob qualquer ponto de vista, impossível dar um único passo para a exposição correta das tarefas táticas na Rússia, sem colocar, como pedra angular, o desmascaramento implacável e sistemático das ilusões constitucionalistas, a revelação de todas as suas raízes e o restabelecimento duma perspectiva política justa.16 16 - LÊNIN, Vladimir Ilitch. Ob. Cit., pp. 83-84.

Lênin possui uma visão política extremamente realista onde as condições concretas são sempre mais relevantes do que o dever-ser abstrato do direito. Mais do que isso, ele considera que a perspectiva normativa pode, muitas vezes, mascarar a realidade mesma e os problemas materiais que dela resultam. Por isso o estado de direito não pode ser colocado acima do real, bem como a justiça deve ser entendida como uma circunstância que decorre, precisamente, da intervenção política que se faz no real e não de normas em abstrato que lhe pairam por cima. No seu realismo, Lênin argumenta em favor da revolução não defendendo uma nova ordem legal, mas denunciando problemas concretos que afetam a vida do homem comum: “o povo quer paz”, “não há pão”, “os ricos roubam desavergonhadamente o tesouro público”, “com os altos preços que hoje vigoram, os capitalistas embolsam lucros fabulosos”.17 17 - LÊNIN, Vladimir Ilitch. Ob. Cit., p. 89. É diante desse estado de coisas que afirma: qualquer revolução significa uma viragem brusca na vida das grandes massas do povo. Se essa viragem não se cumpriu devidamente, não pode haver uma verdadeira revolução.18 18 - LÊNIN, Vladimir Ilitch. Ob. Cit., p. 88. Por isso não teve nenhum problema para, em dezembro de 1917, dissolver a constituinte afirmando que é natural que os interesses da revolução tenham primazia sobre os direitos formais da Assembleia Constituinte.19 19 - LÊNIN, Vladimir Ilitch. Ob. Cit., p. 126. Segue Lênin argumentando que:

Qualquer tentativa, direita ou indireta, de levantar a questão da Assembleia Constituinte é, sob um ponto de vista jurídico-formal, nos marcos da democracia burguesa corrente, sem tomar em conta a luta de classes e a guerra civil, uma traição à causa do proletariado e a adoção do ponto de vista da burguesia.20 20 - LÊNIN, Vladimir Ilitch. Ob. Cit., p. 126.

As críticas de Lênin não ensejaram uma ausência de normas no período após a revolução. Uma nova Assembleia Constituinte rapidamente aprovou uma eloquente Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado onde afirma a essencial abolição de toda a exploração do homem pelo homem, a completa supressão da divisão da sociedade em classes, a repressão implacável de toda a resistência dos exploradores, a organização socialista da sociedade e a vitória do socialismo em todos os países.21 21 - LÊNIN, Vladimir Ilitch. Ob. Cit., p. 127.

Como disse antes, o conceito de democracia se vincula a duas ideias fundamentais: estado de direito e povo. Para a ideologia capitalista não resta dúvida que é o estado de direito o componente mais importante da democracia, pois assegura o ambiente necessário para que o capital se perpetue por meio da exploração da mão de obra assalariada e de contratos de adesão que favorecem os mais ricos e poderosos. Além disso, os detentores do poder econômico estão sempre atentos para usar sua influência sobre a classe política para fazer ajustes na lei e na constituição quando eles acham que parte da legalidade pode prejudicar seus interesses. A história ainda mostra que esses mesmos setores não possuem qualquer escrúpulo em simplesmente desrespeitar a ordem legal quando isso lhes é mais conveniente. Se o estado de direito lhes for vantajoso, ele será pragmaticamente invocado, porém caso lhes seja inconveniente eles tentarão impor seus contratos acima da lei, esperando que órgãos de estado, e mesmo a imprensa, aceitem como justificativa os argumentos que socorrem seus próprios ganhos, como se tais ganhos fossem de toda a sociedade. Enquanto isso, o povo vê sempre mais distante as possibilidades de melhoria das suas condições de vida. É como se a democracia abandonasse o proletariado à própria sorte, permitindo que eles se tornem uma massa moderna de escravos assalariados.

Pois a lógica revolucionária parece querer inverter essa relação e enfatizar aquilo que é benefício popular em primeiro lugar. O povo ascende à condição de sujeito de sua história para lutar com todas as suas forças pelas mudanças que devem produzir a sua emancipação. Para liberar essa força popular é preciso livrá-la das ilusões da forma jurídica e reconhecer os limites da democracia burguesa. É nesse sentido que afirma Lênin:

A sociedade capitalista, considerada em suas condições de desenvolvimento mais favoráveis, nos oferece uma democracia mais ou menos completa na república democrática. Mas essa democracia acha-se comprimida dentro do estreito marco da exploração capitalista e, por essa razão, é sempre, em essência, uma democracia para a minoria, só para as classes possuidoras, só para os ricos... Em virtude das condições da exploração capitalista, os escravos assalariados modernos vivem tão humilhados pela penúria e pela miséria, que “não estão para democracias”, “não estão para política”, e no curso pacífico e corrente dos acontecimentos, a maioria da população fica à margem de toda participação na vida político-social.22 22 - LÊNIN, Vladimir Ilitch. O Estado e a Revolução. São Paulo: Global, 1987, p. 128.

Percebe-se claramente que a crítica à democracia feita por Lênin é dirigida a sua dimensão centrada exclusivamente no estado de direito, o que acaba por admitir o sacrifício da componente popular. O desapreço, mais uma vez, se dirige à ilusão que pode ser ensejada pela forma jurídica, por isso afirma:

Portanto, na sociedade capitalista temos uma democracia amputada, mesquinha, falsa, uma democracia só para os ricos, para a minoria. A ditadura do proletariado, o período de transição ao comunismo, trará, pela primeira vez, a democracia para o povo, para a maioria, junto com a necessária repressão da minoria dos exploradores. Só o comunismo pode proporcionar uma democracia verdadeiramente completa; e quanto mais completa seja, mais cedo deixará de ser necessária e se extinguirá por si mesma.23 23 - LÊNIN, Vladimir Ilitch. Ob. Cit. P. 131.

Para Lênin, o fim da revolução não deve ser derrubar a democracia burguesa ou mesmo instituir a democracia proletária. Essas seriam apenas etapas inevitáveis de um processo que possui como verdadeiro objetivo instituir uma sociedade onde não haja a exploração do homem pelo homem e todos possam viver como iguais, conforme a regra de cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo suas necessidades.24 24 - LÊNIN, Vladimir Ilitch. Ob. Cit. P. 140. Embora afirmado expressamente por Lênin, esse critério de justiça distributiva é anterior a Lênin e típico do pensamento comunista. Já havia sido enunciado antes por Marx. Cf. MARX, Karl. Crítica ao Programa de Gotha, São Paulo: Boitempo, 2012, p. 32. Lênin afirma textualmente que a democracia tem uma enorme importância na luta da classe operária, por sua libertação, mas não como um fim da ação política.25 25 - LÊNIN, Vladimir Ilitch. Ob. Cit. P. 140. Na verdade ela possui um valor moral que é o reconhecimento da igualdade. Todavia, essa igualdade não pode ser confinada ao plano meramente formal, ela precisa realizar-se, também, no plano material. Por isso a democracia precisa ser empoderamento popular para que a maioria possa de fato determinar a estrutura da política e governar os órgãos de estado até que esse dê lugar a uma verdadeira autogestão popular.26 26 - LÊNIN, Vladimir Ilitch. Ob. Cit. P. 141.

Portanto, estamos diante de duas lógicas: a democracia-estado de direito e a democracia-povo. A primeira possui um valor limitado e é facilmente manipulada pelos grupos dominantes na ordem capitalista. A segunda tem sido a base da perspectiva revolucionária, o meio e o fim das grandes transformações sociais. Numa conjugação ideal, teríamos o estado de direito em consonância com os anseios populares e o povo se expressando e participando da gestão política e institucional do estado de direito. Por outro lado, numa conjugação perversa, o estado de direito se converte numa fria tecnologia que se torna conivente com processos de violação e erosão de direitos e de possibilidades de uma vida melhor da população; expropria do povo não apenas sua força de trabalho, mas, também, o sonho por mudanças estruturais de natureza emancipatória. Mantém os oprimidos sem vez e sem voz. Isso nos remete ao problema: o que fazer quando o próprio estado de direito é conivente com a opressão e a subalternização do povo? Numa perspectiva revolucionária, se o sistema político claramente favorece grupos privilegiados, notadamente aqueles que concentram maior riqueza, então estamos diante de um indicativo de que esse sistema deve ser subvertido. Subversão essa que se radica nos interesses legítimos de uma maioria desfavorecida em buscar melhores condições de vida. Os reclames da justiça distributiva serão sempre a principal força moral dos movimentos subversivos ou revolucionários, mas, numa visada mais ampla, as diferentes perspectivas emancipatórias de grupos oprimidos, para além do critério econômico, corroboram a sustentação moral de processos revolucionários. A história mostra que em certos momentos a revolução se manifesta como um ato, geralmente violento, de resistência seguida de enfrentamento para a tomada do poder político. Esse foi o caso da Revolução Russa. Todavia, outras vezes, a revolução se manifesta como uma atitude, isto é, como uma postura, não necessariamente violenta, de resistência e enfrentamento das condições opressivas, tendo em vista sua transformação.

