Acessibilidade / Reportar erro

Direito à cidade na perspectiva paroara: concepções dos agentes do sistema de justiça do estado do Pará

Right to the city on the “paroara” perspective: conceptions of the justice system’agents in the state of Pará

Resumo

O artigo objetiva discutir a concepção de direito à cidade colocado em prática nos projetos urbanoambientais e nos discursos e ações dos agentes das distintas instituições do sistema de justiça na Amazônia brasileira, particularmente na cidade de Belém, estado do Pará.A pergunta orientadora do artigo é: “quais são as concepções de direito à cidade na Amazônia dos agentes pertencentes ao sistema de justiça que atuam administrativamente e judicialmente nas grandes intervenções urbanas de macrodrenagem na cidade de Belém, estado do Pará?”. Metodologicamente o estudo está alicerçado no estudo de caso, de caráter exploratório e abordagem qualitativa. Os agentes públicos entrevistados são os que atuam hodiernamente nos casos envolvendo os projetos de macrodrenagem das bacias do Una, Tucunduba e Estrada Nova, e que estão vinculados aos seguintes órgãos: Ministério Público do Estado do Pará (MPE), Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE), Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Pará (OAB), Procuradoria do Estado do Pará (PGE) e Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJE). A principal conclusão é a de que o exercício do direito à cidade está dentro do sistema político e que o sistema jurídico atua na mediação dos conflitos que insurgem nas disputas políticas e de concepções de desenvolvimento que se expressam na cidade.

Palavras-chave:
Direito à cidade; Sistema de justiça; Concepções

Abstract

The paper aims to discusses the conception of the right to the city put into practice in urban-environmental projects and in the discourse and practice of the diverse institutions’ agents of the justice system in Brazilian Amazon, particularly in the city of Belém, Pará state. The paper central question is: what are the conceptions of right to the city followed by the justice system agents that act administratively and judicially in large urban macro-drainage interventions in the city of Belém, Pará state? Methodologically the study is based on the case study method and on exploratory and qualitative approach. The public agents interviewed are those who routinely act in cases involving the macro-drainage projects of the Una, Tucunduba and Estrada Nova basins and they are linked to the following organizations: Pará State Public Prosecution Service (MPE), Pará State Public Defender (DPE), Brazilian Lawyers Association - Pará state section (OAB), Pará State Attorney's Office (PGE) and Pará State Court of Justice (TJE). The main conclusion is that the exercise of the right to the city is inside the political system and that the legal system acts in the conflicts mediation that arise in political disputes and in the conceptions of development that emerge in the city.

Keywords:
Right to the city; Justice system; Conceptions

Introdução

O artigo discute os sentidos que o direito à cidade assume nas distintas instituições do sistema de justiça na Amazônia brasileira, à luz dos discursos dos agentes que a representam. Para a análise, de forma particular, toma como referência três projetos urbanoambientais implantados na cidade de Belém, estado do Pará, que assumem o exercício do direito à cidade na prática e que, ao mesmo tempo, tem provocado conflitos sociais e urbanísticos e consequentes judicializações.

A parte continental da cidade de Belém sofre desde a década de 1980 diversas intervenções que buscam um domínio dos rios urbanos que atravessam o município. Tais intervenções ocorrem por meio de políticas públicas de urbanização sob “Projetos de Macrodrenagem”, justificados como uma forma de promover o direito à cidade e sustentabilidade. Como exemplo temos os projetos de macrodrenagem que ocorreram no rio Una (oficialmente encerrada em 2004 e judicializada pelo Ministério Público do Estado do Pará em Ação Civil Pública no ano de 2008) e as que ocorrem no rio Tucunduba (desde 1998, com previsão de término em 2022) e da bacia hidrográfica da Estrada Nova (com início no ano de 2006).

Sob o discurso de desenvolvimento e progresso, há intervenções que acarretam grandes impactos urbanoambientais e sociais, cujos financiamentos têm sido realizados pelo governo do estado do Pará, governo federal e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Dentre os impactos estão as remoções e os remanejamentos da população local e a não utilização de ferramentas democráticas em seus processos e no contato com a população diretamente afetada.

O conjunto de impactos negativos tem gerado uma grande quantidade de procedimentos administrativos e processos judiciais individuais e coletivos, de modo que vários agentes que atuam no sistema de justiça são mobilizados para atuação dentro de sua competência institucional. Neste sentido, haja vista os agentes pertencentes aos órgãos do sistema de justiça serem os responsáveis, a depender de sua atuação, ora por promover a continuidade das intervenções urbanas, ora para interrompê-las ou requisitar providências, quando verificadas irregularidades, importa entender como estes agentes compreendem por direito à cidade na Amazônia.Isto porque a região amazônica conta com uma construção histórica e urbanodiversidade (TRINDADE JÚNIOR, 2016TRINDADE JÚNIOR, Saint-Clair Cordeiro da. Formação metropolitana de Belém (1960- 1997). Belém: Paka-Tatu, 2016.) bastante peculiar, cujo território e espaços são diferenciados em relação aos outros centros urbanos brasileiros, o que lhe dá singularidade na aplicabilidade do constructo teórico de direito à cidade.Logo, a pergunta orientadora do artigo é: “quais são as concepções de direito à cidade na Amazônia dos agentes pertencentes ao sistema de justiça que atuam administrativamente e judicialmente nas grandes intervenções urbanas de macrodrenagem na cidade de Belém, estado do Pará?”. Embora o exercício do direito à cidade seja sempre um modo interpretativo de horizonte utópico, partiu-se do entendimento que as diferentes concepções assumidas pelos agentes de justiça demonstram o insuperável espaço de tensão entre os postulados teóricos e os exercícios estabelecidos cotidianamente por aqueles que colocam em prática o direito positivado.

Metodologicamente o estudo está alicerçado no estudo de caso, de caráter exploratório e abordagem qualitativa. Utiliza-se de elementos da pesquisa etnográfica (GEERTZ, 2008) com a descrição do espaço e dos projetos de macrodrenagem objeto do estudo. Têm-se, os agentes públicos, assim, como os informantes-chave dos projetos e dos processos. Os agentes públicos entrevistados são os que atuam hodiernamente nos casos alhures e que estão vinculados aos seguintes órgãos: Ministério Público do Estado do Pará (MPE), Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE), Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Pará (OAB), Procuradoria do Estado do Pará (PGE) e Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJE). De fato, entrevistou-se dois membros de cada um desses órgãos, com exceção do MPE, o qual, por questões de disponibilidade de tempo dos agentes selecionados, conseguiu-se entrevistar apenas um.

O parâmetro teórico-abstrato principal utilizado para análise dos dados empíricos é o proposto por Henri Lefebvre enquanto direito à cidade (1990LEFEBVRE, Henri et al. Du contrat de citoyenneté. Paris: Syllepse et Périscope, 1990.; 2000; 2001; 2008), na perspectiva do “vivido, percebido e concebido”. Todavia, outros autores referenciais da discussão sobre cidade, território e espaço, a exemplo de Milton Santos e David Harvey também são considerados na análise por suas interseções no debate sobre direito à cidade.

O artigo está estruturado em três seções, além desta introdução e das considerações finais. A primeira seção apresenta e discute resumidamente as perspectivas teóricas de produção do espaço e direito à cidade à luz de Henri Lefebvre e David Harvey. A seção objetiva contextualizar teoricamente o debate e as possibilidades interpretativas de produção do espaço e direito à cidade que, em princípio, subsidiam a análise dos agentes públicos envolvidos nos projetos de macrodrenagem que são objetos do estudo.

A segunda seção, por sua vez, traça um breve perfil histórico das intervenções urbanísticas de macrodrenagem de modo que se possa compreender a grandiosidade e complexidade das obras que têm gerado uma série de impactos socioambientais negativos e conflitos jurídico-procedimentais e administrativos consequentes. O objetivo da segunda seção é demonstrar o cenário em que os agentes públicos estão envoltos para responder as demandas judicializadas. A terceira seção, por sua vez, objetiva demonstrar e debater as diferentes concepções de produção do espaço e direito à cidade dos agentes públicos que, em tese, dão as diretrizes para suas decisões. O objetivo é demonstrar as controvérsias e convergências interpretativas dos agentes públicos que podem dificultar e/ou retardam as soluções esperadas para os conflitos.

1 A complexa riqueza da noção de direito à cidade.

Lefebvre (2001LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. 3ª ed. São Paulo: Centauro, 2001.) propôs a perspectiva teórico-abstrata de direito à cidade como uma resposta à construção capitalista do espaço urbano. De forma inovadora, Lefebvre (2001), dentro da filosofia, desvela como direito à cidade a necessidade de construção de um espaço que tenha o homem e a democracia como centralidade do espaço urbano, uma vez que, segundo o autor, a urbanização que adveio concomitantemente ao processo de industrialização transformou o espaço da cidade como lócus privilegiado da produção do capital. Com efeito, o capital subverteu o espaço urbano em produto com significativo apelo de valor de troca. Lefebvre (2001) utiliza parâmetros culturais para contestar a interpretação utilitarista que o espaço urbano assumiu no período pósindustrial e concebe a cidade enquanto obra de arte que detém significativo valor de uso por parte daqueles que nela habitam.

Neste processo, Lefebvre (2001LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. 3ª ed. São Paulo: Centauro, 2001.) afirma que há uma interferência daqueles que detêm o capital (classe dominante)sobre a classe operária (proletariado). Haja vista a cidade ter valor de troca, o proletariado acaba sendo afastado para suas franjas, o que contribui para a dissipação da consciência urbana e evita que haja a transposição da democracia vista no campo para a cidade. Neste sentido, temos uma redução da cidade enquanto habitat, ou seja, enquanto mero local em que se mora, mas não como um “habitar” (enquanto local em que se vive), com uma sociedade que é um produto, e não uma obra.

À luz de Lefebvre (2001LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. 3ª ed. São Paulo: Centauro, 2001.), a produção do espaço é, ao mesmo tempo, uma produção do próprio tempo, que dentro de um movimento dialético e social, (re)conecta as diversas práticas sociais rotineiras. Desse modo,o espaço é social, histórico e, também, mental e cultural. Não há, portanto, uma relação clara e imediata entre o modo de produção da sociedade e seu espaço, haja vista não existir uma uniformidade social geral. Logo, tem-se, segundo o autor, concomitantemente, uma hierarquização, fragmentação e homogeneização no espaço da modernidade que tenta promover uma generalização no espaço em si, como também na cultura e no funcionamento de cada sociedade (LEFEBVRE, 2000LEFEBVRE, Henri. La production de l’espace. 4ª ed. Paris: Éditions Anthropos, 2000.).

Para Lefebvre (2000LEFEBVRE, Henri. La production de l’espace. 4ª ed. Paris: Éditions Anthropos, 2000.), o espaço é produzido dentro do contexto históricotemporal-social de cada sociedade, cujas pessoas, por meio de suas relações e atividades interpessoais, produzem práticas sociais próprias e, consequentemente, seus próprios espaço-tempo, que são, assim, históricos. O filósofo propõe processos que estão conectados dialeticamente, sendo uma proposta tridimensional, derivada da fenomenologia, bem como de uma relação entre o espaço e a linguagem: o concebido (representações do espaço), o percebido (prática do espaço) e o vivido (espaços de representações).Estes três processos devem ser lidos simultaneamente, como uma unidade global (LEFEBVRE, 2000LEFEBVRE, Henri. La production de l’espace. 4ª ed. Paris: Éditions Anthropos, 2000.).

O espaço concebido é o espaço dos planejadores, que é elaborado intelectualmente, dominante na sociedade em seu consenso e que expressa uma série de signos verbais. O espaço percebido é a percepção do mundo exterior de cada um, por meio da prática social, ou seja, com o uso de seu corpo e dos sentidos, demonstrando relação com a perspectiva material de elementos que compõem o espaço em significações sociopolíticas.Por fim, o espaço vivido é a experiência prática cotidiana da vivência do ser no espaço, o espaço do habitante, que pode ser expresso por símbolos não-verbais, nunca sendo neutro ou puro (LEFEBVRE, 2000LEFEBVRE, Henri. La production de l’espace. 4ª ed. Paris: Éditions Anthropos, 2000.; 2008).

