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Estudo sobre “O oráculo de delfos: o conselho de estado no Brasil-Império”, de José Reinaldo de Lima Lopes

Study on “The Oracle of Delphi: The Council of State in Imperial Brazil”, by José Reinaldo de Lima Lopes

Resumo

Este estudo analisa a obra “O oráculo de Delfos: o Conselho de Estado no Brasil-Império”, de José Reinaldo de Lima Lopes. Num primeiro momento, expõe a reconstrução analítica dos principais argumentos do autor, de forma a destacar suas contribuições à história do direito brasileiro. Analisa, depois, os pontos em que a obra deixa a desejar na compreensão da monarquia constitucional brasileira. Com base em fontes históricas, conclui inaugurar O oráculo de Delfos uma senda para novas pesquisas, que, por sua vez, precisam estar mais atentas à teoria constitucional do século XIX, à discussão pública como fonte histórica e à sobreposição do Executivo ao Legislativo em fins do citado século.

Palavras-chave:
Conselho de Estado; Interpretação do direito; Cultura jurídica do século XIX; Monarquia constitucional brasileira

Abstract

This study analyzes the work “The Oracle of Delphi: the Council of State in Imperial Brazil”, by José Reinaldo de Lima Lopes. At first, it expounds an analytical reconstruction of the author’s main arguments, in order to highlight his contributions to the history of Brazilian law. It analyzes, thereafter, the points in which the work lacks of a deeper understanding of Brazilian constitutional monarchy. Based on historical sources, it infers that the Oracle of Delphi establishes a pathway for further research, which in turn should to be more attentive to 19th century constitutional theory, to public discussion as historical source and to the overlap of the executive and legislative branches at the end of the 19th century.

Keywords:
Council of State; Interpretation of law; Legal culture of the 19th century; Brazilian constitutional monarchy

Introdução 1 1 Entre capa e ficha catalográfica, há divergência quanto ao subtítulo da obra. Na primeira consta o que se pode ler no título deste estudo, e na segunda, “Conselho de Estado e direito no Brasil oitocentista”. Opto pelo subtítulo da capa por sua maior precisão. Embora majoritariamente imperial, o Brasil oitocentista foi também colônia, reino unido e república, que não compõem o foco de estudo do autor. 2 2 Este trabalho apresenta alguns resultados obtidos no Projeto de Iniciação Científica intitulado A liberdade de expressão entre monarquia e república: imprensa, protestos e repressão na Curitiba de fins do séc. XIX, desenvolvido no Curso de Direito da Universidade Positivo. Pelo auxílio com as fontes e pela revisão do texto, agradeço a meus orientandos, Otávio de Souza e Rodolfo Kowalski. Amanhã, os mestres serão eles.

O oráculo de Delfos merece ser lido tanto por historiadores do direito quanto por juristas em geral. Aos interessados em direito público do Brasil Império, é de leitura obrigatória por conter excelente análise do Conselho de Estado.

Poucos conhecem sua centralidade em produção e interpretação do direito. Ao menos no Segundo Reinado, foi grande centro de diálogo entre os poderes do Estado por meio de suas consultas: aconselhava o Moderador e o Executivo; resolvia dúvidas do Judiciário; opinava sobre projetos de lei a serem debatidos no Legislativo, e encaminhava-lhe as questões que, como órgão consultivo, não se considerava competente para resolver, especialmente em caso de lacuna ou exigindo interpretação autêntica do direito. As razões para o controle de constitucionalidade da legislação provincial, ademais, provinham do Conselho, que solicitava ao Legislativo sua anulação.

Tudo isso é exposto com maestria e erudição por José Reinaldo de Lima Lopes, em diálogo produtivo entre teoria e história do direito. A linha condutora da obra é a teoria da interpretação, aplicada à análise do Conselho de Estado e de suas consultas. Apesar disso, O oráculo de Delfos não se limita a especulações baseadas em pouca prova. Pelo contrário, consiste em livro bem-sucedido na passagem do contexto de descoberta ao contexto de justificação ( ATIENZA, 2014 ATIENZA, M. As razões do direito: teoria da argumentação jurídica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014. , p. 5-10), ou seja, transita com coerência da intuição eloquente a sua comprovação científica, elaborada com ampla pesquisa documental, baseada nas consultas da Seção de Justiça do Conselho.

Seja pela relevância temática, seja pela qualidade da pesquisa, o volume merece divulgação na comunidade científica. Considerei relevante, nessa linha, elaborar o presente estudo, dividido em dois grandes tópicos, síntese e análise. Essa distinção cumpre não apenas a função de oferecer ao público uma noção dos argumentos do autor, mas também a de distinguir entre os argumentos dele e minhas considerações.

Seria verdadeiro equívoco considerar o tópico de síntese reflexo objetivo do texto. Sínteses significam redução de complexidade, sobretudo ante obra densa como O oráculo de Delfos. Escolhas foram inevitáveis, embora tenha pretendido manter a maior fidelidade possível ao texto. Dessa busca por coerência com a obra, decorrem as diversas citações diretas focando frases, expressões e conceitos empregados pelo autor, evitando ao máximo a transcrição de longos trechos, tão lamentável no estilo quanto comum entre juristas.

O tópico de análise subdivide-se em três pontos: 2.1) Constituições políticas, dedicado a delinear os principais traços da teoria constitucional dominante no século XIX, e a questionar a escolha do autor pelo mais jurídico e menos político; 2.2) Discussão pública e formação da cultura jurídica, dedicado a sustentar a relevância da opinião pública para a construção da cultura jurídica brasileira, especialmente nas figurações 3 3 O conceito é de Elias (1994 , p. 43), para quem a realidade social é composta por indivíduos, e as individualidades se conformam na participação do indivíduo em inúmeras redes de interdependência. “É esse o caso quando falamos que homens singulares formam entre si figurações de tipos diversos, ou que as sociedades não são (...) mais que figurações de homens [e mulheres] interdependentes.” da imprensa e do parlamento; 2.3) Interpretação do direito entre Legislativo e Executivo, dedicado a pôr em questão o argumento de que apenas ao Legislativo cabia a interpretação autêntica do direito e o controle de constitucionalidade, expondo dois casos indicativos de que, na prática, o Conselho de Estado vinha assumindo essas funções.

A maioria dos argumentos expostos na análise baseia-se em fontes históricas, pesquisadas sob inspiração de Carlo Ginzburg (1989 GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. , p. 143-179). Seu método indiciário valoriza o cotidiano e particular para compreender o contexto geral de um período. Disso decorre certa suspeita ante análises adotando o ponto de vista dos grandes modelos e ideias, suspeita presente ao longo do texto, especialmente nos pontos 2.2 e 2.3. Ideias e modelos são relevantes para compreender o passado, como deixo claro no ponto 2.1. Cotidiano e particular, entretanto, não apenas os contém, mas também vão além deles, revelando sintomas em regra ausentes na teoria e nos grandes livros.

Ao final deste artigo de apresentação e crítica, concluo ser O oráculo de Delfos obra de grande importância por explorar aspectos desconhecidos ou pouco investigados em história do direito brasileiro, sendo capaz de inaugurar uma nova série de pesquisas. Sobretudo se focadas em direito público, entretanto, devem acertar contas com a teoria constitucional da época, valorizar a discussão pública como fonte histórica e dedicar-se à sobreposição do Executivo ao Legislativo em fins do século XIX.

1. Síntese

No livro, José Reinaldo de Lima Lopes expõe pesquisa sobre a atividade do Conselho de Estado, centrada nas consultas da Seção de Justiça. Seu propósito é “recuperar uma história abandonada” a partir de “fontes primárias e primariamente jurídicas” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. XIV). Para tanto, pretende estudar “o direito tal como aplicado e experimentado”, assim como “os debates mais jurídicos e menos políticos do século XIX” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. XV).

Ao recuperar fontes primárias, pretendeu responder às seguintes questões: “Onde estava a alta cultura jurídica brasileira? Como era? De que se ocupava? Quais os princípios adotados ao decidir? Quem provocava a decisão?” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. XV). Sem pretender resposta definitiva ou explicação global, escolheu “analisar a produção do direito em um de seus locais privilegiados” (p. XV), o Conselho de Estado.

Sobre esse espaço de produção da cultura jurídica durante a monarquia constitucional brasileira, o autor observa, “Poucos juristas das novas gerações sabem que o Brasil teve um Conselho de Estado tão ativo na administração cotidiana do Império, tão importante na consolidação do direito brasileiro, tão relevante para a legislação e a jurisprudência oitocentista” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. XV). O arcabouço normativo construído pelos conselheiros, em geral juristas de vasto saber e experiência, consistiria em legado relevante inclusive ao período republicano.

O primeiro capítulo, A tradição ocidental na interpretação do direito, apresenta a linha condutora da exposição: a interpretação do direito. Antes de focar o período analisado, o autor traça panorama histórico sobre esse tema, aqui omitido.

Do ponto de vista jurídico, o século XIX caracteriza-se por respeito à lei e limites bem delineados à interpretação do direito, reduzindo a excessiva liberdade dos intérpretes, proveniente de passado pluralista e anti-igualitário. Dada a supremacia do legislador na “ordem constitucional liberal” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 11), ao intérprete caberia papel mais restrito e modesto que o exercido na cultura jurídica tardo-medieval e de Antigo Regime.

A limitação do aplicador do direito perante a legislação era motivada, por um lado, pelo “ambiente institucional” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 89) distinguindo legislador e julgador e, por outro, pela diferença entre interpretação autêntica e doutrinal. A primeira pertencia ao legislador e a segunda, tanto a juristas quanto a órgãos aplicadores de normas. “Era, aliás, como se divulgavam as decisões dos tribunais e do próprio Conselho de Estado”, esclarece Lopes (2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 79), “chamava-se doutrina àquela decisão, pois embora decidisse um caso, representava uma direção não obrigatória para todos, uma orientação. A interpretação autêntica, como é feita pelo próprio legislador, é de fato uma nova lei”.

Eis a perspectiva a partir da “qual se pode fertilmente descrever e analisar a atividade do Conselho de Estado brasileiro, alçado, volens nolens, à dignidade de intérprete autorizado da ordem jurídica do Segundo Reinado” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 11).

O segundo capítulo, A instituição: história e perfil de seu desempenho, foca o perfil institucional do Conselho de Estado, adotando ponto de vista mais jurídico que político. Essa opção justifica, segundo o autor, a escolha da Seção de Justiça em detrimento do Conselho Pleno.

Antes de tratar da instituição, Lopes (2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 91) expõe as razões que o levaram a atribuir grande importância ao Conselho de Estado na construção de “uma cultura jurídica no Império, relativamente erudita e ao mesmo tempo seriamente voltada para a prática”.

Centrado na supremacia do Legislativo para interpretar o direito, o perfil constitucional adotado no Brasil durante a monarquia não permitia aos juízes, nem ao Superior Tribunal de Justiça, cúpula do Judiciário, “interferir na interpretação geral da lei (…), nem em declaração de sua inconstitucionalidade” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 97). Apesar de garantir direitos individuais, assim como a observância das normas jurídicas no caso concreto, o Judiciário não pode ser considerado lugar destacado na produção da cultura jurídica brasileira do século XIX. Tampouco o eram as faculdades de direito, sendo “a vida acadêmica no Brasil (…) passageira tanto para os alunos quanto para os professores” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 104), uns e outros voltados às distintas carreiras públicas, de caráter mais prático que acadêmico.

Teriam esses fatos impedido “o surgimento de uma cultura jurídica (uma alta cultura, se quisermos)?” A resposta vem em sequência, “Não houve falta completa de cultura jurídica de grande erudição entre nós” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 107). Pelo contrário, as fontes históricas “sugerem um grau sofisticado de argumentação” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 101). Para compreender essa cultura, entretanto, convém sublinhar serem de “viés essencialmente prático” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 107) as tarefas a que se dedicavam os juristas, o que leva a questionar acerca dos lugares em que a cultura jurídica do período se produzia. “Sendo ela prática, antes que acadêmica, e não procedendo apenas das faculdades, de onde os lentes eram continuamente afastados para exercer funções de Estado, nem do Supremo Tribunal de Justiça, onde encontrá-la?” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 108).