No caso da revolução tomada como um ato, o processo revolucionário tende a ser fortemente marcado por um grande antagonismo entre os que pretendem manter a ordem e aqueles que lutam para derrubá-la, a tal ponto da violência ser um recurso inevitável. Os agentes da mudança costumam estar concentrados em grupos específicos, como o proletariado ou aqueles que buscam libertação nacional, e sob a regência de lideranças claramente definidas e hierarquizadas. Já no caso da revolução tomada como uma atitude, o antagonismo é pulverizado nas diferentes formas de relações sociais e de mediações institucionais. Os agentes do processo estão dispersos em vários grupos e instituições e não obedecem a hierarquias previamente definidas. A complexidade da tessitura social absorve as atitudes de resistência e enfrentamento do sistema político de tal maneira que é possível que os propugnadores das mudanças sejam, até mesmo, alguns agentes que operam por dentro das instituições do estado de direito, como aqueles que fazem parte do sistema legal ou que integrem, de alguma forma, a máquina de estado. Assim ocorre porque o estado não é um bloco monolítico com todos os seus agentes necessariamente alinhados com os mesmo interesses, embora esse possa até ser o caso da maior parte dos que lá estão. Já em relação aos movimentos que estão na sociedade civil, ainda que tenham em comum a resistência e o enfrentamento em face da violência que vem do estado ou fora dele, eles não necessariamente possuem uma unidade orgânica que os caracterize como um único movimento social tendente à tomada do poder político. A revolução como atitude parece querer mais do que uma mudança política: uma mudança cultural. Por isso os movimentos sociais não apenas pretendem subverter a ordem política, mas, também, vivenciar e testemunhar novas formas de relações emancipatórias para que essas relações sejam reconhecidas e incorporadas no conjunto da vida social. A atitude revolucionária busca não apenas a proteção da igualdade, mas também da liberdade. Trata-se da revolução como exercício de uma liberdade de resistência que busca e assegura certa autonomia, certa independência do jugo explorador. Nesse caso a liberdade parece instituir uma maneira diferente de mediação entre o estado de direito e o povo no processo de afirmação democrática. Ela coloca as instituições do estado de direito a serviço do povo para assegurar algum nível de vez e voz para os oprimidos. Para tanto, precisa assegurar a proteção do povo diante do estado burocrático para que ele não se torne uma máquina voraz que drena as energias da população. O império da lei deve ser o império da força popular que garante as diferentes formas legítimas de manifestação e reivindicações por direitos e parcelas distributivas. Obviamente, essa mediação feita pela liberdade não pode significar um descompromisso do estado de direito com a igualdade. A forma jurídica deve resguardar a liberdade do povo e das pessoas não apenas porque a liberdade é em si mesma um valor, mas porque ela é o canal por meio do qual os oprimidos podem lutar pela igualdade de oportunidades. Exatamente por isso a liberdade tem mais importância para os grupos menos favorecidos, para os que são espoliados dentro e fora das relações formais de trabalho. Para esses a liberdade de manifestação e organização política, a liberdade de reivindicação e apresentação de suas demandas, possuem um peso bem maior na vida cotidiana. Elas se traduzem como a possibilidade de exercício de uma práxis social que mostra que a igualdade não se realiza de forma linear, mas por meio de mecanismos sociais e ferramentas institucionais que alavancam a justiça social.

III) A revolução e seus limites

O ato é o existir de algo, não porém no sentido que dizemos ser em potência: e dizemos em potência, por exemplo, um Hermes na madeira, a semirreta na reta, porque eles poderiam ser extraídos, e dizemos pensador também aquele que não está especulando, se tem capacidade de especular, mas dizemos em ato o outro modo de ser da coisa... E o ato está para a potência como, por exemplo, quem constrói está para quem pode construir, quem está desperto para quem está dormindo, quem vê para quem está de olhos fechados mas tem a visão, e o que é extraído da matéria para a matéria e o que é elaborado para o que não é elaborado. Ao primeiro membro dessas diferentes relações atribui-se a qualificação de ato e ao segundo de potência.27 27 - ARISTÓTELES.Metafísica. São Paulo: Loyola, 2013, pp. 410-411.

Aristóteles

A revolução é o encontro perfeito do ato com e a potência. Qualquer revolução não carrega consigo apenas tudo que ela é. Carrega também tudo aquilo que ela pode ser. É uma promessa. Mas não é apenas uma promessa, é algo que se realiza naquele momento, é a mudança já instaurada. Essa relação tão forte entre o e o ainda não marca uma dimensão escatológica das grandes revoluções, de tal forma que elas além de serem um ato político são também um ato de fé, de uma esperança que, de alguma forma, já é realizada. Trata-se aqui de um tipo de dimensão transcendente da ideologia que é capaz de arrebatar os espíritos revolucionários para provocar mudanças radicais, sejam aquelas feitas nas estruturas sociais, sejam aquelas feitas na própria pessoa. Aliás, essa acepção de revolução como grande mudança é exatamente o que caracterizou o uso da palavra no Renascimento, o que aconteceu nos domínios da astronomia. Foi em 1543, mesmo ano da morte de Nicolau Copérnico, que foi publicada sua mais importante obra: De Revolutionibus Orbium Coelestium ou Sobre Revoluções das Esferas Celestes, onde defendeu que a Terra fazia a sua órbita em torno do sol. Essa mudança radical de eixo ficou conhecida como “revolução copernicana”. Posteriormente o uso do termo foi ampliado e passou a ser empregado em contextos políticos para designar mudanças profundas, geralmente mudanças de eixo político, como é o caso das expressões Revolução Francesa e Revolução Russa. Gianfranco Pasquino assim propõe o conceito de revolução:

A revolução é a tentativa, acompanhada do usa da violência, de derrubar as autoridades políticas existentes e de as substituir, a fim de efetuar profundas mudanças nas relações políticas, no ordenamento jurídico-constitucional e na esfera socioeconômica. A revolução se distingue da rebelião ou revolta, porque esta se limita geralmente a uma área geográfica circunscrita, é, o mais das vezes, isenta de motivações ideológicas, não propugna a subversão total da ordem constituída, mas o retorno aos princípios originários que regulavam as relações entre as autoridades políticas e os cidadãos, e visa à satisfação imediata das reivindicações políticas e econômicas. A rebelião pode, portanto, ser acalmada tanto com a substituição de algumas personalidades políticas, como por meio de concessões econômicas. A revolução se distingue do golpe de estado, porque esse se configura apenas como uma tentativa de substituição das autoridades políticas existentes dentro do quadro institucional, sem nada ou quase nada mudar dos mecanismos políticos e socioeconômicos. 28 28 - PASQUINO, Gianfranco. Revolução. InBOBBIO, Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, Gianfranco.Dicionário de Política. Brasília: EdUnB, 1995, p. 1121.

O autor afirma que reconhece se tratar de um uso restritivo do termo, pois somente considera revolucionários os processos que provoquem mudanças socioeconômicas.29 29 - PASQUINO, Gianfranco. Ob Cit., p. 1122. Mas nisso estou de pleno acordo com Pasquino. Qualquer uso da palavra revolução deve implicar mudanças significativas, mas o emprego político dessa palavra deve expressar profundas mudanças socioeconômicas. Esse é o sentido de ser que autorizou a incorporação do termo no léxico político. Trata-se daquele caráter transcendente que acompanha a revolução, como um movimento que é capaz de transcender a realidade mesma para transformá-la em algo que já é e que virá. Nesse sentido, há algo de grandioso na ideia de revolução, capaz de inspirar desejo e temor, de tal forma que ninguém lhe passa indiferentemente.

Desde o final do século XVIII até pouco mais de meados do século XX, a palavra revolução esteve basicamente empregada em guerras de libertação nacional, isto é, em lutas por independência frente ao colonizador. Não há dúvida de que é correto o emprego da palavra nesse contexto. Todavia, essa vinculação entre revolução e profundas mudanças socioeconômicas, faz com que o termo ganhe um sentido pleno quando falamos de lutas emancipatórias mesmo dentro de contextos nacionais, como é o caso da Revolução Russa. Lutas que se apresentam contra a exploração, a opressão e a pobreza. Nessa perspectiva, assevera Pasquino:

Será, enfim, Marx quem dará uma forma completa e um fim ainda mais grandioso à Revolução. Ela surgirá não só como instrumento essencial para a conquista da liberdade, identificada com o fim da exploração do homem pelo homem e, por consequência, com a possibilidade de vencer a pobreza, mas também, como meio de conseguir a igualdade, posta na justiça social, e do homem desenvolver plenamente todas as suas qualidades. 30 30 - PASQUINO, Gianfranco. Ob Cit., p. 1123.

