Acessibilidade / Reportar erro

A tolice da inteligência brasileira ou como o país se deixa manipular pela elite Jessé de Souza.

Em A tolice da Inteligência Brasileira ou como o país se deixa manipular pela elite, o ex-presidente do IPEA, o sociólogo e ex-presidente do IPEA, Jessé Souza, atualmente professor titular de ciência política da Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisa as origens das ideias que contribuíram para a tese de que os brasileiros são malemolentes, sensuais, cordiais e decidem exclusivamente com o sentimento, em detrimento da razão, e que teriam tido o respaldo teórico de acadêmicos com o peso de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro e Roberto da Matta. A obra é dividida em quatro partes e oito capítulos.

Para que os privilégios injustos possam se reproduzir no tempo é necessário convencimento, ou seja, é preciso uma “violência simbólica”, não uma “violência física”, com o consentimento mudo dos excluídos de privilégios. Nessa perspectiva, o autor argumenta que, “os privilegiados são donos dos jornais, das editoras, das universidades, das TVs e do que se decide nos tribunais e nos partidos políticos” (p.10).

No primeiro capítulo, intitulado, “A falsa ciência”, o autor explica que os seres humanos recorrem a formas específicas de interpretar e compreender a vida. Essas interpretações foram obras de profetas religiosos no passado e, nos últimos duzentos anos, esse guiar, o dizer o mundo e como agir nele, tornaram-se obras de intelectuais seculares. Os intelectuais com maiores prestígio e influência no Ocidente foram Karl Marx, com a economia política, e o sociólogo alemão Max Weber. Deste último o ocidente moderno usou as suas categorias para se auto interpretar e legitimar. Assim, para Jessé Souza, não existe no mundo tema que seja discutido que não envolva a “palavra do especialista”, a ciência herda o prestígio que pertencia à religião no contexto pré-moderno.

No capítulo 2, “Um teatro de espelhos do patrimonialismo brasileiro”, para o autor, Max Weber ofereceu os conceitos centrais pelos quais foram pensados e tornados operacionais uma divisão racista entre “gente” superior, nas sociedades avançadas, e “subgente” inferior, nas sociedades latino-americanas e periféricas.

O sociólogo Talcott Parsons, considerado o mais influente sociólogo norte-americano do século XX, utilizou as categorias weberianas para idealizar e criar uma imagem da sociedade norte-americana reproduzida por teóricos latino-americanos, desde 1930, cujo conceito central, que ainda domina as academias brasileiras, foi o de “patrimonialismo” compreendido pelo autor como a-histórico e sem rigor na análise da obra weberiana.

Isso porque, os conceitos weberianos utilizados para opor moderno e tradicional na tentativa de explicar a singularidade do Ocidente no aparecimento do capitalismo, em seus estudos sobre religiões, explicarem “entraves para a expansão do capitalismo em escala global”, situando o Brasil e a América Latina como não integrantes desse Ocidente.

Jessé Souza elege Gilberto Freyre como o criador e propagador da corrente culturalista que desenvolveu as noções de personalismo e patrimonialismo que justificam a singularidade cultural e pré-moderna à brasileira, esses núcleos geraram ideias como o “jeitinho brasileiro” que enxergam o Brasil através do “capital social de relações pessoais”.

Souza examina como o mito da brasilidade e sua celebração das virtudes ambíguas da pré-modernidade se transformam em “ciências” conservadora (p.31), mas que sempre buscou ser uma teoria crítica da sociedade. Assim, se Freyre é o pai-fundador da concepção dominante nas ciências sociais de como os brasileiros se interpretam, seria em Sérgio Buarque de Holanda que a “teoria da modernização” assume ou ganha outras roupagens. O tema “patrimonialismo”, por aparentar senso crítico, dramatizou conflitos aparentes e falsos, entre o mercado idealizado e Estado “corrupto” deixando às sombras as contradições sociais de uma sociedade que naturalizou desigualdades sociais e o cotidiano de exclusão.

No capítulo 3, “Cordial e colonizado até o osso”, o autor examina o conceito de homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda, respeitado tanto pela esquerda como pela direita, uma “vaca sagrada” na academia brasileira que deve muito dos pressupostos de seu pensamento ao seu “pai espiritual”: Freyre. Esse, através de uma sociologia espontânea, em que se percebe o mundo como produzido por intencionalidades dos sujeitos em interações, que imagina que os juízos são subjetivos e os agentes independentes e criadores do mundo, a dimensão institucional que é a mais essencial na vida social.