Preparando o terreno para responder a essa pergunta, o autor considera importante distinguir dois modelos de produção cultural dos juristas brasileiros: o dos compêndios para uso nas faculdades de direito, que “não foi particularmente forte”, e o dos manuais práticos, que não convém desprezar “do ponto de vista intelectual” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 109). Durante a investigação destes, percebeu referência e análise de avisos ministeriais, resultantes de “resoluções do Imperador, tomadas depois de ouvir o Conselho de Estado” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 112), e consistentes em “verdadeiras interpretações autênticas dos regulamentos gerais” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 114). Esse órgão pode ser considerado, assim, um dos lugares em que se encontra a cultura jurídica brasileira do século XIX, tratando “de perguntas sobre como entender e aplicar normas” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 119).

Analisado do ponto de vista do perfil institucional, o órgão dividia-se em seções, cujo número e as atribuições variaram ao longo do tempo. Apesar de reformas posteriores, sua organização consolidou-se com o Decreto n. 2.750, de 1861, dividindo-se nas seguintes seções: “1ª) Central, subordinada ao Diretor-Geral do Ministério; 2ª) de Justiça e ofícios de justiça; 3ª) de Polícia e força pública; 4ª) de Orçamento e contabilidade” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 157). Eram compostas por três conselheiros e estavam em diálogo com o Poder Executivo, sendo provocadas a emitir parecer pelo respectivo ministro, por intermédio da “secretaria do Ministério” ou “em nome do Imperador” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 159). Apesar da importância política do Conselho Pleno, argumenta o autor, as seções foram mais ativas e captaram melhor o “cotidiano da administração” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 158).

Selecionada para análise a Seção de Justiça, o autor destaca estar vinculada a dois ministérios, o da Justiça e o dos Negócios Estrangeiros. A escolha dessa seção em detrimento de outras se justifica pela relevância jurídica de sua competência, começando pelo exame da legislação aprovada pelas assembleias provinciais, a fim de fiscalizar “sua conformidade com a Constituição”. ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 160). Encontrada alguma desconformidade, a seção recomendava ao ministro respectivo levar o caso ao parlamento, competente para suspender a legislação provincial. “Nisto”, ressalta o autor, “suas funções eram semelhantes às de alguns organismos de controle de constitucionalidade”. E acrescenta, “embora neste caso o controle fosse de legislativos locais (províncias), não do corpo legislativo geral” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 160).

Além dessa atribuição, não era incomum analisar previamente “projetos de lei geral”, assim como apontar “falhas da legislação” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 161). Provenientes de órgãos executivos ou judiciários, “dúvidas surgidas na aplicação da lei” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 165) também entravam no rol de questões levadas à Seção de Justiça. Embora não se negasse a opinar, recusava-se a “interferir na interpretação da lei (…) quando se tratava de interpretá-la em casos específicos”, sendo comum devolver as questões ao Judiciário, ou remetê-las ao Legislativo para resolver uma “reconhecida lacuna ou antinomia” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 165). Sobre a envergadura do diálogo proporcionado pelo Conselho de Estado, mais adiante o autor acrescenta,

E nessa tarefa era preciso que o Conselho decidisse ou bem (a) se realmente tratava-se de dúvida que pudesse decidir, ou (b) se era o caso de remeter o assunto ao governo (para regulamento), (c) para a Assembleia Geral (para legislação), ou ainda (d) se devolvia o assunto ao consulente, tanto pela clareza do texto quanto pelo fato de a “inteligência da lei” no caso concreto pertencer propriamente ao Judiciário ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 175).

No contencioso administrativo, a Seção de Justiça opinava, entre outros, sobre casos envolvendo “direitos de servidores ou oficiais de justiça” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 161), conflitos de competência entre autoridades administrativas, conflitos de jurisdição entre Judiciário e Administração. Entravam em sua esfera de competência, ademais, os recursos de graça ao Poder Moderador, cuja finalidade consistia em “comutar penas aplicadas pela justiça ordinária” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 164). Nesses casos, a Seção de Justiça “concedia ao imperador um motivo juridicamente aceitável para comutar a pena” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 164), em caso de deferimento.

Ao classificar as consultas por áreas do direito, o autor destaca ocupar-se a Seção de Justiça de direito administrativo em primeiro lugar, seguido de processo penal e direito constitucional, para citar apenas as três de maior relevância. Após analisar atuação e consultas da Seção sob diferentes prismas, Lopes argumenta ter-se “ali um grupo de juristas-políticos realmente preocupados com a organização de um Estado de novo tipo”, cujo propósito era “sair do direito antigo (…) e passar para o direito liberal” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 185). Sua postura moderada limitava não apenas as demandas populares, mas também “os poderes do Estado” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 186).

O terceiro capítulo, Aplicação e interpretação da lei no século XIX: o Conselho de Estado e a doutrina jurídica, consiste em análise das consultas do Conselho à luz da teoria da interpretação.

Nos “Estados constitucionais” do século XIX, a interpretação do direito tocava ao Legislativo, representante da nação ou do povo. Ao aplicar normas aos casos, juízes e administradores não usurpavam as atribuições do legislador. A interpretação dos primeiros era chamada “ doutrinária ou especial ou concreta”, enquanto a do segundo, “ autêntica ou geral” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 189). Ao realizar-se no cotidiano, entretanto, esse modelo simples e linear adquiria matizes complexos e enviesados.

A interpretação do direito no Brasil monárquico caracterizou-se, em parte, por “uma forma, não prevista em lei alguma, de consultar o governo sobre os casos difíceis”, por meio de consultas ao Conselho de Estado, habitual não apenas a administradores e juízes singulares, mas também a “tribunais, seja às Relações, seja ao próprio Supremo Tribunal de Justiça” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 190). O Conselho, por sua vez, sentia-se “à vontade para declarar, isto é, interpretar a lei e o direito em alguns casos e matérias” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 237).

A atividade interpretativa dos ministros detinha grande importância ao regulamentar as leis aprovadas pelo Parlamento, sobretudo em contexto de ampla convivência de normas novas e antigas (e.g. Ordenações Filipinas), cujo caráter assistemático “gerava frequentes dúvidas” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 191). Também nesse caso o ministério recorria às consultas do Conselho de Estado, expedidas ao final como “regulamentos e avisos dos ministros, isto é, do próprio governo, que pela força de decreto geral impunham aos funcionários subalternos a obrigação de observá-los” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 191). “Tais avisos”, acrescenta o autor, “eram muitas vezes os verdadeiros instrumentos de interpretação das leis” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 191). Em todo caso, a interpretação do Conselho não seria autêntica, ou seja, “não poderia usurpar funções do Legislativo” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 194), submetendo-se “à vigência da lei” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 195).

A interpretação do direito pelo Conselho de Estado envolvia sobretudo os Poderes Moderador e Executivo. Ao assumir ter “funções apenas consultivas, opina e devolve ao Imperador o caso com suas opiniões. Resolvida a questão pelo Imperador, o Ministro expede o Aviso à autoridade que formulou a dúvida. É por esse mecanismo indireto”, finaliza o autor, “que o Conselho de Estado tem de fato grande relevância” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 237).

O quarto e último capítulo, Os caminhos da interpretação: o fim de século e as questões perenes, retoma o problema da interpretação do direito, “procurando mostrar ainda as dificuldades enfrentadas pelo Conselho na montagem do Estado Brasileiro” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. XVI).

Ao final do século XIX, iniciava-se um “movimento pela liberdade dos intérpretes ou pela alteração dos métodos e princípio da interpretação” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 312), em reação ao modelo predominante durante o oitocentos. Apesar das mudanças ao longo da história, o autor sugere que “alguns traços da atividade doutrinal (e interpretativa) mantêm atualidade e permanência” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 312). Tendo em vista a atividade interpretativa do Conselho de Estado brasileiro, assim, pretende “sugerir que se encontram ali elementos mais universais do pensamento jurídico-normativo e do pensamento voltado à tomada de decisões segundo regras” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 313).

Para o autor, assim como “na prática humana em geral”, a atividade jurídica consiste em “atribuição de sentido” à luz de uma linguagem elaborada pelos juristas, chamada doutrina ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 313). Ao longo da história, “a interpretação muda em alguns aspectos, não em todos” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 315). Os pressupostos da “unidade de sentido” e da “integridade” do objeto a interpretar, por exemplo, encontram-se em “todas as doutrinas e teorias da interpretação” (p. 318). Trata-se do que o autor chama “pré-compreensão”, que, somada a “regras constitutivas”, “podem ser tratad[a]s como pontos de partida” para a interpretação ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 323).

A interpretação jurídica só faz sentido no contexto “de um jogo a que se reconheça (…) o caráter de direito” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 324). O autor ressalta, nessa linha, existir uma “doutrina da interpretação”, definida como “coleção de condições da atividade interpretativa voltada para a aplicação” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 324). As regras constitutivas da interpretação derivam de três formas de compreender o direito: 1) como sendo um campo normativo, 2) “como sendo um campo da justiça e da equidade” e 3) como sendo “um campo propriamente dito”, ou seja, “não contraditório” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 330). Pressupõe-se, assim, seguirem “o direito (…) e seu intérprete (…) os princípios mais elementares da lógica: identidade e não contradição” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 331).

Se, por um lado, “há uma espécie de lógica da interpretação que seria constante” ao longo da história, por outro, mudam as normas e as formas de transmiti-las, assim como “os sentidos mais genericamente pressupostos que tanto podem ser tratados como valores inerentes ao sistema ou como princípios de caráter chamemos assim moral” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 334). Nesse nível dos valores pressupostos ocorrerá, em fins do século XIX, “uma reação às tentativas de restringir o juiz à lei, de afastar o quanto possível a doutrina e os costumes” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 337). Insatisfeitos com a submissão ao legislador, cujo resultado prático mostrava-se muitas vezes “um pouco absurdo”, os intérpretes conduziram uma “mudança do método interpretativo” dominante, ampliando “o âmbito das justificativas aceitáveis para a interpretação do direito” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 338).

Criticava-se a pobreza do “método tradicional”, centrado nos pressupostos “da suficiência do direito positivo” e “da lógica como única ferramenta” para a interpretação ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 340), conferindo-se destaque à “vertente prática e finalista da atividade jurídica” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 341). Esse pensamento de viés sociológico, ressalta o autor, teve o mérito de trazer “de volta (…) o pensamento consequencialista para dentro da atividade jurídica” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 344).

Aplicando essas noções à análise das consultas proferidas pelo Conselho de Estado, o autor vê nelas um misto dessas doutrinas da interpretação circulantes no século XIX. Os pareceres da Seção de Justiça expressam “um esforço para fazer primar o postulado da legalidade, ainda que levando frequentemente em consideração os fins pressupostos ou os fins esperados das diversas leis nos casos concretos” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 345). A interpretação desse oráculo de Delfos baseava-se nos pressupostos do sistema constitucional, aplicando o direito de forma que, sendo legalista, não deixava de ser flexível, em atenção às “circunstâncias especiais do Brasil” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 349).

E acrescenta, “Isso tudo obrigava o Conselho a manejar com habilidade todo o aparato conceitual da hermenêutica jurídica, herdado de longa data e nunca rejeitado em nome de uma exegese simples” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 349). O ideário liberal da elite político-jurídica tinha de acomodar-se à organização tradicional da sociedade. “Os pareceres e consultas do Conselho são o lugar onde tudo isto se torna evidente e visível em termos jurídicos”, esclarece o autor. Aplicando a lei abstrata e universal, “acomoda[va] as coisas, modera[va]-as estrategicamente” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 351).