A partir do exposto, percebe-se que o espaço, ainda que socialmente produzido, é determinado pelo capital, de forma que a teoria social do espaço abrange um exame crítico da sociedade urbana e da vida cotidiana, que deve ser feito de forma empírica inicialmente, para que possa ser teorizado posteriormente.Neste sentido, a proposta Lefebvriana de direito à cidade aventa, ao mesmo tempo, uma ruptura com as determinações do capital e uma retomada à vida urbana enquanto troca e coexistência política. O direito à cidade implica o conhecimento sobre a construção do espaço, em uma “constituição ou reconstituição de uma unidade espaço-temporal, de uma reunião, no lugar de uma fragmentação” (LEFEBVRE, 2008LEFEBVRE, Henri. Espaço e política. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008., p. 32).

Neste cenário, Lefebvre (1990LEFEBVRE, Henri et al. Du contrat de citoyenneté. Paris: Syllepse et Périscope, 1990.) afirma que o direito à cidade está inscrito no rol de direitos dos citadinos-cidadãos, de forma mais robusta ou mais tímida, a depender do nível de democracia de cada nação, englobando o direito aos serviços públicos e privados que detém relação com a vida urbana, como direito ao transporte, circulação e informação. O direito à cidade é objeto virtual que demanda uma mudança da prática social, o que acarretaráemuma mudança no espaço.

Harvey (2014HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: MartinsFontes - selo Martins, 2014., p. 11) diz que Lefebvre afirmou o direito à cidade como um apelo por ser “[...] uma resposta à dor existencial de uma crise devastadora da vida cotidiana da cidade” e como uma exigência porser determinação de se construir a vida urbana que tenha em si mais vida, com seus embates e novidades.

Deste modo, Lefebvre (2001LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. 3ª ed. São Paulo: Centauro, 2001.) sugere que o direito à cidade delineia a cidade enquanto local de encontro, com valor de uso, e como um apelo para que a haja mudança na determinação do espaço, de forma que a cidade tenha uma centralidade lúdica, que alcance a realização da filosofia da cidade, contendo o direito à liberdade, à obra, à apropriação, à individualização, ao habitar e ao habitat. Segundo Lefebvre (2001, p. 128): ): “A cidade foi um espaço ocupado ao mesmo tempo pelo trabalho produtivo, pelas obras, pelas festas. Que ela reencontre essa função para além das funções, na sociedade urbana metamorfoseada”.

Para Harvey, o direito à cidade, enquanto conceito, é vazio de significado, pois é dependente da significação proposta por cada indivíduo. Harvey (2014) defende que o direito à cidade é um degrau que levará ao fim do sistema capitalista e do que se compreende como estruturas de poder, classe e Estado. Neste sentido, em Harvey (2014, p. 28), o direito à cidade é o “[...] direito de mudar e reinventar a cidade, mas de acordo com nossos profundos desejos[...]” por meio do “[...] exercício de um poder coletivo sobre o processo de urbanização”, considerando que é um direito humano coletivo de viés disruptivo.

A cidade, logo, deve ser construída por meio de seus habitantes, e não determinada pelo capital, sendo concretizado em sua liberdade, haja vista que cada pessoa é influenciada pelo espaço em que circula, sendo a cidade um espelho para seus habitantes, o que pode a vir limitar suas escolhas e, consequentemente, modo de vida (HARVEY, 2013HARVEY, David. A liberdade da cidade. In: Cidades rebeldes: passe livre e as manifestaçõesque tomaram as ruas do Brasil. 1ª ed. São Paulo: Boitempo Editorial, Carta Maior,2013.).

Neste sentido, o sistema capitalista encontrou lócus de reprodução nas cidades a partir da década de 1970, por conta da política neoliberal que legitimou e consolidou a classe dominante, bem como permitiu uma intensa concentração de capital, sobretudo nos países de economia desenvolvida. Com o avanço do processo de industrialização, tal como Lefebvre descreve, Harvey afirma que o sistema capitalista passa a utilizar as cidades para absorção do capital excedente em seu processo de urbanização, tornandose esta essencial para manutenção do sistema (HARVEY, 2011; 2014).

A forma de produção capitalista do espaço disseminou-se com a globalização do processo de urbanização, a qual trouxe consequências marcantes na economia mundial, particularmente no que tange às questões imobiliárias, que continuam a manter a classe trabalhadora com menor poder aquisitivo, sobretudo em países em desenvolvimento, como no caso brasileiro, em territórios não servidos de equipamentos adequados, colaborando para um desenvolvimento geográfico desigual, por meio da acumulação por expropriação (HARVEY, 2014HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: MartinsFontes - selo Martins, 2014.; 2008).Isso faz com que o bem estar na cidade seja visto enquanto uma mercadoria, de modo que apenas os que tem dinheiro podem adquiri-lo, sendo um fator que agrava outrossim a própria identidade do indivíduo enquanto habitante da cidade, a depender do seu acesso à ela. O discurso de progresso alicerçado no modelo de desenvolvimento baseado no crescimento econômico apresenta soluções para as crises que ele mesmo cria e que as quais acabam por sufocar as classes social e economicamente vulneráveis, bem como destroem a solidariedade e apoio mútuo na sociedade. Portanto, estes processos são deveras custosos, pois retiram de toda a população urbana o seu direito de usufruto da cidade como um todo (HARVEY,2014).

Em contraposição à utilização da urbanização pelo sistema capitalista, Harvey propõe o direito à cidade como uma retomada do controle democrático do excedente do capital incorporado às cidades, de modo que a construção do espaço urbano não seja limitado apenas à uma elite econômica e política. O autor sugere que o exercício do direito à cidade emerja como ferramenta dos movimentos sociais para interromper as diversas espoliações sofridas pelos moradores da cidade e infligidas pela produção capitalista do espaço, buscando uma nova forma de urbanização (HARVEY, 2014HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: MartinsFontes - selo Martins, 2014.). Os movimentos sociais devem se unir, para que consigam a reformulação urbana, sendo o direito à cidade o caminho para essa transformação social (MAGALHAES, 2015MAGALHAES, Lina Paula Machado. Ciudad Olímpica y Ciudad Rebelde: las Manifestaciones Populares por el Derecho a la Ciudad en Río De Janeiro en el contexto de los Megaeventos Deportivos. In: Revista Direito da Cidade, Rio de Janeiro, 2015. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rdc/article/view/18845. Acesso em 03 dez. 2019.
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index....
).

Para concretização do direito à cidade, Harvey (2014HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: MartinsFontes - selo Martins, 2014.) indica alternativas democráticas, como fóruns alternativos de discussão e decisão, com a inclusão de todos os citadinos-cidadãos que reproduzem a vida cotidiana. Ainda que seja de difícil concretização, haja vista a forte influência do capitalismo excludente na urbanização e nas relações sociais, deve-se continuar buscando a reconstrução da cidade, não sendo possível que se evite conflitos, mas que nestes se pense individualmente e coletivamente em como as ações diárias, bem como crenças políticas, econômicas e intelectuais, impactam nas circunstâncias urbanas (HARVEY,2013HARVEY, David. A liberdade da cidade. In: Cidades rebeldes: passe livre e as manifestaçõesque tomaram as ruas do Brasil. 1ª ed. São Paulo: Boitempo Editorial, Carta Maior,2013.).

Reis (2019REIS, Ana Beatriz Oliveira. A luta pelo direito à cidade: contribuições do debate da derivação do Estado. In: Revista Direito e Práxis, Ahead of print, Rio de Janeiro, 2019. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/37918. Acesso em 03 dez. 2019.
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index....
, p. 03) sintetiza que o direito à cidade ultrapassa a construção normativista nos constructos de Lefebvre e Harvey, com duas dimensões principais, as quais envolvem “a sobreposição do valor de uso do espaço urbano em relação ao valor de troca e a dimensão utópica”, e situam o direito à cidade no que os autores consideram enquanto luta anticapitalista, ou seja, na superação da ideia de cidade enquanto mercadoria.

Logo, é um ponto controverso a perspectiva de positivação e inclusão do direito à cidade em ordenamentos jurídicos diversos, haja vista a relevância deste direito na luta anticapitalista, ou seja, a partir do ponto de vista de que o direito à cidade não poderia fazer parte do sistema jurídico que está incorporado e dá suporte aostatus quo capitalista. Porém, este entendimento não foi considerado pelos legisladores e juristas, de modo que o direito à cidade se encontra institucionalizado por meio de concepções legais e execução de políticas públicas hodiernamente.

No âmbito jurídico internacional, o direito à cidade teve como arena fóruns internacionais da sociedade, tais como como a Carta Mundial pelo Direito à Cidade (Fórum Social Mundial Policêntrico, 2006) e a Carta do Rio de Janeiro sobre o Direito à Cidade (2010), ambos fóruns com forte apoio do Movimento Nacional pela Reforma Urbana (CAFRUNE, 2016CAFRUNE, Marcelo Eibs. O direito à cidade no Brasil: construção teórica, reivindicação e exercício de direitos. In: Revista Interdisciplinar de Direitos Humanos, v. 4, n. 1, p. 185-206, jan./jun., 2016. Disponível em: https://www3.faac.unesp.br/ridh/index.php/ridh/article/download/325/169. Acesso em 15 nov. 2019.
https://www3.faac.unesp.br/ridh/index.ph...
; AMANAJÁS, KLUG, 2018AMANAJÁS, Roberta. KLUG, Letícia. Direito à cidade, cidades para todos e estrutura sociocultural urbana. In: A Nova Agenda Urbana e o Brasil: insumos para sua construção e desafios a sua implementação. COSTA, Marco Aurélio. MAGALHÃES, Marcos Thadeu Queiroz. FAVARÃO, Cesar Bruno (Orgs.) Brasília: Ipea, 2018.). Em 2016, se tornou o protagonista da Declaração de Quito, que também é conhecida como Nova Agenda Urbana (NAU), documento que pretende alcançar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 11 da Agenda 2030 (ONU, 2015; 2016).

A Nova Agenda Urbana propõe o direito à cidade enquanto direito coletivo que inclui o direito à autodeterminação e padrão de vida adequado, englobando várias questões transversais, como funções sociais, cidadania inclusiva, participação política etc, e tendo como pilares os aspectos sociais e ambientais, estratégias espaciais urbanas, governança urbana e economia urbana. A NAU determina que o espaço público tenha sua relevância reconhecida para a expressão cultural, social e política, bem como espaço de inclusão e equidade, com o delineamento de oito ações chaves para alcançar o direito à cidade (ONU, 2016).

Outrossim, o sistema jurídico brasileiro incorporou o direito à cidade em seu ordenamento oficial por meio do Estatuto da Cidade, em 2001, graças à ativa participação e articulação do Movimento Nacional pela Reforma Urbana, o qual também foi o responsável pela inclusão do Capítulo da Política Urbana na Constituição da República de 1988 (BRASIL, 1988; 2001; CAFRUNE, 2016CAFRUNE, Marcelo Eibs. O direito à cidade no Brasil: construção teórica, reivindicação e exercício de direitos. In: Revista Interdisciplinar de Direitos Humanos, v. 4, n. 1, p. 185-206, jan./jun., 2016. Disponível em: https://www3.faac.unesp.br/ridh/index.php/ridh/article/download/325/169. Acesso em 15 nov. 2019.
https://www3.faac.unesp.br/ridh/index.ph...
). Inicialmente, o direito à cidade surge como uma forma de se concretizar o direito à moradia, sendo este paradigma posteriormente transposto, por meio da amplitude dada à esta perspectiva jurídica (CAFRUNE, 2016).

O Estatuto da Cidade prevê em seu artigo 2º o direito à cidade sustentável e sua gestão democrática, trazendo em seu corpo instrumentos jurídicos que podem servir como ferramenta para a realização do direito à cidade, como a outorga onerosa do direito de construir, a desapropriação por não cumprimento da função social da propriedade, a construção participativa do plano diretor, entre outros (BRASIL, 2001).Alfonsin et al (2015) enfatizam que o direito à cidade sustentável deve ser compreendido como um direito coletivo dos habitantes das cidades, o que é uma união dos direitos urbanos concernentes aos serviços, infraestrutura e preservação do meio ambiente.