O autor ilustra seu pensamento no seguinte trecho:

Além disso, como sabiam muito bem todos os pais fundadores das ciências sociais, a ciência só nasce e se torna possível se construída “contra” as ilusões e cegueiras da sociologia espontânea do senso comum. Uma das cegueiras principais de nossa percepção espontânea do mundo social é a não percepção da dimensão “institucional”. Afinal, excetuando-se situações extraordinárias, como revoluções conduzidas por líderes carismáticos, as quais são tão intensas quanto, necessariamente, passageiras, toda a nossa ação cotidiana é comandada por imperativos institucionais que internalizamos, de maneira a torná-los “naturais”. A vida cotidiana, ainda que não percebamos por já estarmos “desde sempre” dentro de certo horizonte institucional que naturalizamos – como o da disciplina escolar, da autoridade familiar, dos limites da ação individual pela Lei, e pela polícia, das regras de trânsito etc – é comandada por instituições. São as expectativas e os estímulos e castigos institucionais que moldam nosso comportamento e nossas escolhas ainda que, como as “naturalizamos”, como o nascer do Sol ou o fato de termos dois braços e duas pernas, não tenhamos consciência disso (p.40).

Assim, Souza assevera que para Freyre a nossa “singularidade cultural” é uma continuidade de Portugal e da herança ibérica. Em um senso comum quase lógico, falamos a mesma língua, “gostamos de bacalhau, de sardinha e usamos alecrim no tempero”, no entanto, isso não nos faz portugueses, até mesmo porque, diferente do Brasil, a instituição mais importante do período colonial aqui não existiu em Portugal: a escravidão. O mito nacional, portanto, tem um objetivo pragmático: a produção de solidariedade nacional. O mito nacional elaborado por Freyre tem como contraponto crítico o modelo dos Estados Unidos, uma espécie de “paraíso na terra”, com igualdade nas oportunidades e justiça social, nós teríamos nossa inferioridade transformada em virtude, celebraríamos na “brasilidade” o calor humano, a sensualidade, a cordialidade. Aqui estaria o fundamento do raciocínio de Buarque, a oposição entre duas abstrações, o “homem cordial”, o tipo-ideal brasileiro; e o seu contraponto norte-americano, o “protestante ascético”.

O homem cordial buarquiano seria como um tipo-ideial weberiano, representando as classes brasileiras, emotiva, prisioneiro da paixão, dessa forma, inferior, indigno de confiança e, por fim, tendencialmente corrupto. Assim, Buarque é o criador - nas palavras do autor - de uma tradição “colonizada até o osso”, ancorada em uma má sociologia, que não leva em conta os contextos institucionais e muito menos os históricos da ação social, como se pudesse explicar o mundo de modo simples e irrefutável como, por exemplo, comparando a África e Europa para perceber os brancos como superiores (p. 47). Portanto, uma construção concebida como crítica ao populismo, mas que carrega uma ideologia antipopular, para Jessé Souza, equivale a um “racismo de classe” que perpassa toda sociedade brasileira.

O autor passa a analisar o “Estado patrimonialista”, no capítulo 4, e mira sua crítica agora a Raymundo Faoro e sua tese no livro, Os donos do poder, a tarefa seria de demonstrar o caráter patrimonialista do Estado e como se estenderia à sociedade brasileira. Esse caráter baseado em privilégios teria marcado todo o exercício de poder brasileiro tendo suas raízes na formação do estado português no século XII. Assim, tal como Buarque, para Faoro a herança ibérica fincaria raízes por aqui e influencia a nossa forma de exercício político. Ademais, Faoro procuraria demonstrar uma ação “demoníaca” do Estado em contraposição a uma virtuosidade do mercado em que, sem indivíduos livres e autônomos, não teríamos mercado competitivo nem democracia. A oposição do livro seria aquela entre sociedade guiada e controlada de cima pelo Estado e as sociedades onde o Estado se apresenta como fenômeno tardio e se combina com autogoverno e exercício das liberdades econômicas. O conceito central manobrado para dar conta dessa singularidade luso-brasileira seria a noção de estamento patrimonial.

