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Repensando a Dimensão Ideológica da Acumulação Primitiva a partir de Stuart Hall

Rethinking the ideological Dimension of Primitive Accumulation with Stuart Hall

Resumo:

O artigo introduz uma interpretação da acumulação primitiva contínua com foco em sua dimensão ideológica. A tese principal do trabalho é que a dimensão ideológica da acumulação primitiva é necessária para analisar a) a obtenção do consentimento social em processos de acumulação primitiva como um processo sem alternativa; b) entender os processos da acumulação primitiva contínua também no nível cultural e simbólico para poder intervir politicamente em novas áreas valorizadas economicamente; e c) conectar este conceito marxista com perspectivas des- ou pós-coloniais. A fim de demonstrar o exposto, primeiramente, a leitura mais comum da “assim chamada acumulação primitiva” é esboçada com foco na dimensão crítica-ideológica, que, como será mostrado, já fora pensada no texto original de Marx. No segundo passo, essa dimensão crítica-ideológica de Marx é conectada com as reflexões críticas-ideológicas de Stuart Hall. Depois de um pequeno resumo de uma concepção heurística da acumulação primitiva contínua, alguns pontos de partida são mostrados para a conexão da análise de processos atuais da acumulação primitiva continua com perspectivas des- e pós-colonais.

Palavras-chaves:
acumulação primitiva continua; ideologia; Stuart Hall; Marxismo cultural

Abstract:

The paper presents an interpretation on continuous primitive accumulation with regards to its ideological dimension. The work´s main thesis is that the ideological dimension of primitive accumulation is necessary to analyze a) the obtaining of social consent in primitive accumulation processes as a process without alternative; b) to understand the processes also at the symbolic and cultural level, in order to intervene politically in new areas economically valuated; c) to connect this Marxist concept with de- or post-colonial perspectives. In order to demonstrate the aforementioned, firstly, the most common reading on “so called primitive accumulation” is outlined with a focus on the ideological-critical dimension, which, as will be presented, has already been considered in Marx’s original text. Secondly, this ideological-critical dimension by Marx is connected with Stuart Hall’s ideological-critical reflections. Following a brief summary of a heuristic conception of continuous primitive accumulation, some starting points are shown for the connection between the analysis of current processes of continuous primitive accumulation and de- and post-colonial perspectives.

Keywords:
continuous primitive accumulation; ideology; Stuart Hall; cultural Marxism

“No entanto, a acumulação primitiva continua a ser um conceito-chave para a compreensão do capitalismo – e não apenas a fase específica do capitalismo associada à transição do feudalismo, mas ao próprio capitalismo” ( Perelman 2000 Perelman, Michael (2000): The invention of capitalism. Classical political economy and the secret history of primitive accumulation, Durham/NC: Duke University Press. : 37).

I. Introdução 1 1 Gostaria de agradecer a competente tradução do inglês para o português realizada por Raphaela Magnino Rosa Portilho.

A valoração econômica dos recursos naturais, incluindo os patrimônios genéticos e gases de efeito estufa, especulação financeira sobre terras e produtos agrícolas, a precarização do trabalho ou a privatização dos bens comuns como água, conhecimento e espaços públicos, levou, em síntese, ao retorno da assim chamada acumulação primitiva aos debates acadêmicos (ibid).

No presente artigo introduzo uma interpretação sobre a acumulação primitiva (contínua) enquanto um conceito analítico flexível aplicável a diversas formas e processos de acumulação primitiva no contexto da crise múltipla do capitalismo ( Demirovic et al. 2011 Demirović, Alex; Dück, Julia; Becker, Florian; Bader, Pauline (eds.) (2011): VielfachKrise. Im finanzdominierten Kapitalismus, Hamburg. ). A tese principal dessa interpretação é, que as formas de acumulação primitiva existentes, por mais diversas que sejam, podem ser consideradas como uma estratégia para lidar com a crise múltipla do capital ( Kalmring, 2013 Kalmring, Stefan (2013): Die Krise als Labor gesellschaftlicher Entwicklung. Fortgesetzte ursprüngliche Akkumulation und die große Krise der Kapitalakkumulation, in: Backhouse, Maria, Gerlach, Olaf, Kalmring, Stefan, Nowak, Andreas (eds.): Die globale Einhegung – Krise, ursprüngliche Akkumulation und Landnahmen im Kapitalismus, Münster: Westfälisches Dampfboot, 70–109. ). Isso porque geram novos campos de acumulação, seja ocupando relações sociais não capitalistas, seja reestruturando extensivamente relações capitalistas já existentes para uma melhor absorção da mais-valia (ibid). Meu foco principal neste artigo reside na dimensão crítico-ideológica da acumulação primitiva, que amplio com referência às reflexões de Stuart Hall sobre teoria da ideologia. A meu ver, um desenvolvimento adicional da dimensão ideológica da acumulação primitiva é necessário, primeiramente, para que seja possível analisar, tanto no nível semântico quanto no interpretativo, a obtenção do consentimento social em processos de acumulação primitiva. É importante, em segundo lugar, para entender os processos da acumulação primitiva também no nível simbólico e cultural. Isso é chave para a possibilidade de intervenção política também na esfera de discursos e narrativas. Assim, pode ser demonstrado, por exemplo, como os processos de acumulação primitiva no contexto de reformas neoliberais em áreas tão diversas como educação, proteção ambiental e agricultura podem ser retratados com sucesso como não comportando qualquer alternativa. Em terceiro lugar, permite conectar a análise com as perspectivas des- ou pós-coloniais sobre as desigualdades e os envolvimentos globais.

Conforme demonstrado abaixo, um aspecto crítico-ideológico já se encontra presente no capítulo de Marx referente à ‘assim chamada acumulação primitiva’ no primeiro volume de O Capital. Dito isso, nem Marx naquele momento, nem os participantes nos debates atuais acerca da atualidade e da aplicabilidade analítica do conceito de acumulação primitiva aprofundaram e desenvolveram mais esse aspecto. Eu argumentaria que essa falha requer retificação para que possa aumentar a usabilidade do conceito para análises concretas.

Na minha opinião, existem duas maneiras através das quais o teórico cultural Stuart Hall proporciona impulsos importantes ao avanço da teoria da acumulação primitiva. De um lado, ele cultiva genericamente uma relação inspiradora com teorias e conceitos, com os quais se familiarizou, sempre em conjunto com problemas atuais e os quais ele combina entre si para formar ‘conceitos analíticos flexíveis’. O autor replicou acusações de ecletismo e imprecisão teórica através de sua compreensão ativista de formação da teoria. Em sua visão, a última não é um fim em si mesmo, mas fornece os instrumentos para a intervenção política. Por outro lado, ele oferece dicas importantes, notadamente na forma de suas reflexões sobre ideologia e teoria, para um maior refinamento do conceito analítico da acumulação primitiva (contínua) – ainda que ele mesmo nunca tenha estudado de fato o conceito da acumulação primitiva de maneira profunda.

