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Feitiçaria na vila de Curitiba: direito e misoginia (xviii)

Witchcraft in Curitiba’s village: law and misogyny (xviii)

Resumo

Traçaremos a relação feitiçaria e mulheres no período colonial brasileiro por meio de um processo criminal secular que apurou o delito de feitiçaria na Vila de Curitiba, da segunda metade do Século XVIII. O percurso do texto partiu de um panorama geral da “caça às bruxas” na Europa, distinguindo as particularidades em Portugal, comparando a feitiçaria metropolitana e a colonial e averiguando a mentalidade misógina na Colônia.

Palavras-chave:
Caça às bruxas; Misoginia; Direito colonial

Abstract

We will trace the connection between witchcraft and women on the Brazilian colonial period through one secular criminal case of witchcraft indictment, in the mid to late 18th Century Curitiba’s Village. This path begins in a “witch hunt” panoramic view at Europe, distinguishing Portuguese differences, comparing metropolitan and colonial witchcraft and examining the misogynistic mentality in the Colony.

Keywords:
Witch hunt; Misogyny; Colonial law

1. Considerações iniciais

A atual popularidade da “caça às bruxas”, ocorrida na época moderna, é tributária do movimento feminista norte-americano, do final da década de 1970, que inclusive adotou as bruxas como mascotes relacionando feministas e mulheres perseguidas (muitas vezes, pelo simples fato de terem nascido mulher).

Acrescentamos ainda que tal visibilidade também é fruto de teorias desenvolvidas na academia, como a teoria do gênero de Joan Scott. (1992 SCOTT, Joan. A História das mulheres. In: BURKE, Peter (org.). A escrita da história. 7 reimp. Ed. Unesp, 1992, pp. 63-96. , p. 63-96). Essa assertiva pode soar banal. Mas até a chegada das mulheres – alunas e professoras – nas universidades na década de 30, elas eram (quando eram) instrumento de estudo dos homens. Compreendendo, mas não justificando, sua invisibilidade na história, elas começaram um processo de resgate do passado, de compreensão do presente e de proposição do futuro.

Talvez em razão disso, questões que envolvam igualdade de gênero, pauta da luta feminista, ainda incomodam. O vergonhoso e triste episódio da queima de uma efígie de Judith Butler (2017) BUTLER, Judith. Judith Butler escreve sobre sua teoria de gênero e o ataque sofrido no Brasil. Jornal Folha de São Paulo, Ilustríssima, 2017. Disponível em: http://m.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/11/1936103-judith-butler-escreve-sobre-o-fantasma-do-genero-e-o-ataque-sofrido-no-brasil.shtml?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=compfb. Acesso em 19.nov. 2017.
http://m.folha.uol.com.br/ilustrissima/...
, que conferenciava em São Paulo, provocou a filósofa queer a comentar o fato. Nessa oportunidade, ressaltou que o fantasma das feiticeiras diabólicas (mulheres cujas crenças não se enquadravam nos dogmas aceitos pelas Igrejas) reverbera numa compreensão equivocada da “ideologia de gênero”, por conservadores ressentidos com a autonomia das mulheres.

Não obstante, a produção historiográfica acerca da “caça às bruxas” é vastíssima e plural, produzida por historiadores e historiadoras, desde o século XIX. Jules Michelet (1992) MICHELET, Jules. A feiticeira. São Paulo: Círculo do livro, 1992. , em “A feiticeira”, foi o primeiro historiador a afirmar que tal fenômeno, em realidade, foi uma caça às mulheres e que as feiticeiras não passavam de vítimas da sociedade do Antigo Regime. Efetivamente, os números apresentados por diversos historiadores apontam que as mulheres foram as principais vítimas da caça promovida por instituições repressoras das Coroas e Igrejas ( SALLMANN, 2009 SALLMANN, Jean-Michel; Strega. In: DUBY, Georges; PERROT, Michelle. Storie delle donne: dall Rinascimento all’età moderna. 6. Ed. Bari: Laterza, 2009, pp. 455- 470. , p. 456; DELUMEAU, 2009 DELUMEAU, Jean. História do medo no ocidente (1300-1800). São Paulo: Companhia das Letras, 2009. , p.545).

Apesar disso, a rememoração desses fatos não raro é anacrônica, excludente ou determinista. Primeiro, porque pautada em instituições e valores que tomam a “caça às bruxas” como algo único e universal no tempo, o que leva a falsas impressões, como a ideia de que a perseguição foi mais intensa na Idade Média do que na Moderna. Segundo, porque desconsideram as particularidades do fenômeno nos mais diversos países e continentes. Portugal, por exemplo, não teve uma intensa “caça às bruxas”. Por fim, porque a perseguição foi multifatorial, decorreu de questões culturais, sociais, econômicas, mas também da condição de se nascer mulher em um espaço/tempo onde a misoginia estruturava “naturalmente” as relações sociais. (PAIVA, 1992 ______. Práticas e crenças mágicas. O medo e a necessidade dos mágicos na diocese de Coimbra (1650-1740). Coimbra: Minerva, 1992. , p. 33-35).

Como já se pode vislumbrar, a complexidade do assunto exige que sejam retomadas suas principais características e seus fatores desencadeadores – especialmente a misoginia, e a sua representação na América Portuguesa. Essa tarefa será retomada a partir de um processo criminal da segunda metade do século XVIII, tramitado na justiça secular ordinária da Vila de Curitiba e cujo objetivo era a investigação de um caso de “feitiçaria por malefício” 1 1 Este artigo parte de duas fontes que tratam do mesmo fato. A primeira é a devassa denominada, aqui, de “Cartório das feiticeiras”, da qual se originou a outra fonte os “Autos cíveis de Libelo criminal”, cuja ré foi Cipriana Rodrigues. Respectivamente: Departamento Estadual de Arquivo Público do Paraná (DEAP). BR PRAPPR PB 045 PC 1363.41, Cx.41, 1763. Doravante DEAP. PC 1363.41; Departamento Estadual de Arquivo Público do Paraná (DEAP). BR PRAPPR PB 045 PC 1837.57, Cx.57, 1773. Doravante DEAP. PC 1837.57. .

Por derradeiro, antes de ingressar especificamente na relação entre feitiçaria e mulheres, convém esclarecer que empregamos a expressão “caça às bruxas” ao referir a perseguição intensa e difusa na Época Moderna. Já o termo feitiçaria será utilizado porque assim consta nas Ordenações Filipinas, nas Constituições de Arcebispados, nos Regulamentos da Inquisição e na doutrina portuguesa. Em Portugal, por sinal, o termo oscilou na produção científica tanto da Época Contemporânea como da Moderna em todos os estratos sociais ( BETHENCOURT, 2004 BETHENCOURT, Francisco. O Imaginário da Magia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. , p. 50-54).

Também optamos pelo amplo sentido do termo feitiçaria, para o qual não importa a qualidade do ato – como fazem os ingleses: seja por uma condição inerente de seu agente (bruxaria) ou por se utilizar de técnicas e mecanismos (feitiçaria). ( THOMAS, 1991 THOMAS, Keith. Religião e o declínio da magia. São Paulo: Cia das Letras, 1991. , p. 376.). Nem usa a distinção antropológica inglesa que faz distinções entre bruxas (witchcraft: envolve pacto com o demônio, voo noturno e sabá) e feiticeiras (sorcery: cobre um conjunto de técnicas e ritos mágicos que se inserem no espaço cotidiano) ( EVANS-PRITCHARD, 2004 EVANS-PRITCHARD, Edward E. Bruxaria, oráculos e magia entre os Azende. São Paulo: Zahar, 2004. ). Portanto, a compreensão da feitiçaria não se restringe à ideia teológica das feiticeiras, como agentes representantes e adoradoras do Diabo, circulante nas elites: ela abrange também as superstições e a noção popular das práticas mágicas. Isto porque foi predominantemente nesse sentido que a perseguição se deu em Portugal ( BETHENCOURT, 2004 BETHENCOURT, Francisco. O Imaginário da Magia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. . p. 50-54).

Posta a problemática e feitas as considerações preliminares, o percurso a ser trilhado será o seguinte: a) apontamentos gerais acerca de alguns fatores que desencadearam “caça às bruxas”; b) análise do fator misoginia: suas premissas e consequências; c) síntese do fenômeno em Portugal e no Brasil, destacando suas especificidades; d) apresentação das feiticeiras processadas na Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinheirais de Curitiba, na segunda metade do século XVIII.

2. “Caça às bruxas”: apontamentos gerais

A “caça às bruxas” foi um fenômeno ocorrido em grande parte da Europa durante a Época Moderna. Enquanto o ápice da perseguição se deu nos séculos XVI e XVII, o seu declínio começou no curso do século XVIII. 2 2 A mudança no clima religioso; a difusão da filosofia mecanicista; as ideias humanistas, o discurso médico cético; um desencantamento do mundo; um melhoramento nas condições econômicas e sociais da população europeia, contribuíram para o fim da perseguição. Além desses fatores, o pensamento e a prática jurídica dos tribunais também são apontados como determinantes, pois houve relutância de magistrados em processarem as feiticeiras; um maior número de absolvições; anulações de processos de justiças locais por parte das altas cortes; introdução de novas normas processuais; abolição da tortura como meio para se chegar a confissão (prova plena); e, por fim, ocorreu a revogação de leis que prescreviam o crime em diversos territórios.