O “estamento” seria apresentado como uma camada social em que a sua solidariedade interna se forjaria a partir de um estilo de vida comum, de prestígios compartilhados, Faoro compararia o caso português aos mandarins analisado por Max Weber, criando a imagem de um “estamento incrustado no Estado”, que para Jessé Souza, pensaria a “elite” como estivessem até hoje no Estado e não no mercado. (p.56)

A ideia-força do que Jessé chama de “liberalismo conservador brasileiro” coloca de cabeça para baixo todo o mundo social e sua contextualização histórica para comprovar o suposto “patrimonialismo” a partir de um estamento do “mal” que teria tomado o Estado e que vampiriza todas as forças vitais da sociedade. Em seguida o autor realiza uma digressão conceitual da noção de patrimonialismo de Max Weber no qual todos os autores citados buscaram prestígio científico, visando demonstrar uma interpretação errônea dos conceitos weberianos de patrimonialismo. Multifacetado o patrimonialismo de Weber é uma variação do tipo de dominação tradicional. O patrimonialismo se caracterizaria pela presença de um quadro administrativo - ao contrário das formas primárias de dominação como a gerontocracia e o patriarcalismo- e haveria uma relação triádica entre o líder, o quadro administrativo e os dominados, o quadro administrativo, para Weber, é tão importante que irá definir um dos tipos mais puros de dominação: a dominação racional-legal.

No entanto, o sociólogo alemão teria ressalvado que o patrimonialismo não é compatível com esferas sociais diferenciadas, em suas palavras, “esferas da vida”, e a análise weberiana sobre o confucionismo e o taoísmo em sua relação com o império chinês percebe o conceito como contextual e historicamente determinado. No contexto brasileiro, a associação com o feudalismo, assim mesmo que imprecisa, teria mais relação com a realidade nacional do que a “ficção” do patrimonialismo a que tudo controla (p.64), posto que, só em meados do século XX que se constituiu uma burocracia brasileira com poder de atuação em todo o território nacional, já em contexto de um desenvolvimento capitalista.

Assim, o autor destaca que na sociologia brasileira o conceito de patrimonialismo perde sua contextualização histórica ao qual Max Weber aludiu e serve para designar um “mal de origem” para qualquer período histórico e na obra de Faoro serviria para fazer referência a intervenção do Estado sem nenhum vínculo concreto com a realidade.

No capítulo 5, “O jeitinho brasileiro” Souza prossegue sua análise crítica, agora apresenta o pensamento do antropólogo Roberto DaMatta no que denomina de “modernização” do culturalismo conservador brasileiro. A centralidade da obra de DaMatta é pensar em que Jessé chama de “pseudo crítica”, ou seja, pensar a sociedade brasileira em contraposição a uma suposta sociedade onde não exista o “jeitinho”, sem influência de relações pessoais poderosas que decidem o destino de pessoas concretas. Como todos os autores citados, DaMatta traz os Estado Unidos para o debate retratando como a sociedade da “confiança interpessoal”, “do respeito à lei impessoal”, e “igualdade como valor máximo”. O Antropólogo define uma oposição entre indivíduo e seu contrário: a pessoa. Esse seria um ser relacional, em que somente se compreenderia em um sistema social que há relações de favores, compadrio, família e troca de interesses; o indivíduo, ao contrário, se submeteria ao mundo das leis. Dessa forma haveria duas leituras da sociedade brasileira a institucionalista e a culturalista. Outras oposições seguiram em suas obras para demonstrar sua interpretação como a dualidade entre a casa e a rua, que deu título a um livro, e o “Você sabe com quem está falando?”, obra que condensa e unifica todos esses aspectos. A obra Damatiana têm indivíduos e “espaços” sociais, não mencionaria e analisaria as classes sociais e, assim, o impediria de ter acesso à gramática social da sociedade brasileira.

Dessa forma, ao não perceber que as instituições comandam nossas vidas e nossas escolhas, DaMatta não percebe a verdadeira explicação da “hierarquia social”, ao dizer que o Brasil é o país do “jeitinho” quer dizer que é onde o acesso a relações pessoais mais poderosas ajuda a construir a nossa hierarquia social. Assim, aquilo que DaMatta define como “jeitinho”, ou “relações privilegiadas” é capital social, tão bem definido por Pierre Bourdieu.