Não resta dúvida de que com a teoria marxiana a ideia de revolução alcança seu nível mais radical como autoemancipação dos explorados, isso é, como movimento que resulta de uma consciência de si em direção a uma consciência para si, capaz de romper com a ardem posta para permitir que as pessoas tomem em suas próprias mãos a produção de suas vidas.31 31 - Cf. LÖWY, Michael.A Teoria da Revolução no Jovem Marx. São Paulo: Boitempo, 2012, pp. 20-21. Não que essa obra marxiana deva ser entendida como uma obra pronta e apta a oferecer todas as respostas. Antes, ela deve ser tomada como uma obra aberta que ao invés de oferecer respostas, põe à disposição poderosas ferramentas de análise e um bom material para uma densa reflexão sobre a moderna sociedade capitalista. Mas o faz ao mesmo tempo em que afirma o compromisso incondicional com a libertação dos oprimidos. E como a condição dessa libertação é que ela se coloque como autolibertação, isso é, como ação dos próprios oprimidos, ele define o proletariado como principal agente explorado e, portanto, como o principal agente da insurgência revolucionária. Mas a maneira que Marx delimita seu conceito de proletariado não exclui aqueles que são violados em outros processos sociais para além do mundo do trabalho:

... porque o homem se perdeu a si mesmo no proletariado, mas ao mesmo tempo ganhou com isso não apenas a consciência teórica dessa perda, como também, sob a ação de uma penúria absolutamente imperiosa – a expressão prática da necessidade – que já não pode mais ser evitada nem embelezada, foi obrigado à revolta contra essas desumanidades; por causa disso o proletariado pode e deve libertar-se a si mesmo. Mas ele não pode libertar-se a si mesmo sem supra-sumir suas próprias condições de vida. Ele não pode supra-sumir suas próprias condições de vida sem supra-sumir todas as condições de vida desumana na sociedade atual, que se resumem em sua própria situação.32 32 - MARX, Karl.A Sagrada Família. São Paulo: Boitempo, 2003, p. 49. [grifei]

Veja-se, a partir do texto citado, que a busca pela autoemancipação do proletariado implica uma luta contra as mazelas contidas no quadro fundamental que condiciona a todas as pessoas: a estrutura socioeconômica da sociedade capitalista que produz desumanidades por todos os lados. Assim, o proletariado é, ao mesmo tempo, uma classe concreta e uma ideia geral que engloba todos os oprimidos e explorados como vítimas de relações injustas. São esses que devem se autoemancipar buscando a libertação de si mesmos. Contudo isso implica uma tomada de consciência do proletariado que somente pode resultar de uma compreensão do lugar que ocupa na vida social, em especial no processo de reprodução de bens no qual toma parte como mero vendedor de sua força de trabalho, sem possibilidade de decidir sobre como, quanto e quando produzir. Afirma Marx:

O homem faz de sua atividade vital mesma um objeto de sua vontade e de sua consciência... A atividade vital consciente distingue o homem imediatamente da atividade vital animal. Justamente e só por isso ele é um ser genérico. Ou ele somente é um ser consciente, isto é, sua própria vida lhe é objeto, precisamente porque é um ser genérico. Eis porque sua atividade é atividade livre. O trabalho estranhado inverte a relação a tal ponto porque o homem, precisamente porque é um ser consciente, faz da sua atividade vital, da sua essência, apenas um meio para sua existência.33 33 - MARX, Karl.Manuscritos Econômico-Filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2010, pp. 84-85.

Pois enquanto ser capaz de pensar a si mesmo o homem se realiza como ser autoconsciente e livre para reinventar-se como ser social. Porém, uma vez alinhado nas fileiras da produção capitalista o trabalhador desvaloriza a si mesmo enquanto valoriza o mundo objetivo com as mercadorias que produz. Como não bastasse, o seu trabalho que resulta dessa condição de ser autoconsciente não pertence a ele mesmo, mas a um outro que lhe é estranho. Por isso sua atividade se torna miséria e sua força impotência. A capacidade de produzir, que é a sua essência, se torna apenas um meio para a sua subsistência. O que ocorre aqui é um tremendo aviltamento da condição humana, aviltamento esse que é naturalizado no âmbito da modernidade capitalista. Marx insiste que nossa diferença em relação aos animais é que o animal apenas produz a si mesmo ao passo que o homem pode reproduzir toda a natureza; os animais produzem coisas que pertencem diretamente ao seu corpo físico, mas o homem defronta-se livremente com o seu produto. É por isso que quando esse trabalho estranhado arranca do homem o objeto de sua produção, ele também lhe arranca sua atividade autoconsciente como exercício da liberdade.34 34 - MARX, Karl. Ob. Cit., p. 85. Por isso a revolução é uma proposta de ruptura para uma reapropriação do sujeito por ele mesmo. Ela implica a autolibertação do proletariado do trabalho estranhado para que ele possa realizar a sua essência que é a da livre criação. Com efeito, a revolução nessa perspectiva marxiana terá como tarefas: efetuar as mudanças socioeconômicas para superar esse processo de exploração do homem pelo homem; instituir parcelas distributivas justas e que assegurem as condições materiais para uma existência digna e produtiva de todos; desmascarar as ideologias que naturalizam o estranhamento como se ele fosse uma condição necessária da vida humana. Sem dúvida são tarefas grandiosas e foi por isso mesmo que Pasquino afirmou que em Marx a revolução assume uma forma mais completa e grandiosa.

Entretanto, o que é de fato grandioso é o trabalho de assumir a responsabilidade pelo curso das mudanças na vida social. Por isso mesmo as diferentes sociedades, especialmente na modernidade, instituem narrativas de salvadores que conseguem, com sua prática heroica e sobre-humana, assumir o curso da vida política para se colocar acima dela e nessa posição libertar as pessoas do medo, da arbitrariedade e da injustiça. Porém, dessa maneira, não haveria autolibertação ou autoemancipação e, portanto, a suposta libertação não sairia do modo alienado, escondida em falsas consciências. Na tradição burguesa esse ente que paira acima dos conflitos para libertar as pessoas de todas as contradições é próprio estado. Diante dessa situação, Michael Löwy faz a seguinte crítica: sendo a libertação levada a cabo no modo alienado, o novo Estado estabelecido pelo “libertador” não pode ser senão alienado.35 35 - LÖWY, Michael.A Teoria da Revolução no Jovem Marx. São Paulo: Boitempo, 2012, p.44. Como ente alienado o estado se assume como um guardião da sociedade contra os particularismos dos indivíduos. Isso pretende fazer crer que todos os conflitos são suprassumidos nesse ente que está acima e fora da sociedade. Novamente Löwy: à alienação econômica do mercado capitalista corresponde uma alienação política que se manifesta no mito do salvador supremo na constituição do Estado liberal.36 36 - LÖWY, Michael. Ob. Cit., p. 45. Essa é a grande diferença entre a Revolução Francesa e a Revolução Russa. As condições de penúria e miséria estavam presentes em ambas circunstâncias, mas a revolução burguesa pretendeu acabar com o Ancien Régime instituindo a forma jurídica do estado de direito como a garantia da nova ordem social. Já a Revolução Russa, por sua inspiração marxista não aposta na forma jurídica e nas ilusões constitucionalistas como garantia de uma nova ordem social. Na verdade, a crítica a tais ilusões e ao estado burguês está desde o início do processo revolucionário em 1905, como se infere das cartas de Lênin.37 37 - LÊNIN, Vladimir Ilitch.A Questão da Constituinte. Contagem: Editora História, 1979. Dois anos após a Revolução de 1917 e ainda no esforço de sua consolidação, Lênin afirma que o capitalismo não seria o capitalismo se não pusesse nas mãos da burguesia um gigantesco aparelho de mentiras e enganos para iludir em massa os operários e os camponeses.38 38 - LÊNIN, Vladimir Ilitch. Ob. Cit., p. 164. Essa visão realista que identifica no estado burguês um aparelho de mentiras ao invés de um heroico salvador, está em consonância com a concepção esboçada poucos anos antes em O Estado e a Revolução, onde Lênin já havia escrito que o estado é produto e manifestação do caráter inconciliável das contradições de classe.39 39 - LÊNIN, Vladimir Ilitch. O Estado e a Revolução. São Paulo: Global, 1987, pp. 54-53.

Do ponto de vista das tarefas revolucionárias, a autolibertação implica um movimento que força as mudanças a partir de baixo e não espera que os opressores simplesmente abram mão de suas benesses e privilégios, que eles cedam ao conjunto da sociedade, por meio da forma jurídica, os seus tradicionais mecanismos de opressão. Num conhecido trecho de Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo, Lênin assevera:

A lei fundamental da revolução, confirmada por todas as revoluções, e particularmente pelas três revoluções russas do século XX, consiste no seguinte: para a revolução não basta que as massas exploradas e oprimidas tenham consciência da impossibilidade de continuar vivendo como vivem e exijam transformações; para a revolução é necessário que os exploradores não possam continuar vivendo e governando como vivem e governam. Só quando os “de baixo” não querem e os “de cima” não podem continuar vivendo à moda antiga, somente então é que a revolução pode triunfar.40 40 - LÊNIN, Vladimir Ilitch. Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo. São Paulo: Expressão Popular, 2014, p. 130.