Os historiadores que se debruçam sobre o tema, cada qual com sua abordagem e metodologia, registram alguns fatores que tornavam factíveis a crença e a perseguição. Não fugindo das características que marcam cada corrente, pode-se dizer que a historiografia francesa destacou as mentalidades e alta cultura; a inglesa, encampou uma análise funcional social; e, a italiana, dentro de ideia de circularidade cultural, ressaltou o impacto das crenças, mitos e ritos no imaginário da sociedade moderna, como fatores que desembocaram no fenômeno da “caça às bruxas”. A historiografia brasileira também examinou a questão e direcionou a pesquisa para os efeitos na Colônia. Para Laura de Mello e Souza (2009 SOUZA, Laura de Mello. O Diabo e a Terra de Santa Cruz. Feitiçaria e religiosidade popular no Brasil Colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. , p. 208), na encruzilhada dos níveis culturais diferentes, a feitiçaria se sobressai como objeto de estudo por mostrar que foi uma forma de ajuste do colono ao meio, ressaltando seu potencial elucidativo para compreender o Brasil colonial.

Um primeiro fator é a mentalidade mágica existente na Modernidade. A proposta neoplatonista facilitava compreensão do universo pela representação. Essa última escola de filosofia pagã antiga é caracterizada pela tendência de apagar a diferença entre espírito e matéria, aceitando todas as histórias, inclusive as mais absurdas, para depois procurar explicações. Assim, em uma outra epistemologia, que não colocava os fatos à prova (demonstração), o universo era representado, pela elite letrada, como um “complexo animado de espaços e elementos no qual sobressai o céu, a terra, a água, e o empíreo (residência de deus e dos santos exterior a superfície celeste).” Nesse compasso, “o mundo superior (o céu) estaria ligado ao mundo inferior (a terra) por um tecido de correspondências secretas, de simpatias e aversões ocultas, no qual os astros desempenham um papel fundamental” ( BETHENCOURT, 2004 BETHENCOURT, Francisco. O Imaginário da Magia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. , p. 142).

Esse quadro de fluidez, bastante distante da filosofia mecanicista, fazia com que a sociedade se sentisse vulnerável, enquanto o homem, que a integrava, se via extremamente dependente da sua relação com o cosmos/natureza ( GROSSI, 2014 GROSSI, Paolo. A ordem jurídica medieval. São Paulo: Martins Fontes, 2014. , p. 93-98). Diz-se, por isso, que a relação do homem com o universo era negociada: negociava-se com os espíritos que o povoavam e o animavam, os quais podiam ser divinos, satânicos ou as almas dos mortos ( FOUCAULT, 2010 FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. 9.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. , p. 46). Havia especialistas para mediar o ato, sendo capazes de desvendar, controlar e alterar as mensagens cósmicas. Entre eles, as feiticeiras, agentes intermediárias com capacidade de “compreender, penetrar e inflectir o complicado jogo de forças ocultas que se faz sentir tanto no nível horizontal (entre os homens), como no vertical (entre os homens e o universo)” ( BETHENCOURT, 2004 BETHENCOURT, Francisco. O Imaginário da Magia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. , p.163).

Para tanto, as feiticeiras lançavam mão das leis da magia, as quais amparavam o aparato cognitivo do homem moderno: (a) similitude, (b) contraste (ou contrariedade), (c) contato e; (d) contiguidade. A primeira lei (a) consistia na ideia de que o semelhante evoca/produz o semelhante, o qual era convencional – a associação entre duas coisas era o resultado de uma convenção assumida pelo mágico, anterior à pratica e que poderia sofrer atualizações. A segunda (b) era o inverso da similitude: coisas diferentes ou contrárias se repeliam, motivo pelo qual muitos rituais eram executados por meio de operações invertidas. O terceiro princípio (c), por sua vez, tornava admissível que objetos que estiveram em contato estavam e permaneceriam unidos eternamente. Por fim, a quarta (d) era capaz de esclarecer como uma parte equivalia ao todo ( PAIVA, 2002 PAIVA, José Pedro. Bruxaria e superstição num país sem “caça às bruxas”. 1600-1774. 2 ed. Lisboa: Noticias Editorial, 2002. , p. 132). A partir dessa mentalidade mágica, é mais perceptível que as ideias em torno do Diabo ajudaram a desencadear a “caça às bruxas”. O “satanismo” ou “demonismo” foram ideias desenvolvidas pela elite cristã letrada e adotadas por diversas autoridades eclesiásticas e judiciárias, em um ambiente de medo e conflitos sociais.

Segundo Keith Thomas (1991 THOMAS, Keith. Religião e o declínio da magia. São Paulo: Cia das Letras, 1991. , p. 357), a noção de maleficium existia desde a antiguidade: uma “atribuição do infortúnio a um agente humano oculto”. No século XIV, essa ideia predomina com vinculação ao Diabo. As feiticeiras, então, deveriam ser processadas: não por fazerem atos maléficos, mas por acreditarem e reverenciarem o Deus errado – daí o caráter herético do delito. É justamente em torno dessa concepção diabólica que foi concebida a noção de sabá.

Ao realizar o nexo entre magia e satanismo, a elite cristã diabolizou as práticas mágicas, o que alterou o conceito de feitiçaria. Todos aqueles que as executavam se tornaram hereges e apóstatas; não havia mais magia que fosse natural (branca), mas somente diabólica (negra). O mesmo entendimento foi conferido às práticas mágicas das populações nativas da América, cuja “descoberta”, nesse contexto, era vista como sinal de fim dos tempos. Daí porque “sacerdotes maias, incas ou astecas, xamãs, caraíbas e pajés tupis, enfim, todos os responsáveis pelo espaço sagrado foram chamados de bruxos e feiticeiros (...)” ( SOUZA, 1993 SOUZA, Laura de Mello. Inferno Atlântico: Demonologia e colonização (séculos XVI – XVIII). São Paulo: Companhia das Letras, 1993. , p. 22-28).

Essa visão satânica da feitiçaria, cujo poder em produzir danos e mortes decorria de um pacto com o Diabo (individual ou coletivo – o sabá; implícito ou expresso – por sangue) teve gênese nos escritos de Santo Agostinho, no século V, e circulou mais incisivamente na elite letrada após o Concílio de Trento. Houve maior perseguição às feiticeiras, regra geral, nos territórios europeus onde as autoridades judiciárias, eclesiásticas e inquisitoriais adotaram o conceito satânico de maleficium e uma noção ampla de heresia, o que incluía idolatrias e superstições. À medida que infortúnios e inquietações sociais aumentavam, a obsessão por hereges/feiticeiras também. Como a população ignorava o aspecto católico da heresia, percebia apenas o lado mágico da feitiçaria.

Além do medo do Diabo e de suas intermediárias, as Igrejas fomentavam o medo do fim do mundo em teorias apocalípticas e milenaristas, fator que quase todos os historiadores consideram um dos propulsores da “caças às bruxas”. A pedagogia cristã do medo enfatizava: (a) o inferno como um lugar de castigo para uma humanidade pecadora; (b) o Juízo Final, como um tempo de grande angústia e severidade; (c) a ideia de um Deus “mais juiz que pai”, que tudo via e nada perdoava; (d) a gravidade do pecado original e dos demais também; (d) a desvalorização da vida e do corpo; e, por fim, (e) a morte e a necessidade de sua preparação. Esses discursos apocalípticos concorriam com os milenaristas, centrados na noção (a) de Deus clemente, misericordioso e salvador das recompensas para os justos na eternidade; e, (b) de uma Igreja que disponibilizava aos seus crentes meios de salvação (PAIVA, 1997 ______. O inferno e o paraíso em duas visões marginais de origem popular. In.: Revista Ler história, n. 33, 1997, pp. 53-66. , p. 54). Alternar entre terror e salvação era uma estratégia central para o cristianismo na repressão à feitiçaria – só assim o mundo seria purificado da contaminação diabólica ( DELUMEAU, 2009 DELUMEAU, Jean. História do medo no ocidente (1300-1800). São Paulo: Companhia das Letras, 2009. , p.574).

Outro motivo religioso que deu impulso a “caça às bruxas” foi o medo de si mesmo. A Reforma e a Contrarreforma impuseram uma nova e severa moral, que exigia devoção pessoal para a salvação no dia do juízo final, comportou uma pesada carga psicológica. Descumpridos os preceitos, emergia a culpa cristã, que geralmente era transferida para as feiticeiras ( DELUMEAU, 2009 DELUMEAU, Jean. História do medo no ocidente (1300-1800). São Paulo: Companhia das Letras, 2009. , p.574).