A legalização do direito à cidade levou à sua institucionalização no plano do Poder Executivo, inicialmente por meio do Ministério das Cidades, o que ampliou as ações do Governo Federal para aplicar os instrumentos previstos no Estatuto (CAFRUNE, 2016CAFRUNE, Marcelo Eibs. O direito à cidade no Brasil: construção teórica, reivindicação e exercício de direitos. In: Revista Interdisciplinar de Direitos Humanos, v. 4, n. 1, p. 185-206, jan./jun., 2016. Disponível em: https://www3.faac.unesp.br/ridh/index.php/ridh/article/download/325/169. Acesso em 15 nov. 2019.
https://www3.faac.unesp.br/ridh/index.ph...
), não tendo, porém, conseguido que as cidades brasileiras, de alguma forma, se tornem menos desiguais.

No contexto legislativo estadual, a Constituição do estado do Pará não assegura expressamente o direito à cidade, sendo possível, no entanto, verificar uma coerência teórica Lefebvriana com o proposto com a Carta Magna Paroara1 1 A palavra “paroara” tem origem indígena e foi utilizada originalmente como designação aos migrantes que se dirigiram para a Amazônia. Atualmente, é também utilizada como designação de pessoa ou coisa natural do estado do Pará. diretamente e transversalmente, a qual prevê a participação enquanto princípio expresso da administração pública em seu artigo 20, bem como a inclusão e acessibilidade de pessoas com deficiências e mulheres aos equipamentos e serviços coletivos, públicos ou privados. O artigo 253 da Lei Magna paraense determina a participação popular e acesso à informação em todas as decisões concernentes ao meio ambiente, no qual inclui-se o urbano (PARÁ, 1989).Deste modo, identifica-se a presença da proposta de Lefebvre de direito à cidade na Constituição estadual do Pará, embora, aqui, se possa trazer para reflexão a controvérsia de incorporação de pressupostos teórico-utópicos em normas jurídicas positivas em face suas dificuldades de implementação.

Após a descrição das propostas teóricas de Lefebvre e Harvey, bem como do campo jurídico do direito à cidade nos âmbitos internacional, nacional e estadual, serão explanadas na próxima seção as intervenções urbanísticas de macrodrenagem, que tem como território a cidade de Belém, capital do estado do Pará, em específico as que se deram nas bacias do Una, Tucunduba e Estrada Nova, para que se possa estabelecer o recorte de delimitação da análise sobre o repertório de concepções de direito à cidade dos agentes do sistema de justiça que podem atuar, atuaram ou atuam administrativamente ou judicialmente nas intervenções que tem como local este território e foro municipal.

2 Direito à cidade? As obras de saneamento integrado de Belém do Pará.

Em ambas perspectivas apresentadas sobre produção do espaço, percebe-se que a modificação territorial se dá, em grande parte, por determinações do capital. Este processo de modificação se tornou ainda mais intenso e complexo por conta de sua vinculação à globalização, que faz com que as decisões tomadas concernentes às questões econômicas e produtivas se deem em função do território (VASCONCELLOS SOBRINHO, 2013VASCONCELLOS SOBRINHO, Mário. Notas introdutórias sobre desenvolvimento e desenvolvimento territorial. In: MITSCHEIN, Thomas A. et al. Desenvolvimento local e direito à cidade na floresta amazônica. NUMA/UFPA: Belém, 2013, p. 12-36. Disponível em:http://livroaberto.ufpa.br/jspui/bitstream/prefix/230/1/Livro_DesenvolvimentoLoca lDireit o.pdf. Acesso em: 03 dez. 2019.
http://livroaberto.ufpa.br/jspui/bitstre...
).Segundo Milton Santos (2008), a fragmentação do processo produtivo em escala internacional, bem como a unicidade da técnica contribuiu para que a globalização afetasse de modo tão intenso os mais diversos territórios, seja em sociedades de capitalismo avançado, seja em sociedades em processos de desenvolvimento.

Neste sentido, o território e, consequentemente, o espaço da cidade de Belém do Pará também é afetado pela interferência do modelo capitalista globalizante. Tal como em outras cidades, inclusive amazônicas, o Estado tem atuado como coordenador do capital no território, organizando a cidade para que ela se torne mais competitiva em relação à outras cidades, assim como para que os empreendimentos econômicos, os quais podem prover relevantes retornos em termos de geração de emprego, renda e impostos governamentais,se instalem localmente.

Figura 1
Visão geral da cidade de Belém/Pa.

Fundada em 12 de janeiro de 1616, a cidade de Belém detém papel estratégico na Amazônia deste então, sendo importante entreposto comercial e de defesa do território durante o período colonial. Esta cidade, que tem como alcunhas populares entre seus habitantes e no marketing sobre a cidade as expressões “Metrópole da Amazônia” e “Cidade das Águas”, é circundada pelo Rio Guamá e a Baía do Guajará, bem como tem em seu território catorze bacias hidrográficas.

Seu território encontra-se parcialmente entre quatro e oito metros abaixo da cota do mar e é entrecortada por rios e braços de rios, conhecidos como “igarapés”, os quais detêm grande influência de marés, o que contribui para constantes alagamentos, bem como tem-se anualmente alto índice pluviométrico dado seu clima ser equatorial. Por conta da grande influência destas bacias hidrográficas no território, a cidade conta com diversas porções de áreas que são alagadiças ou estão propensas a inundações, seja de forma intermitente, seja de forma permanente (PMB, 2006).

Mapa 1
Localização das bacias hidrográficas da cidade de Belém/PA.

Há registros que demonstram que a proposta concebida pelo planejador para Belém encontrava obstáculos em sua geografia datados do ano de 1791, os quais relatam que as construções se limitavam aos territórios secos, por não existir ainda àquela época tecnologia construtiva para as áreas alagáveis da cidade que provessem edificações consideradas adequadas para os que detinham riqueza. Estes terrenos alagados ou alagadiços são conhecidos localmente como “baixadas”, haja vista localizarem-se abaixo da cota do mar e serem tomados pela água parcialmente ou totalmente no decorrer do ano, por conta de ser majoritariamente locais de várzea e pântanos, sendo ocupados pela parte da população com renda mais baixa, bem como por empreendimentos, tal como as antigas “vacarias” (MEIRA, 1973; TRINDADE JÚNIOR, 2016TRINDADE JÚNIOR, Saint-Clair Cordeiro da. Formação metropolitana de Belém (1960- 1997). Belém: Paka-Tatu, 2016.).

A partir da inauguração da Rodovia Belém-Brasília na década de 1960, Belém dá início ao seu projeto de metropolização, com investimentos públicos e privados, se transformando em uma grande área de atração para migrantes. Neste sentido, ocorreu simultaneamente o processo de sofisticação do modo de vida, mais espelhado em cidades globais, e o processo de favelização, haja vista que grande parte da população passou a habitar locais que não contavam com infraestrutura adequada (TRINDADE JÚNIOR, 2016TRINDADE JÚNIOR, Saint-Clair Cordeiro da. Formação metropolitana de Belém (1960- 1997). Belém: Paka-Tatu, 2016.).

Os agentes de produção de espaço, por conseguinte, passaram a contar com membros da camada com renda diminuta e, em contraposição, com o grande capital imobiliário. Este espaço iniciou rápida modificação tanto pela ação das obras de reforma urbana, necessárias para atrair e atender o capital imobiliário, como pelas ocupações espontâneas de terrenos alagados na cidade, que passaram a ocorrer de forma mais intensa a partir da década de 1960. Estes territórios encontram localização privilegiada, haja vista circundarema parte mais alta da cidade e, consequentemente, mais bem servida de infraestrutura e equipamentos urbanos, com ampla oferta de serviços (TRINDADE JÚNIOR, 2016TRINDADE JÚNIOR, Saint-Clair Cordeiro da. Formação metropolitana de Belém (1960- 1997). Belém: Paka-Tatu, 2016.).

Neste cenário, a população que detém mais capital reside nas áreas secas e as que não detém capital (ou detém bem pouco), reside nas áreas alagáveis ou alagadas, usualmente em casas de madeira construídas em cima de esteios denominadas “palafitas”, o que facilita seu acesso à infraestrutura dessas outras áreas, assim como reduz seu tempo de deslocamento para o trabalho e opções de lazer gratuitas, como praças e centros de compra.Logo, residir nas baixadas não é uma decisão hodiernamente tomada com leveza e pode ser vista enquanto uma estratégia de sobrevivência para as populações de renda mais baixa (TRINDADE JÚNIOR, 2016TRINDADE JÚNIOR, Saint-Clair Cordeiro da. Formação metropolitana de Belém (1960- 1997). Belém: Paka-Tatu, 2016.).

Figura 02
Palafitas na nascente do Rio Tucunduba

Com a expansão da cidade e a falta de espaço para novos empreendimentos e construções em face a estrutura física da cidade contornada por rios, as áreas de baixada passaram a ser imensamente valorizadas. Neste grande movimento de urbanização, criaram-se, desde 1975, planos de desenvolvimento urbano que previam as primeiras intervenções urbanísticas nas baixadas, objetivando, ao menos oficialmente, promover o saneamento das áreas, por meio de macrodrenagens, de modo a melhorar a qualidade de vida dos moradores das baixadas, os quais viviam situações sociais e ambientais extremas no que concerne, particularmente, as questões de saúde, saneamento e acesso às suas casas.

Neste sentido, um ponto em comum sobre os múltiplos projetos de macrodrenagem já implementados na cidade de Belém é o discurso de progresso e desenvolvimento que estas intervenções trazem para toda a população e, principalmente, para os diretamente atingidos. No entanto, como verificado em intervenções anteriores, como a exercida no igarapé das Armas (ou das Almas) e do alagadiço do Piri (a primeira área da cidade a sofrer esta intervenção)2 2 O alagadiço do Piri passou por intervenções no século XIX, de modo que a cidade pudesse se expandir mais facilmente em direção ao limite de sua primeira légua patrimonial, compondo atualmente parte da área nobre da cidade. Já a intervenção no igarapé das Armas ou das Almas, que anteriormente era considerada área periférica da cidade, levou ao aterramento e canalização da totalidade de sua extensão, localizando-se hoje um dos centros de compras mais luxuosos da cidade, bem como prédios de classe alta. , as áreas saneadas acabam sendo cooptadas pelo mercado imobiliário, de modo que os que lá residiam, e que eram os que deveriam ser mais beneficiados pelas intervenções, acabam se mudando para locais mais distantes, inclusive nos municípios vizinhos que compõem a Região Metropolitana de Belém3 3 A Região Metropolitana de Belém iniciou sua formação em 1973 e hoje conta com os municípios de Belém, Ananindeua, Marituba, Benevides, Santa Bárbara, Santa Izabel e Castanhal. , em uma conurbação, que são os municípios de Ananindeua e Marituba, em um movimento de suburbanização da periferização (TRINDADE JÚNIOR, 2016TRINDADE JÚNIOR, Saint-Clair Cordeiro da. Formação metropolitana de Belém (1960- 1997). Belém: Paka-Tatu, 2016.).

Neste contexto, para fins de seleção dos agentes do sistema de justiça que participaram das entrevistas não-diretiva, selecionou-se três obras de macrodrenagem como delimitação,as quais, hodiernamente, continuam a ter significante impacto na cidade: as intervenções nas bacias do Una, Tucunduba e Estrada Nova. Estas intervenções, que utilizaram ou utilizamfinanciamento internacional e nacional para sua execução, particularmente provido pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Caixa Econômica Federal (CEF), promoveram grandes reformar urbanas nestas áreas, ainda que tenham sido, em grande parte, a primeira ação relevante do Estado nestes territórios.

O Projeto de Macrodrenagem do Una, dentre os escolhidos, é o mais antigo, com concepção datada da década de 1970, objetivando implantação do sistema de drenagem e dotação de infraestrutura adequada, com três eixos principais: saneamento básico, renovação urbana e promoção socioeconômica da população de sua área de abrangência (PARÁ, 2006). A bacia do Una é a maior das bacias hidrográficas de Belém, abrangendo em torno de 60% de seu território, logo intervenções nela provocam consequências em grande parte da cidade.

Figura 3
Visão geral da Bacia do Una.

O contrato com o BID foi assinado em 1993, com valor total de investimento de $312.437.727,00, sendo $142.942.660,00 por empréstimo do BID e $169.495.067,00 referente à contrapartida dada pelo Governo do Estado do Pará (PARÁ, 2006).