Encerrando primeira parte da obra, no capítulo 6, “O patrimonialismo mostra a que veio”, Souza apresenta a tese de que não há saída para o “liberalismo conservador brasileiro” a não ser o de repelir o discurso populista sobre a corrupção, supostamente estatal, que com generalizações falsas, encontrou algum eco nos setores populares. A compreensão dos mecanismos das desigualdades sociais e injustiças sociais, por serem complexas e multifacetadas, a tese do patrimonialismo e corrupção unicamente pelo Estado se encaixa perfeitamente. Trata-se de uma violência simbólica que, graças ao papel da mídia dominante, permite que alguns defensores dessa tese se passem por “críticos”.

Com a perda de validade internacional do racismo científico dominante, sobretudo na antropologia, buscou-se fundamentação em um “culturalismo” em que a superioridade de alguns países e classes buscaram legitimação em estoques de “virtudes culturais”, entre eles a “confiança”. Mesmo buscando legitimidade científica o culturalismo possui o mesmo substrato que o racismo científico: legitimar situações de dominação. O arsenal utilizado para legitimar o predomínio de países sob outros é o mesmo para justificar a dominação interna das classes mais “cultas” sobre as classes populares. Assim, o Brasil do “animalizado” como terra do sexo, afeto e emoções – não esquecendo o patrimonialismo e a corrupção – é pensando a partir de seu contraponto, os Estados Unidos, entendido como a cultura “espiritual”, da confiança, da racionalidade. Esses mesmo arcabouços, manejados internamente, são utilizados para retratar as classes populares, através de seus votos, como tolos, sem consciências de seus interesses, buscando influenciar a trajetória dessa classe em uma direção particular: o reino do mercado.

Na parte II, nos capítulos 1, “Nada além do bolso?” e capítulo 2, “O economicismo como a “cegueira” da dimensão simbólica do capitalismo”, Souza critica o reducionismo de que todo o comportamento humano se reduziria a estímulos econômicos, assim como o culturalismo, que pressupõe estímulos simbólicos se desligando das instituições fundamentais, ambos produziram o mesmo efeito: uma cegueira nas ciências sociais sobre o que importa realmente para reprodução simbólica do mundo social e uma real compreensão do comportamento prático de cada agente. Definindo o economicismo como crença em que o comportamento humano na sociedade é explicado por estímulos econômicos e que não somente cientistas sociais e economistas compartilham dessa visão, mas nosso senso comum que fala em “níveis de renda” correspondendo a “classes sociais”.

Para o autor Caio Prado Júnior, no seu clássico de 1942, “Formação do Brasil contemporâneo”, e sua ênfase em localizar no período colonial brasileiro a expansão do capitalismo comercial teria talvez começado essa tradição economicista entre nós. Ainda elenca intelectuais que tiveram ascensão na vida intelectual e política brasileira como Raúl Prebisch, Celso Furtado, Francisco de Oliveira e Florestan Fernandes. Começa o debate com Oliveira e a análise certeira, segundo o autor, em sua obra Crítica à razão dualista em dois pontos, o primeiro de que na realidade concreta, o sistema social capitalista, não apenas o subdesenvolvido, articula um setor moderno e um setor atrasado e o segundo é que não existe oposição entre eles mas sim uma simbiose e organicidade em que o moderno sempre se alimenta e explora o atrasado. No entanto logo aparece o ponto de discordância na impossibilidade de se construir uma teoria crítica do capitalismo brasileiro dentro do contexto teórico do economicismo, para ele, seja liberal ou marxista, faltaria a ele perceber que os atores produzem e reproduzem consensos sociais que não são mera decorrência dos interesses econômicos e que, a própria ação econômica, pressupõe um universo simbólico que abarca o jurídico, emocional, morais e políticos.

Por fim, faltaria a esses pensadores analisados a compreensão que o trabalho mais importante é a reconstrução da “reprodução simbólica” no capitalismo que possibilitaria que classes inteiras possam agir de modo contrário aos seus interesses e Souza reconhece o quanto a tradição marxista brasileira avançou em relação à escola paulista de interpretação patrimonialista que, apesar de não descurar da dimensão simbólica da dominação social, foi a responsável por uma recepção, segundo o autor, equivocada das categorias weberianas.