Além dos fatores acima pontuados, a “caça às bruxas”, também decorreu de instrumentos processuais jurídicos – visitações, delações, devassas, torturas, sigilos e atuação de magistrados – que facilitavam e encorajavam as denúncias. ( MANDROU, 2007 MANDROU, Robert. Magistrados e feiticeiros na França do século XVII. São Paulo: Perspectiva, 2007. , p. 63; SOUSA, 2009, p. 386). Entretanto, essa assertiva deve ser relativizada em alguns reinos. Sabe-se que em Portugal, por exemplo, os Tribunais seculares atenuavam as sanções previstas nas Ordenações Filipinas, fosse no momento da fixação da pena, fosse por meio de instrumentos processuais. Essa constatação, que afasta a “lenda negra” do direito criminal, também levou a historigrafia a relativizar a dissiminada ideia de precoce centralização e concentração de poder no monarca ( HESPANHA, 1994 HESPANHA, António Manuel. Às vésperas do Leviathan: Instituições e poder político. Portugal - séc. XVII. Coimbra: Almedina, 1994. ; HESPANHA, 1993 ______. De iustitia a disciplina. In: ______. La Gracia del derecho: economia de la cultura en la edad moderna. Madrid: Centro de Estudios constitucionales, 1993, pp. 203-274. , p.203-274).

Outra razão reside nas crises demográfica e econômica dos séculos XVI e XVII e nas políticas de terra e de trabalho do mercantilismo dos Estados Absolutistas ( SOUZA, 2009 SOUZA, Laura de Mello. O Diabo e a Terra de Santa Cruz. Feitiçaria e religiosidade popular no Brasil Colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. , p. 386). Por assim ser, as feiticeiras – curandeiras, parteiras, hereges, esposas desobedientes, mulheres solitárias etc – seriam a encarnação de um sujeito que o capitalismo precisava destruir ( FEDERICI, 2004 FEDERICI, Silvia. Calibã e a Bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva, 2004, tradução do coletivo Sycorax. Disponível em: http://coletivosycorax.org/indice/. Acesso em: 19.11.2017.
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, p. 7).

Michele Perrot (2012 PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2012. , p. 89) na mesma linha, aponta que a feitiçaria serviu de bode expiatório da Modernidade e faz um resumo do caráter misógino das denúncias: elas eram acusadas (a) de ofenderem a razão e a medicina moderna tanto em virtude de suas práticas mágicas (que usavam não apenas ervas, mas elixires com o intuito de curar o corpo) como por ajudar/realizar partos; (b) de serem insaciáveis, de manifestarem uma sexualidade desenfreada e de forma subversiva, nestes casos, igualando-se a Lilith; (c) serem agentes do Diabo e, por isso, deveriam ser exterminadas. Não é muito diferente o entendimento de Silvia Federici (2004 FEDERICI, Silvia. Calibã e a Bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva, 2004, tradução do coletivo Sycorax. Disponível em: http://coletivosycorax.org/indice/. Acesso em: 19.11.2017.
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, p. 10), que sublinha que a perseguição teve como mote acabar com a autonomia da mulher sobre seu próprio corpo, pois conferiu aos médicos o controle da função reprodutiva, em detrimento das parteiras.

Partindo da premissa que a maioria dessas acusações de feitiçaria recaiam sobre as mulheres, convém examinar as representações que embasavam esse elo. Ressaltamos, desde já, que para compreender esta questão é preciso se desprender dos valores atuais de igualdade entre os sexos. Veremos que, antes da criação do Estado de Direito, no século XVIII, esse ideal não fazia sentido nas mentalidades.

3. Feitiçaria: sociedade, poder, misoginia e mulher

3.1. Representações: sociedade e poder

No seu imaginário da sociedade corporativa habitava a noção de uma ordem universal, que abrangia todos os seres e as coisas remetendo-os a um telos , a uma causa final, a uma justificativa transcendente centrada na figura do Criador, que era o moto da criação, dos rumos do mundo e das pessoas, e o sentido de seus destinos. A ordem universal existente, então, transcendia e fundava o poder independentemente das vontades individuais ou corporativas ( FONSECA, 2002 FONSECA, Ricardo Marcelo. Modernidade e contrato de trabalho: do sujeito de direito à sujeição jurídica. São Paulo: LTr, 2002. , p. 31).

Associada a essa ideia, havia ainda a noção de que havia uma unidade nos objetivos da criação, a qual não exigia que todos os seres e coisas fossem iguais em direitos e obrigações. Ao contrário, as criaturas eram desiguais por natureza, mas todos eram imprescindíveis para a harmonia e unidade do cosmos. Por consequência, em cada “ordem” da criação e, dentro de cada uma, havia uma função/um escopo próprio e irredutível a ser desempenhado (HESPANHA, 2006 ______. O direito dos letrados no império português. Florianópolis: Boiteux, 2006. . p. 29-38).

A sociedade, nesse compasso, seria como um organismo, “cujo bem-estar geral depende do desempenho autônomo – mas harmônico ou coerente – das funções (officio) dos vários órgãos ou membros” (HESPANHA, 19-- ______. História das Instituições: épocas medieval e moderna. Coimbra: Almedina, [19--]. , p. 206). Por outras palavras, todos os seres se integravam, com igual importância na ordem natural (divina), apesar de as hierarquias qualificarem para mais ou para menos cada um deles. Era essa noção que guiava as relações entre homens e mulheres:

as criaturas não eram apenas diferentes, eram também mais ou menos dignas, em função da dignidade do ofício que naturalmente lhes competia. isto queria dizer que, existindo na criação um modelo de perfeição que é o próprio Deus, este modelo não se refletia igualmente nas criaturas. O homem, por exemplo, fora criado a imagem e semelhança de deus. Já a mulher não teria essa natureza de espelho divino. A sua dignidade seria menor; a sua face podia (e devia) andar coberta, enquanto a face do homem – imagem de Deus – não deveria ser velada. e entre os homens, alguns – os nobres e ilustres – teriam uma especial dignidade, constituindo a parte mais sã da sociedade a que devia pertencer ao governo(...) (HESPANHA, 2005 ______. Cultura jurídica europeia: síntese de um milênio. 3. ed. Lisboa: Europa-América, 2005. , p. 81).

O corporativismo, pelo viés social e jurídico, promovia a imagem de uma sociedade rigorosamente hierarquizada, na qual a irredutibilidade das funções conduzia à irredutibilidade dos estatutos jurídicos-institucionais (dos “estados”, das ordens). A harmonia social não dependia da igualdade dos seus membros ou da uniformidade de suas funções e, sim, do equilíbrio entre os diversos corpos sociais, ou seja, da não interferência de um corpo no outro e no respeito pelas suas funções e estatutos. Já do ponto de vista político, o poder “político” era “naturalmente” fragmentado: afirmava-se que, em uma sociedade bem governada, a partilha natural do poder deveria estar refletida na autonomia político-jurídica dos corpos sociais: “[t]ão monstruoso como um corpo que se reduzisse à cabeça, seria a sociedade em que todo o poder estivesse concentrado no soberano”. Dessa maneira, a administração social deveria ser mediata, repousando sobre a autonomia dos demais corpos sociais, respeitando “a sua articulação natural [...] entre a cabeça e a mão deve existir o ombro e o braço, entre o soberano e os oficiais executivos, devem existir instâncias intermediárias [...]” ( HESPANHA, 1994 HESPANHA, António Manuel. Às vésperas do Leviathan: Instituições e poder político. Portugal - séc. XVII. Coimbra: Almedina, 1994. , p. 300).

No modelo político-jurisdicional da Época Moderna, não havia apenas um único governante exercendo o poder de forma absoluta sobre toda a sociedade: existiam diversos, que administravam, legislavam e produziam seus direitos, com práticas distintas para seus grupos ou instituições. O papel do monarca (ou do Estado, a depender da identificação) é relativizado nessa e, por consequência, o direito não se resumia ao que era produzido por ele, mas, incluía também o que era produzido pelos demais corpos sociais, como o patriarcado.

Por sinal, segundo Antonio Manuel Hespanha (2010 ______. Mulheres, esposas, viúvas. In: ______. Imbecillitas: As bem-aventuranças da inferioridade nas sociedades do Antigo Regime. São Paulo: Annablume, 2010. ), foi no período romano que as normas morais ou os costumes decorrentes do patriarcado foram institucionalizados no direito. Na Idade Média e Moderna as mulheres tiveram mais autonomia, pois o ius commune mitigou aquelas regras. Mais tarde, as mulheres veriam, mais uma vez, seus direitos e autonomia reduzidos por meio do Código Civil napoleônico, instrumento jurídico que inspirou o movimento da codificação no Ocidente.