2. Análise

Apesar dos méritos, a obra não deve passar sem ressalvas e considerações. A opção por uma definição estreita do âmbito jurídico, em primeiro lugar, acaba por deixar de lado aspectos relevantes à história do direito público, sobretudo à história constitucional. A interpretação do Conselho, ademais, não pode ser considerada significativa da forma como a maioria dos juristas argumentava e interpretava o direito nos tempos da monarquia constitucional. Partir de tipos abstratos de interpretação para compreender a atuação do Conselho de Estado, por fim, não parece o procedimento analítico mais adequado para captar sua forma particular de interpretar o direito. Interpretação autêntica e controle de constitucionalidade, se em teoria pertenciam ao Legislativo, na prática vinham entrando na esfera de atribuições do Executivo, amparado pelos consultas do Conselho de Estado.

2.1 Constituições Políticas

Em O oráculo de Delfos, Lopes evidencia sua intenção de elaborar estudo primariamente jurídico, mais jurídico e menos político, etc. Do ponto de vista do direito público, e particularmente do direito constitucional da época, seria essa uma escolha adequada? Na análise de instituição como o Conselho de Estado, essa orientação não levaria a negligenciar aspectos relevantes à história do direito público? A delimitação estrita do âmbito jurídico não deixa de ser controversa atualmente, e com mais razão o é no caso das constituições políticas do século XIX.

De maneira sintomática, Silvestre Pinheiro Ferreira (1837 FERREIRA, S. P. (1837). Breves observações sobre a Constituição da Monarchia Portugueza. Paris: Rey e Gravier. , p. VIII) reduzia o direito constitucional da época a dois axiomas, Independência e eleição nacional, para todos os poderes, assim como Responsabilidade e publicidade de todos os atos. Em outros termos e a grosso modo, pode-se afirmar serem três os grandes temas da política constitucional: sistema representativo, separação de poderes e opinião pública, “o tribunal da responsabilidade moral” ( BUENO, 1857 BUENO, J. A. P. Direito publico brazileiro e analyse da Constituição do Imperio. Rio de Janeiro: J. Villeneuve, 1857. , p. 338). Não por acaso, as constituições do século XIX caracterizavam-se pelo destaque do Legislativo diante dos outros poderes, como sublinha Lopes pelo tema da interpretação autêntica.

Tratava-se de constituições normativas no sentido de que continham prescrições e, assim, procuravam influenciar condutas. Sua normatividade, porém, voltava-se ao regramento do processo político, não à garantia imediata de direitos. “Em definitivo, a garantia dos direitos, êxito maior do constitucionalismo, repousa de forma quase exclusiva [no século XIX] sobre a razoabilidade e moderação dos poderes disciplinados pelas constituições”, argumenta Fioravanti (2009 FIORAVANTI, M. Costituzionalismo: percorsi della storia e tendenze attuali. Bari: Laterza, 2009. , p. 47), “não diretamente sobre a constituição mesma, não podendo ser oposta, enquanto tal e em nome desses direitos e de sua tutela, à lei, à vontade daqueles poderes, daqueles parlamentos”.

Essa garantia imediata passa a ocorrer quando o Judiciário assume a dianteira na interpretação do direito, em boa parte pela ineficiência do modelo oitocentista em atender às demandas decorrentes do processo de modernização acentuado em fins do século XIX. Espaço de discussão pública e disputa política, o parlamento não apresentaria a mesma presteza de órgãos menores em número de integrantes e mais especializados em sentido técnico, como as cortes constitucionais e, no Brasil Império, o Conselho de Estado, conforme argumento no ponto 2.3.

Importa ressaltar, por ora, que uma definição estrita do âmbito jurídico pode levar à exclusão de temas centrais à história do direito público, particularmente à história constitucional do século XIX ( FIORAVANTI, 2009 FIORAVANTI, M. Costituzionalismo: percorsi della storia e tendenze attuali. Bari: Laterza, 2009. , p. 34-47; COSTA, ZOLO, 2006 COSTA, P. ZOLO, D. O estado de direito: história, teoria e crítica. São Paulo: Martins Fontes, 2006. ). O direito constitucional brasileiro, nesse aspecto, não fugia à regra de seu momento histórico, caracterizado desde o início por um liberalismo conservador favorável “ao advento do governo constitucional e representativo, limitando-se a resistir às medidas ou concepções esposadas pelo liberalismo radical” e a conduzir as transformações “numa senda prudente e gradual, sem cair nos excessos das rupturas revolucionárias” ( LYNCH, 2014 LYNCH, C. E. C. Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia: o pensamento político do Marquês de Caravelas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. , p. 29).

Em O oráculo de Delfos, as consequências do ponto de vista adotado pelo autor evidenciam-se na opção pela Seção de Justiça, aliás justificada na obra pelas matérias sobre as quais proferia consultas, sem dúvida de relevância jurídica. Carece de melhor justificação, no entanto, a opção por uma seção em detrimento de outras, e inclusive do Conselho Pleno. Por que a de Justiça, por exemplo, e não a dos Negócios do Império, competente para aconselhar sobre direito eleitoral e assembleias provinciais, assunto de inegável relevância à história do direito? O Conselho Pleno, por sua vez, manifestava-se sobre assuntos de central importância ao equilíbrio de poderes, como a troca de ministérios, ou a dissolução da Câmara dos Deputados, com convocação de novas eleições. Ao contrário do que o autor argumenta, não é porque estudos focados no Conselho Pleno assumiram viés político que ele em si não tenha relevância à história do direito, especialmente à história constitucional.

Esse ponto de vista tendente a restringir o âmbito jurídico parece prejudicar a familiaridade de José Reinaldo de Lima Lopes com a teoria constitucional vigente no século XIX, hoje em parte obsoleta pela ampliação dos direitos políticos e pela crescente centralidade do Judiciário ao longo do século XX.

Se o autor distingue entre liberdades civis e liberdades políticas , por vezes aplica tais categorias de forma imprecisa. Ao analisar discurso de Perdigão Malheiro, por exemplo, Lopes (2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 221) afirma, “liberdade civil, capaz de estimular as forças econômicas da sociedade, entrelaçava-se com liberdade política, especificamente com a autonomia judicial para decidir”. Não se põe em questão que, segundo o ideário constitucional da época, “A liberdade política, a imprensa, o direito de petição ou reclamação política, e sobretudo a tribuna [parlamentar], é quem vem apoiar e proteger a liberdade civil, a vida moral dos indivíduos” ( BUENO, 1857 BUENO, J. A. P. Direito publico brazileiro e analyse da Constituição do Imperio. Rio de Janeiro: J. Villeneuve, 1857. , p. 468), mas também não há dúvida de que autonomia judicial para decidir não pode ser considerada uma liberdade política, como quer Lopes. Trata-se de garantia a ambos os tipos de liberdade individual contra abusos de autoridades constituídas, importante balanço no equilíbrio de poderes. Não se confunde, porém, com qualquer dessas liberdades.

A distinção remonta a uma série de dicotomias típicas das constituições políticas do século XIX, como cidadania passiva e ativa, direitos civis e políticos, imprensa literária e política. Todos os cidadãos, nessa linha, possuíam direitos e liberdades civis, mas nem todos direitos e liberdades políticas, “que autorizam o cidadão ativo a participar na formação ou exercício da autoridade nacional, a exercer o direito de votante ou eleitor 4 4 Como Pimenta Bueno publicou seu Direito público brasileiro antes da reforma eleitoral de 1881, que eliminou as eleições indiretas até então vigentes, ainda fazia sentido distinguir entre a figura do votante, que votava na eleição primária, e a do eleitor, que, eleito pelos votantes, votava nas eleições secundárias, nas quais eram eleitos os representantes da nação ou das províncias. Sistema eleitoral indireto subsiste ainda hoje na eleição presidencial dos EUA, por exemplo. , os direitos de deputado ou senador, a ocupar cargos políticos, e a manifestar suas opiniões sobre o governo do estado” ( BUENO, 1857 BUENO, J. A. P. Direito publico brazileiro e analyse da Constituição do Imperio. Rio de Janeiro: J. Villeneuve, 1857. , p. 467).

Tais prerrogativas pertenciam à parcela ativa da cidadania, distinta da passiva por critérios censitários de renda ou ilustração, tão mais rigorosos quanto mais elevados os poderes políticos a serem exercidos pelo cidadão. Não por acaso, ao menos teoricamente distinguia-se entre imprensa literária , “amplamente franqueada, não só aos nacionais, como aos estrangeiros” por pertencer “ao homem porque é homem”, e imprensa política, poder do cidadão ativo “de participar, de intervir no governo de seu país, de expor publicamente o que pensa sobre os grandes interesses da sociedade de que ele é membro ativo” ( BUENO, 1857 BUENO, J. A. P. Direito publico brazileiro e analyse da Constituição do Imperio. Rio de Janeiro: J. Villeneuve, 1857. , p. 396). Exercia, afinal, papel de fiscalização e controle sobre os poderes constituídos por meio da atribuição de responsabilidade moral, ou censura imputada à reputação de indivíduos no exercício de funções públicas, capaz de abalar “a força moral, sem a qual não pode durar um poder” ( VISCONDE DO URUGUAI, 2002 VISCONDE DO URUGUAI. Visconde do Uruguai. São Paulo: Ed. 34, 2002. , p. 377).

Eis a importância da opinião pública nas constituições do século XIX, particularmente da imprensa e da tribuna parlamentar, à época espaços de grande relevância jurídica e doutrinal. Marcada pela atuação prática de juristas eloquentes, a cultura jurídica do Brasil Império foi em grande parte forjada ao calor da discussão pública e da disputa política.

2.2 Discussão pública e Formação da Cultura Jurídica

Somada à intensa instabilidade e circularidade de cargos, a acentuada dependência do Estado e do emprego público gerava acirrada disputa política nos tempos da monarquia constitucional ( HOLANDA, 2005 HOLANDA, S. B. O Brasil monárquico, v. 7: do Império à República . 7ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. ; CARVALHO, 2012 CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. , 143-168). Um dos principais meios de expressá-la era a opinião pública, realizada por uma série de figurações em que a discussão circulava ( LOBO, STAUT JÚNIOR, 2015 LOBO, J. L. STAUT JÚNIOR, S. S. Discussão pública e formação da cultura jurídica: contribuição metodológica à história do direito brasileira. Revista Quaestio Iuris, v. 8, n. 3, Rio de Janeiro, 2015, p. 1688-1710. ; LOBO, 2017 LOBO, J. L. O que é opinião pública? Estudo de história constitucional brasileira. Revista Quaestio Iuris, v. 10, n.1, Rio de Janeiro, 2017. pp. 494-518. ). Jornalista, literato, homem público, o jurista eloquente ( PETIT, 2000 PETIT, C. Discurso sobre el Discurso: oralidad e escritura en la cultura jurídica de la Espanã liberal. Huelva: Universidad de Huelva, 2000. ) teve, nesse âmbito, amplo espaço para argumentar e interpretar o direito à luz das grandes questões do momento, e nisso forjava a cultura jurídica brasileira do século XIX. Não surpreende, assim, a escassez de livros e a pouca expressividade das faculdades de direito na produção doutrinária ( FONSECA, 2008 FONSECA, R. M. Vias da modernização jurídica brasileira: a cultura jurídica e os perfis dos juristas brasileiros do século XIX. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, v. 98, 2008, p. 257-293. ).

O nível mais cotidiano da opinião pública era o da oralidade circulante em cafés, “tavernas e armazéns, lugares onde mais se discute a politica do país, de envolta com as murmurações da vida alheia” (A RepublicaA Republica, Curitiba, 1888., Curitiba, 14 dez. de 1888, p. 1), ou manifestada em procissões percorrendo as principais ruas da cidade, sempre precedidas de “uma banda de música e ao estrugir de inúmeros foguetes”, terminando em “profuso copo d’água, durante o qual se trocavam os mais amistosos e cordiais brindes” (Gazeta Paranaense, Curitiba, 11 de jan. de 1889, p. 1). Seu nível mais erudito era o da oralidade refinada do parlamento, capaz de produzir precedente parlamentar no “mais alto tribunal da nação” ( Dezenove de Dezembro, Curitiba, 29 abril de 1888, p. 1), incumbido da interpretação autêntica do direito e cujos debates “por aí estão parodiando em cada encruzilhada” (Sete de MarçoSete de Março, Curitiba, 1889., Curitiba, 2 jan. de 1889, p. 1).