Este projeto, naquela época, foi considerado o maior de toda a América Latina, tendo, no entanto, uma execução com múltiplas falhas, que reverberam até hoje em Belém. O projeto iniciado em 1993 contava com previsão de duração de quatro anos, sendo, no entanto, encerrado apenas no ano de 2005. Segundo Soares (2016SOARES, Pedro Paulo de Miranda Araújo. Memorial ambiental na Bacia do Una: estudo antropológico sobre transformações urbanas e políticas públicas de saneamento em Belém (PA). (Tese de Doutorado). Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, 2016.), houve remanejamento inadequado da população, descumprimento dos manuais de operação instituídos pelo BID como condições do empréstimo, falta de participação popular no planejamento e execução do projeto, ocorrência de improbidade administrativa por agentes do poder público, inexecução incompleta do previsto, o que causou que novas áreas passassem a alagar, entre outros. Estas questões deram azo ao ingresso de uma Ação Civil Pública, pelo Ministério Público do Estado do Pará (MPE/Pa), em 2008, que está em tramitação até hoje. A falta de envolvimento da população local na consecução do projeto caracteriza o predomínio da lógica tecnicista do projeto e o afastamento da expressão social do direito à cidade.

Já o Projeto de Macrodrenagem do Tucunduba acontece de forma diferida no tempo, desde 1998. A bacia do Tucunduba é a segunda maior bacia hidrográfica da cidade e localiza-se no sul da primeira légua patrimonial de Belém, tendo uma extensão de 1.055 hectares, de modo que 575 hectares constituem áreas de baixada. O projeto iniciou em 1998, capitaneado pela Prefeitura Municipal de Belém (PMB) (PMB, 1999), objetivando uma mudança paradigmática: o projeto contrariava a ideia do tecnocrata planejamento estratégico anteriormente utilizado em outros projetos de intervenção urbana (como o da Bacia do Una e Igarapé das Almas, acima mencionados) e previa a participação popular como uma de suas forças motrizes,em consonância com o direito à cidade, tendo sido encerrado seu primeiro trecho em 2004, de forma que não foi executado toda a extensão inicialmente prevista.

Segundo Barbosa (2003BARBOSA, Maria José de Souza. Estudo de caso sobre o Projeto Tucunduba: urbanização do Igarapé Tucundunba, gestão de rios urbanos. Belém: UFPA, 2003.), o início do Projeto de Urbanização da Bacia do Tucunduba recebeu um prêmio de melhores práticas em gestão local em âmbito mundial da Caixa Econômica Federal (CEF) e do Instituto Brasileiro de Administração Municipal em 2001, haja vista o projeto estar alinhado às diretrizes da ONU HABITAT, assim como pela relevante participação da população no projeto, que era “[...] uma proposta de intervenção urbanística pautada no desenvolvimento econômico local e na gestão ambiental urbana, priorizando a recuperação de áreas degradadas, localizadas na periferia da cidade de Belém” (BARBOSA, 2003BARBOSA, Maria José de Souza. Estudo de caso sobre o Projeto Tucunduba: urbanização do Igarapé Tucundunba, gestão de rios urbanos. Belém: UFPA, 2003., p. 5).

Logo, o projeto foi retomado e interrompido diversas vezes, tendo sido transposto para a responsabilidade o governo do estado do Pará em 2008, já tendo sofrido diversas reconfigurações e alterações metodológicas, principalmente no que tange à questão de participação da população diretamente atingida nos processos concernentes ao projeto, o que gera uma série de conflitos e está em desacordo com o protagonismo popular de direito à cidade.

Atualmente, está em execução o segundo trecho desta segunda etapa iniciada pela governadora Ana Júlia Carepa, em 2008, tendo sido continuado pelos governadores Simão Jatene (a partir de 2016)e Helder Barbalho (a partir de 2019), o qual executará o terceiro trecho desta segunda etapa integralmente, o que pode causar ainda mais modificações no projeto. Estima-se que esta intervenção tem o custo em torno de R$155 milhões de reais, entre valores já investidos e previstos, sendo hoje denominado de “Projeto de Saneamento Integrado do Tucunduba”, com estimativa de beneficiar em torno de 250 mil pessoas, já com múltiplas remoções e remanejamentos de parte da população afetada (CMB, 2018, online;PMB, 2014, online; SANTOS, 2018SANTOS, Milton. Técnica, Espaço, Tempo: globalização e meio técnico-científicoinformacional. São Paulo: EDUSP, 2018.).

Figura 4
Visão geral de parte da Bacia do Tucunduba.

Mapa 2
Configuração do Projeto de Saneamento Integrado do Tucunduba do ano de 2017.

O terceiro projeto escolhido para servir como delimitador é o Projeto de Saneamento da Bacia da Estrada Nova (PROMABEN), que foi lançado em 2006 pela PMB, com a proposta de revitalização da orla do Rio Guamá, assim como macrodrenagem dos “canais” e duplicação de via. A bacia da Estrada Nova é considerada como uma das mais preocupantes, haja vista 35% de seu território alagar frequentemente (PMB, 2019).O projeto foi dividido em quatro sub-bacias, sendo que a de número 01 trata da orla, com perspectiva de reforma urbanística e de ações de saneamento, sendo financiada pelo BID. A sub-bacia 02 foi financiada com recursos do PAC Saneamento e PAC Habitação e, as 03 e 04, com recursos do PAC Saneamento4 4 O Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) foi lançado no ano de 2007, durante o segundo mandato do presidente Luis Silva, o qual propunha medidas que gerassem crescimento econômico, geração de empregos e uma melhora na qualidade de vida da população no Brasil. , com escopo prioritário de duplicação da Av. Bernardo Sayão e de drenagem dos canais.As obras são de responsabilidade da PMB, por meio de suas secretarias municipais de Urbanismo e Saneamento (LEÃO, 2013LEÃO, Monique Bentes Machado Sardo. Remoção e reassentamento em baixadas em Belém: estudos de caso dos planos de reassentamento (1980-2010). Belém: Universidade Federal do Pará. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, 2013.).

Mapa 3
Localização das sub-bacias do PROMABEN.

A intervenção tem como valor de investimento US$ 145.871.000, sendo US$ 68.750.000 milhões financiadas pelo BID US$ 77.121.000 da Prefeitura Municipal de Belém, concernentes à contrapartida (PMB, 2014). Hodiernamente, estima-se o deslocamento involuntário de mais de duas mil pessoas. O projeto apresenta problemas durante sua execução como falta de acesso à informação para a população, negociações e atraso de pagamento do auxílio-moradia (LEÃO, 2014).Outrossim, está sendo planejada a continuidade do projeto, sob a denominação “PROMABEN II”.

Neste contexto, o projeto do PROMABEN reproduziu a lógica de construção da cidade tecnicista, com apropriação de espaços públicos por agentes privados, sem participação da comunidade na concepção e na execução do projeto, inclusive no que concerne aos reassentamentos involuntários, apesar de ter uma série de documentos que subsidiavam formalmente como deveria acontecer a participação da população (ALBUQUERQUE, 2016ALBUQUERQUE, Maria Cláudia Bentes. Gestão Social de Bens Comuns Urbanos no contexto da Cidade Justa, Democrática e Sustentável: O caso da Orla Do Portal Da Amazônia, em Belém (Pa). Belém: Universidade Federal do Pará. Programa de PósGraduação em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia, 2016.), o que demonstra imenso descompasso com o direito à cidade dos envolvidos, bem como uma manutenção do paradigma de intervenções urbanísticas que não consideram uma forma social de edificação do espaço urbano.

O mapa abaixo demonstra visualmente os rios que foram canalizados e territórios físicos que sofreram as intervenções e como eles alcançam grande parte da cidade de Belém.

Mapa 04
Canalização dos rios das bacias do Una, Tucunduba e Estrada Nova.

Neste contexto, percebe-se a grandiosidade dos projetos apresentados, o relevante investimento financeiro feito, bem como tem-se uma noção dos significativos impactos sociais e ambientais que estes causam, dada a descrição dos projetos e a estimativa quantitativa de pessoas afetadas relatada.

Todos os projetos, dadas suas complexidades, têm intensa atuação de agentes do sistema de justiça, principalmente administrativamente, ou seja, antes do ingresso da ação judicial. Estas ações variam de acordo com o órgão do sistema de justiça: pode ser por meio de fiscalização, de avaliação dos contratos, atuando nos remanejamentos e reassentamentos involuntários, instando o poder executivo a prestar informações públicas, entre outros. Há também relevante atuação litigiosa, por meio de ações civis públicas, por não cumprimento dos projetos propostos, de desapropriação, de reintegração de posse etc5 5 Não há informação oficial e/ou acessível para a sociedade e Academia sobre o quantitativo de procedimentos administrativos e judiciais coletivos e individuais que tratam diretamente ou transversalmente de questões relacionadas aos projetos desta seção. O entrevistado 01 da Defensoria Pública do estado do Pará relatou que há alguns anos existiam mais de três mil ações individuais referentes à um conjunto habitacional para onde foram reassentados involuntariamente moradores da área do Tucunduba. . Dada esta atuação rotineira e, muitas vezes, invisível (já que se tende a vislumbrar apenas a corporificação do processo judicial), dos agentes do sistema de justiça em múltiplas ações concernentes aos projetos, é de suma importância conhecer suas concepções de direito à cidade e percepções sobre os casos em análise

Na próxima seção, será apresentado o repertório de concepções dos agentes do sistema de justiça que podem atuar, atuaram ou atuam administrativamente ou judicialmente nas intervenções acima examinadas de direito à cidade, bem como sua relação com estas obras, de acordo com as balizas teóricas na seção anterior.

3 O repertório de concepções de direito à cidade dos agentes do sistema de justiça do estado do Pará.

O sistema de justiça ultrapassa o Poder Judiciário, haja vista englobar todos os seus agentes em determinado espaço. É organizado em unidades, as quais dependem do órgão à qual o agente pertence, assim como critérios processuais. Assim, podem ser citados como exemplos o foro, a comarca, diferentes núcleos de atuação que condizem com a organização interna do órgão etc. Segundo Sadek (2010SADEK, Maria Tereza (ORG). O sistema de justiça. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2010., p. 09), o sistema de justiça é, ao mesmo tempo, um garantidor de direitos e “um espaço no qual há a possibilidade de reduções das iniquidades decorrentes das desigualdades de renda e prestígio”.

Neste diapasão, o sistema de justiça detém papel significativo no tocante às políticas públicas implementadas pelo Poder Executivo, haja vista, a depender do órgão, ser um dos primeiros canais de reclamação e demandas da população afetada, particularmente quando não há um retorno adequado do executor da política, assim como ser instrumento na concretização das políticas públicas idealizadas pelo gestor. Isso possibilitou que o sistema de justiça tivesse um maior protagonismo nos últimos anos, gerando discussões a respeito de seus limites de atuação e interferência nos Poderes Executivo e Legislativo.

Dado este contexto, considerando a vastidão do sistema de justiça, de modo a limitar as possibilidades de agentes do sistema de justiça entrevistados nesta pesquisa, assim como dada a complexidade das políticas de macrodrenagem, as quais geram um conjunto de impactos que podem ser verificados quantitativamente e qualitativamente, selecionou-se como recorte entrevistar agentes do sistema de justiça que podem atuar, atuaram ou atuam administrativamente ou judicialmente nas intervenções de macrodrenagem nas bacias do Una, Tucunduba e Estrada Nova.

Este recorte delimitou consideravelmente quais agentes poderiam ser ouvidos. Foi feito um levantamento dos agentes que detêm atuação direta nas questões administrativas e judiciais das intervenções descritas na seção anterior, para que pudesse ser feita, então, a seleção dos entrevistados.Como já dito na introdução, participaram desta pesquisa dois membros da Defensoria Pública do estado do Pará (DPE), um membro do Ministério Público do estado do Pará (MPE), dois membros do Tribunal de Justiça do estado do Pará (TJE), dois membros da Procuradoria Geral do estado do Pará (PGE) e dois membros da Ordem dos Advogados do Brasil -Seção Pará (OAB).