Pode-se dizer, então, que o “Estado” (leia-se Coroa e a sua Corte), as Igrejas, as Cidades entre outras corporações partiam da premissa de que cabia aos chefes das famílias cuidar do seu pequeno reino: a casa. Mulheres eram filhas, mães, esposas ou viúvas. Esse breve panorama de representações aponta que a vida das mulheres valia menos, mas não em virtude de normas oriundas das Coroas, pois pouca foi a interferência normativa do “Estado” no campo privado. As regras patriarcais, mergulhadas nas orientações da Igreja reformada e na ética cristã, impuseram uma moralidade severamente hierárquica que sedimentou a noção de que o homem era o chefe da família e deveria controlar mulher, filhos e criados ( PROSPERI, 2013 PROSPERI, Adriano. Tribunais da Consciência: Inquisidores, Confessores, Missionários. São Paulo: Edusp. 2013. , p. 306).

3.2 Representações: Misoginia

A “caça às bruxas” está ambientada nessas representações sociais e distribuições de poder, de inferioridade e subjugação da mulher ao homem. As denúncias, portanto, estavam amparadas na naturalizada misoginia da época.

Os principais filósofos da antiguidade tomavam a mulher como um ser inferior ao homem em razão da sua anatomia sexual e de sua fisiologia. Para Aristóteles, o sexo feminino tinha uma carência, um defeito e uma fraqueza da natureza. A mulher, então, era vista como um ser em concavidade, esburacada, um ser incompleto, um homem mal acabado, marcada para possessão e para a passividade. Em virtude do horror ao vácuo é que se acreditava que era seu desejo ser penetrada ( CLARK, 2006 CLARK, Stuart. Pensando com demônios. São Paulo: Edusp, 2006. , p. 173).

A anatomia da mulher no inconsciente do homem, portanto, “desperta a inquietude, não só porque ela é juiz de sua sexualidade, mas também porque ele a imagina de bom grado insaciável, comparável a um fogo que é preciso alimentar incessantemente (...). “ ( DELUMEAU, 2009 DELUMEAU, Jean. História do medo no ocidente (1300-1800). São Paulo: Companhia das Letras, 2009. , p. 467).

Assim, a mulher lhe “era ‘fatal’, pois o impedia de ser ele mesmo, de realizar sua espiritualidade, de encontrar o caminho de sua salvação. Esposa ou amante, a mulher era carcereira do homem, pois o diabo usava seu corpo para tentar o homem (luxúria)” ( DELUMEAU, 2009 DELUMEAU, Jean. História do medo no ocidente (1300-1800). São Paulo: Companhia das Letras, 2009. , p. 467).

O discurso jurídico também tinha uma pré-compreensão perversa e luxuriosa da natureza feminina em virtude de sua anatomia. O argumento usado para explicar consistia na curiosidade aliada a astúcia (características que não são só femininas); e no cultivo de saberes ocultos e proibidos (característica que só aparecia nas mulheres), como ocorria na questão da feitiçaria (HESPANHA, 2010 ______. Mulheres, esposas, viúvas. In: ______. Imbecillitas: As bem-aventuranças da inferioridade nas sociedades do Antigo Regime. São Paulo: Annablume, 2010. , p. 114-115).

Além de sua anatomia “imperfeita” sua biologia também não a ajudava muito, pois seus humores, água, sangue (sangue impuro) e leite não tinham o poder criador do esperma, do fluído masculino, segundo os discursos “científicos” da época. Só para se ter uma ideia o mecanismo da ovulação foi compreendido apenas no século XVIII ( PERROT, 2012 PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2012. , p. 63; CLARK, 2006 CLARK, Stuart. Pensando com demônios. São Paulo: Edusp, 2006. , p. 170-173).

Os argumentos biológicos e fisiologicos aristotélicos acima pontuados foram incorporados no discurso teológico e sobreviveram até a Época Contemporânea, quando, então, despontou o discurso médico, que também pregava a inferioridade da mulher em razão de seu sexo, de sua genitália visando com isso discipliná-las e submetê-las ( PERROT, 2012 PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2012. , p. 63).

Mary del Priore, analisando o cenário português, informa que o discurso médico se resumia ao que estava relacionado com a reprodução, insistindo sempre na dignidade da procriação, na excelência dos sentimentos maternos e na necessidade de equilíbrio para evitar as “afecções morais”. Em suma, a medicina só enxergava a vocação biológica das mulheres, por serem um mecanismo criado por Deus exclusivamente para servir à reprodução ( PRIORE, 2012 PRIORE, Mary Del. Magia e medicina na colônia: o corpo feminino. In.: PRIORE. Mary Del (org.) História das mulheres no Brasil. 10 ed e 1 reimpr. São Paulo: Contexto, 2012, pp. 78-114. , p. 78-114; PERROT, 2012 PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2012. , p. 79).

A situação da mulher não se alterou com o advento e fortalecimento das religiões monoteístas. Esta relação, por sinal, sempre foi bastante ambígua e paradoxal, pois fez da diferença dos sexos e da desigualdade de valor entre estes um de seus fundamentos. A Igreja Católica, por exemplo, optou politicamente pela leitura antifeminista dos evangelhos. Seja como for, para a Igreja a superioridade do homem sobre as mulheres estava justificada por ser da ordem da natureza criada por Deus e por ter sido Eva a responsável pela expulsão da humanidade do paraíso:

São Paulo, na Epístola aos Efésios não e deixa dúvidas quanto a isso: as mulheres estejam sujeitas aos seus maridos como ao Senhor, porque o homem é a cabeça da mulher, como Cristo é a cabeça da Igreja (...) Como a Igreja está sujeita a Cristo, estejam as mulheres em tudo sujeitas aos seus maridos. De modo que o macho (marido, pai, irmão, etc) representava Cristo no lar. A mulher estava condenada, por definição, a pagar eternamente pelo erro de Eva, a primeira fêmea, que levou Adão ao pecado e tirou da humanidade futura a possibilidade de gozar da inocência paradisíaca. Já que a mulher partilhava da essência de Eva, tinha de ser permanentemente controlada. Nunca se perdia a oportunidade de lembrar às mulheres o terrível mito do Éden, reafirmado e sempre presente na história humana. Não era de admirar, por exemplo, que o primeiro contato de Eva com as forças do mal, personificadas na serpente, inoculasse na própria natureza do feminino algo como um estigma atávico que predispunha fatalmente à transgressão, e esta, na medida extrema, revelava-se na prática das feiticeiras, detentoras de saberes e poderes ensinados e conferidos por Satanás. ( ARAUJO, 2012 ARAUJO, EMANUEL. A arte de sedução: sexualidade feminina na colônia. In: PRIORE. Mary Del (org.) História das mulheres no Brasil. 10 ed. e 1ª reimpr. São Paulo: Contexto, 2012. , p.46).

As noções depreciativas sobre as mulheres começaram a ganhar fôlego no século XIII, com as ordens mendicantes, que difundiam em sermões a ideia de que elas eram um ser predestinado ao mal e por isso deveriam ser caçadas.

A obra que escancara a mentalidade opressora do clero remonta ao século XIV e foi reeditada até o século XVI. De autoria do franciscano Alvaro Pelayo, De plancto Ecclesiae, na sua segunda parte, contém um rol dos 102 “vícios e más ações” da mulher: a) a mulher partilha de todos os vícios do homem, mas ainda possui os seus próprios, os quais foram identificados nas escrituras: suas palavras são melífluas, é enganadora, cheia de malícia, a perversidade vem dela, é faladora, sobretudo na Igreja, por delírio mata seus filhos, é incorrigível; b) no nível teológico, a queixa é contra Eva, ela significa para seus descendentes a expulsão do paraíso terrestre, por conta disso, a mulher é a “arma do Diabo”, a “corrupção de toda lei”, seu coração é a “rede do caçador”; c) ela usa meios mentirosos para atrair o homem para o abismo sexual, a luxúria conduz suas ações, gosta de dançar, transforma o “bem em mal”, “a natureza em seu contrário”, especialmente, no sexo, ela se coloca sobre o homem no ato do amor (ato que teria causado o dilúvio), umas desposam parentes próximos, outras são concubinas de clérigos, por fim, algumas não faziam a “quarentena”; d) mulheres são advinhas “ímpias” e lançam mau-olhado, provocam esterilidade com ervas e composições mágicas, matam seus filhos, colaboram com adultérios, seja porque entregam virgens à libertinagem seja porque ajudam a promover abortos; e) ela é “ministra de idolatria”, em virtude de tornarem “o homem iníquo e o faz cometer apostasia”; f) são censuradas por serem: “insensatas”, “lamurientas”, “inconstantes”, “tagarelas”, “ignorantes”, “querem tudo ao mesmo tempo”, “briguenta”, “colérica”; “invejosa”, daí a falta de sororidade entre elas; g) os maridos devem desconfiar das esposas, pois elas podem engravidar de outro, lhe envenenar a vida por ciúmes, dão esmolas além do devido, adotam trajes de viúvas para não realizarem a copulação carnal, se derem liberdades tornam-se tirânicas; h) orgulhosas, impuras e ainda perturbam a vida da Igreja, por falarem demais ou por não usarem o véu ( DELUMEAU, 2009 DELUMEAU, Jean. História do medo no ocidente (1300-1800). São Paulo: Companhia das Letras, 2009. , p. 476, 481-485 e 487).