A fim de demonstrar o exposto, procedo da seguinte maneira: primeiramente, resumo brevemente a recepção preferida da ‘assim chamada acumulação primitiva’. Subsequentemente, tomando por pressuposto a interpretação política de Massimo De Angelis acerca da assim chamada acumulação primitiva, esculpo o principal impulso crítico-ideológico em Karl Marx. Em seguida, traço um panorama das reflexões ideológico-críticas de Stuart Hall, operando uma fusão entre elas e algumas considerações preliminares a respeito de um conceito analítico flexível para o estudo de formas atuais e distintas de acumulação primitiva. Na conclusão, delineio potenciais pontos de partida para perspectivas des- e pós-colonais, bem como a notável pesquisa correspondente.

II. Repensando a Acumulação Primitiva

2.1 Acumulação Primitiva Contínua

Em minhas deliberações, parto de interpretações que não consideram o capítulo “O Segredo da Acumulação Primitiva”, no primeiro volume de O Capital (Marx 2015 Marx 2015 [1887]): Capital. A Critique of Political Economy. Volume I. The Process of Production of Capital. [1887]) como sendo a descrição Marxista de uma fase de transição histórica do feudalismo para o capitalismo que tenha sido concluída no passado, mas, ao invés, como um momento formador do próprio capital, o qual é ‘inerente à emergência e à reprodução do capitalismo’ ( Alnasseri 2003 Alnasseri, Sabah (2003): Ursprüngliche Akkumulation, Artikulation und Regulation. Aspekte einer globalen Theorie der Regulation. In: Brand, Ulrich; Raza, Werner (eds.): Fit für den Postfordismus? Theoretisch-politische Perspektiven des Regulationsansatzes, Münster/Westf., 131–157. : 133).

Interpretações influentes da acumulação primitiva como a afirmação ou reestruturação das relações capitalistas de produção e propriedade incluem, por exemplo, o conceito de acumulação por desapropriação, de David Harvey, o cercamento dos commons, de Massimo De Angelis ( De Angelis 2001 De Angelis, Massimo (2001): The continuous character of capital′s “enclosures”, In: The Commoner (2), 1–22. ), a valoração econômica dos recursos naturais ( Görg 2004 Görg, Christoph (2004): Inwertsetzung, in: Historisch-kritisches Wörterbuch des Marxismus. Hamburg: Argument. 1501–1506. ), a precarização do trabalho (Landnahme ) by Klaus Dörre ( Dörre 2015 Dörre, Klaus (2015): Social Capitalism and Crisis: From the Internal to the External Landnahme. In: Dörre, Klaus/Lessenich, Stephan/Rosa, Hartmut (Hrsg.) (2015): Sociology - Capitalism - Critique. London/New York: Verso. 247-277. (Versão em português: Dörre, Klaus. 2015. „A nova Landnahme. Dinâmicas e limites do capitalismo financeiro“. In: Revista Direito e Práxis 6 (12). 536–603.) ), acumulação primitiva contínua como a exploração do setor de cuidados, dominado pelas mulheres ( Federici 2017 Federici, Silvia (2017): Revolution at point zero: Housework, reproduction, and feminist struggle. Oakland, CA: PM Press; Brooklyn, NY: Common Notions: Autonomedia. ; Mies et al. 1988 Mies, Maria; Bennholdt-Thomsen, Veronika; Werlhof, Claudia von (1988): Women: The Last Colony. London: ZED Books. ; Dowling 2016 Dowling, Emma (2016): Valoriesed but not Valued? Affective Remuneration, Social Reproduction and Feminist Politics Beyond the Crisis. British Politics 11I452), 452-468. ), bem como a transferência de valor da periferia do Sul global para o centro no Norte global (Frank 1982; Wallerstein 1986).

Essa tradição de leitura da assim chamada acumulação primitiva como fenômeno contínuo, em vez de um momento passado na trajetória do capitalismo, remonta a Rosa Luxemburgo ( Luxemburg 1951 Luxemburg, Rosa (1951): The Accumulation of Capital. Transl. by Anes Schwarzschild. London: Routledge and Kegan Paul LTD. ). A ideia básica é a de que o capitalismo pode recorrer a um “outro” não-capitalista para que possa se reproduzir. Este Outro não capitalista sugere não apenas espaço geográficos inexplorados pelo capitalismo, mas também espaços e relações sociais não-capitalistas dentro dos centros capitalistas, os quais devem ser então restruturados como novos campos de acumulação, notadamente através do processo referido como Landnahme ( Alnasseri 2003 Alnasseri, Sabah (2003): Ursprüngliche Akkumulation, Artikulation und Regulation. Aspekte einer globalen Theorie der Regulation. In: Brand, Ulrich; Raza, Werner (eds.): Fit für den Postfordismus? Theoretisch-politische Perspektiven des Regulationsansatzes, Münster/Westf., 131–157. ; Dörre 2015 Dörre, Klaus (2015): Social Capitalism and Crisis: From the Internal to the External Landnahme. In: Dörre, Klaus/Lessenich, Stephan/Rosa, Hartmut (Hrsg.) (2015): Sociology - Capitalism - Critique. London/New York: Verso. 247-277. (Versão em português: Dörre, Klaus. 2015. „A nova Landnahme. Dinâmicas e limites do capitalismo financeiro“. In: Revista Direito e Práxis 6 (12). 536–603.) ; Lutz 1984 Lutz, Burkart (1984): Der kurze Traum immerwährender Prosperität. Eine Neuinterpretation der industriellkapitalistischen Entwicklung im Europa des 20. Jahrhunderts, Frankfurt am Main u. New York. ).

