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O mundo do trabalho e a crise estrutural do capital

The world of labour and structural crisis of capital

Resumo

O objetivo do texto é relacionar o fenômeno da crise estrutural do capital e as determinações contemporâneas do mundo do trabalho, à luz das elaborações teóricas de Marx e de seus leitores. Para tanto, recupera-se o tratamento conceitual da crise em O Capital para relacioná-la com o papel das classes no chamado “mundo do trabalho”, concluindo-se com algumas indicações de potencialidades críticas da classe trabalhadora.

Palavras-chave:
Crise estrutural do capital; Mundo do trabalho; Luta de classes

Abstract

The purpose of the text is to relate the phenomenon of the structural crisis of capital and the contemporary determinations of the world of labour in the light of the theoretical elaborations of Marx and his readers. To do so, the conceptual treatment of the crisis in The Capital is recovered to relate it to the role of the classes in the so-called “world of labour”, concluding with some indications of critical potentialities of the labour class.

Keywords:
Structural crisis of capital; World of labour; Class struggle

Introdução

Neste ano de 2018, em que se completam duzentos anos do nascimento de Karl Marx, boa parte do pensamento crítico em todo o planeta estará debruçado no debate de seu legado. Ninguém na história do pensamento humano foi capaz de provocar tantas paixões e tantas oposições; nenhum autor jamais mobilizou tanta energia em torno de sua obra.

O desafio a que se propõe o autor deste artigo é investigar a confluência entre duas das mais marcantes contribuições de seu legado: o tratamento teórico do fenômeno das crises no modo de produção capitalista 1 1 Considerar o tratamento teórico das crises como uma das mais importantes contribuições do legado de Marx já constitui aqui, de certa forma, uma antecipação dos resultados da pesquisa, já que, como se verá, há intenso debate sobre a efetiva existência de uma teoria das crises em seu pensamento. A despeito de a honestidade intelectual impor a realização desta advertência, espera-se que o desenvolvimento do texto demonstre com clareza que tal teoria existe e que constitui efetivamente dos mais importantes legados de Marx. , especialmente em sua face mais destrutiva e mais relevante, a crise estrutural do capital, de um lado; e, de outro lado, a investigação do que vem sendo chamado, especialmente por autores e pesquisadores ligados ao campo da sociologia do trabalho, de “mundo do trabalho”, em suas múltiplas determinações e a partir de sua relevância epistemológica como chave de compreensão de toda a organização social sob o modo de produção capitalista.

Em vista de tal objetivo, em que se evidencia o contraste da amplitude e multidimensionalidade do objeto com a restrita extensão de espaço disponível para esta modesta contribuição, a articulação do raciocínio será bastante simples e direta: serão investigadas as contribuições acerca dos conceitos de crise e de crise estrutural do capital, em seguida será abordada a conformação do “mundo do trabalho” sob o modo de produção capitalista e, por fim, em síntese conclusiva, serão desenvolvidas algumas das potencialidades críticas e transformadoras despertadas no “mundo do trabalho” num cenário de crise estrutural do capital.

1. Crise e crise estrutural do capital

1.1. Existe uma teoria marxiana das crises?

O tema das crises sempre habitou o horizonte de preocupações da produção marxiana, tanto do ponto de vista teórico quanto prático. Do ponto de vista teórico, havia uma disposição inicial de Marx para que a temática das crises ocupasse uma das seis partes previstas inicialmente para a elaboração de sua principal obra, O Capital (1996) 2 2 Seguindo indicações fornecidas pelo Professor Márcio Bilharinho Naves, por razões de precisão linguística, sempre que necessário será utilizada neste artigo a tradução da lavra de Régis Barbosa e Flávio R. Kothe, editada pela última vez pela Nova Cultural na coleção Os Economistas em 1996, embora seja possível encontrar edições anteriores com o mesmo conteúdo. . É o que relata Roman Rosdolsky, em estudo em que se dedicou especificamente a investigar, dos pontos de vista histórico e teórico, a articulação das ideias que compõem O Capital, a partir de sua confrontação com os chamados Grundrisse ______. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858. São Paulo: Boitempo, 2011. (2011), além de outros manuscritos de versões preliminares d’O Capital legados por Marx:

Como se sabe, Marx elaborou dois planos – em 1857 e 1866 (ou 1865) – que deveriam servir de base para sua principal obra econômica. (...). No plano de 1857, o conjunto da obra estava dividido em seis “livros” (ou “seções” ou “capítulos”). O primeiro deveria versar sobre o capital; o segundo, sobre a propriedade da terra; o terceiro, sobre o trabalho assalariado; o quarto, sobre o Estado; o quinto, sobre o comércio exterior; o sexto, sobre o mercado mundial e as crises. (ROSDOLSKY, 2001: 27)

Portanto, Marx já sabia de antemão, a partir de seus estudos de economia, ainda desorganizados, iniciados mais de uma década antes ( ROSDOSLKY, 2001 ROSDOSLKY, Roman. Gênese e estrutura de O Capital de Karl Marx. Rio de Janeiro: EDUERJ/Contraponto, 2001. : 21-25), que, do ponto de vista teórico, as crises desempenhavam papel importante na compreensão do capitalismo. Há quem diga, até, que a colocação do tema no último livro do plano inicial indicaria que a crise constituiria “o momento culminante do processo expositivo e, simultaneamente, do processo de acumulação do capital” ( ANTUNES, 2005 ANTUNES, Jadir. Da possibilidade à realidade: o desenvolvimento dialético das crises em O Capital de Marx. Tese (Doutorado). Campinas: UNICAMP, 2005. : 19). Porém, conforme é relatado pelo mesmo Rosdolsky, foi também uma crise econômica, ocorrida em 1857, que precipitou a organização de um plano de trabalho e a redação da obra:

É relevante lembrar que a decisão de redigir os Grundrisse e a pressa febril com que a tarefa foi cumprida (o enorme manuscrito foi concluído em nove meses, entre julho de 1857 e março de 1858) decorreram especialmente do advento da crise econômica de 1857. (ROSDOLSKY, 2001: 25)

Uma das mais importantes contribuições de Rosdolsky para o debate do legado de Marx é justamente a demonstração e a explicação sobre as transformações que o projeto inicial de sua obra teórica econômica sofreu ao longo dos nove anos que mediaram a redação dos Grundrisse e a redação do primeiro livro d’ O Capital. Nesse processo, o livro em que seria examinada a questão das crises foi suprimido do plano original, juntamente com os livros que examinariam o Estado e o comércio exterior. Rosdolsky sustenta, de um lado, que isso jamais decorreu de uma consideração de ausência de importância do tema, e, de outro, que a principal consequência dessa transformação é a incompletude do que poderia ser chamada de uma teoria marxiana das crises:

O mesmo vale para o problema, estritamente vinculado a elas [conexões do mercado mundial], dos ciclos industriais, “a alternância de prosperidade e crise”, “cuja análise mais aprofundada” – como Marx destaca repetidamente – “se situa fora do âmbito de nosso tema”, podendo vir a ser tratado em um “desdobramento eventual da obra”. Isso demonstra que, de fato, a teoria de Marx sobre as crises apresenta “lacunas”, no sentido de que ele mesmo não previra tratar o problema em seu nível mais concreto. ( ROSDOSLKY, 2001 ROSDOSLKY, Roman. Gênese e estrutura de O Capital de Karl Marx. Rio de Janeiro: EDUERJ/Contraponto, 2001. : 36-37)

É preciso ter claro, assim, que, se é certo que para tratar do tema da crise no pensamento de Marx não se pode restringir a leitura à obra propriamente marxiana, o acesso à literatura marxista não pode olvidar que os temas que foram retirados do plano original d’O Capital acabaram, em grande medida, incorporados em outras seções da obra efetivamente desenvolvida, de modo que ela persiste sendo o ponto de partida para tal iniciativa. Nesse ponto, aliás, as leituras d’ O Capital empreendidas pelo autor deste texto afastam-se da percepção de Rosdolsky. As lacunas ou incompletudes da teoria marxiana das crises não dizem respeito à teoria como tal, mas apenas à sua forma de exposição, que se encontra fragmentada ao longo de todo texto. Este desenvolvimento, portanto, coincide sobremaneira com as conclusões obtidas no extenso e profundo estudo de Jadir Antunes, que observou:

Nosso trabalho demonstra, por isso, que é possível encontrar em Marx uma teoria coerente sobre as crises do capital, uma teoria dialética que parta da análise das possibilidades mais formais e abstratas da crise até sua conversão em realidade. Este processo só pode ser demonstrado junto com a demonstração do processo global de desenvolvimento do capital. O conceito de crise do capital é indissociável do conceito de capital, por isso, nossa análise sobre o desenvolvimento da crise acompanhou o desenvolvimento do conceito de capital exposto por Marx nos três livros de compõem O Capital. ( ANTUNES, 2005 ANTUNES, Jadir. Da possibilidade à realidade: o desenvolvimento dialético das crises em O Capital de Marx. Tese (Doutorado). Campinas: UNICAMP, 2005. : 23)

Por isso, como já observado, evidentemente é necessário debater com as “bibliotecas inteiras” ( ANTUNES, 2005 ANTUNES, Jadir. Da possibilidade à realidade: o desenvolvimento dialético das crises em O Capital de Marx. Tese (Doutorado). Campinas: UNICAMP, 2005. : 15) que estão preenchidas com obras sobre o tema escritas por autores do calibre de Kautsky, Luxemburgo, Lenin, Tugan-Baranovski, Hilferding, Grossmann, Sweezy, Carstells, Mandel, além do próprio Rosdolsky, mas, ainda nas palavras de Antunes,

A ausência em Marx de uma elaboração sistemática e definitiva sobre o futuro da acumulação de capital não parece nos autorizar a corrigir e completar Marx, como procurou Rosa Luxemburg, nem ao mesmo tempo nos autoriza transformar Marx num ricardiano de esquerda, como pretendeu Hilferding. ( ANTUNES, 2005 ANTUNES, Jadir. Da possibilidade à realidade: o desenvolvimento dialético das crises em O Capital de Marx. Tese (Doutorado). Campinas: UNICAMP, 2005. : 21)

O que é preciso, portanto, para quem pretenda formular uma teoria marxiana das crises, é encontrar uma forma adequada e articulada de exposição, que transforme as indicações esparsas em um todo completo e coerente. A própria exposição das formas de movimento do capital, entretanto, deve fornecer todos os elementos para a tarefa, como demonstrado pelo já mencionado Antunes.

1.2. O que se deve entender por crise?

A partir das constatações obtidas na seção anterior, o procedimento de pesquisa adotado consistiu na releitura do texto de O Capital em busca de um recenseamento das ocorrências do tratamento das crises, procurando identificar seus contextos e articulações afim de reconstruir o pensamento ali diluído. O procedimento de releitura para o recenseamento de ocorrências de ideias, já utilizado em anterior oportunidade de pesquisa 3 3 Ver, a esse respeito, BATISTA, 2015: 95-99. , mostra-se usualmente bastante profícuo em seus resultados, mas aponta para uma grande dificuldade de escolha de um bom procedimento de exposição que não canse o leitor e que consiga transmitir toda a riqueza dos resultados advindos da leitura. Para tanto, será feita a opção pela manutenção do procedimento anteriormente adotado, de não apresentar todos os resultados – até porque, na maioria das ocorrências, Marx está tratando de episódios concretos de crise utilizados como evidências factuais de suas descobertas, sempre em fórmulas como “durante a crise do algodão de 1845” e similares –, mas de buscar compor por meio deles um quadro teórico a ser apresentado de forma articulada. Não se trata, portanto, de uma demonstração quantitativa do uso da palavra “crise” n’O Capital, mas de uma tentativa de compreensão das ideias por trás de tal uso.

As menções à crise estão espalhadas por todo o texto d’ O Capital, mas encontram maior concentração em seu terceiro livro. Praticamente todo o tratamento sobre o capital portador de juros é fortemente permeado pelo tema da crise, contrastando com uma quantidade bem inferior de ocorrências no primeiro e no segundo livros, em que o tratamento da crise aparece, de forma concentrada, associado ao tema do dinheiro, da acumulação capitalista e dos ciclos do capital. Esse mesmo movimento, ao ser percebido por Jadir Antunes, revela seu significado conceitual e reforça a disposição de leitura d’O Capital segundo a qual o primeiro e mais popular de seus livros, embora tenha sido o único a que o próprio Marx deu a forma acabada de elaboração, não pode ser lido de maneira dissociada dos outros dois:

Marx possui, sim, uma teoria sobre as crises do capital. Contudo, esta teoria é uma teoria dialética que só pode ser compreendida a partir da análise do desenvolvimento das possibilidades mais abstratas e formais da crise até sua realidade concreta. Este movimento que vai da possibilidade formal e abstrata da crise até sua realidade concreta é o mesmo movimento que inicia com a análise da mercadoria e suas determinações mais simples e abstratas como valor de uso e valor do Livro Primeiro até a análise das categorias mais determinadas e concretas da sociedade capitalista como lucro e taxa de lucro, expostas no Livro Terceiro. ( ANTUNES, 2005 ANTUNES, Jadir. Da possibilidade à realidade: o desenvolvimento dialético das crises em O Capital de Marx. Tese (Doutorado). Campinas: UNICAMP, 2005. : 24)

Marx jamais se preocupou em definir pontualmente o fenômeno das crises. É possível, entretanto, identificar duas características que aparecem repetidamente em suas formulações. A primeira delas diz respeito ao caráter violento das crises, que, embora exija todo o conhecimento acerca das tendências contraditórias no capitalismo para sua compreensão, desenvolvidas somente do Livro Terceiro, já se encontra nas elaborações marxianas desde as primeiras aparições do tema da crise no Livro Primeiro. A esse respeito, sua primeira menção do conceito se dá neste contexto:

A circulação rompe as limitações temporais, locais e individuais do intercâmbio de produtos precisamente porque parte a identidade imediata que existe aqui entre a alienação do próprio produto do trabalho e a aquisição do alheio, na antítese entre venda e compra. Que os processos, que se confrontam autonomamente, formem uma unidade interna, significa por outro lado que a sua unidade interna se move em antíteses externas. Se a autonomização externa dos internamente não-autônomos por serem mutuamente complementares se prolonga até certo ponto, a unidade se faz valer de forma violenta, por meio de uma – crise. A antítese, imanente à mercadoria, entre valor de uso e valor, de trabalho privado, que ao mesmo tempo tem de representar-se como trabalho diretamente social, de trabalho concreto particular, que ao mesmo tempo funciona apenas como trabalho geral abstrato, de personificação da coisa e reificação das pessoas – essa contradição imanente assume nas antíteses da metamorfose das mercadorias suas formas desenvolvidas de movimentos. Essas formas encerram, por isso, a possibilidade, e somente a possibilidade, das crises. O desenvolvimento dessa possibilidade até que se realize exige todo um conjunto de condições que do ponto de vista da circulação simples de mercadorias, ainda não existem, de modo algum. ( MARX, 1996 MARX, Karl. O Capital. 5 volumes. São Paulo: Nova Cultural, 1996. : v. 1, 236)

A transcrição longa se justifica pela beleza da formulação, que consegue transmitir, em menos de um parágrafo, toda a profundidade e a complexidade do edifício teórico marxiano. Ele próprio aponta, ao final de tal passagem, a impossibilidade de compreensão das categorias ali desenvolvidas até que o leitor esteja apropriado das determinações do processo global de produção do capital, desenvolvidas no Livro Terceiro. Porém, além de uma excelente demonstração da lógica dialética em funcionamento, já é possível identificar, mesmo neste nível mais abstrato de tratamento e ainda nos limites de uma leitura de circulação simples de mercadorias, a contradição entre diversas tendências do capitalismo e sua impossibilidade de solução sem que exista ou, de um lado, uma superação de todo o modo de produção, ou, de outro, um processo violento de supressão de uma das tendências contraditórias, de modo a encontrar, ainda que novamente durante apenas certo tempo, o equilíbrio que permita a reprodução. Outro dado interessantíssimo desta passagem é também a revelação da dialética imanente aos processos de produção e de circulação no modo de produção capitalista 4 4 O tema foi abordado com maior detalhamento em BATISTA, 2013: 169-178. . A compra e a venda de mercadorias como processos externamente autônomos, mediados pela forma dinheiro – o que constitui o núcleo da circulação simples de mercadorias – é apenas uma aparência contraditória da unidade total do processo produtivo social. O fato de que a conjugação de todas as forças de trabalho individuais para a constituição de um processo de trabalho social, que será responsável por toda a reprodução social, seja mediado por processos de compra e venda de mercadorias, inclusive a própria força de trabalho tornada mercadoria, coloca os processos de produção e de circulação em uma unidade dialética cuja ruptura, causada pela autonomização externa excessiva entre processos imanentemente unitários, somente pode se dar de forma violenta. Por isso, a mesma violência da crise que aparece aqui como forma de recomposição da unidade interna de processos externamente autonomizados, aparecerá em um trecho mais adiante, numa definição das crises como “interrupções violentas do processo de trabalho” ( MARX, 1996 MARX, Karl. O Capital. 5 volumes. São Paulo: Nova Cultural, 1996. : v. 1, 323).

Além do caráter violento das crises, há uma segunda determinação que aparece recorrentemente no tratamento marxiano do tema: a manifestação tendencialmente cíclica das crises e, consequentemente, sua imanência ao processo de acumulação do capitalismo desenvolvido. Marx o afirmava textualmente:

O curso de vida característico da indústria moderna, sob a forma de um ciclo decenal, interrompido por oscilações menores, de vitalidade média, produção a todo vapor, crise e estagnação, repousa na contínua constituição, na maior ou menor absorção e na reconstituição do exército industrial de reserva ou superpopulação. ( MARX, 1996 MARX, Karl. O Capital. 5 volumes. São Paulo: Nova Cultural, 1996. : v. 2, 238)

Como se vê, embora permaneça clara a referência à unidade dialética dos processos de produção e circulação, com particular atenção à força de trabalho como mercadoria sujeita ao processo de circulação, que se apresenta como uma superpopulação cuja absorção varia de acordo as fases do ciclo do processo produtivo, fica evidente aqui a diferença do nível de concretude alcançado na abordagem. Com efeito, se ali, no início do primeiro volume do Livro Primeiro, Marx punha-se a desenvolver as determinações abstratas da forma mercadoria, neste ponto, em que está tratando, sob uma perspectiva marcadamente mais histórica, da acumulação capitalista, a crise encontra sua concretude na vida do modo de produção capitalista. Assim, as crises deixam de ser representadas como possibilidades apontadas pelas formas dos processos de produção para tornarem-se ciclos periódicos que caracterizam o curso de vida da indústria moderna. A incompreensão da diferença entre estas duas instâncias de tratamento do problema pode ser a chave de graves erros teóricos, e por isso convém sublinhá-la. Estamos, aqui, muito mais na seara do tratamento histórico do que teórico.

O ciclo das crises é apontado por Marx como uma “sequência de períodos de vitalidade média, prosperidade, superprodução, crise e estagnação” ( MARX, 1996 MARX, Karl. O Capital. 5 volumes. São Paulo: Nova Cultural, 1996. : v. 2, 83). Marx prosseguiu, depois da redação do Livro Primeiro, aperfeiçoando e tornando mais minucioso esse modelo. É o que se pode depreender da versão francesa do Livro Primeiro do Capital, tido às vezes como uma nova edição da obra, uma vez que Marx, que dominava o francês, fez correções e acréscimos à tradução que, por vezes, alteravam aspectos do original alemão. Especificamente acerca do ciclo das crises, há uma dessas ocorrências:

Mas só a partir do momento em que a indústria mecanizada, tendo lançado raízes tão profundas, exerce influência preponderante sobre toda a produção nacional; em que, por meio dela, o comércio exterior começa a ter o primado sobre o comércio interno; em que o mercado universal se apodera sucessivamente de vastos territórios no Novo Mundo, na Ásia e na Austrália; em que, enfim, as nações industrializadas, que entraram na liça, tenham se tornando bastante numerosas – é apenas dessa época que datam aqueles ciclos que sempre se reproduzem, cujas fases consecutivas se estendem por anos e que desembocam sempre numa crise geral, a qual é o fim de um ciclo e ponto de partida de outro. Até agora a duração periódica desses ciclos tem sido de 10 ou 11 anos, mas não há nenhuma razão para considerar essa cifra constante. Pelo contrário, deve-se concluir das leis de produção capitalista que acabamos de desenvolver que ela é variável e que o período dos ciclos tornar-se-á gradualmente mais curto. ( MARX, 1996 MARX, Karl. O Capital. 5 volumes. São Paulo: Nova Cultural, 1996. : v. 1, 264)

Aqui volta a aparecer a vinculação do tratamento das crises com o comércio mundial, que integrava o plano original d’O Capital anteriormente ao início da redação dos Grundrisse, como visto acima.