Do cotidiano ao erudito e do erudito ao cotidiano, a imprensa era o espaço fronteiriço da discussão pública. Promovia e relatava manifestações, transcrevia e comentava debates parlamentares, além de opinar sobre acontecimentos grandes e pequenos nos editoriais das gazetas partidárias ou independentes, redigidas por redatores políticos que, pelos periódicos, estabeleciam “as escadas da sua carreira política” (Dezenove de DezembroDezenove de Dezembro, Curitiba, 1887, 1888, 1889. , Curitiba, 9 de agosto de 1889, p. 2). Ou seja, iniciavam a trajetória político-jurídica cujo ápice era o Conselho de Estado, a cabeça do governo ( CARVALHO, 2012 CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. , p. 355-390). A maioria desses redatores eram bacharéis em direito, e deixaram, se não a totalidade, ao menos boa parte de sua doutrina impressa nas edições dos jornais. Destacando-se na política, deixavam-na também nas atas parlamentares.

Um dos argumentos de Lopes (2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 4) para justificar o estudo das consultas do Conselho de Estado era o tratar-se “de atividade que gera doutrina, e parte da pesquisa a seguir exposta é a busca do lugar em que se fazia doutrina no Brasil oitocentista.” A escolha do Conselho como lugar de interpretatio5 5 Para poder sustentar a produção de doutrina pelo Conselho de Estado, o autor é levado a defini-la em sentido amplo, como interpretatio . Definida em sentido estrito, como discurso dos juristas sobre o direito, não se aplica ao Conselho, que, com o assentimento do Moderador e a sanção do Executivo, produzia normas jurídicas. é coerente, sobretudo porque o autor o toma não por único ou exclusivo, mas por um entre outros. Ao consultar testemunhos e indícios da época, no entanto, destacam-se outros lugares em que se elaborava doutrina nos tempos da monarquia constitucional.

Testemunha insuspeita é o Visconde de Ouro Preto, à época conselheiro de Estado. Ao apresentar à Câmara dos Deputados o gabinete 7 de Junho, último do Império, teve de defendê-lo ante uma casa hostil ao novo ministério liberal, visto ter sido eleita sob a situação conservadora anterior. Após justificar a escolha de cada ministro por suas qualidades e serviços prestados, Ouro Preto argumentava não dever seu posto de presidente do conselho de ministros a favores da coroa. Pelo contrário, “os meus forais estavam registrados em arquivos superiores aos de todas as mordomias régias”. E acrescentava, “Esses arquivos são os Anais parlamentares de uma e outra casa eletiva, os volumes da legislação do Império, que encerram frutos do meu trabalho (…), os jornais que tenho redigido, os livros que hei publicado” (Anais da Câmara dos DeputadosAnais da Câmara dos Deputados, 1882, 1888, 1889. , 10ª sessão em 11 de junho de 1889, p. 150). Parlamento, imprensa, livros. Conselho de Estado, não.

Sobre os livros, convém tecer algumas considerações. Chegava a escrevê-los um Ouro Preto, um Uruguai, um Pimenta Bueno. O jurista comum, porém, raramente expunha suas ideias e propostas em forma tão erudita, divulgando-as na imprensa e, quando muito, em panfletos compilando artigos de jornal ou nas atas parlamentares. Um dos livros de maior destaque do Brasil Império, Da natureza e limites do poder moderador VASCONCELLOS, Z. G. Da natureza e limites do poder moderador. Rio de Janeiro: Laemmert, 1862. , é emblemático desse vínculo entre discussão pública e formação da cultura jurídica. Zacarias de Góis e Vasconcelos não pretendia publicar um livro até 1862, quando seu adversário político publicou o Ensaio sobre direito administrativo, cujos capítulos 27, 28 e 29 ( VISCONDE DO URUGUAI, 2002 VISCONDE DO URUGUAI. Visconde do Uruguai. São Paulo: Ed. 34, 2002. , p. 306-425) foram dedicados à crítica das opiniões sustentadas por Vasconcelos.

Antes da edição definitiva de Da natureza e limites do poder moderador , o primeiro presidente do Paraná havia publicado panfleto de mesmo título em 1860, compilando ideias sustentadas na imprensa. Depois disso, havia defendido as mesmas convicções em discursos parlamentares, proferidos nas sessões de 5, 16 e 25 de julho de 1861, na Câmara dos Deputados, como representante pelo 1º distrito eleitoral do Paraná. Quando desafiado pelo Visconde do Uruguai num âmbito mais erudito e livresco, não hesitou em juntar o panfleto de 1860, os discursos de 1861 e uma resposta ao adversário, publicando em 1862 um livro em três partes: o panfleto, os discursos e a resposta ( LOBO, STAUT JÚNIOR, 2015 LOBO, J. L. STAUT JÚNIOR, S. S. Discussão pública e formação da cultura jurídica: contribuição metodológica à história do direito brasileira. Revista Quaestio Iuris, v. 8, n. 3, Rio de Janeiro, 2015, p. 1688-1710. , p. 1695-1701). Eis um indício da cultura jurídica eloquente circulante nos tempos da monarquia constitucional, e dos lugares em que se produzia doutrina no Brasil oitocentista.

Zacarias de Góis e Vasconcelos, entretanto, foi grande jurista do Império, e os grandes integram parte diminuta, talvez não tão significativa do todo. Convém mirar menos alto, descer ao padrão, ao comum da cultura jurídica da época. Manoel Eufrásio Correia foi jurista comum, e não consta que tenha publicado livros. Panfletos publicou, e apenas dois: Casamento Civil CORREIA, M. E. Casamento civil: artigos publicados na Gazeta Paranaense. Curytiba: Typ. Rua do Aquibadan, 1884. e Justificação da administração conservadora , ambos com o mesmo subtítulo: artigos publicados na Gazeta Paranaense6 6 O primeiro panfleto está disponível na Biblioteca Pública do Paraná. O segundo não foi encontrado, mas as informações utilizadas estão disponíveis no Google Books. Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=a4IFtwAACAAJ&dq=Justifica%C3%A7%C3%A3o+da+administra%C3%A7%C3%A3o+conservadora&hl=en&sa=X&ei=YCSdVZ_1HoyGwgT_raO4Bg&redir_esc=y . . Versando sobre “a grande naturalização, o imposto territorial, a autonomia municipal, a imigração europeia, e ainda algumas outras medidas” (Gazeta ParanaenseGazeta Paranaense, Curitiba, 1887, 1888, 1889. , Curitiba, 7 mar. de 1888, p. 2), o restante de sua doutrina permaneceu em colunas da imprensa e atas da assembleia provincial do Paraná, assim como da câmara dos deputados.

Seria possível objetar ter sido Eufrásio Correia jurista político. Um perfil mais jurídico e menos político certamente produziria doutrina em outros lugares, de forma primariamente jurídica . O caso do magistrado João Coelho Gomes Ribeiro, no entanto, prova o contrário. Durante sua estadia na província do Paraná, João Gomes foi juiz de direito da comarca de São José dos Pinhais de 1887 a 1888, e chefe de polícia de 1888 a 1889. Decaída a situação conservadora e elevada a oposição liberal com o gabinete de 7 de Junho, logo apareceria nas colunas da Gazeta Paranaense (Curitiba, 26 de junho de 1889, p. 2) um telegrama da corte, informando ter sido “designada a comarca de Cavalcanti, na província de Goiás, para nela ter exercício o dr. Juiz de Direito João Coelho Gomes Ribeiro, ex-chefe de polícia do Paraná”. Quase trinta anos depois, o autor de A gênese histórica da Constituição Federal permanecia no cargo de juiz de direito em disponibilidade ( RIBEIRO, 1917 RIBEIRO, J. C. G. A genese historica da Constituição Federal: subsidio para sua interpretação e reforma. Rio de Janeiro: Officinas Graph. da Liga Maritima Brazileira, 1917. , cf. expediente).

O João Gomes atuante na província do Paraná era um magistrado de seu tempo, em que seria verdadeiro equívoco separar rigidamente política, administração e jurisdição. Como juiz de direito, “cabal[va], pe[dia] votos, distribu[ía] gracejos e mesmo cédulas em praça pública” (Dezenove de DezembroDezenove de Dezembro, Curitiba, 1887, 1888, 1889., Curitiba, 31 de dezembro de 1887, p. 3). Como chefe de polícia, era a “mola da política baronial” (Sete de Março , Curitiba, 3 de fevereiro de 1889, p. 1), ou seja, o braço direito do Barão do Serro Azul, irmão do senador Correia, por sua vez conselheiro de Estado, cuja família dominava a província do Paraná em situações conservadoras. Aproveitando-se do “abatimento físico e moral” do presidente da província, denunciava o Sete de Março (Curitiba, 30 de março de 1889, p. 1), “no palácio presidencial uma comissão composta dos srs. Chefe de polícia e barão do Serro Azul resolve todos os negócios, expedindo ofícios, e despachando requerimentos”.

Quanto à produção doutrinal, escrevia panfletos e artigos de polêmica. “O ilustrado Sr. Dr. João Coelho Gomes Ribeiro, digno juiz de Direito de S. José dos Pinhais”, informava a Gazeta ParanaenseGazeta Paranaense, Curitiba, 1887, 1888, 1889. (Curitiba, 20 de outubro de 1887, p. 2), “acaba de prestar um relevantíssimo serviço ao país publicando um folheto de 100 páginas, pouco mais ou menos, sobre o elemento servil”. Apenas na lista de Publicações do autor , disponível em A gênese histórica ( RIBEIRO, 1917 RIBEIRO, J. C. G. A genese historica da Constituição Federal: subsidio para sua interpretação e reforma. Rio de Janeiro: Officinas Graph. da Liga Maritima Brazileira, 1917. ), consta o título do panfleto, Consolidação das disposições sobre o fundo e emancipação – 1887, versando sobre a questão político-jurídica do momento, meses antes da abolição a 13 de maio de 1888.

Pouco mais de um ano depois, “S. Ex. o Sr. Dr. João Coelho Gomes Ribeiro, digno chefe de polícia da província”, prestava mais “um importante serviço à causa pública no Paraná, reunindo em folheto indispensáveis instruções para o recrutamento [obrigatório] na província”. Atendendo a problema prático vinculado ao exercício de um cargo público, o panfleto Instruções sobre o recrutamento: publicadas na chefia de polícia do Paraná, 1888 ( RIBEIRO, 1917 RIBEIRO, J. C. G. A genese historica da Constituição Federal: subsidio para sua interpretação e reforma. Rio de Janeiro: Officinas Graph. da Liga Maritima Brazileira, 1917. , cf. Publicações do autor) foi julgado “tão oportuno e de elevado merecimento (...) que não nos podemos furtar ao dever de publicá-lo para maior conhecimento das instruções para o recrutamento obrigatório na província do Paraná. Amanhã começaremos a publicação” (Gazeta Paranaense, Curitiba,10 de novembro de 1888, p. 2). O folheto, nesse caso, tornou-se artigos de jornal.

João Gomes também compilava em panfleto seus artigos de polêmica. Quando a assembleia provincial tentou extinguir a comarca de S. José dos Pinhais para prejudicar o juiz de direito, o presidente da província negou sanção ao projeto vingativo. Derrubado o veto por mais de dois terços da assembleia, unanimemente liberal, o conservador Balbino Cândido da Cunha recorreu a governo e assembleia gerais para se pronunciarem sobre a constitucionalidade da lei. Sob forte crítica da oposição, o chefe do Executivo provincial teve sua defesa numa série anônima de artigos intitulada O governo e a oposição (Gazeta Paranaense , Curitiba, 5 de setembro de 1888, p. 1-2; 7 de setembro de 1888, p. 1-2; 11 de setembro de 1888, p. 1; 19 de setembro de 1888, p. 1-2). Por força de pesquisa e lógica abdutiva 7 7 Na verdade, em minha pesquisa, conclusões baseadas em indícios indiretos conduziram à descoberta de A gênese histórica da Constituição Federal, cuja lista de Publicações do autor permite atribuir-lhe a autoria da sequência de artigos anônimos publicados na Gazeta Paranaense. , caiu a máscara do anonimato, revelando a autoria de João Gomes, que não hesitou em rebatizar seus artigos de jornal ao compilá-los no panfleto intitulado A assembleia provincial e o presidente do Paraná: questão constitucional, 1888 ( RIBEIRO, 1917 RIBEIRO, J. C. G. A genese historica da Constituição Federal: subsidio para sua interpretação e reforma. Rio de Janeiro: Officinas Graph. da Liga Maritima Brazileira, 1917. , cf. Publicações do autor).