Portanto, o estado não é um herói salvador e os grupos dominantes não irão ceder de bom grado todos os seus meios de dominação. É a revolução que, num ato radical de liberdade, conquista as mudanças na estrutura socioeconômica da sociedade. Nesse sentido, a revolução é, também, um exercício democrático, embora não se confunda com a democracia burguesa, já incapaz de representar as maiorias oprimidas. Rosa Luxemburgo estava atenta para esse aspecto e por isso mesmo afirmou que a política de desenvolvimento capitalista mantida pelo estado burguês entra em conflito com o desenvolvimento social e, dessa forma, distancia o estado da população, mantendo-o como um estado de classe.41 41 - LUXEMBURGO, Rosa. Reforma ou Revolução? São Paulo: Expressão Popular, 2015, p. 57. Com efeito, não se deve alimentar ilusões de que as chamadas instituições democráticas da ordem burguesa e a forma jurídica que lhe reveste poderiam trazer as mudanças socioeconômicas profundas que uma revolução pretende alcançar. Afirma a autora: Por conseguinte, são as instituições democráticas, nessa sociedade, pela forma e pelo conteúdo, simples instrumentos dos interesses das classes dominantes... Eis porque a ideia da conquista de uma maioria parlamentar aparece como cálculo que está inteiramente dentro do espírito de liberalismo burguês, pois, preocupa-se unicamente com o aspecto formal da democracia, sem ter em conta absolutamente seu conteúdo real.42 42 - LUXEMBURGO, Rosa. Ob. Cit. P. 59. A afirmação de Rosa Luxemburgo nos deixa atentos para o fato de que quando a democracia é reduzida à dimensão da representação política, ela perde sua força substantiva que é a expressão direta das necessidades e interesse do povo na construção de seus direitos e de melhores formas de viver em comum. Essa democracia liberal, sempre enfraquecida, se apresenta muito mais como uma forma de legitimação ideológica para, por diversas vezes, sacrificar, exatamente, as necessidades e interesses do povo, geralmente em nome de ajustes que são apresentados como estruturais e inevitáveis, em nome de outros interesses: os do “mercado”, que é o nome usado para expressar os interesses de ricos e poderosos, os de cima, como dizia Lênin.

Por isso a revolução nunca pode se contentar com as meras reformas legais. O espírito revolucionário necessariamente deve transcender a forma jurídica, até porque essa é por demais frágil para dar conta do movimento de autolibertação ou autoemancipação dos oprimidos. Se a democracia e o estado liberal-burgueses não são suficientes para dar conta de um processo de desenvolvimento radicalmente comprometido com a igualdade de oportunidades e um tratamento justo a todos, então é o poder popular que deve fazê-lo. Nessa linha, após a tomada do poder político pelos bolcheviques, Lênin formula a seguinte pergunta num texto de 1919: como é que se pode converter o poder estatal nas mãos do proletariado em instrumento da sua luta de classe para influenciar as massas trabalhadoras não proletárias, para as arrancar e arrebatar à burguesia? A resposta ele mesmo oferece:

Em primeiro lugar, o proletariado não consegue isso pondo em marcha o velho aparelho estatal, mas fazendo-o em pedaços, não lhe deixando pedra sobre pedra (apesar dos gemidos dos assustados filisteus e das ameaças dos sabotadores) e criando, por sua vez, um novo aparelho estatal. Esse novo aparelho ajusta-se às necessidades da ditadura do proletariado e da sua luta contra a burguesia e em favor das massas trabalhadoras não proletárias. Esse novo aparelho não foi inventado por ninguém, antes brota da luta de classe do proletariado, da extensão que esta alcança em amplitude e profundidade. Este novo aparelho do poder estatal, este novo tipo de poder estatal, é o poder soviético.43 43 - LÊNIN, Vladimir Ilitch.A Questão da Constituinte. Contagem: Editora História, 1979, p. 161

O poder soviético, na crença de Lênin, deveria ser a expressão da ditadura do proletariado, à qual Marx já havia se referido.44 44 - Disse Marx: Entre a sociedade capitalista e a comunista, situa-se o período da transformação revolucionária de uma na outra. A ele corresponde também um período político de transição, cujo estado não pode ser senão a ditadura revolucionária do proletariado. MARX, Karl. Crítica do Programa de Gotha. São Paulo: Boitempo, 2012, p. 43. Por isso, na opinião de Lênin, marxista só é aquele que reconhece a luta de classe e, também, a ditadura do proletariado como categorias fundamentais do pensamento de Marx.45 45 - LÊNIN, Vladimir Ilitch. O Estado e a Revolução. São Paulo: Global, 1987, p. 79. Com essa afirmação, Lênin pretende desqualificar como marxista o pensamento de Karl Kautsky que, num artigo de 1918, critica o conceito de ditadura do proletariado. A ditadura do proletariado, como forma de organização política, teria como tarefa fundamental conduzir o processo da destruição do estado burguês e a sua substituição por um aparelho de estado não burguês capaz de conduzir a população a um novo estágio das relações sociais, livre da exploração do homem pelo homem. Lênin se coloca como um realista e afirma que seria uma utopia que a revolução abolisse repentina e completamente a burocracia até então existente. Numa eloquente passagem, afirma o seguinte:

Não somos utópicos. Não “sonhamos” em como se poderá prescindir de uma vez de todo governo, de qualquer subordinação; esses sonhos anarquistas, baseados na incompreensão das tarefas da ditadura do proletariado, são fundamentalmente estranhos ao marxismo e, de fato, só servem para adiar a revolução socialista até que os homens sejam diferentes. Não, nós queremos a revolução socialista com homens como os de hoje, com homens que não podem passar sem subordinação, sem controle, sem “inspetores e contadores”.46 46 - LÊNIN, Vladimir Ilitch. Ob. Cit., p. 93.

O realismo de Lênin faz com que ele esteja convicto de que a ditadura do proletariado é a forma prática e segura de lidar com esse fantástico centro de poder que é o estado, assegurando os meios para a construção da sociedade comunista após a revolução. Esse governo proletário daria conta tanto da destruição do estado burguês como da extinção desse novo estado, para que se consumasse a promessa comunista de uma sociedade sem estado. Nas suas palavras: a substituição do estado burguês pelo estado proletário é impossível sem uma revolução violenta. A supressão do estado proletário, quer dizer, a supressão de todo e qualquer estado, só é possível por meio de um processo de extinção.47 47 - LÊNIN, Vladimir Ilitch. Ob. Cit., p. 68.

Aqui parece que estamos diante do principal limite dos processos revolucionários: a superação dos centros tradicionais de poder é feita, via de regra, pela instituição de um centro de poder alternativo. Como mantê-lo, esse novo centro do poder, em definitivo dentro do espírito revolucionário para que ele mesmo não se torne uma nova forma de opressão? Na conhecida fábula Animal Farm - A Revolução dos Bichos – escrita por George Orwell e publicada em 1945 o autor pretende fazer uma devastadora crítica da Rússia estalinista argumentando que uma sociedade que se apresente como totalmente igualitária seria incompatível com a natureza humana, já que as lideranças mais influentes e poderosas sempre se manteriam como uma casta desigual. A pergunta que fiz no início desse parágrafo não se refere à crítica de Orwell, pois em meu ponto de vista, não se trata de um debate sobre a natureza humana, mas sobre a busca e manutenção de instituições verdadeiramente democráticas e sempre comprometidas com a autoemancipação humana. Nesse sentido, uma crítica mais pertinente é aquela feita por José Paulo Netto ao afirmar que Lênin sobrevaloriza o papel do estado e, com isso, perde de vista a complexidade dos processos de dominação política e opressão social, não necessariamente ligados ao estado como forma jurídica.48 48 - Cf. NETTO, José Paulo. Lênin e a instrumentalidade do Estado. In LÊNIN, Vladimir Ilitch. O Estado e a Revolução. São Paulo: Global, 1987, pp. 36-38. Evidente que não há dúvida que a máquina de estado guarda enorme potencial de opressão, seja pela sua própria natureza coercitiva seja pela ação tópica de alguns de seus agentes. Todavia, na estrutura complexa da sociedade moderna, existem outras fontes e meios de violência que atingem as pessoas de forma geral e os mais empobrecidos de forma particular. Há inúmeros preconceitos e discriminações negativas que humilham, aviltam e reduzem as oportunidades de uma vida melhor que são difundidos e reproduzidos diretamente na vida social sem a mediação do estado. Da mesma forma, a realização do trabalho estranhado e a expropriação do produto do trabalho não tem como causa direta o estado, muito embora a forma jurídica seja utilizada como uma maneira de se oferecer algum nível de aceitabilidade a essas práticas laborais exploradoras. No debate que travou com Bernstein, Rosa Luxemburgo deixou claro que o estado e a forma jurídica não estão no coração dos processos de opressão e, por isso, afirmou que a dominação de classe não repousa em “direitos adquiridos” e sim em verdadeiras relações econômicas. Assim, faz a pergunta: como suprimir progressivamente, “pela via legal”, a escravidão do assalariado, se ela não está absolutamente expressa nas leis?49 49 - LUXEMBURGO, Rosa.Reforma ou Revolução? São Paulo: Expressão Popular, 2015, p.103. Ainda segundo Rosa, o antagonismo entre classe opressora e classe oprimida encontrava expressão em relações jurídicas bem determinadas nas fases precedentes da sociedade moderna, mas na modernidade as relações propriamente econômicas, anteriores ao direito, seriam o marco da exploração. Nessa linha, afirma: Não é o proletariado obrigado por lei alguma a submeter-se ao jugo do capital e sim pela miséria, pela falta de meios de produção. Mas, nos quadros da sociedade burguesa, não haverá no mundo lei que lhe possa proporcionar esses meios de produção, porque não foi a lei, e sim o desenvolvimento econômico que lhos arrancou.50 50 - LUXEMBURGO, Rosa. Ob. Cit., p. 104.