A categoria do “outro não-capitalista” permite, primeiramente, uma investigação sobre como as relações de produção capitalistas se expandem para meios e relações sociais não-capitalistas (como no caso do trabalho de cuidado baseado em estruturas familiares) através do processo de acumulação primitiva para tratar as crises do capitalismo. Isso elucida, por exemplo, como os programas de financiamento governamentais para biodiesel (para tratar a crise social-ecológica como a mudança climática) de fato reestruturam – ao expandir o modo de produção agroindustrial – as relações de trabalho e propriedade agrícolas com o intuito de tornar sua agricultura doméstica competitiva no mercado mundial. Por outro lado, isso também torna possível a combinação de novos arranjos envolvendo setores capitalistas e não-capitalistas. Este último aspecto foi publicado por abordagens neo-Marxistas e teórico-dependentes (ver.: Frank 1978 Frank, André Gunder (1978): Conclusions: On So-called Primitive Accumulation. In Frank, A.G.: World Accumulation 1492–1789. Palgrave Macmillan, London, 238-271. ; Meillassoux 1981 Meillassoux, Claude (1981): Maidens, meal, and money: capitalism and the domestic community. Cambridge/New York: Cambridge University Press, 1981. ; Wallerstein 2011 Wallerstein, Immanuel (2011[1974]): The Modern World-System I. Capitalist Agriculture and the Origins of the European World-Economy in the Sixteenth Century. Berkeley: University of California Press. [1974]) e facilita um melhor entendimento acerca de formas de acumulação primitiva complexas e distintas dentro de um contexto global. O pensamento central comum a todas essas abordagens heterogêneas é o de que o capitalismo repousa não apenas no trabalho proletarizado, mas também sobre o não-proletarizado e o semi-proletarizado ( Glassman 2006 Glassman, Jim (2006): Primitive accumulation, accumulation by dispossession, accumulation by ′extra-economic′ means, in: Progress in Human Geography 30 (5), 608–625. : 613 f.). Trabalho explorado em canaviais, em pequenos setores de subsistência agrícola e o trabalho doméstico não remunerado (feminino) não são, portanto, o resíduo de uma era pré-capitalista, mas de fato são tão modernos quanto o trabalho proletarizado assalariado. Isso porque têm uma função importante na reprodução expandida, ou na produção de mais-valia do capital. Trabalhadores migrantes, por exemplo, podem ser remunerados a uma taxa que está abaixo de seus custos de reprodução se seus custos de vida ou com cuidados infantis puderem ser repassados para seus respectivos setores de subsistência ( Meillassoux 1981 Meillassoux, Claude (1981): Maidens, meal, and money: capitalism and the domestic community. Cambridge/New York: Cambridge University Press, 1981. ; Mies et al. 1988 Mies, Maria; Bennholdt-Thomsen, Veronika; Werlhof, Claudia von (1988): Women: The Last Colony. London: ZED Books. ). A partir da perspectiva do capital, isso é racional, pois essa combinação de setores capitalistas e não capitalistas permite uma transferência de valor da produção de subsistência para o mercado ( Kößler 2013 Kößler, Reinhart (2013): Prozesse der Trennung – Gewalt im Ursprung und fortgesetztes Prozessieren des Kapitals, in: Backhouse, Maria/Olaf Gerlach, Olaf/Stefan Kalmring, Stefan/Nowak, Andreas (eds.): Die globale Einhegung – Krise, ursprüngliche Akkumulation und Landnahmen im Kapitalismus, Münster: Westfälisches Dampfboot, 20–39. : 165).

Sob meu ponto de vista, a análise de processos de acumulação primitiva contínua requer a consideração dos dois aspectos do outro não-capitalista. Assim, o conceito analítico não é limitado nem temporalmente nem geograficamente e pode ser aplicado flexivelmente a todos os campos sociais – independentemente se foram ou não permeados (ou em que medida) por relações de produção e apropriação capitalista até então. Ou seja, o conceito não se limita ao Sul ou Norte global, respectivamente, e além disso permite análises diferentes das inter-relações globais Norte-Sul (e.g. Mintz 1986 Mintz, Sidney Wilfred (1986): Sweetness and Power: The Place of Sugar in Modern History. London: Penguin Books. ). De acordo com as supramencionadas interpretações mais recentes, a acumulação primitiva contínua pode ser lida como uma crítica às interpretações ortodoxas, incluindo aquelas que a) analisam a acumulação primitiva exclusivamente como uma fase histórica já concluída, b) postulam o modelo inglês como único caminho de desenvolvimento de sociedades capitalistas modernas, c) concentram-se exclusivamente no processo de proletarização de acordo com o padrão ocidental e d) procuram o sujeito revolucionário apenas entre o proletariado branco e masculino dos países industrializados ocidentais ( Glassman 2006 Glassman, Jim (2006): Primitive accumulation, accumulation by dispossession, accumulation by ′extra-economic′ means, in: Progress in Human Geography 30 (5), 608–625. ). A compatibilidade do conceito analítico para acumulação primitiva com abordagens anti-Eurocêntricas 2 2 Abordagens Eurocêntricas estipulam normas, caminhos de desenvolvimento, formas de expressão cultural e modos de pensamento europeus como padrões para a humanidade. Um aspecto central do Eurocentrismo é que ele distingue depreciativamente qualquer coisa não-europeia daquilo que é europeu ( Hall 1992 ). e anti-essencialistas 3 3 Essencialismo presume que todas as coisas e formas de expressão ancoram certa essencialidade. Eurocentrismo, por exemplo, tem como base a presunção de que existem características genuinamente europeias. Conceitos anti-essencialistas procuram desconstruir essa visão provando que identidades culturais são socialmente construídas e inerentemente dinâmicas ( Hall 1992 ). (ibid.), como foram fortemente influenciadas, a propósito, por Stuart Hall ( Hall 1992 Hall, Stuart (1992): The West and the Rest: Discourse and Power. In: Hall, Stuart; Gieben, Bram (eds.): Formations of Modernity. Cambridge: Polity Press/The Open University. 275-320. ), nesse sentido, baseia-se em sua flexibilidade.

2.2 A dimensão política da acumulação primitiva contínua

Todavia, o que constitui a particularidade da acumulação primitiva? Toda forma de privatização ou exploração é a expressão de uma acumulação primitiva? Como os processos de acumulação primitiva podem ser distinguidos das formas capitalistas ou pré-capitalistas de apropriação, desapropriação ou exploração?

A fim de refinar a precisão analítica do conceito e acrescentar ao seu potencial tempo de diagnóstico, parto da interpretação de Marx apresentada por Massimo de Angelis. Segundo de Angelis, a separação dos produtores dos meios de produção representa o momento crucial da assim chamada acumulação primitiva ( De Angelis 2001 De Angelis, Massimo (2001): The continuous character of capital′s “enclosures”, In: The Commoner (2), 1–22. ), pois somente esta separação cria a relação capitalista específica, com os donos do capital de um lado, e os trabalhadores que são livres, num duplo sentido (livres como indivíduos e livres de quaisquer meios de produção), do outro. Para poderem se reproduzir (roupas, comida, moradia, etc.), os trabalhadores são forçados a vender sua força de trabalho ( Kößler 2013 Kößler, Reinhart (2013): Prozesse der Trennung – Gewalt im Ursprung und fortgesetztes Prozessieren des Kapitals, in: Backhouse, Maria/Olaf Gerlach, Olaf/Stefan Kalmring, Stefan/Nowak, Andreas (eds.): Die globale Einhegung – Krise, ursprüngliche Akkumulation und Landnahmen im Kapitalismus, Münster: Westfälisches Dampfboot, 20–39. : 27). A separação no contexto da acumulação primitiva é distinta dos processos de separação que ocorrem durante o curso regular da acumulação, pois o primeiro cria, pela primeira vez, relações capitalistas ou fundamentalmente reestrutura as existentes a fim de facilitar uma melhor absorção da mais-valia.

Seguindo o foco de de Angelis na luta de classes, considero esses processos de separação como contestados e contingentes ( De Angelis 2001 De Angelis, Massimo (2001): The continuous character of capital′s “enclosures”, In: The Commoner (2), 1–22. ). A partir desta perspectiva, acumulação primitiva contínua não é a expressão de um processo linear ou sequência determinada. Ao contrário, os atores ou classes e suas lutas possuem papel central na análise – movimentos que podem reforçar, mudar ou impedir processos de separação. Esse foco na dimensão política dos processos de separação permite conceber processos de acumulação primitiva em curso como historicamente específicos e abertos.