O papel do comércio nas crises também é o cerne das preocupações de Marx sobre o tema no Livro Segundo d’O Capital que trata justamente da questão da circulação. Como o tratamento da circulação é o ponto em que Marx aborda as metamorfoses do capital, é curiosamente aqui que se encontra o tratamento mais detalhado da característica de superprodução que identifica as crises no capitalismo: é justamente a mediação do comércio, especialmente atacadista, que determina um descolamento entre o efetivo consumo individual e a continuidade do processo de reprodução do capital, de modo a possibilitar que o ciclo de reprodução continue se desenvolvendo ainda que a mais-valia contida nas mercadorias produzidas no ciclo anterior tenha sido apenas aparentemente realizada, estando armazenadas com revendedores que, ao se verem na contingência de ter que fazer girar seu capital comercial, passam a vender suas mercadorias acumuladas a qualquer preço, eclodindo a crise ( MARX, 1996 MARX, Karl. O Capital. 5 volumes. São Paulo: Nova Cultural, 1996. : v. 3, 57). Com base nessa concepção, Marx é capaz também de perceber que a crise, ainda que se manifeste de maneiras diferentes, como uma crise monetária ou, como é comum nos dias de hoje, uma crise no capital financeiro, está essencialmente ancorada numa superprodução de mercadorias. Nesse sentido, “o que, portanto, aparece como crise no mercado de dinheiro expressa, de fato, anomalias no próprio processo de produção e de reprodução” ( MARX, 1996 MARX, Karl. O Capital. 5 volumes. São Paulo: Nova Cultural, 1996. : v. 3, 236). Também no Livro Segundo encontra-se a percepção, também importante e por vezes muito negligenciada por uma leitura muito presa ao Livro Primeiro e, portanto, à circulação simples, de que superprodução e subconsumo são fenômenos diferentes, e que o subconsumo surge apenas como aparência externa de um desajuste no ciclo de reprodução, e que, portanto, é na produção de mercadorias que se encontram as raízes de uma crise ( MARX, 1996 MARX, Karl. O Capital. 5 volumes. São Paulo: Nova Cultural, 1996. : v. 3, 303-304).

No Livro Terceiro, Marx volta a fazer referência à questão da violência das crises, numa interessante formulação geral: “As crises são sempre apenas soluções momentâneas violentas das contradições existentes, irrupções violentas que restabelecem momentaneamente o equilíbrio perturbado” ( MARX, 1996 MARX, Karl. O Capital. 5 volumes. São Paulo: Nova Cultural, 1996. : v. 4, 188). Há ainda diversas outras referências à violência das crises no Livro Terceiro ( MARX, 1996 MARX, Karl. O Capital. 5 volumes. São Paulo: Nova Cultural, 1996. : v. 4, 194, 198, 228, 335). Mas o mais relevante a se perceber aqui é que em todo o Livro Terceiro, e mais especialmente em seu último tomo, os ciclos de crise já são dados como pressupostos e todo o tratamento do capital portador de juros, do mercado mundial e do capital bancário é feito nessa chave. Nesse sentido, temas como a taxa de juros e o crédito já incorporam o tratamento das crises, corroborando a tese de Antunes parcialmente sufragada também por Rosdolsky, conforme discutido acima, mas a crise permanece sendo um tema ligado às vicissitudes da relação dialética entre circulação e produção e, portanto, submetido aos ciclos de reprodução do capital.

Essa percepção provoca uma última questão candente, que será explorada na seção seguinte.

1.3. Existe o conceito de crise estrutural na teoria marxiana?

A pergunta pode parecer óbvia ou redundante, mas esconde algumas armadilhas. Em primeiro lugar, é fato que a expressão “crise estrutural” não é usada nenhuma vez por Marx em O Capital, sendo que o termo parece ter sido cunhado em obra de István Mészàros que carrega a expressão em seu próprio título, conforme noticia Prado (2016 PRADO, Eleutério Fernando da Silva Prado. Crise estrutural do capitalismo: uma reconstrução conceitual e empírica. Economia e complexidade. 04/12/2016. Disponível online em https://eleuterioprado.files.wordpress.com/2016/12/crise-estrutural-do-capitalismo.pdf
https://eleuterioprado.files.wordpress....
: 1), a partir da qual se disseminou enormemente pela crítica contemporânea do capitalismo, a ponto de ter sido utilizada pelos editores do dossiê em que tal contribuição se encontra. Tais informações, entretanto, não resolvem o problema, antes propõem outro: se é possível encontrar n’ O Capital alguma articulação de ideias que possa ser assimilada ao que vem sendo chamado de crise estrutural do capital.

Como se viu acima, na quase totalidade do tratamento do tema das crises, Marx faz referência ao seu caráter cíclico e, implicitamente, ao colocá-las como forma violenta de restabelecimento de um equilíbrio perdido pela acumulação capitalista, de certa forma como funcionais ao capitalismo.

Na primeira delas, Marx parece identificar nas contradições do modo de produção capitalista que são resolvidas violentamente pelas crises um limite à sua reprodução:

Um desenvolvimento das forças produtivas que diminuísse o número absoluto de trabalhadores, isto é, que capacitasse toda a nação a efetuar sua produção global num período de tempo menor, provocaria uma revolução, porque colocaria fora de circulação a maior parte da população. Aqui aparece novamente a barreira específica da produção capitalista e vê-se que ela não é, de maneira alguma, uma forma absoluta do desenvolvimento das forças produtivas e da geração de riqueza, mas que, pelo contrário, em certo ponto entra em colisão com esse desenvolvimento. Essa colisão aparece parcialmente em crises periódicas, que decorrem da transformação em redundante ora desta, ora daquela parte da população trabalhadora, em seu antigo modo de ocupação. Sua barreira é o tempo excedente dos trabalhadores. O tempo excedente absoluto que a sociedade ganha não lhe interessa. O desenvolvimento da força produtiva só lhe é importante à medida que aumenta o tempo de mais-trabalho da classe trabalhadora e não à medida que diminui o tempo de trabalho para a produção material de modo geral; assim se move na antítese. ( MARX, 1996 MARX, Karl. O Capital. 5 volumes. São Paulo: Nova Cultural, 1996. : v. 4, 198)

A respeito deste tema e das barreiras colocadas à acumulação pelo seu próprio processo, Prado é enfático:

O impulso de acumulação e as barreiras à acumulação de capital vêm do andamento histórico da relação de capital: eis que, em suas palavras, “a verdadeira barreira da produção capitalista é o próprio capital”. Ora, se essas barreiras são apenas desequilíbrios endógenos, ou seja, desequilíbrios que são gerados pelo próprio impulso de acumulação, e se esses desequilíbrios se tornam cada vez mais pronunciados, é licito chegar a pensar no conceito de “crise estrutural”. Parece fazer sentido pensar que num estágio avançado do desenvolvimento capitalista, sobrevenham desequilíbrios profundos que apenas podem ser superados com imensas dificuldades, e não sem que ocorram enormes e pesadas perdas econômicas – perdas estas tão grandes que abalam, põe em risco, ameaçam a continuidade histórica do sistema. ( PRADO, 2016 PRADO, Eleutério Fernando da Silva Prado. Crise estrutural do capitalismo: uma reconstrução conceitual e empírica. Economia e complexidade. 04/12/2016. Disponível online em https://eleuterioprado.files.wordpress.com/2016/12/crise-estrutural-do-capitalismo.pdf
https://eleuterioprado.files.wordpress....
: 7)

Em outra passagem, já bem próximo à conclusão do último tomo do Livro Terceiro d’O Capital, Marx parece ser ainda mais explícito e assertivo a respeito:

A visão que só considera como históricas as relações de distribuição, mas não as relações de produção é, por um lado, apenas a visão da crítica incipiente, mas ainda inibida, da Economia burguesa. Mas, por outro lado, ela se funda numa confusão e identificação do processo social de produção com o processo simples de trabalho, tal como deveria executá-lo também um homem anormalmente isolado, sem nenhum auxilio social. A medida que o processo social é apenas um mero processo entre homem e Natureza, seus elementos simples continuam sendo comuns a todas as formas sociais de desenvolvimento do mesmo. Mas cada forma histórica determinada desse processo desenvolve ulteriormente os fundamentos materiais e as formas sociais do mesmo. Tendo uma vez chegado a certo grau de maturidade, a forma histórica determinada é removida e dá lugar a uma mais elevada. Que o momento de tal crise tenha chegado mostra-se assim que a contradição e a oposição entre as relações de distribuição e, por isso, também, por um lado, a configuração historicamente determinada das relações de produção que lhes correspondem e, por outro, as forças produtivas, a capacidade de produção e o desenvolvimento de seus agentes ganhe em amplitude e profundidade. Surge, então, um conflito entre o desenvolvimento material da produção e sua forma social. ( MARX, 1996 MARX, Karl. O Capital. 5 volumes. São Paulo: Nova Cultural, 1996. : v. 5, 315).

A leitura em conjunto das duas passagens marxianas e da interpretação de Prado parecem autorizar tanto a conclusão de que Marx identificava a possibilidade teórica de uma assim chamada crise estrutural 5 5 Que ele próprio, entretanto, parecia ver como temporalmente distante, como se pode inferir da seguinte passagem de carta enviada a Engels em 1858: “Não há como negar que a sociedade burguesa experimentou pela segunda vez o seu século XVI, um século XVI que, espero, soará o dobre de sua morte, assim como o primeiro a introduziu no mundo. A tarefa própria da sociedade burguesa é a criação do mercado mundial, pelo menos em linhas gerais, e da produção baseada nesse mercado. Como o mundo é redondo, a colonização da Califórnia e da Austrália e a abertura da China e do Japão parecem ter completado esse processo. Para nós, a questão difícil é esta: no continente, a revolução é iminente e, além disso, assumirá instantaneamente um caráter socialista. Não será necessariamente esmagada neste canto da terra, já que o movimento da sociedade burguesa ainda está em ascensão sobre uma área muito maior?” (Traduzido livremente de MARX, 1858). quanto a identificação de que “há sim uma crise estrutural no capitalismo que adquiriu agora uma dimensão verdadeiramente mundial” (PRADO: 2016, 7). Além disso, é necessário enfatizar que a última passagem de Marx acima transcrita permite extrair tais conclusões mesmo sem admitir todas as categorias sobre as quais se debruça Mészàros a respeito do caráter metabólico – de inspiração nitidamente naturalista – da relação social de capital, já que Marx deixa claro que cada forma histórica determinada altera a relação “metabólica” entre homem e natureza.

A admissão da pertinência do conceito de crise estrutural do capital na teoria marxiana coloca, então, uma segunda armadilha. Como aponta Rosdolsky (2001: 375-378), o debate sobre a teoria marxiana das crises está no cerne da compreensão acerca da inevitabilidade ou não da derrocada do capitalismo. Assim sendo, poderia parecer que junto com a ideia de crise estrutural do capital seria trazido de contrabando este outro conceito, fatalista, de que em algum momento não haveria possibilidade de superação de uma determinada crise final por parte do modo de produção capitalista. Embora se entenda neste artigo que a última transcrição de Marx acima coloque uma pá de cal em tal discussão, o que é reforçado pela preocupação por ele externada a Engels em carta também já referida acima (1858), há uma última nota interessante acerca do tema e que permitirá a passagem à segunda parte deste texto, que versa sobre o “mundo do trabalho”. É que o trecho reproduzido acima, que a um só tempo expõe a dinâmica de uma crise estrutural, mas afasta sua inevitabilidade, é o parágrafo final do penúltimo capítulo do Livro Terceiro d’O Capital . Depois dele, há apenas um capítulo inconcluso e enigmático. Seu tema: as classes. Infelizmente, a colocação do capítulo na estrutura da obra traz mais elementos para a reflexão do que seu conteúdo, realmente bastante incipiente ainda. De todo modo, Marx parecia apontar, dessa forma, que a solução final de uma crise estrutural, seja dada pela adaptação, transformação e perpetuação do modo de produção capitalista, seja por sua superação, dependeria da dinâmica de interação entre as classes.

2. O “mundo do trabalho”

2.1. Existe um “mundo do trabalho”?

Em primeiro lugar, é necessário tecer algumas considerações sobre a peculiar expressão “mundo do trabalho”, sempre utilizada entre aspas nesse texto para evidenciar que seu emprego se destina mais a facilitar a comunicação, dada sua dispersão extrema entre estudiosos de todas as ciências sociais, do que pelo desejo de atribuir-lhe qualquer tipo de conteúdo. A expressão parece ter sido cunhada, ao menos no contexto brasileiro, por Ricardo Antunes ______. Adeus ao trabalho?. 11ª edição. São Paulo: Cortez, 2006. , que noticia na apresentação de seu Adeus ao trabalho? (2006) ter sido tal obra o primeiro resultado de uma ampla pesquisa intitulada Para onde vai o mundo do trabalho?. Chama atenção o fato de que não tenha sido possível encontrar em qualquer das mais conhecidas publicações do autor alguma reflexão sobre o uso de tal expressão, aparentemente empregada da mesma maneira que se faz no léxico comum para indicar a abrangência de uma totalidade de determinações. Algo semelhante ao que fez Marx quando afirmou que “com a valorização do mundo das coisas aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens” (MARX ______. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004. , 2004: 80) em seus polêmicos Manuscritos econômico-filosóficos , nos quais diversas das categorias estruturantes da elaboração teórica de O Capital ainda não estão desenvolvidas e ainda há ranços feuerbachianos, posteriormente eliminados de seu percurso. Não é demais lembrar, ainda, que não há registro, sequer epistolar, de que Marx tenha voltado a utilizar as expressões “mundo das coisas” e “mundo dos homens” depois da redação daqueles Manuscritos.