A complexidade crescente das relações sociais no mundo moderno engendra não apenas formas autônomas de exploração econômica, mas, também, outros mecanismos de opressão que operam no campo da política ou da cultura. Servilismos, sub-representações, exclusões, demonizações são fenômenos atuais que expressam formas brutais de violência que atingem inúmeras pessoas e que não necessariamente possuem mediação estatal. Na crítica que faz à centralidade que o papel do estado ocupa na análise de Lênin, José Paulo Netto diz que tal análise é insuficiente para dar conta das novas realidades que, em todas as latitudes, são postas pela complexa organização e gestão de sociedades nas quais a onipresença da violência – coagulada na máquina coercitivo-repressiva e burocrática estatal ou civilizadamente evanescente por incontáveis condutos econômico-sociais – reduz a cada passo a autonomia dos indivíduos.51 51 - NETTO, José Paulo. Lênin e a instrumentalidade do Estado. In LÊNIN, Vladimir Ilitch. O Estado e a Revolução. São Paulo: Global, 1987, p. 41. Pessoalmente, estou convencido de que a inteligência de Lênin compreendia essa difusão de processos de opressão, porém numa Rússia continental e com limitados meios de comunicação, elegeu o estado como meio estratégico para dar consecução às tarefas da revolução. A onipresença do estado era interessante para permitir algum nível de organização e centralidade ao movimento revolucionário e, ao mesmo tempo, para promover as mudanças desejadas em curto prazo. Por isso esse tratamento do estado “em duas mãos”: com uma mão destruía o aparelho burguês da dominação de classe, com a outra mão pretendia preservar o aparelho para instrumentalizá-lo a serviço dos interesses proletários e populares. Nessa dinâmica o Conselho dos Comissários do Povo, num primeiro momento, e a liderança do Partido Comunista, num segundo momento, passaram a definir a extensão/universalização e restrição/supressão de liberdades públicas e direitos políticos. Essa instrumentalização das liberdades fez com que a revolução popular não se convertesse integralmente num poder popular, limitando, assim, o alcance revolucionário da ditadura do proletariado, que, para Lênin, deveria ser o principal guião das profundas transformações socioeconômicas. O poder burocratizado que limita a liberdade também limita a luta pela igualdade, pois impede que as violências que brotam de todas as latitudes e restringem a autonomia das pessoas sejam devidamente denunciadas e combatidas.

Pelo que Lênin esboça em O Estado e a Revolução é possível concluir que ele estava convicto que seria necessário um primeiro nível de endurecimento para aniquilar a máquina de dominação burguesa fincada dentro do estado, para, num segundo momento, fazer do estado proletário um agente estratégico na implantação do comunismo. Nesse momento, o estado proletário poderia ser extinto, pois as práticas sociais moralmente superiores típicas de uma sociedade comunista já estariam entranhadas na população em geral. O que chama atenção e causa mesmo certa perplexidade é como a concepção que Lênin definiu de não utópica esbarra naquilo que, em minha opinião, se expressa como um profundo utopismo. Permito-me compartilhar uma passagem, ainda que longa:

Só na sociedade comunista, quando já se tiver rompido definitivamente a resistência dos capitalistas, quando estes tiverem desaparecido, quando já não existirem classes (quer dizer, quando não existirem diferenças entre os membros da sociedade, por sua relação com os meios de produção), só então ”desaparecerá o Estado e se poderá falar em liberdade”. Só então será possível e se tornará realidade uma democracia verdadeiramente completa, uma democracia que não implique, efetivamente, nenhuma restrição. E só então começará a extinguir-se a democracia, pela simples razão de que os homens, liberados da escravidão capitalista, dos inumeráveis horrores, bestialidades, absurdos e vilezas da exploração capitalista, se habituarão pouco a pouco a observar as regras elementares de convivência, conhecidas ao longo dos séculos e repetidas há milhares de anos em todos os preceitos; a observá-las sem violência, sem coação, sem subordinação, sem esse aparelho especial de coação que se chama Estado.52 52 - LÊNIN, Vladimir Ilitch. O Estado e a Revolução. São Paulo: Global, 1987, pp. 130-131.

Essa visão de Lênin parece comungar de uma concepção rousseauniana do homem com um bom selvagem que, num dado momento, foi pervertido pelos processos de troca e mercantilização das relações sociais. Também expressa algum nível de crença num tipo de direito natural sempre presente, ainda que ocultado por certas dinâmicas econômicas e sociais. Contudo, o aspecto que mais me chama atenção, posto em destaque no original pelo próprio autor, é a ideia de hábito. Acredita o Lênin que numa sociedade comunista as pessoas se habituarão a cumprir as regras elementares de convivência. Evidentemente, há aqui uma grande vagueza no argumento de Lênin, uma vez que não ficam claras quais são essas regras elementares e muito menos o alcance de tais regras na vida social, incluindo as dimensões econômica, política e cultural. Nesse mesmo livro, Lênin usa como referência histórica para uma sociedade verdadeiramente democrática a Comuna de Paris. Contudo essa foi uma experiência muito limitada para se inferir conclusões sobre mudanças de hábito das pessoas ou de costumes sociais. Infelizmente Lênin faleceu precocemente e não teve tempo de reavaliar suas perspectivas e expectativas em relação ao day after da Revolução. Por isso, não se pode julgar sua posição política da época com as informações que nós temos após mais de cem anos da Revolução Russa. Mas podemos e devemos usar a experiência dessa Revolução para avaliar os limites e possibilidades de processos revolucionários.

Em relação aos limites, um grande desafio histórico é a conversão de supostas ditaduras do proletariado em estados policiais que marcam uma presença totalitária na vida das pessoas. A esperança e crença de que isso seja apenas uma fase, pode se converter numa ingênua ou maldosa permissão para que direitos e liberdades sejam suprimidos de forma arbitrária. Sem liberdade, os oprimidos jamais poderão lutar por igualdade. Com efeito, uma política repressora de natureza revolucionária acaba por se transformar numa contradição em termos. Nesse sentido, a ideia de um estado de direito parece ser importante para equilibrar e manter as pretensões revolucionárias. Pode parecer curioso que após ter feito duras críticas ao estado de direito como uma fria tecnologia que admite processos de pilhagem e opressão, traga agora esse mesmo conceito como algo que pode contribuir com processos revolucionários. Entretanto, é importante notar a mudança do contexto: uma coisa é a experiência do estado de direito quando submetido aos interesses do capital e, portanto, conivente com a exploração do homem pelo homem; outra coisa é a experiência do estado de direito quando submetido ao processo de autolibertação e autoemancipação humana. A contenção do poder político e jurídico em favor da liberdade social, que é a principal característica conceitual do estado de direito, parece ser algo que comunga perfeitamente com ideais revolucionários de autoemancipação. Além disso, a busca da igualdade por todos os meios, inclusive pelas características do estado democrático de direito, também parece estar em consonância com os ideais revolucionários. Por isso quando Marat Baglai argumenta em favor do estado de direito não o faz em detrimento dos ideais socialistas, mas, ao contrário, como o alcance de um estágio qualitativo no desenvolvimento de uma democracia socialista, como uma forma jurídica que esteja apta a auxiliar no combate contra diversos tipos de violência como a excessiva burocracia da máquina estatal; a prevalência da opinião de um ou de poucos como norma de estado; atuação das entidades de coerção sem base legal e negação do pluralismo de opiniões.53 53 - BAGLAI, Marat.Um Estado Socialista de Direito – Essência e Perspectivas. In Lua Nova: Revista de Cultura e Política. São Paulo, nº 19, novembro 1989, pp. 71-77. O que pretendo sustentar com meu argumento a favor da utilização do conceito de estado de direito mesmo em contextos revolucionários é que as críticas efetuadas, seja no plano teórico, seja no plano prático, ao estado de direito não devem gerar, como conclusão, a ideia de que o conceito deve ser descartado. Ao contrário, ele deve ser reforçado e ressignificado no contexto das práticas revolucionárias como algo que vai ao encontro do ideal de autoemancipação.

Essa relação entre estado de direito e revolução não deve ser interpretada como um enfraquecimento dos processos revolucionários, como se representasse uma subordinação da revolução à forma jurídica, isto é, uma opção pelas reformas ao invés da revolução. Quanto a isso, Rosa Luxemburgo, em seu Reforma ou Revolução já desenvolveu eloquentes argumentos mostrando o poder das reformas quando inseridas como parte de um processo revolucionário. Em outras palavras, quando a reforma é sustentada como um fim em si mesmo, ela já está cooptada pela dominação capitalista, mas quando a reforma se dá como um meio para transformações socioeconômicas mais profundas, ela ganha em potencial emancipatório. Logo no prefácio do livro, afirma a autora:

A luta cotidiana pelas reformas, pela melhoria da situação do povo trabalhador no próprio quadro do regime existente, pelas instituições democráticas, constitui, mesmo para a social-democracia, o único meio de travar a luta de classe e proletária e trabalhar no sentido da sua finalidade, isto é, a luta pela conquista do poder político e supressão do assalariado. Existe para a social-democracia um laço indissolúvel entre as reformas sociais e a revolução, sendo a luta pelas reformas o meio, mas a revolução social o fim. 54 54 - LUXEMBURGO, Rosa. Reforma ou Revolução? São Paulo: Expressão Popular, 2015, p.17. Vale lembrar que socialdemocracia era a tendência da esquerda socialista da qual participava Rosa Luxemburgo, seja na Polônia, seja na Alemanha.