Dentre os informantes, apenas um deles (PGE) ainda não atuou diretamente nos casos, tendo, porém, competência material e funcional para fazê-lo. Insta também observar que um dos informantes do TJE atuou por cerca de nove anos no caso judicializado, não estando mais envolvido, por questões de competência material. Por fim, um dos informantes da OAB, que atuou por cerca de três anos nos casos, não está também mais envolvido, por ter saído da função competente. O MPE, por sua vez, conta com apenas um informante.

O levantamento de dados se deu por meio de entrevistas não-diretivas e anotações em diários de campo. Nas entrevistas foram apresentados seis eixos para discussão, com o recorte de atuação dos agentes do sistema de justiça nos projetos de macrodrenagem. Os eixos apresentados foram: 1) direito à cidade; 2) direito à cidade e intervenções urbanísticas de macrodrenagem; 3) perspectivas sobre os projetos de macrodrenagem em Belém: entendimento sobre os impactos (positivos e negativos), progresso e desenvolvimento; 4) direito à cidade e sistema de justiça; 5) direito à cidade e atuação profissional e 6) direito à cidade e institucionalização.

Para o recorte apresentado, entende-se que a amostra escolhida tem significativo impacto, uma vez que os agentes entrevistados têm atuação rotineira e intensa nas questões urbanísticas-ambientais, razão pela qual o repertório de concepções de direito à cidade examinado tem, a nosso ver, relevante valor, podendo ser o início de pesquisas e sistematizações mais aprofundadas, dado seu ineditismo.

3.1 - As interpretações sobre direito à cidade

Os agentes públicos dos órgãos do sistema de justiça que tem um contato mais frequente com a população (DPE, MPE e OAB) demonstraram interpretar o direito à cidade em viés mais protagonista,sugerindo um papel importante ao cidadão e ao seu envolvimento nas ações dos projetos, assim comofrisaram a importância das noções de pertencimento e identidade. Esta interpretação aproxima-se aos preceitos conceituais de Lefebvre (1990LEFEBVRE, Henri et al. Du contrat de citoyenneté. Paris: Syllepse et Périscope, 1990.;2001) e Harvey (2008HARVEY, David. The right to the city. New Left Review 53. Sep-Oct, 2008. Online. Disponível em: https://newleftreview.org/II/53/david-harvey-the-right-to-the-city. Acesso em: 15 nov.2019.
https://newleftreview.org/II/53/david-ha...
; 2014) que frisam que a cidade é constituída como um espaço de reprodução social que tem história e cultura; que é um lugar de encontro. Em princípio, não há divergências interpretativas entre os agentes da DPE, MPE e OAB.

“Quando eu falo em cidade, falo em local onde as pessoas desenvolvem suas potencialidades e seu modo de existir” (Entrevistado 01 da DPE).

“A gente pode dizer, no meu ponto de vista, que o direito à cidade é o direito de ter uma experiência ativa e o mais feliz possível dentro daquela realidade em que eu vivo. [...] A cidade é ter um direito a um lugar onde eu tenha relações, onde eu tenha identidade, onde eu tenha expressão da minha individualidade, dos meus talentos, e o meu compromisso. O direito à cidade é muito mais um dever do que um direito. O direito à cidade é um dever na cidade, um direito de buscar uma identidade” (Entrevistado do MPE).

“Algumas pessoas têm os serviços, se sentem da cidade, e algumas pessoas não têm, e aí como é que você vai fazer aquela pessoa ter vínculo de pertencimento em algo que ela não se pertence? E como que aquela pessoa vai dizer ‘não, eu vou me desenvolver, eu vou vencer dentro do meu bairro’”? (Entrevistado 01 da OAB).

Entretanto, a interpretação de protagonismo da sociedade no contexto da cidade não é dominante. Os representantes do do TJE e a PGE, por exemplo, apresentaram constructos mais próximos do ordenamento jurídico, com particular preocupação referente à interação homem-natureza ou homem-meio ambiente, aproximando-se, de alguma forma, uma perspectiva socioambiental clássica ligadas à natureza. Sob o ponto de vista do ordenamento jurídico, direito à cidade corresponde ao fazer valer as determinações previstas nos instrumentos jurídicos-institucionais de forma a propiciar a construção de um espaço funcional em que a perspectiva tecnicista se sobrepõe ao constructo social. A cidade é o lugar do habitar e não do habitat.

“Gostaria muito que aquilo que está previsto no Estatuto da Cidade, que é o ideário de uma cidade funcional, sustentável, mobilidade, com respeito ao direito à moradia, tivesse funcionando em todo o Brasil. Então, digamos assim, a minha ideia de um ideal de direito à cidade tá muito conectado com aquilo que o legislador preconizou. Infelizmente, estamos longe disso, muito longe (Entrevistado 01 do TJE).

“Direito à cidade é tudo o que envolve o meio ambiente na cidade, a parte da cultura, as etnias, poluição ambienta, e por aí vai. É basicamente o meio ambiente da cidade” (Entrevistado 01 da PGE).

“Eu vejo assim: o direito à cidade seria a concepção do ser humano, como ele interage, com o ambiente que o entorna, que o cerca, como também como ele interage entre eles. Então, aí a gente fala de situações básicas que, digamos assim, são as mais prementes, como mobilidade, como saneamento, que é totalmente relativo à questão de saúde pública, como eles vão fazer essa convivência de forma regular, respeitosa, de modo que um não interfira na esfera do direito do outro e tenha, digamos assim, um ambiente regular, legal, dentro da forma de vida da cidade” (Entrevistado 02 da PGE).

Destaque-se, porém, que todos os agentes entrevistados apontaram o direito à cidade como um direito amplo que guarda relação com direitos setoriais, sendo os mais citados a habitação, a saúde, o saneamento sanitário e a mobilidade urbana, os quais se confundem com o previsto no Estatuto da Cidade e com parte das funções sociais clássicas da cidade. Nesta esteira, pode-se induzir que a maioria das falas converge para uma concepção de mínimo existencial urbano, particularmente no que tange à oferta e acesso de infraestrutura e serviços.

Os entrevistados apresentaram críticas aos impasses políticos que obstam, de alguma forma, o direito à cidade e que interferem na atuação dos agentes do sistema de justiça, no concernente à vontade política, bem como foi feita, desde então, uma relação entre concretização do direito à cidade e a produção capitalista do espaço, na esteira do preconizado por Harvey (2008HARVEY, David. The right to the city. New Left Review 53. Sep-Oct, 2008. Online. Disponível em: https://newleftreview.org/II/53/david-harvey-the-right-to-the-city. Acesso em: 15 nov.2019.
https://newleftreview.org/II/53/david-ha...
; 2013; 2014) e Lefebvre (1990LEFEBVRE, Henri et al. Du contrat de citoyenneté. Paris: Syllepse et Périscope, 1990.; 2000; 2001; 2008). Um entrevistado da DPE apresentou crítica que se aproxima da tese de Harvey, no que tange ao conceito esvaziado de direito à cidade, haja vista crer na reprodução dos valores da elite da cidade pelo sistema de justiça. Outrossim, há um consenso de que o direito à cidade ainda está muito aquém do que deveria: “A gente deve muito ainda ao direito à cidade” (ENTREVISTADO 01 DA OAB).

“A gente ficar esperando, a gente já viu que não dá certo, né, digamos que temos poucos homens de boa vontade na política, então a gente tem que fazer a boa vontade deles ser aflorada. Como? A partir do conhecimento que a gente pode dar para a nossa população para o que ela realmente tem direito e precisa que seja feito, pra que a gente tenha um desenvolvimento enquanto cidade, né, enquanto população e enquanto ser humano” (Entrevistado 02 da OAB).

“Se a gente pegar a macrodrenagem de uma maneira geral, a gente vai observar que há vários pontos, né, digamos assim, de uma carta de intenções diante da sociedade que de fato ela não é cumprida. E ainda tem a questão sazonal, diria assim, político-econômico. Por quê? Porque esses empreendimentos eles dependem de dinheiro, externo inclusive, né, eles dependem desse dinheiro. E esse dinheiro, ele é sazonal, assim como os governos são sazonais” (Entrevistado 02 do TJE).

“Então, a perspectiva de direito à cidade da nossa sociedade, ela é esvaziada porque a nossa sociedade como um todo, que é a elite que consegue alçar o sistema de poder, ela pretende a reprodução dessas desigualdades, então é isso que ela pretende, como ela pretende, ela ignora a complexa discussão, né, que emerge do direito à cidade, isso é totalmente ignorado e o sistema de justiça é o reflexo disso” (Entrevistado 02 da DPE).

3.2 - Direito à cidade e as intervenções urbanísticas de macrodrenagem

Ao adentrar no debate sobre o direito à cidade e as intervenções urbanísticas de macrodrenagem identificou-se tímidas divergências sobre as perspectivas dos projetos.

Ambos entrevistados da DPE expressaram a dissonância do discurso feito pelo poder público sobre os projetos de macrodrenagem e a realidade dos diretamente atingidos pelos projetos, particularmente no que tange à sua remoção compulsória e não participação no projeto desde a sua concepção, sendo este último uma crítica também feito pelo entrevistado do MPE e por um entrevistado da OAB

“As intervenções urbanísticas de saneamento, a priori, são vistas como algo necessário para saúde, digamos assim, mobilidade também, mais da questão de saúde. Mas a gente já sabe pelas denúncias que essas questões são utilizadas para remoções compulsórias. [...] A priori, a intervenção sanitária ela é importante, mas a gente tem que tomar cuidado para que ela não seja utilizada na verdade para negar direito a quem tem uma outra lógica de vida” (Entrevistado 01 da DPE).

“Aí, a gente entra, né, numa perspectiva de colisão, uma colisão de compreensões do direito à cidade. Então, muitas vezes as intervenções urbanas, elas se revestem do discurso da ampliação do gozo da cidade pela população. Então, o discurso das intervenções que a gente vivencia, por exemplo, na nossa cidade é esse discurso que ludibria a população a partir dessa ideia que se vende de que estou intervindo para que a cidade seja melhor vivida, para que a cidade seja melhor gozada [...]. O discurso que é pregado pelo estado, que é absorvido pelo sistema de justiça, porque eu já tive oportunidade de ter acesso a decisões judiciais que incorporam esse discurso, né, de que é de o melhor pra cidade e etc, então eu tenho de um lado, né, esse discurso, de que as intervenções elas vão em encontro de um gozo melhor da cidade pela população como um todo, e de outro lado eu tenho a população atingida pelas intervenções, atingida de maneira totalmente desigual, atingida de maneira muitas vezes covardes pelo estado, no sentido, ne, de não respeito a um mínimo que se exige juridicamente, formalmente de participação, não to nem falando teoricamente, to falando juridicamente” (Entrevistado 02 da DPE).

“Sabe, a pior coisa do mundo é você colocar alguém na posição de incapaz de compreender a sua própria condição. Deveria ser dito: vamos tratar disso juntos. Acho que no ponto de concepção deste programa deveria ter isto, discutir a coisa desta forma, né, porque os problemas que a gente tá enfrentando agora depois, é exatamente esse, as pessoas ainda não se apropriaram da história porque não participaram, continuam repetindo os mesmos erros” (Entrevistado do MPE).

“Basicamente, as mesmas coisas estão acontecendo no Tucunduba, as mesmas coisas que aconteceram na bacia do Una, ai tá, por que que tá acontecendo, se eles já têm o exemplo? Sabe por quê? Porque até hoje não foi, os culpados, digamos assim, os responsáveis por esses erros gigantescos, não foram responsabilizados, porque ninguém até hoje respondeu por isso. [...] Ai, eu digo, se a nossa população tivesse mais informação do que ela pode fazer como cidadão, enquanto força que o cidadão tem dentro da sua cidade, a gente não ia permitir que essas coisas continuassem acontecendo, ou eles não iam conseguir fazer assim, tão facilmente, entendeu?” (Entrevistado 02 da OAB).