Outra característica definidora da acumulação primitiva continua é a de que os processos de separação não são induzidos pelas forças do mercado, mas sim através de meios extraeconômicos, incluindo medidas como programas de subsídio governamental, alterações legislativas ou violência (Negt/Kluge 2014 Negt, Oskar/Kluge, Alexander (2014): History and Obstinacy. New York: Zone Books. ). Muitos estudos seguindo David Harvey sobre processos de ‘acumulação por desapropriação’ igualam todos os meios extraeconômicos ou tentam predefini-los. Seguindo a crítica a essa interpretação 4 4 Em seu influente avanço da chamada acumulação primitiva, através de seu conceito de ‘acumulação por desapropriação’, David Harvey dirige sua atenção menos à separação ou ao estabelecimento de relações capitalistas do que ao método de separação - como a privatização ou a financeirização. Apesar de fazê-lo, ele não considera a especificidade da acumulação primitiva em comparação com formas de exploração dentro das relações sociais capitalistas. Sobre isso, ver Harvey (2005) e a crítica de Brenner (2006) , Wood (2007) e Nowak (2013) . sugiro uma posição diferente a esse respeito: se a acumulação primitiva marca a criação inicial ou a reestruturação abrangente das relações capitalistas, então a alavanca extraeconômica não pode ser determinada de maneira abstrata, mas sim identificada a partir de análises caso a caso. Nem a desapropriação, nem a tomada da terra, são, então, a expressão de uma acumulação primitiva contínua, mas a execução ou reestruturação radical das relações capitalistas.

Porém, como classificar processos de separação que não parecem ser socialmente contestados e ainda são apoiados por uma maioria daqueles por eles afetados? Como as estratégias de legitimação de tomada de terras em nome, por exemplo, da proteção climática ou do desenvolvimento econômico podem ser incluídas na análise? O que fazer das disputas sobre a autoridade interpretativa em relação à questão do que é sustentável? Na minha opinião, métodos aparentemente pacíficos de separação não podem ser totalmente compreendidos sem levantar a questão da ideologia. Para este propósito, o conceito de acumulação primitiva contínua deve ser expandido por uma dimensão analítica teórica da ideologia. Como estou prestes a demonstrar, o último já foi sugerido no capítulo de Marx sobre a ‘acumulação primitiva’.

2.3 “A assim chamada Acumulação Primitiva” como crítica da ideologia

O impulso crítico-ideológico do conceito da assim chamada acumulação primitiva em Marx compreende dois aspectos: a) ao fazê-lo, Marx faz uma crítica da economia burguesa e b) simultaneamente, neste capítulo, capta o processo de disciplina e alienação inerente ao processo de separação:

Sobre a) de acordo com Stephen Hymer, William Lazonick and Michael Perelman, o capítulo sobre a chamada acumulação primitiva é uma expressão de uma crítica ideológica radical a respeito da economia burguesa e da noção burguesa da história ( Hymer 1971 Hymer, Stephen (1971): Robinson Crusoe and the secret of primitive accumulation, in: Monthly Review 23, 11–36. ; Lazonick 1974 Lazonick, William (1974): Karl Marx and Enclosures in England, in: Review of Radical Political Economics 6 (1), 1–59. ; Perelman 1983 Perelman, Michael (1983): Classical political economy and primitive accumulation: the case of Smith and Steuart, in: History of Political Economy 15 (3), 451–494. ). Conforme mencionado acima, isso já está claro no título: usando o termo ‘chamada’, Marx distancia-se explicitamente da teoria de Adam Smith sobre uma acumulação ‘primitiva’ como a mera acumulação de um estoque de capital (Smith 1982 Smith Adam (1982 [1776]): The Wealth of Nations: Books I-III. London: Penguin Classics. [1776]). Segundo Marx, não foi a acumulação de um estoque, a diligência de uns poucos, ou a suposta predisposição natural humana ao comércio, mas a afirmação extraeconômica das relações de produção capitalistas que levaram à emergência do capitalismo ( Kalmring 2013 Kalmring, Stefan (2013): Die Krise als Labor gesellschaftlicher Entwicklung. Fortgesetzte ursprüngliche Akkumulation und die große Krise der Kapitalakkumulation, in: Backhouse, Maria, Gerlach, Olaf, Kalmring, Stefan, Nowak, Andreas (eds.): Die globale Einhegung – Krise, ursprüngliche Akkumulation und Landnahmen im Kapitalismus, Münster: Westfälisches Dampfboot, 70–109. : 84 f.). Ao usar a expressão ‘chamada’, Marx ainda confronta, com ironia, a indignação moral da burguesia emergente diante de alguns excessos especialmente cruéis da exploração, por exemplo, nas colônias ou no tráfico de escravos. A crítica ideológica nesse contexto implica confrontar os pilares da autoimagem burguesa (liberdade, igualdade, fraternidade) com descrições e análises históricas a respeito de processos de separação violentos. Tal demarcação crítico-ideológica é possível como resultado de uma compreensão distinta acerca do capital; para Marx, o capitalismo, como explicado acima, são menos uma coisa ou uma ação do que uma relação social específica.

Com referência a b) em suas representações dos processos de disciplinamento dos trabalhadores através de educação, tradição, hábito (MECW 35: 726, port. 983) NT NT Traduções das obras de Marx e Engels foram cotejadas com as versões em português traduzidas pela editora Boitempo. A citação foi mantida com a referência no inglês, conforme o texto original. e violência, Marx trata não apenas da emergente relação de dependência do proletariado com o capital, mas também da internalização das relações de poder. Como escreve Marx, a trajetória em curso da produção capitalista geraria, gradualmente, uma classe trabalhadora “que, por educação, tradição e hábito, reconhece as exigências desse modo de produção como leis da naturais evidentes por si mesmas” (ibid.). Acumulação primitiva contínua permeia o corpo, a identidade, a linguagem e a comunidade. Marx descreve detalhadamente como a acumulação primitiva ajuda a reforçar a ‘disciplina futura do trabalho’ e a posição de sujeito dos trabalhadores em primeiro lugar. (Negt/Kluge 2014 Negt, Oskar/Kluge, Alexander (2014): History and Obstinacy. New York: Zone Books. : 86).

No capítulo sobre a assim chamada acumulação primitiva, o próprio Marx fornece pontos de partida para uma compreensão mais complexa acerca da ideologia, que vai além da noção Marxista ortodoxa de uma manipulação intencional das massas pelas classes dominantes, ou de uma ‘falsa consciência’ ( Lukács 1971 Lukács, Georg (1971): History and Class Consciousness: Studies in Marxist Dialectics. Cambridge: MIT Press. ) por parte dos trabalhadores ( Hall 1988 Hall, Stuart (1988): The Toat in the Garden. Thatcherism among the Theorists. In: Nelson, Cary; Grossberg, Lawrence (eds.): Marxism and the Interpretation of Culture. London: 35-73. ). Isso posto, tais pontos de partida não respondem à questão de como processos de acumulação primitiva contínua são implementados ‘de cima’ nas atuais democracias sem que haja qualquer uso direto de força ou conspiração. Apontar a “a coerção muda exercida pelas relações econômicas” (MECW 35: 726, port.: 983) seria muito unidimensional nesse contexto.