Se, de fato, não podemos contar com a crença de que as pessoas após certo tempo de práticas sociais revolucionadas irão adquirir o hábito de novos padrões moralmente elevados de relações interpessoais, então precisamos de algo mais que sustente o processo de autoemancipação de todos os oprimidos. Certamente que esse algo mais é um conjunto complexo de coisas que envolvem desde costumes até instituições políticas, econômicas e sociais. A forma jurídica, inevitavelmente, irá atravessar essas instituições e o conceito de estado de direito, ou estado democrático de direito, pode ser um importante denominador comum que vincule instituições da organização social e práticas de autoemancipação. Trata-se de uma tensão constante que, de certa maneira, alonga o processo revolucionário colocando-o em permanente curso de reflexão, como verdadeira práxis.

A questão colocada aqui não é apenas a da mudança, mas da maneira por meio da qual as mudanças podem ocorrer no processo de desenvolvimento social-histórico. O critério fundamental é o protagonismo do oprimido no transcurso de sua própria libertação, que deve se dar como autolibertação. Nesse sentido, qualquer vanguarda que queira falar pelo oprimido, agir por ele, por mais bem intencionada que seja, coloca em risco o critério fundamental do protagonismo popular. Por outro lado, todas as ações que produzam consciência de si, consciência de classe e organização popular, são positivas e bem-vindas, ainda que não acarretem transformações profundas em curto prazo. Da mesma forma são positivas e bem-vindas aquelas ações que gerem melhorias na situação de vida do oprimido, mesmo que não cheguem a abolir as causas da opressão. Contudo, não resta dúvida que o ideal seria uma transformação tamanhamente radical que banisse de uma vez por todas os diferentes modos de exploração do homem pelo homem. A história das revoluções como marcos de ruptura é a procura desse ideal, mas uma sociedade somente se mantém como tal se for estável. Assim, é impossível manter permanentemente a tensão gigantesca de uma revolução. É preciso que a estabilidade chegue em algum momento, porém ela não pode significar o retorno das opressões contra as quais se lutou. Ninguém pode crer que a forma jurídica seja de grande valia na eclosão revolucionária, mas ela pode servir para amalgamar algumas conquistas que não podem aguardar que o novo homem e a nova mulher cristalizem hábitos moralmente superiores, se é que isso irá acontecer algum dia. Além disso, nosso horizonte de mudanças deve contemplar todas as formas que atendam o critério fundamental da autoemancipação. Mais uma vez vale ouvir o que diz Rosa Luxemburgo:

Portanto, a reforma legal e a revolução não são métodos diferentes de desenvolvimento histórico, que se pode escolher à vontade no refeitório da história, como se escolhe entre salsichas frias ou quentes, e sim fatores diferentes no desenvolvimento da sociedade de classe, condicionados um ao outro e que se completam, ainda que se excluindo reciprocamente, como, por exemplo, o polo Norte e o polo Sul, a burguesia e o proletariado.55 55 - LUXEMBURGO, Rosa. Ob. Cit., p. 101.

Nessa linha, o estado de direito é uma forma jurídica da qual não vale a pena abrir mão. É preciso radicalizar o seu sentido a partir das demandas populares e da luta contra a opressão e violência que recaem sobre os mais empobrecidos e os excluídos. Isso significa tornar-lhe cada vez mais repleto de uma democracia substantiva na qual estejam asseguradas certas formas políticas que são importantes na autolibertação. Também devemos ter em conta que na luta pelos direitos, que é própria das democracias, tanto os trabalhadores como outros grupos socialmente oprimidos podem adquirir consciência de seus interesses de classe, interesses como grupos oprimidos e terem uma melhor dimensão de suas tarefas históricas de autoemancipação.56 56 - Cf. LUXEMBURGO, Rosa. Ob. Cit., pp. 106-107.

IV) Considerações finais: devir revolucionário e estado de direito

“Quando o extraordinário se torna cotidiano, é a revolução”

Che Guevara

No momento de irrupção da revolução, a nova ordem revolucionária se impõe sobre a legalidade derrotada do regime anterior. Mas essa nova ordem tende a se afirmar como nova legalidade. É preciso, então, que a ordem revolucionária se afirme como legalidade também revolucionária, isto é, comprometida com a autoemancipação e capaz de assegurar as liberdades indispensáveis para que as pessoas falem e ajam por elas mesmas. Esse é o coração do problema: a ordem legal tende à conservação e a revolução tende à mudança. Por isso é preciso instituir a revolução não como um episódio, mas como um processo ou uma práxis revolucionária capaz de se manter estável, mas, ao mesmo tempo, não se converter em ordem conservadora. Esse difícil ponto de equilíbrio entre a necessária estabilidade e a necessária possibilidade de mudança converge, antes de tudo, para a figura efetiva do ser humano, não como humano abstrato, mas como ser concreto, em suas condições materiais e suas vicissitudes, sobretudo para aqueles que se encontram sujeitos às violações e opressões de qualquer natureza. Uma práxis revolucionária é aquela que assegura o lugar de fala de todos os oprimidos. Não busca representações para expressar as necessidades e desejos do outro, mas permite que ele fale por si, e nesse ato de fala instaure processos dinâmicos que possam reinventar a ordem social, inclusive jurídica. De um ponto de vista mais geral, podemos falar de um sujeito que não seja apenas individual, mas coletivo e que direcione sua força, por vezes, contra a legalidade opressora não apenas para demovê-la, mas para instaurar novos direitos que favoreçam emancipações políticas, econômicas e culturais. Esse é, claramente, o papel dos movimentos sociais. São movimentos instituintes do direito que, por vezes, atuam na linha limítrofe entre o lícito e o ilícito para alargar as fronteiras do estado de direito. Trata-se de um exercício de liberdade que é legítimo porque se institui como ação de autoemancipação voltada para a busca de igualdade de oportunidades com respeito às diferenças culturais e identitárias.

A história da Rússia no século XX mostra que as revoluções precisam manter acesas suas chamas e, talvez, esse desafio seja tão grande, ou até maior, do que a derrubada do regime opressor que lhe antecedia. A aposta em um governo centralizador, como uma ditadura do proletariado, não logrou o êxito que se esperava. Acaso Lênin não tivesse falecido precocemente e Stalin jamais tivesse chegado ao poder, a história poderia ter sido diferente. Porém, temos que trabalhar com os fatos como eles se deram e aprender com a história para aprimorarmos nossa imaginação institucional. As reflexões de Marat Baglai, no longínquo day after do Outubro Vermelho de 1917, em consonância com a decisão da XIX Conferência do Partido Comunista da União Soviética, para uma transição para um estado socialista engajado no conceito de império da lei, revelam que a noção de estado de direito pode ocupar um papel decisivo na manutenção de uma ordem democrática que assegure as possibilidades, ao menos formais, para o exercício das liberdades necessárias à permanente luta pela igualdade.

Além disso, a experiência da Revolução Russa deve ser tomada como uma oportunidade para pensarmos sobre as possibilidades e os limites de outros processos revolucionários, em lugares e momentos distintos daqueles da Rússia no início do século XX. Como fonte de reflexão, a experiência Russa e ação dos bolcheviques podem ser universalizadas, a fim de que cada país, bloco regional ou movimento que propõe a autoemancipação dos oprimidos avalie suas propostas e estratégias de ação política. É importante ter em conta que, independentemente do contexto, a prática revolucionária decorre da própria natureza humana, considerando a Tese 6 de Marx sobre Feuerbach: ... a essência humana não é uma abstração intrínseca ao indivíduo isolado. Em sua realidade, ela é o conjunto das relações sociais.57 57 - MARX, Karl. Ad Feuerbach. InMARX, Karl. ENGELS, Friedrich.A Ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 534. Essa essência tipicamente relacional que constitui a natureza humana, implica a presença do indivíduo no mundo que se realiza a partir da interação entre o sujeito e as circunstâncias objetivas que o circundam, num processo recíproco de modificações que pode e deve ser compreendido como prática revolucionária. Ainda Marx sobre Feuerbach, na Tese 3: A coincidência entre a alteração das circunstâncias e a atividade ou automodificação humanas só pode ser aprendida e racionalmente entendida como prática revolucionária.58 58 - Idem, ibidem. Portanto, aquele que pensa sobre si mesmo e age sobre o seu mundo, transformando ao mundo e a si, realiza uma prática revolucionária. Essa prática, somente é autêntica, quando é verdadeira libertação de si, quando é autolibertação.

Assim sendo, somos todos convidados a refletir sobre a ideia de revolução em nossos próprios contextos. De um ponto de vista dessa delicada relação entre revolução e estado de direito, é fundamental se considerar como dado preliminar que as lutas emancipatórias se iniciam antes mesmo do direito, porém o arranjo normativo de uma sociedade não deveria ficar infenso a tais lutas. O direito é, ao mesmo tempo, consequência e causa de diferentes formas de opressão, por isso mesmo ele se constitui também como uma arena de lutas e como objeto de disputas. Claro que temos de envidar todos os esforços para não cairmos na armadilha da pseudopacificação da sociedade por meio da forma jurídica. O estado de direito não é a solução definitiva para os inúmeros e inevitáveis conflitos, especialmente os que são engendrados pelo processo de produção capitalista e o trabalho estranhado. Longe de ser uma solução definitiva, o estado de direito, como forma jurídica pura, pode até mesmo ser capturado por mecanismos opressivos e se transformar em pilhagem, como visto antes. E é por isso mesmo que é preciso manter o espírito e a chama da revolução. Nada melhor que o devir revolucionário para manter calibrado o estado de direito e garantir que permaneçam abertos os canais para as mudanças que atualizam e aperfeiçoam as relações sociais no sentido da busca permanente por liberdade e igualdade. O estado de direito é por demais importante para permitirmos que ele seja capturado pelo formalismo liberal ou pelo centralismo estatal. É necessário estarmos vigilantes para que seja mantido um elo entre a forma jurídica e o movimento de autoemancipação dos explorados, pois esse elo amplia as possibilidades de melhoria da vida dos oprimidos e dificulta aquele movimento de captura do estado de direito pelo formalismo liberal.