Por outro lado, os entrevistados do TJEe da PGE, assim como um entrevistado da OAB percebem os projetos de macrodrenagem como fundamentais, primordiais, instrumento de pacificação social, respostas imediatas aos problemas da cidade e como política definidora do caminho da cidade pelos próximos 100 anos. Percebem também, tal como o exposto enquanto concebido pelo planejador, que estes projetos beneficiam a população de forma geral e têm impactos positivos, ainda que não sejam dotados de uma execução perfeita., o que demonstra que a ideia de direito à cidade, enquanto noção jurídica que abarca outros direitos, se contrapõe às construções teóricas de direito à cidade (LEFEBVRE, 2001LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. 3ª ed. São Paulo: Centauro, 2001.; HARVEY, 2014HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: MartinsFontes - selo Martins, 2014.), que veem a participação popular como essencial nos processos urbanos, independentemente de resultados qualitativos.

Logo, há um afastamento do concebido pelo planejador da política pública e o percebido por um entrevistado da OAB e os da DPE e MPE e o percebido por um entrevistado da OAB e os da PGE e TJE. Pode-se inferir que está divergência se dá por conta das competências institucionais de cada órgão do sistema de justiça, haja vista uns terem uma determinação legal de atuação voltada mais para o âmbito social, o que os expõem a perspectivas das vivências dos atingidos cotidianamente. Isso não quer dizer que os outros órgãos não tenham esta preocupação, mas que a sua percepção dos projetos se dá de forma mais técnica, por conta de sua atuação institucional.

3.3- Perspectivas sobre os projetos de macrodrenagem em Belém: entendimento sobre os impactos positivos e negativos, progresso e desenvolvimento

No aprofundamento das discussões referentes aos discursos do poder público para justificar a necessidade destas complexas intervenções com o que é percebido e vivido pela coletividade da cidade, particularmente os que são diretamente atingidos. Há um contraponto entre o concebido pelo planejador e o percebido e vivido pelos agentes do sistema de justiça, cuja atuação abarca também o contato com a experiência oral relatada pela população de expropriação de espaços físicos e relacional, assim como de indignidades (ENTREVISTADA 02 da DPE).

Neste contexto, há várias divergências entre o discurso concebido e o percebido (LEFREBVRE, 2000) pelos agentes do sistema de justiça. Foram feitas diversas críticas às concepções dos projetos, de modo que as suas percepções convergem para a manutenção de um paradigma de desenvolvimento que não alcança de fato as questões sociais(LEFEBVRE, 1990LEFEBVRE, Henri et al. Du contrat de citoyenneté. Paris: Syllepse et Périscope, 1990.; 2000; 2001; 2008; HARVEY, 2014HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: MartinsFontes - selo Martins, 2014.). Esta forma de desenvolvimento percebido deu-se nas falas dos entrevistados da DPE e MPE, em especial no tocante ao remanejamento compulsório e à atuação do poder público e de outros órgãos do sistema de justiça.

“Se você for ver o que foi feito na bacia do Tucunduba, por exemplo, você praticamente cimentou rio e cimentar rio não me parece que seja uma saída que você tenha um desenvolvimento sustentável, parece que você tá querendo intervir na natureza de uma forma que não dá para ser controlada pelo ser humano, mas existem outras tecnologias que seriam muito melhores de repente para serem utilizadas e tivessem até uma interação melhor entre o homem e a natureza. Enquanto projeto de desenvolvimento, ele é bom, enquanto objeto de desenvolvimento, aí é um grande ‘Q’. [...] Os projetos de desenvolvimento são importantíssimos. A forma como eles são feitos, acredito que tem que fazer uma análise item a item. A macrodrenagem aqui [Tucunduba] não me parece que tenha sido feita com a melhor tecnologia” (Entrevistado 01 da DPE).

“O direito à cidade em si mesmo, de eu ficar em qualquer lugar que eu queira, não é real nesse ponto, porque a própria liberdade, que tem que ser garantida, né, ou seja, se você regularizar o bem, você pode vender, mesmo que seja com prazo de 05, 10, 20 anos, mas aí tem os contratos de gaveta etc. Em resumo: como resolver essa questão? Você melhora a cidade, faz elas ficarem áreas boas pra morar, e aí a força do capital, a força do capital da construção civil ou não, são várias estratégias, né, chega, e aí é uma reapropriação da cidade. E aí, a cidade é refeita, com problemas iguais ou até piores, numa outra periferia, que vai ser ampliada, que é o que já tá se vendo nesse sentido” (Entrevistado do MPE).

“É o desenvolvimento dos economistas ou no desenvolvimento do Amartya Sen, por exemplo? Então, a minha concepção de desenvolvimento vai muito mais ao encontro, né, dos desenvolvimentos das capacidades, pra que as pessoas consigam ter o mínimo de discernimento pra ter direito à escolha, né, e por um outro lado, eu tenho uma outra concepção de desenvolvimento ligada a uma efiencia econômica, a um gozo de infraestrutura urbana mais elitizada, então são concepções distintas de desenvolvimento. [...] Então, essa noção que vem acompanhando as intervenções de macrodrenagem no município de Belém, elas vão encontrar esse discurso de desenvolvimento e progresso. [...] A gente entende que inexiste o desenvolvimento se a gente não pensar na necessidade de intervenção de infraestrutura sim, mas pra ampliação de um mínimo existencial urbano. [...] Então, o que eu questiono em relação a perspectiva do bom e ruim do desenvolvimento e progresso, eu questiono que desenvolvimento é esse, que progresso é esse, desenvolvimento para quem progresso para quem? [...] Então, acho que o nosso olhar, da minha instituição que é a defensoria pública, tem que ser pra que essas pessoas historicamente invisibilidazadas nesses processos de intervenção, elas sejam ouvidas, tratadas, percebidas e que tenham suas vozes ecoadas e seus direitos garantidos. Então, eu acho que o meu papel, que o papel da minha instituição, é esse papel, porque a outra perspectiva, ela já tem representante suficiente” (Entrevistado 02 da DPE).

Os entrevistados da OAB também deram enfoque aos remanejamentos compulsórios e ao que se vive de disparidade em relação às promessas feitas pelo Poder Executivo e o que se tem como realidade na sua perspectiva, a qual não tem correspondência, identificando, portanto, uma série de violações ao direito à cidade e no tratamento da cidade enquanto habitat, na perspectiva Lefebvriana. Um entrevistado do TJE compartilha do “percebido” dos órgãos mencionados, de modo que o outro entrevistado enfatiza as limitações judiciais que envolvem a questão enquanto magistrado, o que demonstra uma vontade em resolver as questões litigadas de forma que os aspectos sociais e de direitos fundamentais, como o direito à cidade, consigam ser atendidos. Um entrevistado da PGE preponderou sobre o benefício qualitativo que a coletividade receberá e o processo de remoção involuntária.

“ ‘Tu precisas abrir mão do teu espaço, do teu vínculo, porque aqui precisa atender todos’, a obra ela vai ter essa base [...] O impacto positivo vai ser pra quem tá precisando do serviço, mas se você não souber cuidar da pessoa que tá saindo do local dela, ai ela não vai ter nenhum benéficio, porque ela foi removida do local que ela tinha toda uma historia pra não ter beneficio, então só compensa, digamos assim, remanejar nos moldes se você oferecer o beneficio” (Entrevistado 01 da OAB).

1 “Se a gente for analisar só o projeto, se ele fosse feito, seria pra desenvolver, se ele fosse feito. No projeto, vai ter o remanejamento, você vai ter que realocar as pessoas, você vai ter que colocar uma casa de alvenaria, um local que tenha rede de esgoto, ou seria remanejar mesmo pra ter aquela obra e as pessoas teriam um outro bairro pra morar. Mas a pergunta é: eles fazem? Eles não fazem” (Entrevistado 02 da OAB).

1 “A perspectiva é sempre muito boa, se eu tomar ao pé da letra o significado de perspectiva, ela é sempre muito boa, os presságios é que não são, uma análise mais objetiva daquilo que a gente pode crer, eles não são. [...] Então, a perspectiva é sempre muito boa, mas desde que toda a infraestrutura da sociedade seja atingida por ações que vão resultar numa melhoria de qualidade de vida, ne, e eu sempre costumo dizer o seguinte: a classe média, digamos assim, só enxerga o problema, quando o problema bate na porta” (Entrevistado 02 do TJE).

1 “Uma coisa que tem que ser entendida é que o sistema de justiça, pensando pelo lado do Poder Judiciário, ele tem muitas limitações pra enfrentar determinados tipos de problemática. Esse tipo de problemática talvez seja o que ele tem maior limitações” (Entrevistado 01 do TJE).

“O Estado, ele tem que trabalhar com a preponderância, óbvio, do interesse coletivo, que a gente sabe que ali a gente vai ver uma melhora, inclusive de valorização daqueles imóveis que ali permanecem, a gente sabe que vai ser um fomento pra atividades comerciais seja de indústria, seja de varejo, do que for, a gente sabe que vai ter esse fomento. A gente sabe que vão ter qualidades nesse sentido, vários benefícios, melhor dizendo, nesse sentido. Claro que a gente também vai passar por uma situação de expropriação, que sempre é traumática, mesmo sendo amigável, existe um remanejamento de pessoas. O que que a gente tem que, enquanto estado, trabalhar e que é uma coisa que na PGE a gente tem levantado muito essa bandeira: mitigação de impactos” (Entrevistado 02 da PGE).

Neste sentido, há uma miríade de preocupações dos agentes, a depender de seu ângulo de atuação que vão abarcar em maior ou menor grau a necessidade de construção do espaço na lógica capitalista, independentemente de participação popular, com a expectativa de que este projeto repercuta de forma positiva efetivamente. Não se percebe, portanto, uma preocupação com o sentido de direito à cidade participativo (LEFEBVRE, 1990LEFEBVRE, Henri et al. Du contrat de citoyenneté. Paris: Syllepse et Périscope, 1990.; 2000; 2001; 2008; HARVEY, 2014HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: MartinsFontes - selo Martins, 2014.), mas pode-se inferir que o cumprimento do direito à cidade conforme consta no ordenamento jurídico, enquanto guardião de políticas setoriais, é buscado.

3.4- Direito à cidade e sistema de justiça

Neste diapasão, a discussão sobre direito à cidade e sistema de justiça trouxe interessantes colocações dos agentes entrevistados. A DPE compreende o direito à cidade como direito que é rotineiramente exigido pela população no sistema de justiça, também ao que se percebe enquanto sujeito de direitos em um sociedade patrimonialista, de forma que o sistema de justiça contribua realmente para a realização do direito à cidade, por meio da oferta de serviços e infraestrutura de forma equitativa.

“Os conflitos que chegam no Direito, os conflitos que chegam no Direito, que chegam no Poder Judiciário é a cidade batendo a sua porta. [...] Me parece que o direito à cidade bate à porta do sistema de justiça o tempo todo. [...] Fazer com que o Judiciário entenda que o sujeito passivo das ocupações também é sujeito de direitos, então, assim se a gente não tinha isso antes, eu vejo agora uma porta de esperança, de que vai ter que ser” (Entrevistado 01 da DPE).

“A minha concepção como agente do sistema de justiça é de intervenção pra fins de infraestrutura urbana pra ampliação de um gozo do direito à cidade, de um mínimo existencial urbano, né, de dignidade, a infraestrutura pra que de fato eu alcance o gozo de todos os direitos sociais, de moradia, de saneamento, de circulação e lazer, mas a partir de uma perspectiva que evite ao máximo a remoção das famílias e que os investimentos públicos venham ao encontro dessas melhorias urbanas para as parcelas das populações mais vulneráveis, assim, né, numa justa distribuição de ônus e bônus do processo de urbanização” (Entrevistado 02 da DPE).

Os entrevistados da OAB enfatizaram a lentidão de resposta dada ao cidadão pelo sistema de justiça nas demandas que envolvem o direito à cidade, o que pode sugerir uma necessidade de mudanças na estruturação, inclusive administrativa, do sistema de justiça. Outrossim, há uma descrença sobre a capacidade do sistema de justiça de resolver adequadamente os conflitos envolvendo direito à cidade nos projetos de macrodrenagens, ao considerar situações passadas.

Houve uma reflexão significativa de um entrevistado do TJE, no sentido do alcance limitado do sistema de justiça, questões de produtividade impostas pelo Conselho Nacional de Justiça, bem como a possibilidade de uma real pacificação social por meio do processo judicial. Houve uma convergência entre o percebido por um entrevistado do TJE e da PGE no que concerne à questão do ativismo judicial, o qual é visto com bastante preocupação, haja vista poder ser considerado como uma forma de usurpação de competência dos outros dois poderes.