Eis uma boa ideia dos lugares em que o jurista comum produzia doutrina no Brasil Império: cargos públicos e espaços de manifestação da opinião pública, em que a interpretação do direito vinculava-se a questões de momento e problemas práticos. Mais periódica e acessível ao comum dos juristas, cabe à imprensa o maior destaque nessa produção doutrinária típica de uma cultura jurídica eloquente, particularmente daquela circulante nos tempos da monarquia constitucional. Isso por certo não invalida a escolha por lugares mais eruditos e elevados, como o Conselho de Estado. Questiona apenas seu potencial de ilustrar como, à época, os juristas em geral argumentavam e interpretavam o direito. Para tanto, talvez não convenha mirar tão alto. Quem sabe riqueza e complexidade estejam em detalhes do cotidiano e minúcias do particular.

2.3 interpretação do direito entre Legislativo e Executivo

Embora ao analisar o Conselho de Estado sob o prisma da interpretação do direito Lopes revele tanto seu gênio jurídico quando sua sensibilidade histórica, a forma como o analisa não parece a mais adequada para compreender esse centro de interpretatio durante o Brasil Império. Em vez de delinear modelos de interpretação existentes no século XIX para aplicá-los à realidade histórica, não seria mais pertinente induzir dos documentos a postura interpretativa do Conselho? A eleição a priori de modelos não influencia a compreensão da realidade contida nas fontes? Ao concluir não se enquadrar a interpretação do Conselho nos padrões delineados no livro (legalista e finalista), sendo antes espécie de síntese entre eles, Lopes acaba por conferir força a esses questionamentos, e evidencia ser a realidade histórica mais complexa que a abstração conceitual empregada para compreender a interpretação do direito no Brasil do século XIX.

Consiste em verdadeiro excesso de racionalização o pressuposto de que, no citado século, a interpretação dos juristas limitava-se “à lei e à lógica [formal]” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 340). Visto o período de perspectiva menos erudita e livresca, observa-se a existência de uma cultura jurídica eloquente bastante difusa no período ( PETIT, 2000 PETIT, C. Discurso sobre el Discurso: oralidad e escritura en la cultura jurídica de la Espanã liberal. Huelva: Universidad de Huelva, 2000. ), tanto que marcou o perfil dos juristas brasileiros ( FONSECA, 2008 FONSECA, R. M. Vias da modernização jurídica brasileira: a cultura jurídica e os perfis dos juristas brasileiros do século XIX. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, v. 98, 2008, p. 257-293. ), em geral jornalistas, literatos, homens públicos. Inspirados em clássicos latinos e franceses, versados em argumentação e retórica, empregavam amplo arsenal argumentativo na interpretação do direito, bem mais livre do que se pressupõe não apenas em O oráculo, mas também em história e teoria do direito, ao menos em regra focadas em aspectos mais eruditos que cotidianos da cultura jurídica.

Não surpreende que, elevados ao Conselho após longa trajetória político-jurídica, “os conselheiros de Estado” jamais tenham deixado “de usar de todos os recursos da farmacopeia jurídica: analogia, interpretação finalística, gramatical, lógica, sistemática, seja lá qual for o nome que se dê aos procedimentos”, apelando “para sentidos compartidos ou pretensamente compartidos de caráter substantivo” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 338). Ora, se mesmo no Conselho de Estado, âmbito de grande erudição e formalismo jurídicos, a interpretação estava longe de se reduzir à aplicação lógico-formal do direito, o que dizer da argumentação menos erudita e mais cotidiana dos juristas?

Se a cultura jurídica brasileira do século XIX caracterizava-se por ser mais prática que acadêmica, como Lopes reconhece ao longo da obra, constata-se o desencontro entre o modelo de análise proposto, de restrição à lei e à lógica, e a realidade a ser analisada, caracterizada pelo perfil eloquente dos juristas, mais prático que acadêmico. Convém, portanto, ajustar o instrumental analítico às particularidades do contexto histórico investigado, sob pena de distorcê-lo ou simplificá-lo à luz de ideais e abstrações inexistentes, salvo em âmbitos demasiado eruditos e pouco significativos da cultura jurídica.

Quanto à interpretação do direito pelo Conselho de Estado, Lopes (2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 120) sublinha tratar-se “de um conselho muito prestigiado política e juridicamente, um verdadeiro conselho de jurisconsultos, ao qual, porém, não se atribuiu nunca a função de interpretar autenticamente as leis”. Ao fiscalizar a constitucionalidade das leis provinciais, o Conselho deixaria claro esse limite a sua interpretação. Provocado pelo governo a se manifestar sobre legislação local e encontrada “alguma inconstitucionalidade, sugeria que o caso fosse remetido ao corpo legislativo, à Assembleia Geral, que viria a suspender a execução da lei provincial. Enquanto isso não fosse feito”, ressalta o autor (2010, p. 198), “a lei permanecia em vigor e produzindo efeitos nos casos concretos. Por isso essa atividade, embora relevante, era apenas consultiva”.

Como a deixar em aberto essa questão, Lopes (2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 204) pondera, “Essa Assembleia, contudo, mostrou-se crescentemente tolerante e ineficaz nesse aspecto”, e finaliza o terceiro capítulo de O oráculo com intrigante citação dos Estudos práticos do Visconde do Uruguai (1865 VISCONDE DO URUGUAI. Estudos práticos sobre a administração das províncias no Brasil. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, v. 1, 1865. , v. I, p. XLI), que testemunhava, “Há 16 anos (...) não é revogada pelo Poder Legislativo uma só lei provincial”, nem mesmo “a mais claramente inconstitucional”. Crise do modelo constitucional vigente durante o século XIX, confiante no parlamento, espaço de discussão pública pouco eficiente “para a revogação da enorme multidão de tantas leis” ( VISCONDE DO URUGUAI, 1865 VISCONDE DO URUGUAI. Estudos práticos sobre a administração das províncias no Brasil. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, v. 1, 1865. , v. I, p. XLI). Ora, se esse era o problema em 1865, não se teria encontrado uma solução nos vinte e quatro anos restantes de monarquia constitucional? Uma solução baseada em órgão mais eficiente e especializado, composto por poucos de elevado saber jurídico? Uma solução prática e silenciosa, alheia aos livros e à teorização dos juristas?

Ambos envolvendo a Seção dos Negócios do Império, os dois casos expostos abaixo, se não comprovam, ao menos indiciam que, em fins do Império, o Conselho de Estado vinha suprindo a falha do Legislativo em fazer interpretação autêntica das leis e em controlar constitucionalidade da legislação provincial. Aqui, basta levantar a hipótese.

2.3.1 A interpretação do art. 177 do Regulamento Eleitoral, de 13 de agosto de 1881

Com a reforma eleitoral de 1881, as eleições passaram a ser diretas. Os pleitos corriam nas assembleias paroquiais, sendo a mesa eleitoral presidida pelo juiz de paz mais votado da localidade. Realizadas as eleições, os membros das mesas redigiam atas eleitorais, ou autênticas, com discriminação do nome dos candidatos e do número de votos recebidos por cada um. Na capital de cada distrito eleitoral, reuniam-se juntas apuradoras para aferir o resultado geral das eleições naquele distrito. Compostas pelos juízes de paz presidentes das mesas paroquiais e presididas por um juiz de direito, as juntas expediam diplomas provisórios aos considerados eleitos. Provisórios porque, segundo Constituição do Império 8 8 Constituição Política do Império do Brasil: “Art. 21. A nomeação dos respectivos Presidentes, Vice Presidentes, e Secretários das Câmaras, verificação dos poderes dos seus Membros, Juramento, e sua polícia interior, se executará na forma dos seus Regimentos.” e Ato Adicional 9 9 Lei n. 16, de 12 de agosto de 1834: “Art. 6º A nomeação dos respectivos Presidentes, Vice-Presidentes e Secretários, verificação dos poderes de seus membros, juramento, e sua polícia, e economia interna, far-se-ão na forma dos seus Regimentos, e interinamente na forma do Regimento dos Conselhos Gerais de Província.” , cabia às casas legislativas conhecer da validade das eleições que as constituíam, assim como verificar os poderes de seus membros.

Apesar das intenções expressas da reforma, o modelo instituído pela Lei Saraiva, de 9 de janeiro de 1881, não foi capaz de eliminar as fraudes eleitorais. E as juntas apuradoras foram um dos alvos mais visados pelas facções políticas, pois possibilitavam “o processo da fraude sorrateira, que não se envergonha da luz do sol”, diferente das violências praticadas nas antigas eleições, “feitas a bacamarte e a pau” (Dezenove de Dezembro, Curitiba, 9 junho de 1888, p. 1). Em parte, isso se dava pela dubiedade na interpretação do art. 177 do Regulamento Eleitoral 10 10 Decreto n. 8.213, de 13 de Agosto de 1881: “Art. 177. Na apuração a junta se limitará a somar os votos mencionados nas diferentes autênticas, atendendo somente às das eleições feitas perante mesas organizadas de conformidade com as disposições da secção 1ª deste Capítulo, e procederá pelo modo estabelecido nos arts. 159, 160 e 161, servindo de secretário um dos membros da mesma junta designado pelo presidente desta.” . Dispunha não apenas limitarem-se as juntas apuradoras “a somar[em] os votos mencionados nas diferentes autênticas”, mas também atenderem apenas “às das eleições feitas perante mesas organizadas de conformidade com as disposições da secção 1ª deste Capítulo”. Poderiam as juntas conhecer da validade das eleições, somando apenas os votos das consideradas válidas? Não seria essa atribuição exclusiva das casas legislativas a que se disputavam os pleitos eleitorais?

Eis a quaestio iuris debatida ao menos duas vezes pela imprensa paranaense, ambas em eleições à assembleia provincial: a primeira para o biênio de 1884 a 1885 e a segunda para o de 1888 a 1889. Enquanto naquela os liberais excluíram adversários nas juntas apuradoras, nesta foi a vez dos conservadores. Como a segunda discussão remete à primeira, não há prejuízo em analisar apenas a segunda, suficiente para sustentar o argumento aqui pretendido. O debate de direito eleitoral tinha dois grandes argumentadores, a Gazeta Paranaense , órgão do partido conservador, e o Dezenove de Dezembro , órgão do partido liberal. Os argumentos analisados abaixo consistem em um trecho desse debate, centrado na interpretação do art. 177 do Regulamento Eleitoral.

Para justificar a anulação de eleições por junta apuradora, a Gazeta Paranaense (Curitiba, 14 de janeiro de 1888, p. 1) recorria à lógica do precedente parlamentar, cuja importância ao direito público da época não pode ser negligenciada. Elaborava nessa linha a defesa contra os adversários, “Esquecidos do que praticaram, em épocas bem recentes, firmando nas Juntas Apuradoras um precedente” ratificado pela assembleia provincial, “censuram hoje, possuídos de ridícula indignação, aquilo que fizeram nossos amigos, seguindo o exemplo que lhes foi dado.” E ironizava, “O que para a gente do Dezenove ontem era correto, legal e honesto, praticado por seu partido, e aconselhado pelo mesmo homem que hoje ali escreve, agora significa fraude, escândalo e crime”.