Florestan Fernandes afirmou que o talento inventivo dos revolucionários se mostra na medida em que eles são capazes de atinar com as exigências e com as possibilidades revolucionárias de cada situação.59 59 - FERNANDES, Florestan. O que é Revolução. São Paulo: Brasiliense, 2009, p. 28. Embora Lênin tenha falado sobre uma lei fundamental da revolução60 60 - LÊNIN, Vladimir Ilitch. Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo. São Paulo: Expressão Popular, 2014, p. 130. , não existe uma fórmula que assegure processos revolucionários necessariamente exitosos. Daí a importância da afirmação de Florestan segundo a qual os revolucionários devem estar atentos às diferentes possibilidades de ação política em cada situação concreta. Talvez nesse sentido, ele tenha concebido, num sentido amplo do termo revolução, duas concepções distintas e complementares: revolução contra a ordem e revolução dentro da ordem. Uma revolução contra a ordem será uma mudança drástica, geralmente violenta, na estrutura da sociedade; já uma revolução dentro da ordem será o conjunto das ações que fortalecem a classe trabalhadora contra a superexploração e a ultraopressão.61 61 - FERNANDES, Florestan. Ob Cit., p. 11. As revoluções dentro da ordem podem produzir melhorias efetivas das condições concretas de vida das pessoas exploradas e excluídas e, além disso, favorecem o acúmulo de forças para que o proletariado se converta de classe em si em classe para si, isto é, consciente da necessidade de sua luta por autolibertação e autoemancipação. Assevera Florestan Fernandes:

...o envolvimento político das classes trabalhadoras e das massas populares no aprofundamento da revolução dentro da ordem possui consequências socializadoras de importância estratégica. A burguesia tem pouco que dar e cede a medo. O proletariado cresce com a consciência de que tem de tomar tudo com as próprias mãos e, a médio prazo, aprende que deve passar tão depressa quanto possível da condição de fiel da “democracia burguesa” para a de fator de uma democracia da maioria, isto é, uma democracia popular ou operária.62 62 - FERNANDES, Florestan. Ob Cit., p. 13.

Mais uma vez vale frisar que esse movimento de autoemancipação, geralmente sintetizado no léxico marxista pela expressão “proletariado” ou “classe trabalhadora”, não se reduz àqueles que estão nas fileiras do processo produtivo como mão de obra explorada. Isso vale também para todos que, de alguma forma, estão submetidos aos diferentes mecanismos de subjugação e opressão que decorrem das violências produzidas em diversas latitudes, inclusive aquelas que resultam da instituição cultural de hierarquia de identidades.

Se as revoluções contra a ordem pretendem aniquilar o estado burguês para impedir o seu funcionamento como uma máquina de opressão e maldades, as revoluções dentro da ordem devem combater a “estatolatria”, isto é, a crença de que o aparelho de estado é o único caminho para introduzir mudanças sociais importantes. Não há dúvida de que é imprescindível a luta ferrenha por resultados vitoriosos em eleições periódicas, ou mesmo a busca de uma jurisprudência que reconheça a injustiça de diferentes formas de opressão e exclusão e seja voltada para a garantia e ampliação de direitos dos menos favorecidos. Mas não se pode crer que isso encerraria as lutas pelo fim da exploração do homem pelo homem, pela realização plena da liberdade e igualdade. Nesse sentido, a afirmação do estado de direito jamais deve ser confundida com “estatolatria”, mas, antes, deve ser entendida como a afirmação de mecanismos que assegurem condições mínimas de possibilidade, ainda que formais, para o exercício de liberdades públicas, como por exemplo: garantia da liberdade de manifestação popular; proteção do indivíduo frente a instituições burocráticos e a centros de poder inacessíveis; exercício de um pensamento criativo protegido contra o controle burocrático. Isso implica que a extensão da liberdade de todos deve se dar por parâmetros legais/institucionais e não pelo arbítrio ou conveniência de governantes. Os direitos não são benesses concedidas pelo estado que podem ser suspensas pelo governo, por isso a mobilização deve ser constante e não pode vir do estado, mas da do próprio povo.

Mahatma Gandhi é autor de uma frase, ou um poema, onde ele diz:

No mar vivem os peixes – e são mudos;

os animais, na terra, gritam;

mas os pássaros, cujo espaço vital é o céu, cantam.

O homem, porém, participa de todos três:

tem em si a profundidade do mar,

o peso da terra

e a altitude do céu.

Por isso,

lhe pertencem também todas as três qualidades:

o silêncio, o grito e o canto.

Pois o devir revolucionário atua da mesma forma como a pessoa que possui as três qualidades da natureza. Os revolucionários devem silenciar para ouvir o clamor dos oprimidos e compreender corretamente os mecanismos de exclusão; eles devem gritar para expressar a dor dos que mais sofrem e denunciar todas as formas de exploração e violência; e, finalmente, devem cantar para celebrar e festejar o novo tempo que se instaura e que ainda vem. A revolução nunca será uma cartilha a ser cumprida ou um roteiro a ser realizado, antes é uma utopia disruptiva, uma promessa de fim e a garantia de um caminho a ser trilhado. Tudo dependerá das ações de combate e resistência, e da capacidade de se aproveitar as brechas para fazer a vida nascer nas frinchas, como disse Cora Coralina. Existe uma natureza profética do processo revolucionário feito pelos oprimidos: não se trata apenas de chegar a uma meta, mas de denunciar permanentemente os sofrimentos do tempo presente, anunciar a possibilidade utópica de uma realidade diferente, sem opressões, e testemunhar formas de vida que rompem com as violentas contradições da sociedade atual.