Laura de Mello e Souza (2009 SOUZA, Laura de Mello. O Diabo e a Terra de Santa Cruz. Feitiçaria e religiosidade popular no Brasil Colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. , p. 302) complementa o quadro informando que a confecção de filtros, poções, unguentos, entre outros elementos que facilitassem as relações amorosas levou as autoridades eclesiásticas e judiciais a sexualizar o delito de feitiçaria e a enxergar as mulheres como prostitutas.

São essas noções misóginas e sexualizadas da mulher, referenciadas na obra de Pelayo e que influenciariam a escrita do Malleus Maleficarum, que atribuíram a feitiçaria, vista como heresia, à condição de mulher e que justificaram, desse modo, a “caça às bruxas” ( SALLMANN, 2009 SALLMANN, Jean-Michel; Strega. In: DUBY, Georges; PERROT, Michelle. Storie delle donne: dall Rinascimento all’età moderna. 6. Ed. Bari: Laterza, 2009, pp. 455- 470. , p. 458; LEVACK, 2008 LEVACK, Brian P. La caccia alle streghe in Europa agli inizi dell’età moderna. Roma: Laterza, 2008. , p. 66).

O manual foi publicado pelos dominicanos Henrich Kramer e Jacob Sprenger em 1486 e tinha a Bula Summis desiderandis affectibus, do Papa Inocêncio VIII, em seu prefácio. O manual alcançou notoriedade, com vinte quatro edições só na Modernidade. Porém, mesmo sendo publicado até os dias atuais, não foi possível precisar se efetivamente foi um fator que desencadeou processos judiciais contra feiticeiras na Época Moderna. Na Itália, por exemplo, houve diminuição de processos ( LEVACK,2008 LEVACK, Brian P. La caccia alle streghe in Europa agli inizi dell’età moderna. Roma: Laterza, 2008. , p. 68), enquanto em Portugal, a obra teve espaço sem ser referencial nas instituições repressoras ( PAIVA, 2002 PAIVA, José Pedro. Bruxaria e superstição num país sem “caça às bruxas”. 1600-1774. 2 ed. Lisboa: Noticias Editorial, 2002. , p. 18 e 23).

Em resumo, podemos dizer que o Malleus Maleficarum e demais tratados sobre feiticeiras (como o de Jean Bodin, Lancre, Remy e de Martin Del Rio) partem de uma misoginia naturalizada socialmente. Essas sociedades, que diabolizaram a mulher, partem de premissas binárias imutáveis, porque decorrentes da ordem divina e natural, tal como a classificação dual dos valores aristotélicos: as características positivas foram conferidas aos homens e as negativas às mulheres, seres de menor valia. Não havia espaço para igualdade de gênero ( CLARK, 2006 CLARK, Stuart. Pensando com demônios. São Paulo: Edusp, 2006. , p 168).

Observamos, então, que a mentalidade misógina, em um ambiente no qual a verdade ainda era ditada pela Igreja e comandada por homens, facilitava a criminalização da mulher, especialmente na sua rotina. Qualquer conduta podia ser considerada inadequada e configurar um dos sete pecados capitais, especialmente a luxúria (oposta à virtude da castidade), a ira (oposta à paciência) e a inveja (oposta à caridade).

A Contrarreforma tampouco as favoreceu, fortalecendo o patriarcado e promovendo a diabolização da mulher. Assim, além de serem perseguidas por praticarem os sete pecados capitais, também passaram a ser por cultuarem o Diabo, fato que transgredia o primeiro dos Dez Mandamentos: “amar a Deus acima de todas as coisas”. Menos digna pelo corpo e pela alma na mentalidade da Época Moderna, a mulher já nascia mais predisposta a cair nas tentações do Diabo e se tornar feiticeira.

3.3 Ser mulher na Época Moderna

Na elite letrada, prevalecia a noção aristotélica de mulher (inferior diante do homem em virtude da anatomia de seu sexo e de seus fluidos) associada a noção patrística e escolástica, que via a mulher como um ser decadente devido o pecado original e a predisposição à luxúria. Não muito diferente era a noção entre a população menos favorecida, pois na vida cotidiana das comunidades, a mulher aparecia como uma pessoa com desvios comportamentais, vingativa, luxuriosa, debochada, mentirosa. Enfim, as péssimas qualidades e os piores comportamentos afloravam nelas como que “naturalmente” ( DELUMEAU, 2009 DELUMEAU, Jean. História do medo no ocidente (1300-1800). São Paulo: Companhia das Letras, 2009. , p. 545).

Segundo Perrot, ser mulher consistia em: (i) viver menos do que os homens, especialmente por causa da maternidade, pois dava-se preferência a vida do filho; (ii) viver dura e silenciosamente no campo, imersa na hierarquia das sociedades patriarcais; (iii) ter seu espaço limitado à casa (privado) e não a cidade (público) – as mulheres viviam praticamente confinadas, escondidas por treliças ou véus, sendo o trabalho doméstico e a maternidade uma forma de normalizá-las e discipliná-las –, por fim; (iv) era ser, antes de tudo, a imagem, as aparências – daí o culto a beleza. A estética, portanto, era uma ética ( PERROT, 2012 PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2012. , p. 41-42). Umberto Eco registrou que as feias procuravam os sabás na tentativa se tornarem atraentes e belas, já que ser feia significava ser menos virtuosa – em decorrência, maior a probabilidade de serem denunciadas como bruxas ( ECO, 2014 ECO, Umberto. História da feiura. Rio de Janeiro: Record, 2014. , p. 212).

A historiadora das mulheres, ao fazer um retrato do corpo das mulheres nas diversas fases de sua vida, esclarece que a menina não era desejada no nascimento, em razão de sua posição na ordem hierárquica do mundo. Até os sinos badalavam menos por elas. Na pequena infância (zero a seis anos), as meninas eram tratadas igual aos meninos. Quando jovens, a diferença entre os sexos se dava com base nas secreções: como o sangue impuro involuntário mensal era um sinal de morte e o esperma criava vida, hierarquizava-se os sexos. A virgindade, nessa fase, era uma obsessão, e a Igreja a consagrava em celebração ao modelo de Maria, virgem e mãe. A violação da virgindade aos homens consistia em um rito de iniciação, recaindo a culpa pelo estupro sobre a mulher, que se deixou capturar ( PERROT, 2012 PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2012. , p. 43-45).

O ápice na vida da mulher era o casamento, que em tal época era arranjado e voltado para procriação e maternidade feminina, com isso pode-se dizer que o amor muitas vezes estava fora do matrimônio. Na condição de casada, a mulher por perder seu sobrenome para o do marido perdia sua identidade e quanto ao seu corpo estavam sujeitas a surras como “corretivo”, tal qual uma criança indócil (a prática era tolerável, se moderada). Em assuntos relativos à gestão dos bens, à escolha do domicílio, às decisões familiares e até mesmo concernentes à educação dos filhos também não tinham muita autonomia diante das decisões do cônjuge. Sua independência se dava apenas na função de dona de casa ( PERROT, 2012 PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2012. , p. 47). Nesse cenário misógino, não surpreende a vinculação entre feitiçaria e mulheres: as noções satânicas e heréticas do delito das instituições repressoras dos Reinos e das Igrejas atingiram prioritariamente às mulheres.

4. A não “caça às bruxas: Império Português

4.1 A sede do Império Português

Para demonstrar a complexidade do fenômeno, ressaltamos que o Império Português não pode ser planificado. Apesar de criminalizar a feitiçaria desde o século XIV, por meio de legislação esparsa e nas próprias Ordenações do Reino, não promoveu a perseguição em grandes proporções, sendo o século XVIII o ápice da repressão. Os motivos para essa particularidade portuguesa podem ser condensados em alguns fatores.

O primeiro foi a escolha de outro inimigo, voltada aos judeus/cristãos novos, principais opositores da fé apostólica romana defendida pela Coroa portuguesa ( PAIVA, 2002 PAIVA, José Pedro. Bruxaria e superstição num país sem “caça às bruxas”. 1600-1774. 2 ed. Lisboa: Noticias Editorial, 2002. , p. 15-94). O desinteresse da elite letrada (teólogos, juristas, canonistas e médicos) nos debates da feitiçaria foi outro fator: os livros de teologia moral e catequética que mais circulavam tinham viés prático e não especulavam sobre o Diabo. Seguiam a ortodoxia de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, cujas obras se caracterizavam por serem céticas quanto aos poderes demoníacos e, por consequência, das feiticeiras. Apesar de estarem pautados na pedagogia do medo – pois dramatizavam a existência humana (com ênfase na culpa, pecado, inferno, o Diabo e feiticeiras) e conferiam a salvação à Igreja –, ainda assim, os autores portugueses não eram tão catastróficos ( PAIVA, 2002 PAIVA, José Pedro. Bruxaria e superstição num país sem “caça às bruxas”. 1600-1774. 2 ed. Lisboa: Noticias Editorial, 2002. , p 43-44; BETHENCOURT, 2004 BETHENCOURT, Francisco. O Imaginário da Magia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. , p.234). Se os portugueses tinham uma visão menos trágica e imaginativa do Diabo, como disse Sergio Buarque de Holanda, isto é devido a essa “desvalorização” da feitiçaria. Uma terceira razão é a profunda fé nos meios de contenção católicos da feitiçaria, tais como exorcismos, orações, rosários e medalhões com figuras de santos ( PAIVA, 2002 PAIVA, José Pedro. Bruxaria e superstição num país sem “caça às bruxas”. 1600-1774. 2 ed. Lisboa: Noticias Editorial, 2002. , p. 15-94).