O uso da expressão “mundo do trabalho” poderia, portanto, ser apenas uma disseminação desmedida do uso irrefletido de uma expressão do léxico comum como um conceito de ciência social, não fosse um detalhe: por mundo costuma-se designar igualmente o planeta Terra. E, nesse sentido, especialmente após a conclusão do processo de mundialização do capital, o uso da expressão “mundo do trabalho” pode dar a entender que se encontram em qualquer parte do globo as mesmas características ligadas ao processo de trabalho e a seus exercentes, os trabalhadores. Essa ideia é, sabidamente, falsa. O próprio Ricardo Antunes, aliás, publicou alguns anos atrás uma coletânea de textos dedicada exatamente a discutir as particularidades do trabalho no continente latino-americano, rejeitando explicitamente a possibilidade de se falar, em sentido próprio, de um “mundo do trabalho”:

O continente do labor oferece um olhar ante aos dilemas do mundo do trabalho, mas um olhar latino-americano, ainda que contemplem também o que vem ocorrendo no mundo dos chamados “países avançados”, com suas mazelas. Se o universo do trabalho e das lutas sociais é por certo global, histórico-mundial, nossa leitura não abdica do olhar latino-americano; em verdade, ela recusa a postura de curvar-se perante o centro avançado, desprezando de modo elitista o que se passa no nosso continente. (ANTUNES ______. O continente do labor. São Paulo: Boitempo, 2011. , 2011: 11)

Com essa ressalva em mente é que se manterá o uso da expressão “mundo do trabalho”, para facilitar o diálogo com o grande volume de produção teórica que a utiliza, sem abrir mão das aspas, para marcar a discordância do autor do texto com seu emprego irrefletido.

2.2. De que é feito o “mundo do trabalho”?

É necessário agora retomar a passagem de Marx que fez a transição entre o capítulo anterior e o presente, para que seja possível examinar o conteúdo da expressão “mundo do trabalho”. Se é que essa expressão encontra algum lastro na realidade, é certo que isso se deve ao fato de que, na arquitetura conceitual d’O Capital, capitalistas e trabalhadores são irrelevantes no processo de reprodução social quando tomados individualmente. Nessa condição, de trabalhadores individuais e de capitais individuais, atuam apenas enquanto representantes parciais de uma realidade unitária e total que atua socialmente como um único capital e uma única força de trabalho. Marx já adianta essas noções desde o Livro Primeiro. Sobre a força de trabalho, sustenta:

A força conjunta de trabalho da sociedade, que se apresenta nos valores do mundo das mercadorias, vale aqui como uma única e a mesma força de trabalho do homem, não obstante ela ser composta de inúmeras forças de trabalho individuais. Cada uma dessas forças de trabalho individuais é a mesma força de trabalho do homem como a outra, à medida que possui o caráter de uma força média de trabalho social, e opera como tal força de trabalho socialmente média, contanto que na produção de uma mercadoria não consuma mais que o trabalho em média necessário ou tempo de trabalho socialmente necessário. ( MARX, 1996 MARX, Karl. O Capital. 5 volumes. São Paulo: Nova Cultural, 1996. : v. 1, 168-169)

Mais adiante, ao tratar do capital, desenvolve ideia semelhante:

Mas, antes de essas mercadorias chegarem ao mercado, já faziam parte do fundo de produção anual, isto é, da massa global de objetos de toda a espécie em que se transforma, no decorrer do ano, a soma total dos capitais individuais ou o capital social global, do qual cada capitalista tem nas mãos apenas uma parte alíquota. ( MARX, 1996 MARX, Karl. O Capital. 5 volumes. São Paulo: Nova Cultural, 1996. : v. 2, 214)

Embora esse tratamento já esteja adiantado no Livro Primeiro, o fato de que nesse momento Marx esteja trabalhando em alto nível de abstração não permite ainda perceber a consequência provocada nos indivíduos capitalistas e trabalhadores por sua condição de representantes de uma realidade social total. Essa consequência começa a ficar clara no Livro Terceiro, quando Marx aborda a transformação da mais-valia em lucro, esclarecendo que a massa total de mais-valia, extraída pelo conjunto dos capitais, ou o capital social total, da força de trabalho social, será posteriormente repartida entre capitalistas individuais, rentistas, Estado, etc. de acordo inclusive com determinações por vezes surgidas até mesmo de fora do processo produtivo. Nesse ponto do raciocínio, não há mais abstração e são dados os verdadeiros nomes aos fenômenos: cada capitalista individual e cada trabalhador individual é apresentado como representante de uma classe ( MARX, 1996 MARX, Karl. O Capital. 5 volumes. São Paulo: Nova Cultural, 1996. : v. 5, 123-124). Isso se dá já de maneira imediata na economia política, na passagem da possibilidade à realidade, nos já mencionados dizeres de Jadir Antunes, e a partir daí espraia seus efeitos em todo o processo reprodutivo, que está, portanto, fundado na luta de classes. Marx o nota, por exemplo, ao debater o processo de formação do preço da força de trabalho, o salário:

Note-se aqui de passagem que a “necessidade social”, isto é, o que regula o princípio da procura, é essencialmente condicionada pela relação das diversas classes entre si e por sua respectiva posição econômica, nomeadamente portanto, primeiro, pela proporção entre a mais-valia global e o salário e, segundo, pela proporção entre as diversas partes em que a mais-valia se divide (lucro, juros, renda fundiária, impostos etc.); e assim evidencia-se aqui também mais uma vez que absolutamente nada pode ser explicado pela relação entre procura e oferta antes de a base sobre a qual esta relação atua estar desenvolvida. ( MARX, 1996 MARX, Karl. O Capital. 5 volumes. São Paulo: Nova Cultural, 1996. : v. 4, 141)

A ideia latente nesse trecho, e que o próprio Marx aponta ter sido lançada “de passagem”, encontra sua formulação mais perfeita em Althusser, quando relaciona classes, luta de classes e a exploração de uma classe pela outra:

Pelo contrário, para os revolucionários, não é possível separar as classes da luta de classes. A luta de classes e a existência das classes são uma só e mesma coisa. Para que em uma “sociedade” haja classes é necessário que a sociedade esteja dividida em classes; tal divisão não se faz a posteriori, pois o que constitui a divisão em classes é a exploração de uma classe pela outra, ou seja, a luta de classes. Porque a exploração é já luta de classes. Para compreender então a divisão em classes, a existência e a natureza das classes, é necessário partir da luta de classes. (traduzido livremente de ALTHUSSER, 1974 ALTHUSSER, Louis. Para una crítica de la práctica teórica: respuesta a John Lewis. Buenos Aires: Siglo XXI, 1974. : 33-34)

O “mundo do trabalho”, portanto, é feito de classes em luta, e não é apenas na teoria econômica que o fenômeno se observa. Reaparece aqui o capítulo final d’O Capital, que trata das classes. Dado que o “mundo do trabalho” é feito de classes em luta, Marx irá, nesse ponto, seguindo sua toada de investigar na concretude as abstrações teóricas por ele identificadas, parecer querer procurar as classes na realidade social:

A próxima pergunta a ser respondida é esta: o que constitui uma classe? E é claro que isso se depreende obviamente da resposta a esta outra questão: o que faz com que assalariados, capitalistas e proprietários da terra se tornem os formadores das três grandes classes sociais? À primeira vista, a identidade de rendimentos e as fontes de rendimento. São três grandes grupos sociais, cujos componentes, os indivíduos que os formam, vivem respectivamente de salário, lucro e renda fundiária, da valorização de sua força de trabalho, de seu capital e de sua propriedade fundiária. ( MARX, 1996 MARX, Karl. O Capital. 5 volumes. São Paulo: Nova Cultural, 1996. : v. 5, 317)

Sua busca, infelizmente, foi interrompida e não passou da “primeira vista”, que já começava a ser criticada nas linhas seguintes. Porém, o próprio Marx já afirmava, décadas antes, que “a formulação de uma pergunta é sua solução” (MARX ______. Sobre a questão judaica. São Paulo: Boitempo, 2010. , 2010: 34). Tendo ele legado à ciência social a pergunta formulada e, inclusive, um início de crítica da primeira aparência de resposta, está dada sua possibilidade de solução. O que constitui uma classe? Se não é a identidade de rendimentos e de suas fontes, questão atinente à circulação monetária, só pode ser a sua posição no processo produtivo, ou, em outras palavras, o lado em que se encontra no processo de luta de classes, que já se inicia com uma relação produtiva marcada pela exploração de uma classe pela outra.

Essa formulação se aproxima, em certo sentido, daquela elaborada por Ricardo Antunes quando, ao criticar o pensamento pós-moderno sobre o trabalho que aponta para o fim das classes, reforça a existência de duas classes divididas pelo processo de exploração, cunhando o conceito de classe-que-vive-do-trabalho ( ANTUNES, 1999 ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. 1ª edição. São Paulo: Boitempo, 1999. : 101-104), mas acrescenta-lhe ainda uma nova determinação, ligada à constituição imanente das classes em sua luta, isto é, aponta que não há diferença entre a constituição das classes e a luta entre as classes.

Infelizmente, tanto num nível teórico quanto prático, a identificação da classe trabalhadora parece ser muito mais simples do que sua organização política. É preciso, também aqui, portanto, passar da possibilidade à realidade. O que leva à pergunta que encima a última seção deste capítulo.

2.3. A quem pertence o “mundo do trabalho”?

A expressão que dá título a esta seção foi tomada de empréstimo, em forma parafraseada, de Bernard Edelman, que, a pretexto de discutir a representação política da classe trabalhadora por meio dos sindicatos, explicita a apropriação efetivada pela burguesia sobre a classe que lhe é antagônica:

A burguesia “apropriou-se” da classe operária: impôs seu terreno, seu ponto de vista, seu direito, sua organização do trabalho, sua gestão. Restava-lhe apropriar-se da “organização da classe operária enquanto classe” (Engels), isto é, dos sindicatos operários. (...). Reduzida a um sindicalismo forte, pagando o preço desse sindicalismo: respeito à propriedade, respeito à liberdade individual de trabalho, respeito à regulação, e a classe operária? Sem voz ou, quando toma a palavra, acusada de anacronismo – ao lado de Lenin e Marx, o que não é tão mal –, acusada de espontaneísmo – ao lado de Mao –, “presa”, capturada nas categorias jurídicas, esmagada pela ideologia, pela tecnicidade, pelo economicismo, ela é obrigada a negociar, a exprimir-se na linguagem do “comedimento”, da ordem e do direito. Em suma, exige-se dela a mais bela das qualidades burguesas: a passividade ( EDELMAN, 2016 EDELMAN, Bernard. A legalização da classe operária. São Paulo: Boitempo, 2016. : 111 e 141)

É importante perceber que essa formulação de Edelman se encontra no contexto de uma sua ideia muito peculiar – a de que a classe operária não existe:

Ora, a primeira, a mais tenaz, a mais inextirpável de nossas ilusões é a crença de que a classe operária “existe”. A classe operária jamais “existiu”, jamais. Ela irrompeu na história, em pessoa algumas vezes: a Comuna, Outubro de 1917 ou Maio de 1968, para nossa memória ocidental; às vezes penetra nos interstícios das práticas, dos aparelhos, dos discursos. Mas a classe operária jamais existiu, a não ser como uma categoria metajurídica que desempenhou e desempenha o mesmo papel que a “nação” ou o “povo”. ( EDELMAN, 2016 EDELMAN, Bernard. A legalização da classe operária. São Paulo: Boitempo, 2016. : 147).

É evidente que Edelman está aqui discutindo com a percepção de Marx de que é necessário levar a classe operária da possibilidade à realidade. A leitura de Edelman é a de que, se é verdade que a classe operária existe enquanto ocupante de uma posição no processo de reprodução do capital e como um dos lados antagônicos de um processo totalizante de luta que abrange os próprios pressupostos do processo de reprodução, ela não existe de forma politicamente auto-organizada, especialmente quando o que se acredita ser a sua organização de classe, o movimento operário, encontra-se submetido às amarras do capital, especialmente por meio do direito. No entender de Edelman, até mesmo seu principal meio de luta, a greve, sucumbe à juridicização e fica, com isso, neutralizado:

O direito de greve é um direito burguês. Entendamos: não digo que a greve é burguesa, o que seria um absurdo, mas que o direito de greve é um direito burguês. O que quer dizer, muito precisamente, que a greve só atinge a legalidade em certas condições, e essas condições são as mesmas que permitem a reprodução do capital. ( EDELMAN, 2016 EDELMAN, Bernard. A legalização da classe operária. São Paulo: Boitempo, 2016. : 48)

Está dado o substrato para a resposta da pergunta-título da seção. O “mundo do trabalho” pertence, aos menos nos últimos duzentos anos, em que predomina o modo de produção capitalista, ao capital. Se é que é possível recorrer impunemente a esta figura ilustrativa, a classe trabalhadora vem “perdendo” a luta de classes, seja no enfrentamento direto, o que se vê ocorrer há dois séculos sempre que se verifica uma crise do capitalismo, seja indiretamente, “desviada” por suas “vitórias” ( EDELMAN, 2016 EDELMAN, Bernard. A legalização da classe operária. São Paulo: Boitempo, 2016. : 18), porque sua organização de classe se expressa numa “língua que não é a sua, a língua da legalidade burguesa, e é por isso que ela se exprime gaguejando” ( EDELMAN, 2016 EDELMAN, Bernard. A legalização da classe operária. São Paulo: Boitempo, 2016. : 22). As metamorfoses ocorridas no mundo do trabalho nas últimas quatro décadas, exaustivamente abordadas na obra de Ricardo Antunes, se por certo reforçaram a tendência de que o capital seja sua própria barreira à reprodução, aprofundaram as dificuldades de organização da classe trabalhadora e a deixaram ainda mais profundamente sujeitas às dificuldades de expressão provocadas por essa língua “estrangeira”.