  • 1
    - O artigo de Baglai, intitulado Um Estado Socialista de Direito – Essência e Perspectivas, foi publicado em português no mesmo ano, no nº 19 da revista Lua Nova que, nesse número, teve o tema “Reflexões sobre o Marxismo”. Cf. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64451989000400006
  • 2
    - Cf. SHARLET, Robert. The Russian Constitutional Court’s Long Struggle for Viable Federalism. InSMITH, Gordon. SHARLET, Robert.SMITH, Gordon. SHARLET, Robert. Russia and its Constitutions: Promise and Political Reality. Boston: Martinus Nijhoff Publishers, Leiden, The Netherlands, 2008.Russia and its Constitutions: Promise and Political Reality. Boston: Martinus Nijhoff Publishers, Leiden, The Netherlands, 2008, p. 29.
  • 3
    - BAGLAI, Marat.BAGLAI, Marat. Um Estado Socialista de Direito – Essência e Perspectivas. In Lua Nova: Revista de Cultura e Política. São Paulo, nº 19, novembro 1989.Um Estado Socialista de Direito – Essência e Perspectivas. In Lua Nova: Revista de Cultura e Política. São Paulo, nº 19, novembro 1989, p. 69.
  • 4
    - BAGLAI, Marat. Ob Cit., p. 70.
  • 5
    - BAGLAI, Marat. Ob Cit., pp. 71-77.
  • 6
    - BAGLAI, Marat. Ob Cit., pp. 79.
  • 7
    - Cf. COSTA, Pietro. ZOLO, DaniloCOSTA, Pietro. ZOLO, Danilo (Orgs.). O Estado de Direito: história, teoria, crítica. São Paulo: Martins Fontes, 2006. (Orgs.). O Estado de Direito: história, teoria, crítica. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
  • 8
    - MATTEI, Ugo. NADER, Laura.MATTEI, Ugo. NADER, Laura. Pilhagem: quando o Estado de Direito é ilegal. São Paulo: Martins Fontes, 2013.Pilhagem: quando o Estado de Direito é ilegal. São Paulo: Martins Fontes, 2013, p. 8.
  • 9
    - MATTEI, Ugo. NADER, Laura. Ob. Cit., pp. 17-18.
  • 10
    - MATTEI, Ugo. NADER, Laura. Ob. Cit., p. 302.
  • 11
    - MARX, Karl._________. O Capital. São Paulo: Boitempo, 2013.O Capital. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 662.
  • 12
    - MARX, Karl. Ob. Cit., p. 309.
  • 13
    - MARX, Karl._________. Crítica ao Programa de Gotha. São Paulo: Boitempo, 2012.Crítica ao Programa de Gotha. São Paulo: Boitempo, 2012, p. 31.
  • 14
    - Cf. LÊNIN, Vladimir Ilitch._________________. O Estado e a Revolução. São Paulo: Global, 1987.O Estado e a Revolução. São Paulo: Global, 1987, p. 139.
  • 15
    - LÊNIN, Vladimir Ilitch.LÊNIN, Vladimir Ilitch. A Questão da Constituinte. Contagem: Editora História, 1979.A Questão da Constituinte. Contagem: Editora História, 1979, p. 61.
  • 16
    - LÊNIN, Vladimir Ilitch. Ob. Cit., pp. 83-84.
  • 17
    - LÊNIN, Vladimir Ilitch. Ob. Cit., p. 89.
  • 18
    - LÊNIN, Vladimir Ilitch. Ob. Cit., p. 88.
  • 19
    - LÊNIN, Vladimir Ilitch. Ob. Cit., p. 126.
  • 20
    - LÊNIN, Vladimir Ilitch. Ob. Cit., p. 126.
  • 21
    - LÊNIN, Vladimir Ilitch. Ob. Cit., p. 127.
  • 22
    - LÊNIN, Vladimir Ilitch. O Estado e a Revolução. São Paulo: Global, 1987, p. 128.
  • 23
    - LÊNIN, Vladimir Ilitch. Ob. Cit. P. 131.
  • 24
    - LÊNIN, Vladimir Ilitch. Ob. Cit. P. 140. Embora afirmado expressamente por Lênin, esse critério de justiça distributiva é anterior a Lênin e típico do pensamento comunista. Já havia sido enunciado antes por Marx. Cf. MARX, Karl. Crítica ao Programa de Gotha, São Paulo: Boitempo, 2012, p. 32.
  • 25
    - LÊNIN, Vladimir Ilitch. Ob. Cit. P. 140.
  • 26
    - LÊNIN, Vladimir Ilitch. Ob. Cit. P. 141.
  • 27
    - ARISTÓTELES.ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Loyola, 2013.Metafísica. São Paulo: Loyola, 2013, pp. 410-411.
  • 28
    - PASQUINO, Gianfranco. Revolução. InBOBBIO, Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, Gianfranco.BOBBIO, Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília: EdUnB, 1995.Dicionário de Política. Brasília: EdUnB, 1995, p. 1121.
  • 29
    - PASQUINO, Gianfranco. Ob Cit., p. 1122.
  • 30
    - PASQUINO, Gianfranco. Ob Cit., p. 1123.
  • 31
    - Cf. LÖWY, Michael.LÖWY, Michael. A Teoria da Revolução no Jovem Marx. São Paulo: Boitempo, 2012.A Teoria da Revolução no Jovem Marx. São Paulo: Boitempo, 2012, pp. 20-21.
  • 32
    - MARX, Karl.MARX, Karl. A Sagrada Família. São Paulo: Boitempo, 2003.A Sagrada Família. São Paulo: Boitempo, 2003, p. 49.
  • 33
    - MARX, Karl._________. Manuscritos Econômico-Filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2010.Manuscritos Econômico-Filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2010, pp. 84-85.
  • 34
    - MARX, Karl. Ob. Cit., p. 85.
  • 35
    - LÖWY, Michael.LÖWY, Michael. A Teoria da Revolução no Jovem Marx. São Paulo: Boitempo, 2012.A Teoria da Revolução no Jovem Marx. São Paulo: Boitempo, 2012, p.44.
  • 36
    - LÖWY, Michael. Ob. Cit., p. 45.
  • 37
    - LÊNIN, Vladimir Ilitch.LÊNIN, Vladimir Ilitch. A Questão da Constituinte. Contagem: Editora História, 1979.A Questão da Constituinte. Contagem: Editora História, 1979.
  • 38
    - LÊNIN, Vladimir Ilitch. Ob. Cit., p. 164.
  • 39
    - LÊNIN, Vladimir Ilitch. O Estado e a Revolução. São Paulo: Global, 1987, pp. 54-53.
  • 40
    - LÊNIN, Vladimir Ilitch_________________. Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo. São Paulo: Expressão Popular, 2014.. Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo. São Paulo: Expressão Popular, 2014, p. 130.
  • 41
    - LUXEMBURGO, RosaLUXEMBURGO, Rosa. Reforma ou Revolução? São Paulo: Expressão Popular, 2015.. Reforma ou Revolução? São Paulo: Expressão Popular, 2015, p. 57.
  • 42
    - LUXEMBURGO, Rosa. Ob. Cit. P. 59.
  • 43
    - LÊNIN, Vladimir Ilitch.LÊNIN, Vladimir Ilitch. A Questão da Constituinte. Contagem: Editora História, 1979.A Questão da Constituinte. Contagem: Editora História, 1979, p. 161
  • 44
    - Disse Marx: Entre a sociedade capitalista e a comunista, situa-se o período da transformação revolucionária de uma na outra. A ele corresponde também um período político de transição, cujo estado não pode ser senão a ditadura revolucionária do proletariado. MARX, Karl. Crítica do Programa de Gotha. São Paulo: Boitempo, 2012, p. 43.
  • 45
    - LÊNIN, Vladimir Ilitch. O Estado e a Revolução. São Paulo: Global, 1987, p. 79. Com essa afirmação, Lênin pretende desqualificar como marxista o pensamento de Karl Kautsky que, num artigo de 1918, critica o conceito de ditadura do proletariado.
  • 46
    - LÊNIN, Vladimir Ilitch. Ob. Cit., p. 93.
  • 47
    - LÊNIN, Vladimir Ilitch. Ob. Cit., p. 68.
  • 48
    - Cf. NETTO, José Paulo. Lênin e a instrumentalidade do Estado. In LÊNIN, Vladimir Ilitch. O Estado e a Revolução. São Paulo: Global, 1987, pp. 36-38.
  • 49
    - LUXEMBURGO, Rosa.LUXEMBURGO, Rosa. Reforma ou Revolução? São Paulo: Expressão Popular, 2015.Reforma ou Revolução? São Paulo: Expressão Popular, 2015, p.103.
  • 50
    - LUXEMBURGO, Rosa. Ob. Cit., p. 104.
  • 51
    - NETTO, José Paulo. Lênin e a instrumentalidade do Estado. In LÊNIN, Vladimir Ilitch. O Estado e a Revolução. São Paulo: Global, 1987, p. 41.
  • 52
    - LÊNIN, Vladimir Ilitch. O Estado e a Revolução. São Paulo: Global, 1987, pp. 130-131.
  • 53
    - BAGLAI, Marat.BAGLAI, Marat. Um Estado Socialista de Direito – Essência e Perspectivas. In Lua Nova: Revista de Cultura e Política. São Paulo, nº 19, novembro 1989.Um Estado Socialista de Direito – Essência e Perspectivas. In Lua Nova: Revista de Cultura e Política. São Paulo, nº 19, novembro 1989, pp. 71-77.
  • 54
    - LUXEMBURGO, RosaLUXEMBURGO, Rosa. Reforma ou Revolução? São Paulo: Expressão Popular, 2015.. Reforma ou Revolução? São Paulo: Expressão Popular, 2015, p.17. Vale lembrar que socialdemocracia era a tendência da esquerda socialista da qual participava Rosa Luxemburgo, seja na Polônia, seja na Alemanha.
  • 55
    - LUXEMBURGO, Rosa. Ob. Cit., p. 101.
  • 56
    - Cf. LUXEMBURGO, Rosa. Ob. Cit., pp. 106-107.
  • 57
    - MARX, Karl. Ad Feuerbach. InMARX, Karl. ENGELS, Friedrich.MARX, Karl. ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.A Ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 534.
  • 58
    - Idem, ibidem.
  • 59
    - FERNANDES, Florestan. O que é Revolução. São Paulo: Brasiliense, 2009, p. 28.
  • 60
    - LÊNIN, Vladimir Ilitch. Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo. São Paulo: Expressão Popular, 2014, p. 130.
  • 61
    - FERNANDES, Florestan. Ob Cit., p. 11.
  • 62
    - FERNANDES, Florestan. Ob Cit., p. 13.

Referências bibliográficas:

  • ARISTÓTELES. Metafísica São Paulo: Loyola, 2013.
  • BAGLAI, Marat. Um Estado Socialista de Direito – Essência e Perspectivas In Lua Nova: Revista de Cultura e Política. São Paulo, nº 19, novembro 1989.
  • BOBBIO, Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política Brasília: EdUnB, 1995.
  • COSTA, Pietro. ZOLO, Danilo (Orgs.). O Estado de Direito: história, teoria, crítica São Paulo: Martins Fontes, 2006.
  • LÊNIN, Vladimir Ilitch. A Questão da Constituinte Contagem: Editora História, 1979.
  • _________________. Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo São Paulo: Expressão Popular, 2014.
  • _________________. O Estado e a Revolução São Paulo: Global, 1987.
  • LÖWY, Michael. A Teoria da Revolução no Jovem Marx São Paulo: Boitempo, 2012.
  • LUXEMBURGO, Rosa. Reforma ou Revolução? São Paulo: Expressão Popular, 2015.
  • MARX, Karl. A Sagrada Família São Paulo: Boitempo, 2003.
  • _________. Crítica ao Programa de Gotha São Paulo: Boitempo, 2012.
  • _________. Manuscritos Econômico-Filosóficos São Paulo: Boitempo, 2010.
  • _________. O Capital São Paulo: Boitempo, 2013.
  • MARX, Karl. ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã São Paulo: Boitempo, 2007.
  • MATTEI, Ugo. NADER, Laura. Pilhagem: quando o Estado de Direito é ilegal São Paulo: Martins Fontes, 2013.
  • SMITH, Gordon. SHARLET, Robert. Russia and its Constitutions: Promise and Political Reality Boston: Martinus Nijhoff Publishers, Leiden, The Netherlands, 2008.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul 2017

Histórico

  • Recebido
    25 Ago 2017
  • Aceito
    31 Ago 2017
Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rua São Francisco Xavier, 524 - 7º Andar, CEP: 20.550-013, (21) 2334-0507 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: direitoepraxis@gmail.com