O próprio neoplatonismo, que aceitava como reais os espíritos demoníacos e angelicais e que circulou amplamente na Europa renascentista, foi filtrado pela escolástica ibérica. Entende-se porque a crença ritualística do sabá quase não aparece em doutrinas e regramentos portugueses: somados àqueles fatores, o neoplatonismo reforçava o livre arbítrio e atenuava os poderes ilimitados do Diabo. O assunto, segundo José Pedro Paiva (2002 PAIVA, José Pedro. Bruxaria e superstição num país sem “caça às bruxas”. 1600-1774. 2 ed. Lisboa: Noticias Editorial, 2002. , p. 41), “foi tratado como quimeras pelos inquisidores e que a atitude do juiz inquisidor diante de testemunhos que mencionavam o sabá era de melancolia, ou seja, não acreditavam”. Sobressaindo a noção de ilusionismo dos poderes demoníacos, diz-se que as feiticeiras portuguesas não seguiam o modelo sabático com seus elementos fantasiosos, mas o modelo diabólico, restrito a produção de malefícios relativos às vicissitudes da vida cotidiana ( BETHENCOURT, 2004 BETHENCOURT, Francisco. O Imaginário da Magia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. , p. 199).

Um quarto fator é o modelo de cristianização da Igreja Católica Portuguesa, que persuadia mais pela palavra do que pela violência, como se vê ao comparar a atuação da Igreja e das Coroas nas Américas Portuguesa e Espanhola ( SOUZA, 1993 SOUZA, Laura de Mello. Inferno Atlântico: Demonologia e colonização (séculos XVI – XVIII). São Paulo: Companhia das Letras, 1993. , p. 39). Além disso, a elite eclesiástica portuguesa tinha forte capacidade de adaptação às realidades complexas e multifacetadas da religiosidade tradicional. Essa maleabilidade também pode ser vista no “baixo clero”, que tinha pouca instrução quanto às regras tridentinas, condições precárias da vida e uma moral muito próxima da população. Essas características tornavam os párocos mais solidários com as crenças populares dos mais remotos locais ( BETHENCOURT, 2004 BETHENCOURT, Francisco. O Imaginário da Magia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. , p.289-297; PROSPERI, 2013 PROSPERI, Adriano. Tribunais da Consciência: Inquisidores, Confessores, Missionários. São Paulo: Edusp. 2013. , p. 380. RODRIGUES, 2012 RODRIGUES, Aldair Carlos. Poder eclesiástico e Inquisição no século XVIII luso-brasileiro: agentes, carreiras e mecanismos de promoção social. 2012, 376 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. , p. 121).

A particular mentalidade mágica portuguesa, que mitigava o poder das feiticeiras, parece refletir nas estatísticas elaboradas a partir de processos inquisitoriais. Os números reforçam a tese de que o fenômeno de “caça às bruxas” foi moderado e apontam seu ápice no século XVIII. Na primeira metade do Setecentos a repressão foi voltada às magias amorosas e às relativas ao pacto expresso com o Diabo, que era de difícil prova processual, vale dizer, difícil de se alegar a inocência. Já na segunda, no período do despotismo esclarecido português, reprimiu-se mais curandeiros, talvez porque o discurso e as técnicas médicas pouco se diferenciassem das práticas de curandeirismo ( PAIVA, 2002 PAIVA, José Pedro. Bruxaria e superstição num país sem “caça às bruxas”. 1600-1774. 2 ed. Lisboa: Noticias Editorial, 2002. , p. 207).

No que concerne ao sexo, no século XVI, a feitiçaria/malefício era executada(o) por 72,3% de mulheres, enquanto no curandeirismo prevalecia a presença masculina. Tais mulheres, todavia, não se encaixam no perfil tradicional da feiticeira – idosa, feia, com anomalias físicas, que vive sozinha e isolada ( BETHENCOURT, 2004 BETHENCOURT, Francisco. O Imaginário da Magia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. , p. 206 -207). Já no século XVIII, as fontes inquisitoriais de Coimbra indicam que a maioria das acusações, 67% do total de processos, incidia sobre elas ( PAIVA, 2002 PAIVA, José Pedro. Bruxaria e superstição num país sem “caça às bruxas”. 1600-1774. 2 ed. Lisboa: Noticias Editorial, 2002. , p. 185).

Além de poucos processos instaurados, as condenações mais recorrentes foram o degredo e a prisão, açoitamentos e penas infamantes – uso de sambenitos e carocha. Esses dados, portanto, rompem com o senso comum que associa a feitiçaria com a pena capital, especialmente a fogueira, que foram excepcionais no Império Português ( MARCOCCI; PAIVA, 2013 MARCOCCI, Giuseppe; PAIVA, José Pedro. História da Inquisição Portuguesa 1536-1821. Lisboa: Esfera dos Livros, 2013. , p. 101; BETHENCOURT, 2004 BETHENCOURT, Francisco. O Imaginário da Magia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. , p. 285 -287).

A feitiçaria na América Portuguesa não escapa do panorama acima e os fatores para pouca repressão judicial foram: (i) apenas ocorreram visitações inquisitoriais; (ii) a política repressora dos bispos ocorreu só no século XVIII, momento no qual a Igreja se estruturou melhor; (iii) os delitos mais reprimidos estavam vinculados a questões de ordem moral; (iv) o delito recaia mais sobre indígenas e afrodescendentes, pois “todo sagrado não oficial é considerado demoníaco, e tudo que é demoníaco é herético” ( DELUMEAU, 2009 DELUMEAU, Jean. História do medo no ocidente (1300-1800). São Paulo: Companhia das Letras, 2009. , p. 592); por fim, (v) havia semelhança entre as práticas mágicas que ocorriam na sede e na colônia, as quais foram se tornando cada vez mais sincréticas com o decorrer do tempo ( SOUZA, 1993 SOUZA, Laura de Mello. Inferno Atlântico: Demonologia e colonização (séculos XVI – XVIII). São Paulo: Companhia das Letras, 1993. , p. 91).

4.2 América Portuguesa: a Vila de Curitiba

A questão da feitiçaria na América Portuguesa já foi tratada pela historiografia brasileira, a qual partiu especialmente dos processos promovidos pela Inquisição. Porém, poucos são os estudos que abordam a questão pelo viés da mulher e a partir de processos criminais seculares ( ARAUJO, 2016 ARAUJO, Danielle Regina Wobeto de. Um “Cartório de feiticeiras”: direito e feitiçaria na Vila de Curitiba (1750-1777). Tese (doutorado) - Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Jurídicas, Programa de Pós-Graduação em Direito. Defesa: Curitiba, 05/09/2016. ). Suprimir essa lacuna é um dos objetivos deste texto.

Nesse sentido, encontrou-se no Arquivo Público do Estado do Paraná, um processo criminal de feitiçaria que tramitou no Juízo Ordinário da Vila de Curitiba, da segunda metade do século XVIII. Apenas para se ter uma ideia, naquela época, a Vila não tinha nem 2.000 habitantes e estava margeada por sertões, nos confins da América Portuguesa. A comunidade se organizava como uma sociedade corporativa e hierarquizada que vivia praticamente de uma economia moral de subsistência com alguns surtos econômicos.

A justiça local estava organizada em torno de noções e instituições, inclusive jurídicas, típicas do período de um Estado Jurisdicional e Corporativo. O órgão máximo e central de uma cidade era a Câmara, que era presidida por um juiz eleito pelos “homens bons” da localidade ou designado pela Coroa. A Câmara da Vila de Curitiba, pelo que se sabe, praticamente foi teve juízes sem formação jurídica. Esse fator, contudo, não tornava a justiça local rústica, mas sim prática.