Por todo o campo teórico Marxista, Antonio Gramsci é o único que levanta a questão sobre o consentimento das classes subalternas, notadamente, na forma de sua teoria da hegemonia ( Opratko 2012 Opratko, Benjamin (2012): Hegemonie. Politische Theorie nach Antonio Gramsci, Münster: Westfälisches Dampfboot. : 30). Como pretendo demonstrar a seguir, Stuart Hall desenvolve importantes pontos de partida para o desenvolvimento teórico-ideológico baseado na sua leitura de Gramsci.

2.4 Hegemonia, Ideologia e Prática em Stuart Hall

Stuart Hall desenvolve suas reflexões teórico-ideológicas no contexto de seus estudos sobre Louis Althusser e Gramsci, assim como de sua intervenção política contra o projeto neoliberal do Thatcherismo e formas de exclusão racistas na Inglaterra. O que se segue é um esboço de seus impulsos para um desenvolvimento adicional teórico-ideológico do conceito de acumulação primitiva contínua em cinco etapas - de a) até e):

a) Hall concebe dominação e poder principalmente nos termos do conceito Gramsciano de hegemonia. Seguindo Gramsci, Hall compreende hegemonia como uma forma de dominação, baseada não em primeiro lugar na violência, mas no consentimento ou aquiescência das classes dominadas. Isso não implica dizer que a hegemonia está inteiramente livre da coerção e da violência; assim como outras formas de regramento, ela é ‘protegida pela armadura da coerção’ ( Gramsci 2007 Gramsci, Antonio (2007): Prison Notebooks Vol. III, New York: Columbia University Press : 75). No entanto, a coerção não é o meio primordial aplicado para a manutenção de poder. A predominância de uma classe não pode ser alcançada exclusivamente no nível econômico; ela sempre requer dimensões política, ideológica e econômica, respectivamente. Ao lado do próprio Estado, está acima de toda a sociedade civil (mídia, educação, família), intrinsicamente ligada ao Estado, que é local socialmente contestado da hegemonia nas sociedades modernas ( Opratko 2012 Opratko, Benjamin (2012): Hegemonie. Politische Theorie nach Antonio Gramsci, Münster: Westfälisches Dampfboot. : 40).

O teórico cultural Hall vê o principal mérito do conceito de hegemonia no fato de que as dimensões política, cultural e linguística de poder e dominação entram em uma visão analítica, enquanto as relações históricas e materiais são igualmente mantidas à vista ( Hall 1986 Hall, Stuart (1986): Gramsci’s Relevance for the Study of Race and Ethnicity. In: Journal of Communication Inquiry, 10 (2), 5-27. ). De um ponto de vista teórico-hegemônico, existem ideologias dominantes que são socialmente produzidas e reproduzidas e que persistem de forma estável durante longos períodos de tempo. O que é essencial para Hall é a noção de que a hegemonia nunca está completa, mas representa um campo de contestação social (ibid.). Nessa perspectiva, as ideologias dominantes também são contestadas e, correspondentemente, inerentemente dinâmicas e finitas.

b) Hall explicitamente se abstém de equacionar a ideologia com a falsa consciência. Ao invés disso, usa a primeira de uma maneira mais neutra, no sentido de ‘concepção do mundo’ ( Hall 1986 Hall, Stuart (1986): Gramsci’s Relevance for the Study of Race and Ethnicity. In: Journal of Communication Inquiry, 10 (2), 5-27. : 20) ou como uma referência ‘imagens, conceitos e premissas [...] através dos quais nós representamos, interpretamos, compreendemos e entendemos alguns aspectos da existência social’ ( Hall 1995 Hall, Stuart (1995): The Whites of their Eyes. Racist Ideologies and the Media. In: Dines, Gail and Humez, Jean M. (eds.): Gender, Race and Class in Media. A Text Reader: London: Sage Publications, 18-22 (Original in: Bridges and Brunt, R. (eds.)(1981): Silver Linings: Some Strategies for the Eighties. London: Lawrence and Wishart Ltd.) : 18). A circunstância de que ele não justapõe uma suposta falsa consciência com uma consciência ‘correta’ sublinha o fato de que, para Hall, não existe pensamento isento de ideologia. Através dessa compreensão neutra da ideologia, ele se distingue do Marxismo ortodoxo de três maneiras: primeiro, rejeita o determinismo econômico, que ou deduz todos os campos sociais (como ideologia, cultura, política) a partir de uma base econômica, ou reduz os primeiros à última. Em segundo lugar, contrastando com o Marxismo ortodoxo, Hall não presume que existam classes homogêneas cujos interesses e opiniões são rastreáveis às suas posições econômicas. Em terceiro lugar, Hall também rejeita a compreensão clássica da ideologia como sustentada, por exemplo, na ideologia alemã de Marx e Engels (1988). Ele contradiz a frase de Marx segundo a qual “ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante” (MECW 5: 59). Hall não considera ideologias como sendo a expressão de uma conspiração ou manipulação vinda de cima. E ainda, em sua opinião, elas só podem ser compreendidas se combinadas com as classes sociais e assimétricas, e as relações de poder – afinal, segundo Hall, existe uma distribuição assimétrica do conhecimento ( Hall 1988 Hall, Stuart (1988): The Toat in the Garden. Thatcherism among the Theorists. In: Nelson, Cary; Grossberg, Lawrence (eds.): Marxism and the Interpretation of Culture. London: 35-73. : 44). Isso pode ser explicado, dentre outras coisas, pelas raízes de classe de instituições como a escola ou a mídia, que contribuem para a produção e disseminação do conhecimento, continua Hall. A questão sobre quais ideias políticas ou concepções de mundo se afirmam e determinam o horizonte para o que é aceito como dado naturalmente ou ‘verdadeiro’ em toda a sociedade depende, em termos teórico-hegemônicos, de uma dominação da esfera simbólica, (ibid.), explica.

c) O campo no qual a hegemonia é contestada ideologicamente é o que é geralmente chamado de senso comum, ou consciência cotidiana ( Hall 1986 Hall, Stuart (1986): Gramsci’s Relevance for the Study of Race and Ethnicity. In: Journal of Communication Inquiry, 10 (2), 5-27. ). Para Gramsci, é um conglomerado contraditório de valores morais, pontos de vista culturais e experiências concretas que é e permanecerá contraditório ( Becker et al. 2013 Becker, Florian; Candeias, Mario; Niggemann, Janek; Steckner, Anne (eds.) (2013): Gramsci lesen. Einstiege in die Gefängnishefte, Hamburg: Argument. : 111 ff.). A hegemonia só pode ser alcançada se a classe dominante conseguir se conectar de forma convincente com a consciência cotidiana das classes dominadas. Como ficará claro nos próximos dois pontos (d e e), Hall atribui importância ao pensamento de que a consciência cotidiana nunca pode ser totalmente cooptada ou manipulada devido a seu caráter eclético e suas contradições. Pode, portanto, ser o lugar ou a fonte do pensamento e da ação subversivos, tanto reacionário quanto revolucionário ( Hall 1988 Hall, Stuart (1988): The Toat in the Garden. Thatcherism among the Theorists. In: Nelson, Cary; Grossberg, Lawrence (eds.): Marxism and the Interpretation of Culture. London: 35-73. ).