“São situações em que a decisão judicial passa a ter um alcance muito mais limitado, a intervenção judicial passa a ter um alcance muito mais limitado. Em casos assim, a ideia é de tentar forjar mesmo um diálogo, porque eu posso resolver o processo, ele seria resolvido com a sentença, mas o problema vai continuar pendente, tá. Pensando como juiz, que é premido pela ideia de produtividade, eu vou querer resolver o processo. Pensando como cidadão, né, que pensa numa ideia de uma cidade, um cidadão que mora nessa cidade, que pensa na ideia de uma cidade para todos e para a grande maioria, eu queria resolver o problema, eu queria que esse problema fosse resolvido, que as pessoas tivessem onde morar de forma digna, mas que esse direito delas não fosse incompatível, que compatibilizado com uma ideia de cidade sustentável” (Entrevistado 01 do TJE).

“Desde a década de 1990, a gente tem acompanhado a crescente judicialização de política pública. [...] Eu acho que todo mundo tem uma parcela de culpa, porque estamos confundindo os papéis. O Judiciário vai verificar ilegalidades no processo, não o mérito administrativo, né. A gestão da coisa pública é oriunda do gestor, do agente político, prefeito, governador, é nessa esfera de poder, né. [...] Aqui na procuradoria, a gente procura ser técnico, afinal de contas entra governante, sai governante, nós permanecemos, nós somos responsáveis pelos pareceres que damos” (Entrevistado 02 da PGE).

Os entrevistados da DPE apresentaram uma lógica de apoderamento do conhecimento pelo cidadão e busca protagonista do direito à cidade, se colocando em uma posição de apoiadora da conquista desse direito, por meio de sua atuação profissional nos âmbitos administrativo e judicial, bem como pela competência constitucional de defesa do hipossuficiente.

“A gente tá trabalhando com uma lógica de empoderamento do cidadão. Não é Defensoria que dá o título, não é a prefeitura, são eles que vão pra cima da prefeitura pra conseguir o reconhecimento. A gente tenta também trabalhar hoje direitos humanos sob a ótica do direito a cidade. Se eu chegar pra alguém hoje e falar contigo sobre direitos humanos, levar um panfleto, ninguém vai olhar nem na minha cara. Quando eu chego pra falar de direito à cidade, é incrível o quanto eles conseguem compreender os direitos humanos deles, e a luta, e a questão do movimento social, do quanto eles tem que se unir pra poder conseguir as melhorias, porque se não sistema político engole eles por conta dos grandes interesses, né?” (Entrevistado 01 da DPE).

Haja vista as limitações de competência da OAB, os entrevistados relataram que utilizaram como tática serem uma ponte entre os interessados e os órgãos do poder público, bem como um espaço isento para debate e reflexões sobre o direito à cidade, com a sua consequente disseminação. Os entrevistados do TJE e do MPE expressaram estratégias de alcance do direito à cidade por meio da justiça, da participação e da transparência, bem como angústias no que tange ao seu limite de atuação enquanto humano e membro do órgão.

Os entrevistados da PGE, ao considerarem a cidade como um de seus fins de atuação, utilizam como plano o estudo sobre a melhor forma de realizar a política pública proposta pelo gestor, dentro do permitido no ordenamento jurídico e com a menor repercussão negativa na vida dos afetados, ou seja, para eliminação ou mitigação dos impactos negativos.

“As pessoas, a maioria, tá, elas pensam que a PGE é só em caso de processo judicial. Não. A gente trabalha desde orientação de secretarias, de como fazer, quais são os instrumentos, a gente vai avaliando o nosso exercício, porque às vezes, a população e a gestão querem uma coisa que não dá pra ser daquela forma, mas a gente sabe que de outra forma isso é possível e que vai ser um ganho pra sociedade, entendeu, vai ser um ganho pro estado. Então, enquanto profissionais, a gente trabalha de forma técnica, independente, o olhar é jurídico, atos de gestão a gente não faz análise, isso é do gestor, a gente faz muito bem essa separação aqui. A gente tenta viabilizar as políticas públicas, a gente tenta implementar” (Entrevistado 02 da PGE).

Todos os entrevistados trouxeram em suas falas a tese que que o lócus mais adequado para se buscar o direito à cidade não é o sistema de justiça, mas sim o sistema político, haja vista vir de lá a concepção e execução da política pública. Logo, pode-se inferir deste paradigma apresentado que, por conta de suas experiências e vivências, o direito à cidade encontra dificuldade de realização e concretização dentro do sistema de justiça, mesmo que todos os agentes convirjam ao respeitar seu conteúdo legal conscientemente e sua proposta teórica indiretamente. Este entendimento corrobora com o estatuído por Harvey (2014HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: MartinsFontes - selo Martins, 2014.) que propõe o direito à cidade como uma retomada do controle democrático que emerja no contexto político que pode insurgir, inclusive, dos movimentos sociais para interromper as diversas espoliações sofridas pelos moradores da cidade e infligidas pela produção tecnicista do espaço.

Ao mesmo tempo, todos os entrevistados foram enfáticos no que tange às suas atuações, com fins de alcance do direito à cidade, dentro de suas capacidades institucionais e limites legais de atuação.

3.5 - Direito à cidade e institucionalização

Todos os entrevistados expressaram uma preocupação com a importância da institucionalização do direito à cidade, em perspectivas que abrangem o proposto teoricamente e legalmente, haja vista a mobilidade dos agentes dentro dos órgãos, de modo a manter uma uniformidade do direito à cidade e não criar distorções, tal como alerta Harvey (2014HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: MartinsFontes - selo Martins, 2014.), em crítica a utilização do termo “direito à cidade” para justificar interferências capitalistas no espaço, que segregam a população. Neste contexto, alguns o fazem informalmente, outros o fazem limitados ao âmbito de seus gabinetes e, ainda, outros já iniciaram processos de institucionalização dentro de seus órgãos.

Os entrevistados da DPE relataram que houve uma sensibilização da atual gestão do órgão, que compreendeu a importância do direito à cidade e sua relação com a sua competência institucional, de modo que foi criado um Grupo de Trabalho não remunerado, com apoio de uma assessoria com formação em Arquitetura e Urbanismo e participação de defensores de núcleos diversos, inicialmente de forma temporária. Há interesse em transformar este grupo em permanente no ano de 2020

Os entrevistados da OAB informaram que optaram por propor a criação da Comissão de Direito Urbanístico e Planejamento Urbano, que iniciou seus trabalhos no ano de 2018, de modo que o direito à cidade passasse a ser tratado de forma mais abrangente, e não dentro de uma coordenação da Comissão de Meio Ambiente, de modo que frisam a importância do papel da OAB como defensor do Estado Democrático de Direito.

O entrevistado do MPE iniciou uma organização em seu gabinete, por meio da implantação de diversas ferramentas, como planilhas de acompanhamento e criação de mapa de conflitos de direito à cidade, o que já está em consonância com a proposta do Conselho Nacional do Ministério Público, reconhecendo suas limitações dados recursos humanos, temporais, financeiros e de competência institucional.

Os entrevistados do TJE enfatizaram as ações da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), que ditam das diretrizes nacionais das Escolas de Magistratura estaduais, afirmando que ainda não há uma abordagem direta do direito à cidade nos cursos, mas que pode ser vista transversalmente. Foi também relatado uma dificuldade de formação de grupos de trabalho, dada a estruturação do órgão, bem como a importância da criação de uma vara que tenha como uma de suas competências específicas a tutela de direitos coletivos.

“Nem no plano estadual, nem no plano nacional. O CNJ tem tentando estimular via Escola Nacional, a ENFAM, que tem funcionando mais ou menos como o CNJ das escolas judiciais, porque ela passou a definir as diretrizes nacionais, e todas as escolas estaduais tiveram que se adaptar as diretrizes nacionais. A nossa escola judicial também está adaptada a isso ou tentando se adaptar. Então, nos cursos oferecidos pela ENFAM, existe um perfil pra direitos coletivos, mas a questão do direito à cidade, esse subgrupo, esse detalhamento, não chegou ainda, nem cidade, nem moradia. No caso do nosso Tribunal, acho que o primeiro passo foi a criação da 5ª Vara da Fazenda Pública e Tutelas Coletivas, aí foi um primeiro passo e um passo importante. O primeiro é sempre importante. Entre erros e acertos, acredito que já existe um caminho” (Entrevistado 01 do TJE).

Por fim, os entrevistados da PGE indicaram o início da construção de pareceres institucionais normativos, viabilizados por uma mudança em sua lei-guia, bem como uma atuação uniforme, dado o número de procuradores ser reduzido. Logo, por meio do diálogo e do cumprimento previsto no ordenamento jurídico, os entrevistados conseguem manter uma uniformidade de abordagem e, consequentemente, segurança jurídica no que tange o direito à cidade.

Constata-se, diante das informações apresentadas, que as categorias de concebido, vivido e percebido, propostas por Lefebvre, reencontram reverberação nas perspectivas e falas dos entrevistados. Outrossim, todo o complexo de direito à cidade, cuja presença é rotineiramente sentida, influencia o modo de atuação dos agentes no sistema de justiça a tal ponto, que começa um movimento de institucionalização em seus órgãos, um feito significativo dada sua novidade em nosso sistema jurídico.

Considerações finais

Os dados aqui relatados e analisados apresentam um cenário do direito à cidade no sistema de justiça o qual permite que se perceba o quanto este direito é basilar para as ações de política pública, bem como para o bem viver dos habitantes da cidade. As entrevistas com os agentes públicos jurisdicionais permitiram desmistificar a ideia de que o sistema de justiça é o lócus mais adequado para o direito à cidade, apresentando os desafios e limitações de suas atuações, assim como as interferências que causa e que sofre do sistema político.

Estes dados, outrossim, também ensejam uma desconstrução de uma ideia maniqueísta de que existem órgãos do sistema de justiça que são a favor ou contra o direito à cidade. O que se percebeu é que todos os agentes públicos gostariam de alguma forma contribuir para a concretização deste direito coletivo, encontrando obstáculos nos limites de sua atuação profissional, bem como na sua própria vivência e percepção, que pode ser mais legalista ou mais teórica, a depender de sua perspectiva profissional e pessoal.

As intervenções urbanísticas de macrodrenagem e suas repercussões foram o maior ponto de divergência entre os entrevistados, dado o “percebido” e “vivido” de cada um deles. A partir do seu prisma, trouxeram à tona problemas complexos, cujas raízes encontram-se fora do sistema de justiça e que demandam sua resolução dentro dele. De fato, o que as entrevistas fizeram emergir é que o exercício do direito à cidade está dentro do sistema político e que o sistema jurídico atua na mediação dos conflitos que insurgem nas disputas políticas e de concepções de desenvolvimento que se expressam na cidade.

De toda ordem, por conta do que cada agente público percebe como mais relevante dentro da sua atuação, também emergem no sistema jurídico conflitos entre seus agentes, que estão vinculados às suas percepções, os quais provavelmente serão transpostos no trato rotineiro que têm e que poderão favorecer ou obstaculizar a concretização do direito à cidade, verificando-se a presença do constructo Lefebvriano de coexistência e embates na e sobre a cidade.

As falas recorrentes sobre mercado, capital, expropriação e dinheiro reforçam o conhecimento empírico de que o sistema de justiça tem consciência da forma capitalista de produção de espaço e tenta articular com ela a concretização dos direitos humanos, no qual se incluem o direito à cidade. Neste ponto, a conclusão trazida pelos entrevistados de que o direito à cidade encontra melhor realização no sistema político do que no sistema de justiça aponta para a necessidade de maior protagonismo cidadão dos habitantes da cidade, nos moldes propostos por Harvey.Outrossim, a busca por institucionalização indica a relevância deste novo direito no sistema de justiça, provavelmente por conta do grande volume de procedimentos administrativos e de processos judiciais que o envolve, com tendência a ganhar cada vez mais espaço.

Por fim, diante da riqueza e grande volume de dados levantados, acredita-se ter alcançado o objetivo de apresentação do repertório de concepções de direito à cidade no sistema de justiça paraense, não tendo sido possível (nem objetivado) esgotar a temática de qualquer forma, dada sua grande complexidade.Deste modo, resta sugestão que sejam construídas discussões posteriores da dimensão de compreensão do direito à cidade dos agentes do sistema de justiça e das múltiplas perspectivas da cidade enquanto espaço de desenvolvimento socioambiental.