A justiça produzida na Vila estava submetida a Ouvidoria de Paranaguá para alguns assuntos e representava diretamente o governo régio e a justiça letrada ( PEREIRA, 2013 PEREIRA, Luis Fernando Lopes. O Império Português: a centralidade do concelho e da cidade, espaço da cultura jurídica. In.: FONSECA, Ricardo Marcelo (org.). As formas do direito: ordem, razão e decisão. Curitiba: Juruá, 2013. ). A cultura jurídica produzida nas justiças de Curitiba e de Paranaguá mostra que, na área criminal, a liberdade era priorizada à punição, o que reforça a tese do pouco caráter repressor da justiça criminal também na América Portuguesa ( ARAUJO, 2016 ARAUJO, Danielle Regina Wobeto de. Um “Cartório de feiticeiras”: direito e feitiçaria na Vila de Curitiba (1750-1777). Tese (doutorado) - Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Jurídicas, Programa de Pós-Graduação em Direito. Defesa: Curitiba, 05/09/2016. ; MASSUCHETTO, 2016 MASSUCHETTO, Vanessa Caroline. Os autos de livramento crime e a Vila de Curitiba: apontamentos sobre a cultura jurídica criminal (1777-1800). 2016. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Paraná. Setor de Ciências Jurídicas. Programa de Pós-Graduação em Direito. ).

Nessa paisagem, aos sete dias do mês de março de 1763, o Juiz ordinário da Vila de Curitiba, Capitão Manoel Gonçalves Sampaio, instaurou uma devassa especial atendendo à queixa de Manuel Cunha Reis, morador da Vila que, “sem dolo e malícia alguma”, informou que sua esposa e quatro irmãs – “moças solteiras” (DEAP. PC 1363.41. fls. 22) e “brancas” (DEAP. PC 1363.41. fls. 17v) – sofriam de “malefícios diabólicos” praticados por feiticeiras (DEAP. PC 1363.41. fls. 1 e 1v). Para o querelante e para as mais de trinta testemunhas-delatoras, a moléstia era decorrente de malefícios diabólicos, pois as vítimas estavam esmorecidas, com um sono intermitente, que nem mesmo exorcismos promovidos por um padre eram capazes de curá-las. Segundo relatos, elas “lançavam por cima e por baixo” coisas estranhas à natureza humana, como são penas de aves, cascos e dentes de animais, pedaços de sapos, baratas, gafanhotos e até mesmo um camaleão (DEAP. PC 1363.41. fls. 1v e 2v).

Diante das delações foram pronunciadas e presas provisoriamente oito feiticeiras: Elena 3 3 Elena era mãe de Clara, Ana e Veronica (Cf. DEAP. PC 1837.57. fls. 3v). , Clara, Ana, Verônica, Clara, Joana, Januária e Cipriana. Dos questionamentos feitos pelo juiz, descobrimos que a maioria era de administradas, ou seja, escravas; não conheciam o motivo pelo qual estavam presas (as que sabiam, negavam o delito de feitiçaria); e tinham ascendência indígena ou africana, população vista aprioristicamente como demoníaca, dado o fato de possuírem outras crenças e de “idolatrarem” outros deuses que não o Deus católico.

Os demais testemunhos dos delatores seguem o mesmo padrão. A maioria tinha certeza que as vítimas sofriam de malefícios diabólicos provocados por feiticeiras por diversos fatores dentre os quais: (i) a fama decorrente de critérios hereditários, pois a maioria das feiticeiras tinham laços familiares entre si, exceto Cipriana; (ii) a fama decorrente dos exorcismos promovidos por um padre missionário, que veio a pedido do queixoso Manuel da Cunha Reis confirmar a feitiçaria e curar as enfermas; (iii) confissão informal de uma das denunciadas e; (iv) comportamento inadequado.

Como se viu anteriormente, o período é marcado pelo domínio dos homens, os quais não conferiam qualquer autoridade às mulheres. Por conta disso, estavam impedidas juridicamente de exercer livre e autonomamente diversos atos: não podiam ensinar, testemunhar, afiançar, julgar e exercerem o império, salvo algumas exceções (HESPANHA, 2010 ______. Mulheres, esposas, viúvas. In: ______. Imbecillitas: As bem-aventuranças da inferioridade nas sociedades do Antigo Regime. São Paulo: Annablume, 2010. , p. 129). Observa-se a falta da autonomia jurídica e social das mulheres com a sua consequente sujeição ao patriarcado já na peça inaugural da devassa, na qual o queixoso informa que as vítimas – esposa e irmãs – “lhe pertenciam” (DEAP. PC 1363.41. fls. 1).

Vemos a estratificação social e hierárquica nos autos: de um lado as vítimas – mulheres brancas, solteiras e católicas – e de outro, as denunciadas – mulheres indígenas e/ou mestiças. A ascendência indígena ou africana, que remetia a outras crenças e deuses, contribuía, portanto, para demonizar a pessoa/população e lhe servir a pecha de feiticeira. A marginalidade social e jurídica também aumenta quando se observa que a maioria das feiticeiras, exceto Cipriana, eram administradas. Por “administradas” se entende que vivam em uma espécie de regime de trabalho obrigatório, ou seja, escravidão indígena. Portanto, o fato de ser mulher, descendente da população indígena e africana, em conjunto com a condição jurídica de administrada/escrava, muitas vezes bastava para incriminar alguém como feiticeira, especialmente, se do outro lado do conflito, como vítimas há mulheres brancas, livres, solteiras e católicas.

As fontes permitem afirmar também que, no fundo de todas as denúncias, estava a misoginia e o peso do critério da hereditariedade para confirmar a fama. Ter na família alguma parente feiticeira já era meio caminho para também se tornar (ou ser) uma. As feiticeiras coloniais não fogem deste padrão, pois quase todas tinham laço de parentesco (DEAP. PC 1363.41. fls. 14v). Elena era mãe de Ana e sobrinha de Januária. Januária, a mais idosa, também era considerada mestra pelas demais. Ana negava que fosse feiticeira apesar do povo dizer que sua mãe era (DEAP. PC 1363.41. fls. 7v e 8). Já Elena disse que, por ordem de sua tia Januária, fazia “embrulhos com {umas mandusagens?}, os quais deveriam ser enterrados a flor da terra” para causar malefícios. Porém, ressaltou que “só de longe via várias coisas em diversas figuras, mas que nunca chegou a falar com o Diabo, nem teve com ele pacto (...)” (DEAP. PC 1363.41. fls. 8v). Esses relatos, narrados na intenção de se evitar denúncia e prisão, são interessantes porque mostram que, para as feiticeiras, os vínculos hereditários não deveriam ser suficientes para incriminação e porque indicam a falta de solidariedade entre elas.

Ainda, é preciso considerar que as práticas mágicas eram atos complexos – atos, falas, escritas, objetos, comportamentos, locais, datas e meios –, que exigiam a observâncias das formalidades para serem eficazes. Por conta disso, tornar-se feiticeira também exigia aprendizagem, a qual era repassada por meio de cultura escrita de certa erudição ou por meio de cultura oral, prática de presença visual e auditiva, a qual era rejeitada ou assimilada em função das posteriores experiências ( BETHENCOURT, 2004 BETHENCOURT, Francisco. O Imaginário da Magia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. , p.173 e 208). As feiticeiras da Vila de Curitiba pareciam que repassavam seus conhecimentos guiadas pela experiência e prática, pois um dos delatores enfatizou saber que Elena era feiticeira porque com ela encontrou “uma cinta com um livrinho com penas de aves, e cabelos e algumas raízes de pau encruzadas umas coisas com as outras”, e porque algumas pessoas diziam ter visto ela ensinando uma de suas filhas com “uma agulha enfiada em seu fio estando a dita agulha direita apanhar um bicho da água” (DEAP. PC 1363.41. fls. 5).

A denúncia contra Cipriana, parda forra, tinha motivação distinta: ela era “muito bulhenta, raivosa, tiradora de créditos a pessoas honradas”, além de invejosa e de não ter cedido às investidas amorosas. Vale dizer, Cipriana foi denunciada em virtude de comportamento social inadequado à luz da ética católica – pautado no pecado capital da ira e na sua não submissão do patriarcado – e, por isso, associado à feitiçaria (DEAP. PC 1363.41. fls. 9).

Em sua defesa, seu advogado pediu a desconsideração das denúncias em virtude de serem fruto de inimigos capitais da ré, “um porque vendado os olhos com o véu da torpeza, e ignorante das luzes de vênus amava a noite, porque nunca tinha visto, nem ainda o crepúsculo da aurora e procurava amores, cuja correspondência mal ajustada com seu merecimento lhe negava a ré”; e o outro, invejando o pouco que a ré possuía, ainda assim queria deixá-la pobre, “como se algum dia, fosse rica”. O defensor, mais adiante, alegou também que os denunciantes eram de “rasteira espécie” e que, movidos pelo ódio (“um porque amava, outro porque aborrecia, como dizia David, no salmo 22”), infeccionaram a reputação da ré espalhando a fama de feiticeira (DEAP. PC 1363.41. fls. 32). Essas passagens parecem indicar que a acusação de feitiçaria tinha função psicanalítica, funcionando como instrumento de liberação de pulsões; e também função homogeneizante, declarando suspeita toda conduta e toda pessoa que se afastavam da ética católica.

Além disso, a falta de qualquer argumento jurídico - de acusação ou de defesa – que discuta a associação entre mulher e feitiçaria de alguma forma evidencia que a misoginia estava normalizada na localidade. Em Curitiba e região, portanto, funcionava a lógica do paradigma das feiticeiras, que conferia a fama de feiticeira a uma certa pessoa – especialmente mulheres indígenas ou afrodescendentes – por questões de hereditariedade, de aprendizagem e desvio comportamental ou gestual.