d) No entanto, como as ideologias são produzidas, desafiadas e mudadas? A fim de analisar a produção ideológica cotidiana, Hall se apropria de algumas das terminologias usadas por Louis Althusser e Michel Foucault. Especificamente, traz de Althusser a noção segundo a qual as ideologias estão sempre ligadas a certas práticas através das quais são desenvolvidas, produzidas e reproduzidas – por instituições influentes, como a mídia, escolas e práticas do dia a dia ( Hall 1977 Hall, Stuart (1977): The ‚Political‘ and The ‚Economic‘ in Marx’s Theory of Classes. In: Hall, Stuart (ed.): Class and Class Structure. London: 15-60. ). Foucault, por outro lado, lhe entrega aspectos analíticos do discurso que ajudam a entender melhor como funcionam as ideologias, como elas constroem seus próprios objetos de conhecimento e assuntos e que lógica inerente elas seguem ( Hall 1988 Hall, Stuart (1988): The Toat in the Garden. Thatcherism among the Theorists. In: Nelson, Cary; Grossberg, Lawrence (eds.): Marxism and the Interpretation of Culture. London: 35-73. : 51). Correspondentemente, ideologias produzem posições de sujeito a partir da perspectiva de que o mundo faz sentido ( Hall 1992 Hall, Stuart (1992): The West and the Rest: Discourse and Power. In: Hall, Stuart; Gieben, Bram (eds.): Formations of Modernity. Cambridge: Polity Press/The Open University. 275-320. : 202). Seguindo a abordagem Foucaultiana, segundo Hall, é possível analisar como as verdades são produzidas e quais perspectivas ou formas de conhecimento, ao contrário, são descartadas como falsas. O conceito de Foucault de prática discursiva como poderosa produção de significado, além disso, fornece a ele uma compreensão mais ampla do poder (ibid. 201): Juntamente com o poder vertical no sentido de exercer poder (governamental), a produtividade horizontal de um micro-poder difuso é objeto de uma visão analítica. Não é exercido por um centro de poder, mas permeia, por exemplo, na forma de práticas cotidianas, todos os campos sociais, incluindo as mentes e os corpos dos membros da sociedade. As representações de Foucault sobre processos disciplinadores e auto otimização (e.g. Foucault 1995 Foucault, Michel (1995): Discipline and Punish: The Birth of the Prison. New York: Vintage Books. ) reverberam a descrição Marxista dos processos disciplinadores que duram por séculos, ao final dos quais os assalariados entram em cena (ver acima). Por mais que Hall possa construir a partir de Althusser e Foucault, as diferenças se tornam claras de qualquer forma: em contraste com o preconizado por Althusser, para Hall, ideologias e aparatos ideológicos não contribuem, em termos funcionalistas, para a reprodução da sociedade, mas também são contestados e podem ser subversivos. Contrastando com Foucault, Hall concebe as práticas e os conflitos sociais ao redor da autoridade interpretativa em termos marcadamente Gramscianos, como hegemonia, classes e equilíbrio de forças. Hegemonia, no sentido Gramsciano, representa um ‘modo de exercer poder sob condições capitalistas’ ( Opratko 2012 Opratko, Benjamin (2012): Hegemonie. Politische Theorie nach Antonio Gramsci, Münster: Westfälisches Dampfboot. : 189).

e) O conceito de Hall sobre articulação, o qual foi desenvolvido durante sua leitura de Ernesto Laclau, Louis Althusser e Michel Foucault no contexto de seus estudos sobre mídia, é certamente útil para a análise concretada dimensão ideológica da acumulação primitiva contínua ( Hall 1980 Hall, Stuart (1980): Race, Articulation and Societies structured in Dominance. In: Sociological Theories: Race and Colonialism. Paris: UNESCO. 304-345. ). De acordo com Hall, o termo ‘articulação’ possui dois níveis semânticos: de um lado, “carrega o sentido de linguagem, de expressar, etc.”( Grossberg 1996 Grossberg Laurence (ed.)(1996): On Postmodernism and Articulation: an Interview with Stuart Hall. In: Morley, Daivd; Chen, Kuan-Hsing (eds.): Stuart Hall. Critical Dialogues in Cultural Studies. London: Routledge. 131-150. : 141) De outro lado, denota uma forma de conjunção que pode (mas não necessariamente o faz) estabelecer uma unidade temporária e contingente entre elementos distintos (discursivos, ideológicos, práticos) (ibid.). Com esse entendimento em mente, Hall considera a articulação como uma ferramenta analítica útil para estudar ideologias como ‘articulação de diferentes elementos em um conjunto ou cadeia de significados distintos’ ( Hall 1995 Hall, Stuart (1995): The Whites of their Eyes. Racist Ideologies and the Media. In: Dines, Gail and Humez, Jean M. (eds.): Gender, Race and Class in Media. A Text Reader: London: Sage Publications, 18-22 (Original in: Bridges and Brunt, R. (eds.)(1981): Silver Linings: Some Strategies for the Eighties. London: Lawrence and Wishart Ltd.) :18). Ao mesmo tempo, o termo articulação também tem implicações epistemológicas e políticas: mesmo que não possa existir pensamento livre de ideologia, as ideologias dominantes podem, não obstante, ser criticadas e alteradas. Um grau de escopo de ação para a afirmação de ideologias dominantes, como o neoliberalismo, bem como os correspondentes contra-projetos (utópicos, subversivos) é plausível, segundo Hall, porque os elementos divergentes de uma unidade discursiva transitória podem ser removidos e reinterpretados, ou, em suas palavras, ‘rearticulados’ ( Grossberg 1996 Grossberg Laurence (ed.)(1996): On Postmodernism and Articulation: an Interview with Stuart Hall. In: Morley, Daivd; Chen, Kuan-Hsing (eds.): Stuart Hall. Critical Dialogues in Cultural Studies. London: Routledge. 131-150. : 141). Oportunidades para pensamento e ação subversivos ocorrem porque os sujeitos não apenas são controlados por discursos poderosos, mas também se constituem e se posicionam como indivíduos. (ibid.). Hall, portanto, não entende atores em um sentido voluntarista, isolados das relações sociais. No entanto, em sua visão, não são determinados por estas últimas, mas por todos os meios capazes de compreender, questionar criticamente e intervir em questões políticas: ‘uma das formas pelas quais a luta ideológica acontece e as ideologias são transformadas é a articulação dos elementos de maneira diferente, produzindo, por conseguinte, um significado distinto...’( Hall 1995 Hall, Stuart (1995): The Whites of their Eyes. Racist Ideologies and the Media. In: Dines, Gail and Humez, Jean M. (eds.): Gender, Race and Class in Media. A Text Reader: London: Sage Publications, 18-22 (Original in: Bridges and Brunt, R. (eds.)(1981): Silver Linings: Some Strategies for the Eighties. London: Lawrence and Wishart Ltd.) : 19).