O precedente parlamentar fora firmado por ocasião das eleições provinciais de 25 de dezembro de 1883, nas quais as juntas apuradoras, constituídas por maioria liberal, haviam depurado candidatos conservadores. Ao anular as eleições com base em “verdadeiras futilidades”, conseguira o partido liberal constituir maioria na assembleia provincial, reconhecendo no Legislativo as anulações pelas juntas. Aos protestos de então, “responderam os liberais com argumentos que hoje faremos nossos, sustentando a soberania das Juntas Apuradoras e sua competência para conhecer da validade de eleições” e, portanto, para “deixarem de apurar os votos das que julgassem nulas” com fundamento no art. 177 do Regulamento Eleitoral (Gazeta Paranaense, Curitiba, 14 de janeiro de 1888, p. 1).

Em editorial intitulado A emboscada, o Dezenove de Dezembro (Curitiba, 14 de janeiro de 1888, p. 1) alegava não ter fundamento a resposta da Gazeta (“juntas liberais em maioria também outrora depuraram conservadores, seguimos o seu exemplo!”). O precedente invocado não se aplicaria ao caso, pois, enquanto este afrontava a legalidade, aquele a reafirmaria. Sendo as circunstâncias distintas, não se aplicaria a lógica dos precedentes. E chamava os responsáveis pela fraude à “barra do tribunal da opinião pública”, por pretenderem “constituir uma falsa assembleia provincial, com doze falsos deputados!!!” Outro argumento do órgão do partido liberal era o de que mesmo Joaquim José Teixeira, conservador e juiz de direito presidente de uma das juntas apuradoras, “demonstrou que ela [a pretensão de anular eleições] feria escandalosamente a lei, e que excedia das atribuições da junta, nos termos do Decr. n. 8301 de 17 de Novembro de 1881” (Dezenove de Dezembro, Curitiba, 5 de janeiro de 1888).

Como poderiam os liberais contestar a nulidade de algumas eleições, insistia a Gazeta Paranaense (Curitiba, 15 de janeiro de 1888, p. 2), quando decorria da interpretação do art. 177 do Regulamento Eleitoral, por eles consolidada na assembleia provincial? De acordo com ela, as juntas apuradoras não apenas contavam votos; também fiscalizavam a regularidade das eleições, sendo válidas somente aquelas feitas perante mesas organizadas de acordo com a legislação eleitoral. E concluía, “Arredar as eleições dessas duas paróquias, (...), foi um ato que praticou a maioria da Junta, com apoio na lei e nos precedentes, exercendo suas legitimas atribuições”. O órgão do partido conservador também questionava o argumento do “Sr. Dr. Teixeira, invocando o Dec. de 17 de Novembro de 1881, para justificar a inteligência que deu ao art. 177 do Reg. Eleitoral” (Gazeta Paranaense, Curitiba, 17 de janeiro de 1888, p. 2). Contra esse entendimento ancorado em decreto interpretativo , a Gazeta Paranaense (Curitiba, 15 de janeiro de 1888, p. 2) havia transcrito um voto da câmara dos deputados, aprovado na sessão de 1º de maio de 1882. Transcrição eloquente , atribuía às juntas apuradoras competência para conhecer da validade das eleições.

Em tréplica, o Dezenove afirmava não ser possível às juntas apuradoras anular eleições com fundamento no art. 177 do Regulamento Eleitoral, não tanto por força do Decreto interpretativo n. 8.308, de 1881, quanto por determinação do art. 6º do Ato Adicional, a constituição das províncias (Dezenove de Dezembro , Curitiba, 1º de fevereiro de 1888, p. 1). Essa norma, afinal, atribuía competência às assembleias provinciais para realizar a verificação dos poderes de seus membros, no que, ademais, não alterava o sentido original da Constituição do Império 11 11 Constituição Política do Império do Brasil: “Art. 76. A sua reunião se fará na Capital da Província; e na primeira Sessão preparatória nomearão Presidente, Vice-Presidente, Secretário, e Suplente; que servirão por todo o tempo da Sessão: examinarão, e verificarão a legitimidade da eleição dos seus Membros.” , que atribuía aos antigos conselhos gerais das províncias a competência para verificar a legitimidade da eleição de seus membros.

Em breve síntese, eis os argumentos de cada lado. Além de revelar o quanto se argumentava e interpretava o direito na imprensa, esse trecho de discussão pública remete ao tema da interpretação autêntica do direito. Ao art. 177 do Regulamento Eleitoral, atribuíam-se dois sentidos distintos e isso gerava conflitos entre as facções políticas. No Decreto n. 8.308, de 17 de novembro de 1881, baseado em consulta do Conselho de Estado, o Executivo fixava a inteligência do citado artigo, interpretando-o em sentido restritivo. As juntas deveriam “limitar-se a somar os votos mencionados nas diferentes autênticas”. Apenas em caso de duplicata de autênticas caberia “proceder nos termos do final do citado artigo, somando os votos da autêntica da eleição feita perante a mesa organizada na forma da lei, com exclusão dos outros”. Nesse caso, o oráculo de Delfos interpretou o direito em geral, e sua interpretação passou a ter força de lei por deliberação do Moderador, ratificada pelo Executivo.

Esse decreto interpretativo, de forma mais precisa, consistia em consulta das Seções conjuntas dos Negócios do Império e da Justiça do Conselho de Estado, acolhido pelo Imperador e ratificado por decreto do respectivo ministro, que, à época, cumulava as pastas do Império e da Justiça 12 12 Daí ser o problema dirigido às Seções conjuntas dos Negócios do Império e da Justiça. A rigor, tratava-se de atribuição da Seção dos Negócios do Império, por se tratar de matéria eleitoral. . A Constituição do Império, porém, atribuía ao legislador a competência de interpretar em geral ou autenticamente as leis 13 13 Constituição Política do Império do Brasil: Art. 15. É da atribuição da Assembleia Geral […] VIII. Fazer Leis, interpretá-las, suspendê-las, e revogá-las. […] . Ora, esse caso não conteria um falso dilema, centrado no equívoco de se tomar o Regulamento Eleitoral, decreto expedido pelo Executivo, por lei em sentido estrito, que só ao Legislativo cabia interpretar? Como o art. 177 do Regulamento era uma norma executiva, podia ser interpretado por decreto sem ofensa ao texto constitucional. Convém não ignorar, no entanto, consistir o citado art. 177 em transcrição de uma das normas contidas no longo art. 18 da Lei Saraiva 14 14 Lei Saraiva, de 9 de janeiro de 1881: “Art. 18. (…). Na apuração a junta se limitará a somar os votos mencionados nas diferentes autênticas, atendendo somente às das eleições feitas perante mesas organizadas pela forma determinada nos §§ 7º a 11 do art. 15, procedendo no mais como dispõe a legislação vigente. Os eleitores presentes, que quiserem, assinarão a ata da apuração.” , de forma que o Conselho de Estado, ainda que de forma indireta, interpretou autenticamente a lei eleitoral.

Quanto à reação a esse decreto interpretativo, por fim, seria verdadeiro equívoco confiar na transcrição da Gazeta Paranaense (Curitiba, 15 de janeiro de 1888, p. 2), citada acima. Proferido na câmara dos deputados em sessão de 1º de maio de 1882, o voto transcrito não contém protesto do Legislativo contra a usurpação de sua competência. Ao calor da discussão pública, o jornal forçou o sentido dos Anais da Câmara em favor de sua tese. Investigando o indício, observa-se na verdade elogio ao governo, que, “para obviar qualquer dúvida, para evitar algumas perturbações no processo eleitoral, consultado o conselho de estado, ouvidos conselheiros de um e de outro partido, expediu o decreto de 17 de Novembro confirmando o que já era expresso no art. 177 do regulamento (apoiados)”, ou seja, “que só quando se apresentassem duas autênticas da mesma eleição, poderia a junta apuradora, desprezando uma, preferir aquela que estivesse revestida das formalidades legais”. Seria “esta a doutrina estabelecida, e geralmente aceita”, mesmo antes do decreto interpretativo (Anais da Câmara dos DeputadosAnais da Câmara dos Deputados, 1882, 1888, 1889., 22ª sessão em 1º de maio de 1882, p. 82).

2.3.2 O caso da comarca de S. José dos Pinhais

Ao menos durante o Segundo Reinado, houve alternância de partidos no poder e intensa disputa política, em boa parte devidas à “interferência do Poder Moderador”, prevista na Constituição do Império 15 15 Constituição Política do Império do Brasil: “Art. 101. O Imperador exerce o Poder Moderador: […]. VI. Nomeando, e demitindo livremente os Ministros de Estado. […].” e capaz de favorecer “a representação da minoria, na medida em que tornava temporária a derrota de um dos partidos”, possibilitando “a existência do bipartidarismo” (CARVALHO, p. 406). Com a queda da situação e a ascensão da oposição ao ministério, nomeavam-se novos chefes dos Executivos provinciais, trocando-se os partidários do antigo governo pelos do novo. Os presidentes de província, por sua vez, logo promoviam “derrubadas em massa” (Sete de Março, Curitiba, 6 de julho de 1889, p. 3) do funcionalismo provincial, “repugnante tarefa” (Sete de Março, Curitiba, 15 de junho de 1889, p. 4) aos olhos dos que perdiam emprego e renda por não pertencerem ao partido governista. Garantia-se, assim, a influência do governo nas eleições, vergadas sob o peso do funcionalismo, alinhado à tendência do Executivo.

A 20 de agosto de 1885, teve seu ocaso a situação liberal inaugurada em 1878. Ascendeu ao governo o partido conservador, tendo Cotegipe por presidente do conselho de ministros. Na província do Paraná, logo assumiria interinamente o vice-presidente Joaquim de Almeida Faria Sobrinho. Com interrupção de cerca de meio ano, em que Alfredo d'Escragnolle Taunay administrou o Paraná, Faria Sobrinho chefiou a administração provincial até dezembro de 1887. Encarregou-se de promover a derrubada do funcionalismo liberal, intensa como ainda não se havia visto na província, a crer-se nos testemunhos da oposição. Ao deixar a administração, Faria Sobrinho elaborou um relatório, no qual se constata, e.g, que, de quarenta e dois agentes dos correios, apenas três haviam sido nomeados antes de 20 de agosto de 1885. Das nomeações liberais, portanto, restava algo em torno de 7%, enquanto a circulação de funcionários era de aproximadamente 93% (cfr. Gazeta Paranaense , Curitiba, 14 abril de 1888, p. 1).

Não por acaso, a oposição liberal estava propensa “a crer que aquele Faria perdeu a razão pelo deslumbramento do poder e nesse desvario dos doidos consentiu que os seus amigos da pilhagem tirassem o ventre da miséria” (Dezenove de Dezembro, Curitiba, 21 agosto de 1888, p. 1). Apesar da fraude eleitoral arquitetada pelos conservadores, mencionada no ponto 2.3.1 e de resultado desfavorável aos ousados arquitetos, em 1888 a composição do Legislativo da província foi unanimemente liberal. Um dos projetos de lei aprovados pela assembleia extinguia a comarca de S. José dos Pinhais, onde Faria Sobrinho ocupava o cargo de juiz de direito. O resultado prático dessa extinção seria a suspensão do magistrado, retaliação a seus atos na presidência. Conforme prescrevia o Ato Adicional 16 16 Lei n. 16, de 12 de agosto de 1834: “Art.13. As Leis, e Resoluções das Assembleias Legislativas Provinciais, sobre os objetos especificados nos arts. 10 e 11, serão enviadas diretamente ao Presidente da Província, a quem compete sancioná-las.” , o projeto de lei foi encaminhado ao presidente da província, Balbino Cândido da Cunha, que, tendo nele visto “sacrifícios de amigos políticos” (Dezenove de Dezembro, Curitiba, 3 de setembro de 1888, p. 1), negou a sanção com base no mesmo documento 17 17 Lei n. 16, de 12 de agosto de 1834: “Art.15. Se o Presidente julgar que deve negar a sanção, por entender que a Lei ou Resolução não convém aos interesses da Província, o fará por esta fórmula - Volte à Assembleia Legislativa Provincial -, expondo debaixo de sua assinatura as razões em que se fundou. Neste caso será o Projeto submetido a nova discussão; e se for adotado tal qual, ou modificado no sentido das razões pelo Presidente alegadas, por dous terços dos votos dos membros da Assembleia, será reenviado ao Presidente da Província, que o sancionará. Se não for adotado, não poderá ser novamente proposto na mesma sessão.” .