Encerra-se aqui a parte propriamente de pesquisa científica, permitindo-se o autor, na conclusão, transbordar um pouco para o campo ensaístico ao relacionar as duas partes de que se compõem este artigo.

Conclusão

A obra seminal de Bernard Edelman foi publicada originalmente em 1978, antes, portanto, da transição do fordismo ao pós-fordismo, nos termos colocados por Ricardo Antunes, ter se consolidado em sua inteireza. Já naquela época, entretanto, o autor pode perceber que, confrontada com um cenário de crise estrutural do capital, a classe trabalhadora, por meio de sua tradicional organização em sindicatos, desenvolveu sua atuação na luta de classes principalmente pela via da institucionalidade, reforçando, com isso, o pertencimento do “mundo do trabalho” ao capital. Nos dias de hoje, observa-se que a completude do processo de transição pós-fordista, ancorada na determinação da subjetivação inerente à forma jurídica, aprofundou esse processo. A consequência é o completo descolamento de cada indivíduo trabalhador em relação à sua classe e a imersão de cada um deles, nos eventuais momentos de busca por organização coletiva, em movimentos identitários de busca por direitos.

A organização dos assim chamados “novos movimentos sociais” em seu processo de busca por direitos e a lógica individualizante do sujeito de direito que aparta o trabalhador de sua classe são processos que se retroalimentam. Sua consequência, nefasta, é impedir a organização de classe e, assim, pavimentar o caminho para que o “mundo do trabalho“ continue pertencendo ao capital. A classe operária encontra-se num momento crucial. A nova conformação da reprodução do capital encontrada após a crise ocorrida na passagem da década de 1970 para a década de 1980 esgotou-se, como ficou claro em 2008, e ainda não é possível enxergar qual a perspectiva do capital para lidar com a mais recente barreira encontrada em sua reprodução. Trata-se, portanto, de uma janela histórica de oportunidade para, aproveitando o processo de crise que já se arrasta pelos últimos dez anos, com soluções fragmentárias e insuficientes, buscar por meio de organização de classe sólida e construída ao largo do capital a superação definitiva do modo de produção capitalista. Não é a insistência no modelo de lutas fragmentárias identitárias por direitos que propiciará a ultrapassagem do contraditório modelo de exploração humana, que não ruirá por si próprio e, muito menos, se persistir sendo alimentado por aqueles que dele são vítimas. O capital, de seu lado, segue extirpando uma a uma até mesmo as vitórias aparentes da classe operária, que a desviam de sua luta de classes, e o fará enquanto não encontrar resistência adequada e suficiente. A reorganização política da classe trabalhadora é o chamado que ecoa do legado de Marx nos festejos de seu bicentenário.

  • 1
    Considerar o tratamento teórico das crises como uma das mais importantes contribuições do legado de Marx já constitui aqui, de certa forma, uma antecipação dos resultados da pesquisa, já que, como se verá, há intenso debate sobre a efetiva existência de uma teoria das crises em seu pensamento. A despeito de a honestidade intelectual impor a realização desta advertência, espera-se que o desenvolvimento do texto demonstre com clareza que tal teoria existe e que constitui efetivamente dos mais importantes legados de Marx.
  • 2
    Seguindo indicações fornecidas pelo Professor Márcio Bilharinho Naves, por razões de precisão linguística, sempre que necessário será utilizada neste artigo a tradução da lavra de Régis Barbosa e Flávio R. Kothe, editada pela última vez pela Nova Cultural na coleção Os Economistas em 1996, embora seja possível encontrar edições anteriores com o mesmo conteúdo.
  • 3
    Ver, a esse respeito, BATISTA ______. O conceito de ideologia jurídica em Teoria geral do direito e marxismo: uma crítica a partir da perspectiva da materialidade das ideologias. Revista Verinotio, n. 19 – Dossiê Pachukanis, Belo Horizonte: UFMG, maio de 2015. , 2015: 95-99.
  • 4
    O tema foi abordado com maior detalhamento em BATISTA, 2013 BATISTA, Flávio Roberto. Crítica da tecnologia dos direitos sociais. São Paulo: Dobra/Outras Expressões, 2013. : 169-178.
  • 5
    Que ele próprio, entretanto, parecia ver como temporalmente distante, como se pode inferir da seguinte passagem de carta enviada a Engels em 1858: “Não há como negar que a sociedade burguesa experimentou pela segunda vez o seu século XVI, um século XVI que, espero, soará o dobre de sua morte, assim como o primeiro a introduziu no mundo. A tarefa própria da sociedade burguesa é a criação do mercado mundial, pelo menos em linhas gerais, e da produção baseada nesse mercado. Como o mundo é redondo, a colonização da Califórnia e da Austrália e a abertura da China e do Japão parecem ter completado esse processo. Para nós, a questão difícil é esta: no continente, a revolução é iminente e, além disso, assumirá instantaneamente um caráter socialista. Não será necessariamente esmagada neste canto da terra, já que o movimento da sociedade burguesa ainda está em ascensão sobre uma área muito maior?” (Traduzido livremente de MARX ______. Carta a Engels. 08/10/1858. Disponível online em https://marxists.catbull.com/archive/marx/works/1858/letters/58_10_08.htm
    https://marxists.catbull.com/archive/ma...
    , 1858).

Referências bibliográficas

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  • BATISTA, Flávio Roberto. Crítica da tecnologia dos direitos sociais. São Paulo: Dobra/Outras Expressões, 2013.
  • ______. O conceito de ideologia jurídica em Teoria geral do direito e marxismo: uma crítica a partir da perspectiva da materialidade das ideologias. Revista Verinotio, n. 19 – Dossiê Pachukanis, Belo Horizonte: UFMG, maio de 2015.
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  • ______. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004.
  • ______. Sobre a questão judaica. São Paulo: Boitempo, 2010.
  • ______. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858. São Paulo: Boitempo, 2011.
  • ______. Carta a Engels. 08/10/1858. Disponível online em https://marxists.catbull.com/archive/marx/works/1858/letters/58_10_08.htm
    » https://marxists.catbull.com/archive/marx/works/1858/letters/58_10_08.htm
  • PRADO, Eleutério Fernando da Silva Prado. Crise estrutural do capitalismo: uma reconstrução conceitual e empírica. Economia e complexidade. 04/12/2016. Disponível online em https://eleuterioprado.files.wordpress.com/2016/12/crise-estrutural-do-capitalismo.pdf
    » https://eleuterioprado.files.wordpress.com/2016/12/crise-estrutural-do-capitalismo.pdf
  • ROSDOSLKY, Roman. Gênese e estrutura de O Capital de Karl Marx. Rio de Janeiro: EDUERJ/Contraponto, 2001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2018
  • Data do Fascículo
    Set 2018

Histórico

  • Recebido
    23 Jul 2018
  • Aceito
    05 Ago 2018
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