2.5 … e o conceito analítico flexível de acumulação primitiva contínua

As reflexões crítico-ideológicas de Stuart Hall são conducentes à análise de formas contemporâneas de acumulação primitiva contínua, porque ele não põe o foco analítico apenas nos processos de separação e de criação de novas relações capitalistas, mas também nas (a eles relacionadas) estratégias de legitimação, práticas cotidianas, posições do sujeito e lutas sociais pela autoridade interpretativa. Isso permite, simultaneamente, uma compreensão mais profunda das agitações e contestações sociais em curso, bem como dos atuais campos de intervenção política. Com base nas considerações discutidas até aqui, em referência a Marx, De Angelis e Hall, desenvolvi um conceito analítico flexível para a análise empírica de processos indicando uma assim chamada acumulação primitiva (ver Backhouse 2015). Tal conceito compreende três dimensões analíticas interligadas no que tange a processos de separação primeira no contexto de crise múltipla do capital: as dimensões material, política e ideológica da investigação.

a) Na dimensão material, a criação ou reestruturação das relações capitalistas é analisada. O primeiro passo consiste na coleta de evidências de que determinado processo de separação se assemelha à acumulação primitiva contínua. A partir disso emergem as questões concretas da pesquisa: até que ponto os produtores são separados de seus meios de produção? Até que ponto existe absorção do excedente? Até que ponto as relações não capitalistas são apropriadas pelo capitalismo, reestruturadas ou combinadas com relações capitalistas? Quais meios extraeconômicos (como violência, legislações ou programas governamentais) são deslocados neste processo de separação?

b) A dimensão política direciona o foco analítico para os atores, relações de classe e conflitos em torno dos processos de separação. Em relação à dimensão política, são questões orientadoras, dentre outras: Quais forças estão no controle dos processos de separação? Quem se beneficia dessa separação? Quem assume qual posição neste processo? Quais necessidades (de classe) estão sendo satisfeitas? Até que ponto estão ocorrendo conflitos sociais? Quais espações de articulação política estão emergindo ou desaparecendo para quem?

c) A dimensão ideológica, finalmente, pertence às estratégias de legitimação, práticas e posições de sujeito durante o processo de separação. Isso requer uma análise precisa da articulação de distintos elementos de significação vis-à-vis ideologias influentes: De que maneira os processos de separação são legitimados em termos de serem percebidos como necessários e sem alternativa? Quais ideologias poderosas de desenvolvimento e progresso são deslocadas, por exemplo, na articulação da privatização dos bens comuns? O que é construído como ‘verdadeiro’ e ‘falso’, respectivamente, ao longo das correntes de raciocínio das ideologias dominantes? Quem (por exemplo, instituições sociais ou Think Tanks) produz ou reproduz essas crenças? Como tais crenças permeiam a consciência cotidiana dos indivíduos? Como elas são (re)produzidas através de micro-práticas cotidianas? Quais posições de sujeito emergem? Quais contradições estão contidas nas correntes de raciocínio? Quais formas de contradição ou resistência existem no nível da interpretação? No âmbito de quais grupos elas se originam?

As três dimensões analíticas estão intrinsecamente ligadas entre si e nenhuma deve ser considerada isoladamente, nem deduzida de outra de maneira determinista. De acordo com o ‘contextualismo radical’ de Hall ( Winter 2009 Winter, Rainer (2009): Cultural Studies, in: Flick, Uwe; von Kardoff, Ernst /Steinke, Ines (Hg.): Qualitative Forschung. Ein Handbuch, Reinbeck, 204–213. : 208), incluir o contexto social histórico na análise é crucial para a investigação. É a única maneira de evitar a generalização de eventos históricos específicos ou forçar desenvolvimentos heterogêneos em esquemas rígidos de desenvolvimento.

III. Prospecto

Este artigo delineou um conceito analítico flexível para o estudo de processos de acumulação primitiva contínua no contexto das múltiplas constelações de crise do capitalismo contemporâneo ( Demirovic et al. 2011 Demirović, Alex; Dück, Julia; Becker, Florian; Bader, Pauline (eds.) (2011): VielfachKrise. Im finanzdominierten Kapitalismus, Hamburg. ). O benefício desse conceito analítico reside em sua aplicabilidade ao amplo espectro dos campos sociais – da valoração da natureza à precarização do trabalho – quando adequadamente adaptado ao respectivo campo 5 5 Sobre a adaptação da acumulação primitiva contínua conceito analítico de Green Grabbing, que é aplicada ao estudo da apropriação de terras agrícolas sob o pretexto de medidas para o clima e proteção ambiental, ver Backhouse (2013 ; 2016). . A plausibilidade deste conceito analítico flexível surge da fusão de três aspectos que se caracterizam no debate sobre a recepção da acumulação primitiva: a) o aspecto da separação do produtor dos meios de produção, que é b) politicamente contestado, bem como c) a teoria da ideologia transmitida pela acumulação primitiva.

Em minha opinião, é precisamente a ‘neutralidade’ da noção de Hall acerca da ideologia, em referência a Gramsci e Foucault, a mais propícia para o entendimento sobre como ideias dominantes e posições de sujeito específicas são produzidas, reproduzidas e subvertidas – ainda que seja impossível, por essa perspectiva, os intelectuais críticos adotarem uma ‘verdadeira’ posição externa vis-à-vis relações sociais.

Ademais, essa interpretação neutra da ideologia apresenta pontos de partida para conceitos anti-essencialistas e anti-eurocêntricos, como surgiram nas últimas três décadas, particularmente nos campos de debate feminista, pós-colonial, des-colonial e antirracista, respectivamente, ao longo do debate crítico com a desconstrução e o pós-estruturalismo.

O avanço do conceito de acumulação primitiva contínua certamente se beneficiaria de uma combinação mais abrangente com essas perspectivas, que, por seu turno, exigirão pesquisa futura:

Primeiramente, a noção de ideologia aqui apresentada permite a inclusão de perspectivas anti-racistas e feministas sobre a construção social e a (re)produção de distintos eixos de diferenciação que atravessam fronteiras de classe. Visto que estes não são, de modo algum, meros fenômenos ideológicos, essas perspectivas distintas sobre a interseccionalidade das diferentes dimensões da desigualdade devem ser mais intimamente fundidas com as reinterpretações feministas da acumulação primitiva (ver, por exemplo, Whitehead, 2016 Whitehead, Judith (2016): Intersectionality and Primary Accumulation. In: Monthly Review 68(6). https://monthlyreview.org/2016/11/01/intersectionality-and-primary-accumulation/ (August 15, 2018).
https://monthlyreview.org/2016/11/01/in...
). Isso oferece uma explicação mais plausível, em primeiro lugar, a respeito de por que os processos de separação segundo as linhas de gênero, raça ou outros eixos de diferença geralmente seguem trajetórias distintas e, em segundo lugar, de como diferentes modos de produção são recombinados. O foco nos processos de separação exige o levantamento incessante das questões de classe e luta de classes, em vez de dissolvê-las só em análises de classismo. 6 6 O termo classismo foi introduzido pela primeira vez nos debates Norte-Americanos sobre racismo e sexismo e foca em discriminação discursiva e cultural, baseada em características específicas de classe ou pobreza.