“As razões de não sanção do projeto de lei votado pela assembleia extinguindo a comarca de S. José dos Pinhais, [alegando] uma ridícula inconstitucionalidade”, golpeava o Dezenove de Dezembro (Curitiba, 1º de setembro de 1888, p. 1), “patentearam a fraqueza e ignorância do presidente da província”. E fundamentava, “Diante da letra expressa do art. 10, § 1°, do Ato Adicional à Constituição do Império” 18 18 Lei n. 16, de 12 de agosto de 1834: “Art.10. Compete às mesmas Assembleias legislar: § 1º Sobre a divisão civil, judiciária, e eclesiástica da respectiva Província, e mesmo sobre a mudança da sua Capital para o lugar que mais convier. […].” , nem o mais obcecado partidarismo teria negado “às assembleias provinciais competência para legislarem sobre divisão civil, judiciária e eclesiástica nas respectivas províncias”. Dispondo de unanimidade na assembleia provincial, os liberais derrubaram o veto da presidência, devolvendo o projeto de lei “à sanção obrigatória do art. 15 do Ato Adicional” (Dezenove de Dezembro, Curitiba, 3 de setembro de 1888, p. 1). Por força do art. 16 da Constituição das Províncias 19 19 Lei n. 16, de 12 de agosto de 1834: “Art.16. Quando porém o Presidente negar a sanção, por entender que o Projeto ofende os direitos de alguma outra Província, nos casos declarados no § 8º do art. 10; ou os Tratados feitos com as Nações Estrangeiras; e a Assembleia Provincial julgar o contrário, por dois terços dos votos, como no artigo precedente, será o Projeto, com as razões alegadas pelo Presidente da Província, levado ao conhecimento do Governo e Assembleia Gerais, para esta definitivamente decidir se ele deve ser ou não sancionado.” , porém, o presidente fez “constar à (...) Assembleia que nesta data passou, na forma do Ato Adicional, a submetê-lo, com as razões de não sanção, ao conhecimento do governo e assembleia gerais, para esta definitivamente decidir se ele deve ou não ser sancionado” (Gazeta Paranaense , Curitiba, 6 de outubro de 1888, p. 1).

A defesa da presidência do Paraná veio pela pena de um João Gomes anônimo, na sequência de artigos intitulada O governo e a oposição . “Sem a mínima razão de procedência”, objetava, “foram ultimamente censurados pela oposição, com acrimonia desusada, os atos do Governo provincial” (Gazeta Paranaense , Curitiba, 5 de setembro de 1888, p. 1). Em síntese, com sua defesa, cria “ter demonstrado quantum satis” ter a assembleia provincial exorbitado de suas atribuições, perpetrando atos “inconstitucionais em face da lei, da opinião dos autores e dos precedentes parlamentares”. Achava-se, “portanto, ipso facto (…) plenamente justificado o procedimento da Presidência da Província, opondo seu veto legal e transitório a medidas tão inconvenientes e abusivas” ( Gazeta Paranaense, Curitiba, 7 de setembro de 1888, p. 2).

Ao repercutir nas casas do parlamento nacional, o proceder do presidente do Paraná foi criticado pelos liberais e defendido pelos conservadores (cfr. Anais da Câmara dos Deputados, 22ª sessão em 5 de setembro de 1888, p. 60-64; Anais do Senado, 76ª sessão em 4 de setembro de 1888, p. 23-27; 77ª sessão em 5 de setembro de 1888, p. 30-35; 78ª sessão em 6 de setembro de 1888, p. 36-42). A assembleia geral, no entanto, nunca tomou uma decisão sobre o caso. Espaço de discussão pública e disputa política, o Legislativo nacional há tempos não decidia sobre a constitucionalidade das leis provinciais. O problema era conhecido. Eis o testemunho do senador liberal Silveira Martins, “o presidente [do Paraná], para cercear as atribuições da assembleia, deixou de sancionar a lei por inconstitucional, para vir ao parlamento que nunca mais dela tomará conhecimento”. Em outro trecho, o senador esclarecia, “A Assembleia Geral não cuida de outras cousas, quanto mais disto. As leis provinciais que lhe são submetidas ficam eternamente sem solução” (Anais do SenadoAnais do Senado, 1888., 76ª sessão em 4 de setembro, p. 31 e p. 23-24, respectivamente).

Bastante significativo constatar, em face disso, a insistência da oposição liberal, tanto na câmara quanto no senado, numa atitude do governo para resolver o caso. Deputado pelo 2º distrito eleitoral do Paraná, o conselheiro 20 20 É necessário distinguir o título de conselho do cargo de conselheiro de Estado. Enquanto o primeiro era uma distinção honorífica, primeiro degrau de nobreza, o segundo era uma das mais altas funções no Estado Imperial (cfr. RODRIGUES, 1978 , p. 11-17). Alves de Araújo demandava, “o governo deve compelir o presidente da província a cumprir a disposição do [art. 15 do] Ato Adicional”, ou seja, a sancionar o projeto de lei extinguindo a comarca de S. José dos Pinhais. E instava, “espero, pela dignidade da província, do governo e desta Câmara que não se há de encerrar a presente sessão, sem que o Governo tenha dado a última palavra” (Anais da Câmara dos Deputados , 22ª sessão em 5 de setembro de 1888, p. 61 e 64, respectivamente). Em sentido diverso do que solicitavam os liberais, o governo parece ter dado a última palavra sobre caso, ao menos ante indícios discretos encontrados na imprensa. A estar correta a hipótese, uma consulta do Conselho de Estado respaldava a decisão.

“Consta-nos que o Sr. ministro do império deliberou ouvir a secção do império do conselho de Estado”, advertia o Dezenove de Dezembro (Curitiba, 6 de outubro de 1888, p. 1), “sobre dúvidas suscitadas na aplicação de certos artigos do ato adicional, a fim do governo firmar a interpretação que deles deva ser observada, até que o corpo legislativo as resolva por lei”. O segundo indício viria mais de um mês depois, ainda pela folha liberal, esperando decisão favorável a sua causa, “Consta que sábado se reunirá a seção do império do conselho de Estado para tratar (...) sobre assuntos relativos à assembleia provincial do Paraná” (Dezenove de Dezembro, Curitiba, 14 de novembro de 1888, p. 1).

A próxima notícia seria estampada, não sem ironia, nas colunas do órgão do partido conservador paranaense, “A Seção dos Negócios do Império do Conselho de Estado, de que faz parte o Sr. Visconde de Ouro Preto”, eminente figura liberal, “opinou pela modificação de alguns artigos do regimento interno da Assembleia Provincial do Paraná” (Gazeta Paranaense, Curitiba, 20 de novembro de 1888, p. 3). Embasado em consulta do Conselho, logo o ministro do Império declararia, “em aviso ao Exm. Sr. Dr. Presidente desta província, que podia deixar de publicar o regimento da assembleia provincial por haver nele disposição ofensiva ao art. 16 do Ato Adicional” (Gazeta Paranaense, Curitiba, 11 de dezembro de 1888, p. 2), já que, derrubado o veto por dois terços dos votos, permitia ao Legislativo do Paraná publicar leis suspensas em razão de recurso de inconstitucionalidade.

A comarca de S. José permaneceu intocada, e Faria Sobrinho, em seu cargo. Considerando os indícios disponíveis 21 21 Em momento oportuno, será necessário compulsar as atas do Conselho no Arquivo Nacional, em busca da consulta em questão. Aqui, a finalidade era apenas levantar hipótese e questionamento, o que os indícios permitem fazer. , a melhor explicação desse resultado consiste em que, na omissão de um Legislativo geral ineficiente para o controle de leis e atos provinciais, o oráculo de Delfos solucionou a questão constitucional por meio de uma consulta, acolhida pelo Moderador e expedida pelo Executivo. A complexidade histórica, mais uma vez, parece revelar-se mais em detalhes do cotidiano e minúcias do particular que em grandes ideias e modelos.

Conclusão

O oráculo de Delfos é obra de mérito incontestável, e contribui à história do direito com análise de uma das principais instituições do sistema jurídico imperial, auxiliando na compreensão desse sistema e pavimentando a senda para novas pesquisas. Merece destaque a fundamentação histórica da obra, baseada tanto em autores de época quanto em consultas da Seção de Justiça do Conselho de Estado. Se não seria razoável questionar a relevância jurídica dessa Seção, também não deve passar sem reparo a ausência de justificação na escolha de uma em detrimento de outras seções do Conselho. Os casos analisados no ponto 2.3 envolvem a Seção dos Negócios do Império 22 22 O primeiro caso envolve a Seção de Justiça apenas por acaso. O conselheiro Dantas, responsável pela questão como ministro do Império, cumulava à época também a pasta da justiça. Somente por isso a consulta resultando no Decreto n. 8.308, de 17 de novembro de 1881, foi dirigida às Seções conjuntas da Justiça e dos Negócios do Império, pois desta era a competência para resolver sobre a matéria. , competente para resolver sobre direito eleitoral e assembleias provinciais, entre outras matérias, que, do ponto de vista da história do direito, parecem tão relevantes quanto as de atribuição da Seção de Justiça.

Essa escolha carente de melhor justificação parece dever-se ao ponto de vista adotado por Lopes: mais jurídico e menos político. Ora, no ponto 2.1 procurei indicar a inadequação dessa perspectiva com o direito público da época, particularmente com as constituições políticas do século XIX. Se a escolha por definição estrita do âmbito jurídico prejudica temas e aspectos relevantes à história do direito ocidental, com mais razão o faz no caso do Brasil Império, em que a distinção entre política, administração e jurisdição era menos nítida. Essa indistinção transparece na exposição de Lopes, quando destaca, não sem censura, serem considerados os magistrados como meros funcionários públicos, ou ser de interesse do governo que os juízes seus partidários escrevessem na imprensa. Uma definição estrita do âmbito jurídico, assim, não parece adequar-se ao fenômeno jurídico vigente no momento histórico analisado.

A principal contribuição do autor, em minha opinião, consiste na leitura do Conselho de Estado como grande órgão de interpretação do direito. Poderia ser conceitualmente mais precisa, porém, sua forma de explicar a relevância da atividade do Conselho para o direito vigente à época. Lopes (2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 6, p. 4 e p. 191, respectivamente) ora afirma ser a elaboração de “uma espécie de ‘jurisprudência’”, ora uma “atividade que gera doutrina”, ora a “interpretação das leis”. Uma definição conceitual mais rigorosa esclareceria melhor essa relevância. O Conselho de Estado, a verdade, foi órgão de interpretação e criação do direito positivo. Ao interpretar o sistema, solucionava dúvidas e criava normas jurídicas em colaboração com o Moderador e o Executivo.

Discurso dos juristas sobre o direito positivo 23 23 Adoto apenas agora essa definição estrita de doutrina. Ao longo do estudo, segui a definição ampla de Lopes, que em geral não a distingue de interpretação, salvo em alguns pontos do livro (cfr. LOPES, 2010 , p. 313). , doutrina se produzia em outros lugares, com destaque a espaços de manifestação da opinião pública. Isso é típico de uma cultura jurídica eloquente, como esclarecido no ponto 2.2. À imprensa, convém atribuir papel central na produção doutrinária nos tempos do Império, sobretudo quando se trata do comum dos juristas. O parlamento, por sua vez, torna-se espaço híbrido à luz dessa definição estrita de doutrina. Como órgão do sistema, por um lado, criava normas jurídicas, em particular leis e precedentes parlamentares, obtidos quando a decisão versava sobre um caso concreto, tornando-se aplicável a casos semelhantes posteriores. Como ápice da discussão pública, por outro, produzia discursos proferidos por grandes juristas, comparáveis aos atuais livros doutrinários em termos de autoridade.