As fontes também permitiram identificar algumas práticas mágicas. As protetivas apareceram em patuás, enquanto as maléficas em envenenamentos. A contramagia feita pelo padre exorcista, por sua vez, consistiu em beberagens. Estas práticas, associadas ao teor das denúncias, permitem traçar o perfil de uma feiticeira colonial diabólica, ou seja, voltada para a interferência no cotidiano. A circulação de um perfil de feiticeira sabática/herética ocorreu, pois um dos delatores (talvez influenciado pelo exorcista) mencionou a existência de um “Cartório” 4 4 Cf. Rafael Bluteau o termo cartório consistia: “lugar em que guardam papeis, títulos e cartas velhas de uma comunidade. BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino, aulico, anatomico, architectonico ... Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712 - 1728 . v. 4, p. 64. Disponível em: < http://www.brasiliana.usp.br >. Acesso em 20.out.2017. de Feiticeiras capitaneado por uma Maria de {?} (DEAP. PC 1363.41. fls. 13v).

O que ocorria em tal cartório não se soube, pois o juiz não buscou conhecer mais. Não parece prudente afirmar que se trataria de um sabá, afinal, este quase não habitou o imaginário português e ali teve outra designação: Assembleias, Conventículos, Ajuntamentos e Sinagogas 5 5 Os dois primeiros termos são encontrados no Regimento da Inquisição de 1640, Título II, dos negativos (REGIMENTO DO SANTO OFÍCIO DA INQUISIÇÃO DOS REINOS DE PORTUGAL de 1640, Título II. Revista IHGB, Rio de Janeiro, ano 157, n. 392, p. 537-1010, jul./set., 1996, p. 833). Ver também: ( PAIVA, 2002 , p. 157; BEHENCOURT, 2004, p. 186 e 233-234). . Seja como for, o desinteresse do juiz comprova a tese de que a justiça secular estava mais preocupada em apurar o dano causado pelo ato maléfico do que investigar as crenças, tarefa precípua da justiça inquisitorial.

Enfim, o processo criminal secular - peças, formalidades, trâmites, argumentos e atores – indica que, na Vila de Curitiba, havia uma sociedade hierárquica, ordenada e misógina, na qual se denunciavam mulheres por feitiçaria em razão de terem nascido mulheres, de outras etnias, com outras crenças, escravizadas e com comportamentos inadequados a ética cristã, resguardada pela Coroa portuguesa por meio de sua justiça secular e das Ordenações do Reino.

5. Considerações finais

Como se pode ver, o que pretendemos foi evidenciar a complexidade que envolve a questão das “caças às bruxas” e dar especial enfoque ao fator misoginia como uma de suas causas. Assim, procedemos em uma análise da feitiçaria na América Portuguesa a partir de um processo criminal secular, cujo teor permita afirmar (i) que a feitiçaria colonial era uma realidade embebida em um sincretismo; (ii) que existiam diversas feiticeiras e também feiticeiros na região; (iii) a longa duração de uma mentalidade mágica; (iv) o modelo demoníaco de feiticeira e; (v) a crença em um “cartório de feiticeiras”.

Podemos, ainda, inferir dos autos que a feitiçaria por malefícios recaiu sobre mulheres, indígenas e administradas, mas também sobre mulheres livres que tinham comportamento “inadequado”. Nossa particularidade frente ao cenário europeu, que não poderia ser diferente dado o contexto da colonização, esteve no fato de criminalizar mulheres com ascendências indígena e africana que, em regra, tinham outros credos e, por conta disso, eram demonizadas pela justiça secular.

Ademais, o malefício averiguado nos autos criminais permite dizer que a feitiçaria tinha ao menos três funções: (a) explicativa – ao dar conta da singularidade do acontecimento maléfico, ou seja, explicava as mazelas da vida dada a falta de uma explicação funcional; (b) função psicanalítica – como instrumento de liberação de pulsões; (c) função homogeneizante – ao declarar suspeita toda conduta e toda pessoa que se afastava da norma católica, pois seus objetivos visavam reforçar padrões morais aceitos pela comunidade.

Tais padrões, pelo teor das denúncias, não destoavam da ética católica defendida no Concílio de Trento, no momento da Contrarreforma. A imposição de um modelo de vida cristã (que pregava um ascetismo intenso, amparado na rigidez da moral e da ordem social, que exigia respeito às hierarquias) se contrapôs frontalmente a mulheres com hábitos culturais/religiosos diferentes dos católicos, mesmo que o catolicismo tenha se popularizado na região.

Também se pode observar que a justiça secular na Vila de Curitiba estava mais preocupada em apurar o dano do que apurar eventuais latrias das feiticeiras. Isso não poderia ser diferente, uma vez que heresias eram de matéria de jurisdição das Inquisições. Essa constatação também permite afirmar que, no imaginário das autoridades locais, a noção de feiticeira diabólica prevalecia sobre a sabática.

Com base na assertiva acima podemos dizer que a feitiçaria colonial não se afastou das principais características, mecanismos e funções da feitiçaria europeia. Assim, as mulheres estariam predestinadas à feitiçaria por critérios hereditários, de aprendizagem e comportamentais. Critérios que, como visto ao longo do artigo, assentavam-se em uma naturalizada noção misógina das representações sociais e de poder, fundamentavam a elite letrada, inclusive a elite jurídica, como a população em geral.

  • 1
    Este artigo parte de duas fontes que tratam do mesmo fato. A primeira é a devassa denominada, aqui, de “Cartório das feiticeiras”, da qual se originou a outra fonte os “Autos cíveis de Libelo criminal”, cuja ré foi Cipriana Rodrigues. Respectivamente: Departamento Estadual de Arquivo Público do Paraná (DEAP). BR PRAPPR PB 045 PC 1363.41 DEPARTAMENTO ESTADUAL DE ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ (DEAP). BR PRAPPR PB 045 PC 1363.41, Cx.41, 1763. , Cx.41, 1763. Doravante DEAP. PC 1363.41; Departamento Estadual de Arquivo Público do Paraná (DEAP). BR PRAPPR PB 045 PC 1837.57 DEPARTAMENTO ESTADUAL DE ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ (DEAP). BR PRAPPR PB 045 PC 1837.57, Cx.57, 1773. , Cx.57, 1773. Doravante DEAP. PC 1837.57.
  • 2
    A mudança no clima religioso; a difusão da filosofia mecanicista; as ideias humanistas, o discurso médico cético; um desencantamento do mundo; um melhoramento nas condições econômicas e sociais da população europeia, contribuíram para o fim da perseguição. Além desses fatores, o pensamento e a prática jurídica dos tribunais também são apontados como determinantes, pois houve relutância de magistrados em processarem as feiticeiras; um maior número de absolvições; anulações de processos de justiças locais por parte das altas cortes; introdução de novas normas processuais; abolição da tortura como meio para se chegar a confissão (prova plena); e, por fim, ocorreu a revogação de leis que prescreviam o crime em diversos territórios.
  • 3
    Elena era mãe de Clara, Ana e Veronica (Cf. DEAP. PC 1837.57. fls. 3v).
  • 4
    Cf. Rafael Bluteau o termo cartório consistia: “lugar em que guardam papeis, títulos e cartas velhas de uma comunidade. BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino, aulico, anatomico, architectonico ... Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712 - 1728 BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino, aulico, anatomico, architectonico ... Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712 - 1728. 8 v. Disponível em: <http://www.brasiliana.usp.br>.
    http://www.brasiliana.usp.br ...
    . v. 4, p. 64. Disponível em: < http://www.brasiliana.usp.br >. Acesso em 20.out.2017.
  • 5
    Os dois primeiros termos são encontrados no Regimento da Inquisição de 1640, Título II, dos negativos (REGIMENTO DO SANTO OFÍCIO DA INQUISIÇÃO DOS REINOS DE PORTUGAL de 1640, Título II. Revista IHGB, Rio de Janeiro, ano 157, n. 392, p. 537-1010, jul./set., 1996, p. 833). Ver também: ( PAIVA, 2002 PAIVA, José Pedro. Bruxaria e superstição num país sem “caça às bruxas”. 1600-1774. 2 ed. Lisboa: Noticias Editorial, 2002. , p. 157; BEHENCOURT, 2004, p. 186 e 233-234).

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Manuscritos:

  • DEPARTAMENTO ESTADUAL DE ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ (DEAP). BR PRAPPR PB 045 PC 1363.41, Cx.41, 1763.
  • DEPARTAMENTO ESTADUAL DE ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ (DEAP). BR PRAPPR PB 045 PC 1837.57, Cx.57, 1773.

Livros:

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2019
  • Data do Fascículo
    Mar 2019

Histórico

  • Recebido
    20 Jan 2017
  • Aceito
    26 Abr 2018
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