Em segundo lugar, a inclusão das perspectivas pós-coloniais e des-coloniais nas análises dos processos de acumulação primitiva podem reforçar os impulsos anti-essencialistas e anti-eurocêntricos das interpretações neomarxistas da década de 1970, conforme apontado por Jim Glassman ( Glassman 2006 Glassman, Jim (2006): Primitive accumulation, accumulation by dispossession, accumulation by ′extra-economic′ means, in: Progress in Human Geography 30 (5), 608–625. : 610). Pois é o foco pós-colonial na ligação entre produção de conhecimento e relações de poder que permite mostrar como, em uma escala global, as noções eurocêntricas de desenvolvimento e progresso são articuladas e (re) produzidas em diferentes níveis, por meio de discursos específicos, posições de sujeito e práticas (ver, e.g., Ziai 2007 Ziai, Aram (Hg.)(2007): Exploring post-development. Theory and practice, problems and perspectives, London u. New York. ; Escobar 2007 Escobar, Arturo (2007): Worlds and Knowledges otherwise. The Latin American modernity/coloniality research program. Cultural Studies 21 (2-3), 179-210. ; 2008 Escobar, Arturo (2008): Territories of Difference: Place, Movements, Life, Redes. Durham: Duke University Press. ). Outro mérito dos estudos pós- e des-coloniais é ter provado, em inúmeros estudos, a enorme extensão da inter-relação e contestação das histórias, e da auto-compreensão do Ocidente e do hemisfério sul. Isso permite um enfoque analítico historicamente informado sobre emaranhamentos e interdependências no contexto de processos contínuos de acumulação primitiva contínua em escala global.

Por outro lado, e em terceiro lugar, o conceito de acumulação primitiva fornece uma base político-econômica para as descrições das histórias inter-relacionadas compartilhadas pelo Sul global e o Norte global, ou a produção de conhecimento assimétrica e eurocêntrica sobre o chamado ‘resto’ do mundo ( Hall 1992 Hall, Stuart (1992): The West and the Rest: Discourse and Power. In: Hall, Stuart; Gieben, Bram (eds.): Formations of Modernity. Cambridge: Polity Press/The Open University. 275-320. ). Uma crítica frequentemente levantada (e, de fato, justificável) sobre as ‘pós’ teorias listadas é que elas tendem a cair, em suas tentativas legítimas de se distinguir do economicismo Marxista, em uma espécie de culturalismo. ( Ahmad 2003 Ahmad, Aijaz (2003): The Politics of Literary Postcoloniality. In: Mongia, Padmini (Hg.): Contemporary Postcolonial Theory. A Reader, London. 276-293. ). A desconstrução dos universais, no entanto, permanece sem consequências se apenas fizermos a pergunta sobre o ‘como’ com relação à construção e reprodução de constelações de poder-conhecimento, negligenciando a análise do ‘porquê’ em relação a contextos político-econômicos e constelações de classe. Embora a economia não determine todas as outras esferas sociais, no entanto, de acordo com Hall, ela evidencia o campo no qual a hegemonia social é contestada. Stuart Hall forneceu impulsos em inúmeros escritos sobre como praticar a formação efetiva de teorias para além do economicismo e do culturalismo. Como espero ter mostrado, uma consequência disso é a necessidade substancial de pesquisas sobre o tema.

  • 1
    Gostaria de agradecer a competente tradução do inglês para o português realizada por Raphaela Magnino Rosa Portilho.
  • 2
    Abordagens Eurocêntricas estipulam normas, caminhos de desenvolvimento, formas de expressão cultural e modos de pensamento europeus como padrões para a humanidade. Um aspecto central do Eurocentrismo é que ele distingue depreciativamente qualquer coisa não-europeia daquilo que é europeu ( Hall 1992 Hall, Stuart (1992): The West and the Rest: Discourse and Power. In: Hall, Stuart; Gieben, Bram (eds.): Formations of Modernity. Cambridge: Polity Press/The Open University. 275-320. ).
  • 3
    Essencialismo presume que todas as coisas e formas de expressão ancoram certa essencialidade. Eurocentrismo, por exemplo, tem como base a presunção de que existem características genuinamente europeias. Conceitos anti-essencialistas procuram desconstruir essa visão provando que identidades culturais são socialmente construídas e inerentemente dinâmicas ( Hall 1992 Hall, Stuart (1992): The West and the Rest: Discourse and Power. In: Hall, Stuart; Gieben, Bram (eds.): Formations of Modernity. Cambridge: Polity Press/The Open University. 275-320. ).
  • 4
    Em seu influente avanço da chamada acumulação primitiva, através de seu conceito de ‘acumulação por desapropriação’, David Harvey dirige sua atenção menos à separação ou ao estabelecimento de relações capitalistas do que ao método de separação - como a privatização ou a financeirização. Apesar de fazê-lo, ele não considera a especificidade da acumulação primitiva em comparação com formas de exploração dentro das relações sociais capitalistas. Sobre isso, ver Harvey (2005) Harvey, David (2005): The New Imperialism. Oxford: Oxford University Press e a crítica de Brenner (2006) Brenner, Robert (2006): What is, and what is not, Imperialism? In: Historical Materialism 14(4), 79-105. , Wood (2007) Wood, Ellen Meiksins (2007): Logics of power: A conversation with David Harvey. In: Historical Materialism 14(4), 9-34. e Nowak (2013) Nowak, Andreas (2013): Es grünt so grün. Green Grabbing und Akkumulation durch Enteignung, in: Backhouse, Maria/Gerlach, Olaf/Kalmring, Stefan/Nowak, Andreas (Hg.): Die globale Einhegung – Krise, ursprüngliche Akkumulation und Landnahmen im Kapitalismus, Münster: Westfälisches Dampfboot, 245–260. .
  • NT
    Traduções das obras de Marx e Engels foram cotejadas com as versões em português traduzidas pela editora Boitempo. A citação foi mantida com a referência no inglês, conforme o texto original.
  • 5
    Sobre a adaptação da acumulação primitiva contínua conceito analítico de Green Grabbing, que é aplicada ao estudo da apropriação de terras agrícolas sob o pretexto de medidas para o clima e proteção ambiental, ver Backhouse (2013 Backhouse, Maria (2013): A despropriação sustentável da Amazônia. O caso dos investimentos em dendê no Pará. Fair Fuels? Working Paper 6. Berlin, http://www.fair-fuels.de/data/user/Download/Ver%C3%B6ffentlichungen/FairFuels-Working_Paper_6_Portuguese.pdf. (August 15, 2018)
    http://www.fair-fuels.de/data/user/Down...
    ; 2016 Backhouse, Maria (2016): The Discursive Dimension of Green Grabbing: Palm Oil Plantations as Climate Protection Strategy in Brazil. In: Pléyade, Revista de Humanidades y Ciencias Sociales, No. 18. 131 - 157. ).
  • 6
    O termo classismo foi introduzido pela primeira vez nos debates Norte-Americanos sobre racismo e sexismo e foca em discriminação discursiva e cultural, baseada em características específicas de classe ou pobreza.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2018
  • Data do Fascículo
    Set 2018

Histórico

  • Recebido
    30 Jun 2018
  • Aceito
    05 Ago 2018
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