Ao aplicar modelos conceituais e abstratos à realidade histórica analisada, por fim, Lopes deixa passar algumas de suas particularidades. O padrão interpretativo (da Seção de Justiça) do Conselho de Estado é classificado como espécie de meio termo entre os tipos legalista e finalista de interpretação do direito, enquanto o ideal do ponto de vista historiográfico seria partir do concreto para induzir esse padrão, justamente para vergar o mínimo possível o sentido das fontes sob o peso de modelos preestabelecidos. Partindo dos esquemas da interpretação autêntica e da submissão ao legislador, Lopes deixa passar o que os casos analisados nos pontos 2.3.1 e 2.3.2 indiciam: respaldado pelo Conselho de Estado, o Executivo interpretando leis de forma geral e resolvendo sobre a constitucionalidade da legislação das províncias.

Na prática silenciosa e cotidiana, o Executivo caminhava sobre as atribuições do Legislativo, gerando descompasso entre texto normativo e política constitucional, aliás frequente num período em que a hierarquia entre lei e constituição não estava bem definida. O protesto de Pimenta Bueno é sintomático dessa tendência, “a interpretação por via de autoridade, por medida geral, abstrata, autêntica (...) pertence só e exclusivamente ao poder legislativo, e de nenhum modo ao poder executivo, quaisquer que sejam as denominações ou sofismas ministeriais” ( Bueno, 1857 BUENO, J. A. P. Direito publico brazileiro e analyse da Constituição do Imperio. Rio de Janeiro: J. Villeneuve, 1857. , p. 74). Lendo o trecho a contrapelo, já em 1857 havia sofismas ministeriais tendentes a reforçar o Executivo em detrimento do Legislativo, que, espaço de discussão pública e disputa política, era incapaz de responder às necessidades sempre mais prementes de uma realidade a se modernizar.

Seria verdadeiro equívoco diminuir a relevância do Conselho de Estado com base em sua “autointerpretação”, afirmando que “Ele sempre reiterou o papel da Assembleia Geral” na interpretação autêntica do direito ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 114), ou que “manteve sempre a interpretação de que deliberativa mesmo era a resolução do Imperador” ( LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 122), ou seja, de que sua função era meramente consultiva. Os testemunhos devem ser questionados e acareados com outros indícios, não tomados como autoridades a se seguir. A função consultiva do Conselho de Estado em nada diminui o seu destaque no sistema jurídico da época, sobretudo quando o Moderador seguia quase sempre a opinião do oráculo. Ao diminuir o papel do Conselho apenas por dependerem suas consultas, para se tornarem normas jurídicas, de deliberação do Moderador e ratificação do Executivo, seria em última instância necessário aplicar a mesma lógica ao Legislativo, cujos projetos de lei dependiam, para entrar em vigor, da sanção do Imperador, expedida pelo respectivo ministro.

Sobretudo se focadas em história do direito público, em conclusão, futuras pesquisas inspiradas em O oráculo de Delfos devem: 1) acertar contas com direito e teoria constitucional do século XIX; 2) valorizar a discussão pública como espaço de produção doutrinária e como fonte capaz de ilustrar nos detalhes a história constitucional da época; 3) evitar a análise da realidade histórica pela lente predominante das grandes ideias, a fim de captar a marcha do Executivo sobre o Legislativo em fins do século XIX, sintoma de crise do modelo adotado pelas constituições liberais oitocentistas.

  • 1
    Entre capa e ficha catalográfica, há divergência quanto ao subtítulo da obra. Na primeira consta o que se pode ler no título deste estudo, e na segunda, “Conselho de Estado e direito no Brasil oitocentista”. Opto pelo subtítulo da capa por sua maior precisão. Embora majoritariamente imperial, o Brasil oitocentista foi também colônia, reino unido e república, que não compõem o foco de estudo do autor.
  • 2
    Este trabalho apresenta alguns resultados obtidos no Projeto de Iniciação Científica intitulado A liberdade de expressão entre monarquia e república: imprensa, protestos e repressão na Curitiba de fins do séc. XIX, desenvolvido no Curso de Direito da Universidade Positivo. Pelo auxílio com as fontes e pela revisão do texto, agradeço a meus orientandos, Otávio de Souza e Rodolfo Kowalski. Amanhã, os mestres serão eles.
  • 3
    O conceito é de Elias (1994 ELIAS, N. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1994. , p. 43), para quem a realidade social é composta por indivíduos, e as individualidades se conformam na participação do indivíduo em inúmeras redes de interdependência. “É esse o caso quando falamos que homens singulares formam entre si figurações de tipos diversos, ou que as sociedades não são (...) mais que figurações de homens [e mulheres] interdependentes.”
  • 4
    Como Pimenta Bueno publicou seu Direito público brasileiro antes da reforma eleitoral de 1881, que eliminou as eleições indiretas até então vigentes, ainda fazia sentido distinguir entre a figura do votante, que votava na eleição primária, e a do eleitor, que, eleito pelos votantes, votava nas eleições secundárias, nas quais eram eleitos os representantes da nação ou das províncias. Sistema eleitoral indireto subsiste ainda hoje na eleição presidencial dos EUA, por exemplo.
  • 5
    Para poder sustentar a produção de doutrina pelo Conselho de Estado, o autor é levado a defini-la em sentido amplo, como interpretatio . Definida em sentido estrito, como discurso dos juristas sobre o direito, não se aplica ao Conselho, que, com o assentimento do Moderador e a sanção do Executivo, produzia normas jurídicas.
  • 6
    O primeiro panfleto está disponível na Biblioteca Pública do Paraná. O segundo não foi encontrado, mas as informações utilizadas estão disponíveis no Google Books. Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=a4IFtwAACAAJ&dq=Justifica%C3%A7%C3%A3o+da+administra%C3%A7%C3%A3o+conservadora&hl=en&sa=X&ei=YCSdVZ_1HoyGwgT_raO4Bg&redir_esc=y .
  • 7
    Na verdade, em minha pesquisa, conclusões baseadas em indícios indiretos conduziram à descoberta de A gênese histórica da Constituição Federal, cuja lista de Publicações do autor permite atribuir-lhe a autoria da sequência de artigos anônimos publicados na Gazeta Paranaense.
  • 8
    Constituição Política do Império do Brasil: “Art. 21. A nomeação dos respectivos Presidentes, Vice Presidentes, e Secretários das Câmaras, verificação dos poderes dos seus Membros, Juramento, e sua polícia interior, se executará na forma dos seus Regimentos.”
  • 9
    Lei n. 16, de 12 de agosto de 1834: “Art. 6º A nomeação dos respectivos Presidentes, Vice-Presidentes e Secretários, verificação dos poderes de seus membros, juramento, e sua polícia, e economia interna, far-se-ão na forma dos seus Regimentos, e interinamente na forma do Regimento dos Conselhos Gerais de Província.”
  • 10
    Decreto n. 8.213, de 13 de Agosto de 1881: “Art. 177. Na apuração a junta se limitará a somar os votos mencionados nas diferentes autênticas, atendendo somente às das eleições feitas perante mesas organizadas de conformidade com as disposições da secção 1ª deste Capítulo, e procederá pelo modo estabelecido nos arts. 159, 160 e 161, servindo de secretário um dos membros da mesma junta designado pelo presidente desta.”
  • 11
    Constituição Política do Império do Brasil: “Art. 76. A sua reunião se fará na Capital da Província; e na primeira Sessão preparatória nomearão Presidente, Vice-Presidente, Secretário, e Suplente; que servirão por todo o tempo da Sessão: examinarão, e verificarão a legitimidade da eleição dos seus Membros.”
  • 12
    Daí ser o problema dirigido às Seções conjuntas dos Negócios do Império e da Justiça. A rigor, tratava-se de atribuição da Seção dos Negócios do Império, por se tratar de matéria eleitoral.
  • 13
    Constituição Política do Império do Brasil: Art. 15. É da atribuição da Assembleia Geral […] VIII. Fazer Leis, interpretá-las, suspendê-las, e revogá-las. […]
  • 14
    Lei Saraiva, de 9 de janeiro de 1881: “Art. 18. (…). Na apuração a junta se limitará a somar os votos mencionados nas diferentes autênticas, atendendo somente às das eleições feitas perante mesas organizadas pela forma determinada nos §§ 7º a 11 do art. 15, procedendo no mais como dispõe a legislação vigente. Os eleitores presentes, que quiserem, assinarão a ata da apuração.”
  • 15
    Constituição Política do Império do Brasil: “Art. 101. O Imperador exerce o Poder Moderador: […]. VI. Nomeando, e demitindo livremente os Ministros de Estado. […].”
  • 16
    Lei n. 16, de 12 de agosto de 1834: “Art.13. As Leis, e Resoluções das Assembleias Legislativas Provinciais, sobre os objetos especificados nos arts. 10 e 11, serão enviadas diretamente ao Presidente da Província, a quem compete sancioná-las.”
  • 17
    Lei n. 16, de 12 de agosto de 1834: “Art.15. Se o Presidente julgar que deve negar a sanção, por entender que a Lei ou Resolução não convém aos interesses da Província, o fará por esta fórmula - Volte à Assembleia Legislativa Provincial -, expondo debaixo de sua assinatura as razões em que se fundou. Neste caso será o Projeto submetido a nova discussão; e se for adotado tal qual, ou modificado no sentido das razões pelo Presidente alegadas, por dous terços dos votos dos membros da Assembleia, será reenviado ao Presidente da Província, que o sancionará. Se não for adotado, não poderá ser novamente proposto na mesma sessão.”
  • 18
    Lei n. 16, de 12 de agosto de 1834: “Art.10. Compete às mesmas Assembleias legislar: § 1º Sobre a divisão civil, judiciária, e eclesiástica da respectiva Província, e mesmo sobre a mudança da sua Capital para o lugar que mais convier. […].”
  • 19
    Lei n. 16, de 12 de agosto de 1834: “Art.16. Quando porém o Presidente negar a sanção, por entender que o Projeto ofende os direitos de alguma outra Província, nos casos declarados no § 8º do art. 10; ou os Tratados feitos com as Nações Estrangeiras; e a Assembleia Provincial julgar o contrário, por dois terços dos votos, como no artigo precedente, será o Projeto, com as razões alegadas pelo Presidente da Província, levado ao conhecimento do Governo e Assembleia Gerais, para esta definitivamente decidir se ele deve ser ou não sancionado.”
  • 20
    É necessário distinguir o título de conselho do cargo de conselheiro de Estado. Enquanto o primeiro era uma distinção honorífica, primeiro degrau de nobreza, o segundo era uma das mais altas funções no Estado Imperial (cfr. RODRIGUES, 1978 RODRIGUES, J. H. O Conselho de Estado: o quinto poder? Brasília: Senado Federal, 1978. , p. 11-17).
  • 21
    Em momento oportuno, será necessário compulsar as atas do Conselho no Arquivo Nacional, em busca da consulta em questão. Aqui, a finalidade era apenas levantar hipótese e questionamento, o que os indícios permitem fazer.
  • 22
    O primeiro caso envolve a Seção de Justiça apenas por acaso. O conselheiro Dantas, responsável pela questão como ministro do Império, cumulava à época também a pasta da justiça. Somente por isso a consulta resultando no Decreto n. 8.308, de 17 de novembro de 1881, foi dirigida às Seções conjuntas da Justiça e dos Negócios do Império, pois desta era a competência para resolver sobre a matéria.
  • 23
    Adoto apenas agora essa definição estrita de doutrina. Ao longo do estudo, segui a definição ampla de Lopes, que em geral não a distingue de interpretação, salvo em alguns pontos do livro (cfr. LOPES, 2010 LOPES, J. R. L. O oráculo de Delfos: Conselho Estado e direito no Brasil oitocentista. São Paulo: Saraiva, 2010. , p. 313).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2018
  • Data do Fascículo
    Set 2018

Histórico

  • Recebido
    14 Fev 2017
  • Aceito
    26 Jun 2017
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