No capítulo 3, “Da ralé à revolução burguesa”, Jessé Souza traz o sociólogo Florestan Fernandes para o debate, segundo ele, o autor que mais avançou na tentativa de superação do culturalismo e economicismo, mesmo que resquícios tenham permanecido em sua obra. A sociologia brasileira chega a outro patamar com Florestan tornando-a mais sofisticada ao deixar a dimensão da “sociologia espontânea” que interpreta as relações sociais sob o paradigma da intencionalidade individual e de uma herança familiar, que constituiu principal referência para alguns dos autores analisados. Para o autor Florestan percebe que a burguesia aparece como um produto das circunstâncias econômicas e existiria uma anterioridade das práticas, institucionais e sociais, em detrimento de quaisquer contos de fadas criados pelo mito nacional no que as ciências sociais do Brasil encaparam como “ciência”.

A parte 3, composta por quatro capítulos, traz temas já trabalhados. No capítulo 1, “Contribuição à inteligência brasileira”, retomando autores como Roberto DaMatta e sua semelhança de análise com autores do centro, como Niklas Luhmann, permite imprimir as sociologias conservadoras do centro e da periferia um mesmo quadro teórico: uma idealização das sociedades avançadas reino da competição justa e de efetiva superação de privilégios permanentes. Dando sequência, no capítulo 2, “A miséria deles e a nossa”, Bourdieu surge para analisar a dimensão simbólica do capitalismo no que ele chama de “capital social”, Souza acrescenta ainda que o acesso a relações pessoais só é possível a quem disponha de capital tanto cultural como econômico “ou alguém conhece uma pessoa com acesso privilegiado a relações pessoais vantajosas sem capital econômico ou cultural?” (p. 155), dessa forma, omitir a ação desses capitais impessoais, como Luhmann, DaMatta e a maioria dos autores citados na obra, omite a luta de poder e de classes. No capítulo 3, “Tão longe, tão perto” será visto o que existe, afinal, de comum e de distinto entre as sociedades centrais e periféricas. No capítulo 4, “Existe algo de comum na reprodução simbólica das sociedades modernas?”, são apresentadas categorias teóricas dos neo-hegelianos, da teoria crítica filosófica e sociológica, como trabalhadas por Axel Honneth e Charles Taylor, e a reconstrução teórica das fontes morais comportamentais dos indivíduos. Para essa reconstrução – nas palavras do autor – é necessário inter-relacionar três passos: (a) a reconstrução histórica e institucional dessas fontes morais que comandam os indivíduos; (b) sua realidade empírica insofismável; e, para finalizar, (c) procura demonstrar teórica e empiricamente a problemática de uma “fronteira objetiva da dignidade humana” que estaria presente nas sociedades modernas, ou seja, uma hierarquia moral parcialmente compartilhada entre sociedades tidas como centrais e periféricas da ideologia da meritocracia com epicentro da violência simbólica na medida em que preserva a ilusão de justiça e igualdade que perpassa todas as sociedades (p.176).

Na parte IV e parte final do livro, no capítulo 1, “A cegueira do debate brasileiro sobre as classes sociais e a pobreza do debate político”, os autores trabalhados são Márcio Pochmann e Marcelo Neri e a união entre um economicismo e culturalismo conservador que os cegam em relação ao capital social ao analisar classes no Brasil. No capítulo 2, “As manifestações de junho e a cegueira política das classes”, e, por fim, no capítulo 3, “O golpismo de ontem e de hoje: considerações sobre o momento atual”. Jessé Souza procura demonstra como o tema da corrupção pode ser usado para manipular e enganar, pois a definição do que é corrupção é arbitrário e pode ser aplicada ao bel-prazer. Essa definição seletiva, transformar os interesses privados em supostamente universais. Nesse ponto a imprensa possui papel fundamental no processo de legitimação da soberania popular.

A questão central trazida por Jessé Souza é revelar que a corrupção pode ser manipulada para escamotear as causas reais da concentração da riqueza social e exclusão da maioria. O livro aqui resenhado é um convite para pensarmos como o tema do patrimonialismo, no passar dos anos, com tamanha plasticidade, foi usado para convencimento de que a corrupção advém de um Estado demonizado, corrupto, em contraposição a um mercado virtuoso. Cabe aos leitores dizer se o autor cumpriu com o objetivo de desvelar os mecanismos simbólicos que possibilitam a reprodução de uma das sociedades mais desiguais e perversas.

  • São Paulo: LeYa, 2015, 256p.
  • André Luiz de Carvalho Matheus Mestrando em Direito da linha de Teoria e Filosofia do Direito do programa de pós-graduação em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2017
Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rua São Francisco Xavier, 524 - 7º Andar, CEP: 20.550-013, (21) 2334-0507 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: direitoepraxis@gmail.com