Referências bibliográficas

  • ALBUQUERQUE, Maria Cláudia Bentes. Gestão Social de Bens Comuns Urbanos no contexto da Cidade Justa, Democrática e Sustentável: O caso da Orla Do Portal Da Amazônia, em Belém (Pa). Belém: Universidade Federal do Pará. Programa de PósGraduação em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia, 2016.
  • ALFONSIN, Betânia et al. A ordem jurídico-urbanística nas trincheiras do Poder Judiciário. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, 2016. Disponível em: https://www.epublicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/22951 Acesso em: 03 dez. 2019.
    » https://www.epublicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/22951
  • AMANAJÁS, Roberta. KLUG, Letícia. Direito à cidade, cidades para todos e estrutura sociocultural urbana. In: A Nova Agenda Urbana e o Brasil: insumos para sua construção e desafios a sua implementação. COSTA, Marco Aurélio. MAGALHÃES, Marcos Thadeu Queiroz. FAVARÃO, Cesar Bruno (Orgs.) Brasília: Ipea, 2018.
  • ARAÚJO JÚNIOR, Antônio Carlos Ribeiro. Planejamento urbano-ambiental na cidade de Belém (PA): reflexões sobre o PROMABEN. 2013. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/269732991_Planejamento_urbanoambiental_na_cidade_de_Belem_PA_reflexoes_sobre_o_PROMABEN Acesso em 03 dez. 2019.
    » https://www.researchgate.net/publication/269732991_Planejamento_urbanoambiental_na_cidade_de_Belem_PA_reflexoes_sobre_o_PROMABEN
  • BARBOSA, Maria José de Souza. Estudo de caso sobre o Projeto Tucunduba: urbanização do Igarapé Tucundunba, gestão de rios urbanos. Belém: UFPA, 2003.
  • BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituica ocompilado.htm Acesso em: 15 nov. 2019.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituica ocompilado.htm
  • BRASIL. Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Estatuto da Cidade. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm Acesso em: 15 nov. 2019.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm
  • CAFRUNE, Marcelo Eibs. O direito à cidade no Brasil: construção teórica, reivindicação e exercício de direitos. In: Revista Interdisciplinar de Direitos Humanos, v. 4, n. 1, p. 185-206, jan./jun., 2016. Disponível em: https://www3.faac.unesp.br/ridh/index.php/ridh/article/download/325/169 Acesso em 15 nov. 2019.
    » https://www3.faac.unesp.br/ridh/index.php/ridh/article/download/325/169
  • CÂMARA MUNICIPAL DE BELÉM (CMB). Moradores reivindicam agilização das obras do projeto de macrodrenagem do Tucunduba. Notícia online. Disponível em: http://www.cmb.pa.gov.br/moradores-reivindicam-agilizacao-das-obras-do-projeto-demacrodrenagem-do-tucunduba/. Acesso em 25 nov. 2019.
    » http://www.cmb.pa.gov.br/moradores-reivindicam-agilizacao-das-obras-do-projeto-demacrodrenagem-do-tucunduba
  • FOTOS PÚBLICAS. Visão geral da cidade de Belém/Pa. Foto por Cristino Martins/ Arquivo. Disponível em: https://fotospublicas.com/belem-e-santarem-sao-destaque-empesquisa-nacional-sobre-turismo/vista-aerea-da-orla-de-belem-foto-cristino-martinsarquivo/. Acessoem 03 dez. 2019.
    » https://fotospublicas.com/belem-e-santarem-sao-destaque-empesquisa-nacional-sobre-turismo/vista-aerea-da-orla-de-belem-foto-cristino-martinsarquivo
  • HARVEY, David. The right to the city. New Left Review 53. Sep-Oct, 2008. Online. Disponível em: https://newleftreview.org/II/53/david-harvey-the-right-to-the-city Acesso em: 15 nov.2019.
    » https://newleftreview.org/II/53/david-harvey-the-right-to-the-city
  • HARVEY, David. A liberdade da cidade. In: Cidades rebeldes: passe livre e as manifestaçõesque tomaram as ruas do Brasil. 1ª ed. São Paulo: Boitempo Editorial, Carta Maior,2013.
  • HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: MartinsFontes - selo Martins, 2014.
  • LEÃO, Monique Bentes Machado Sardo. Remoção e reassentamento em baixadas em Belém: estudos de caso dos planos de reassentamento (1980-2010). Belém: Universidade Federal do Pará. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, 2013.
  • LEFEBVRE, Henri et al. Du contrat de citoyenneté. Paris: Syllepse et Périscope, 1990.
  • LEFEBVRE, Henri. La production de l’espace. 4ª ed. Paris: Éditions Anthropos, 2000.
  • LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. 3ª ed. São Paulo: Centauro, 2001.
  • LEFEBVRE, Henri. Espaço e política. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
  • MAGALHAES, Lina Paula Machado. Ciudad Olímpica y Ciudad Rebelde: las Manifestaciones Populares por el Derecho a la Ciudad en Río De Janeiro en el contexto de los Megaeventos Deportivos. In: Revista Direito da Cidade, Rio de Janeiro, 2015. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rdc/article/view/18845 Acesso em 03 dez. 2019.
    » https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rdc/article/view/18845
  • MEIRA FILHO, Augusto. Contribuição à História de Belém. Belém: Imprensa Oficial do Estado, 1973.
  • O LIBERAL. Ministério Público exige a limpeza dos canais da bacia do Una. Notícia jornalística. 2019. Disponível em: https://www.oliberal.com/belem/minist%C3%A9riop%C3%BAblico-exige-a-limpeza-dos-canais-da-bacia-do-una-1.172882 Acesso em 03 dez. 2019.
    » https://www.oliberal.com/belem/minist%C3%A9riop%C3%BAblico-exige-a-limpeza-dos-canais-da-bacia-do-una-1.172882
  • ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Agenda 2030, 2015. Disponível em: https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2015/10/agenda2030-pt-br.pd 2015 Acesso em: 20 nov. 2019.
    » https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2015/10/agenda2030-pt-br.pd 2015
  • ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração de Quito sobre cidades e assentamentos humanos sustentáveis para todos, 2016. Disponível em: http://habitat3.org/wp-content/uploads/NUA-Portuguese-Angola.pdf Acesso em 20 nov. 2019.
    » http://habitat3.org/wp-content/uploads/NUA-Portuguese-Angola.pdf
  • PARÁ. Constituição Estadual de 1989, de 5 de outubro de 1989. Disponível em: http://www.legispara.pa.gov.br/constituicao-do-estado Acesso em: 15 nov. 2019.
    » http://www.legispara.pa.gov.br/constituicao-do-estado
  • PARÁ. Companhia de Saneamento do Pará. Projeto de drenagem, vias, água e esgoto das zonas baixas de Belém - Projeto Una. Informações gerais. Belém: CONSANPA, 2006.
  • PORTAL UFPA. Lideranças comunitárias debatem regularização e o direito à moradia. Disponível em: https://portal.ufpa.br/index.php/ultimas-noticias2/11079-liderancascomunitarias-debatem-regularizacao-e-o-direito-a-moradia Acesso em 03 dez. 2019.
    » https://portal.ufpa.br/index.php/ultimas-noticias2/11079-liderancascomunitarias-debatem-regularizacao-e-o-direito-a-moradia
  • PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM (PMB). Projeto de Urbanização da Bacia do Tucunduba. Secretaria de Urbanismo (SEURB), 1999.
  • PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM (PMB). Síntese do PROMABEN. 2014. Disponível em: http://www.belem.pa.gov.br/promaben/documentos/Promaben_I/Sintese_Promaben_I _set.2014.pdf Acesso em 03 dez. 2019.
    » http://www.belem.pa.gov.br/promaben/documentos/Promaben_I/Sintese_Promaben_I _set.2014.pdf
  • PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM (PMB). PROMABEN - Programa de Saneamento da Bacia da Estrada Nova. Remanejamento. Disponível em: http://ww3.belem.pa.gov.br/promaben/promaben-programa-de-saneamento-da-baciada-estrada-nova/. Acesso em 03 dez. 2019.
    » http://ww3.belem.pa.gov.br/promaben/promaben-programa-de-saneamento-da-baciada-estrada-nova
  • PREFEITURA MUNICIAL DE BELÉM (PMB). Mapa de localização das bacias hidrográficas da cidade de Belém/Pa. 2006. Disponível em: http://www.belem.pa.gov.br/app/c2ms/v/?id=18&conteudo=4756 Acesso em 03 dez. 2019.
    » http://www.belem.pa.gov.br/app/c2ms/v/?id=18&conteudo=4756
  • REIS, Ana Beatriz Oliveira. A luta pelo direito à cidade: contribuições do debate da derivação do Estado. In: Revista Direito e Práxis, Ahead of print, Rio de Janeiro, 2019. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/37918 Acesso em 03 dez. 2019.
    » https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/37918
  • SADEK, Maria Tereza (ORG). O sistema de justiça. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2010.
  • SANTOS, Gizele Cristina Carvalho dos. Planejamento urbano e participação popular: os limites do Projeto Tucunduba, em Belém (PA). Trabalho de Conclusão (Graduação). Faculdade de Serviço Social, Instituto de Ciências Sociais Aplicadas, Belém, 2018.
  • SANTOS, Milton. Técnica, Espaço, Tempo: globalização e meio técnico-científicoinformacional. São Paulo: EDUSP, 2018.
  • SOARES, Pedro Paulo de Miranda Araújo. Memorial ambiental na Bacia do Una: estudo antropológico sobre transformações urbanas e políticas públicas de saneamento em Belém (PA). (Tese de Doutorado). Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, 2016.
  • TRINDADE JÚNIOR, Saint-Clair Cordeiro da. Formação metropolitana de Belém (1960- 1997). Belém: Paka-Tatu, 2016.
  • VASCONCELLOS SOBRINHO, Mário. Notas introdutórias sobre desenvolvimento e desenvolvimento territorial. In: MITSCHEIN, Thomas A. et al. Desenvolvimento local e direito à cidade na floresta amazônica. NUMA/UFPA: Belém, 2013, p. 12-36. Disponível em:http://livroaberto.ufpa.br/jspui/bitstream/prefix/230/1/Livro_DesenvolvimentoLoca lDireit o.pdf Acesso em: 03 dez. 2019.
    » http://livroaberto.ufpa.br/jspui/bitstream/prefix/230/1/Livro_DesenvolvimentoLoca lDireit o.pdf
  • YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2001.
  • 1
    A palavra “paroara” tem origem indígena e foi utilizada originalmente como designação aos migrantes que se dirigiram para a Amazônia. Atualmente, é também utilizada como designação de pessoa ou coisa natural do estado do Pará.
  • 2
    O alagadiço do Piri passou por intervenções no século XIX, de modo que a cidade pudesse se expandir mais facilmente em direção ao limite de sua primeira légua patrimonial, compondo atualmente parte da área nobre da cidade. Já a intervenção no igarapé das Armas ou das Almas, que anteriormente era considerada área periférica da cidade, levou ao aterramento e canalização da totalidade de sua extensão, localizando-se hoje um dos centros de compras mais luxuosos da cidade, bem como prédios de classe alta.
  • 3
    A Região Metropolitana de Belém iniciou sua formação em 1973 e hoje conta com os municípios de Belém, Ananindeua, Marituba, Benevides, Santa Bárbara, Santa Izabel e Castanhal.
  • 4
    O Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) foi lançado no ano de 2007, durante o segundo mandato do presidente Luis Silva, o qual propunha medidas que gerassem crescimento econômico, geração de empregos e uma melhora na qualidade de vida da população no Brasil.
  • 5
    Não há informação oficial e/ou acessível para a sociedade e Academia sobre o quantitativo de procedimentos administrativos e judiciais coletivos e individuais que tratam diretamente ou transversalmente de questões relacionadas aos projetos desta seção. O entrevistado 01 da Defensoria Pública do estado do Pará relatou que há alguns anos existiam mais de três mil ações individuais referentes à um conjunto habitacional para onde foram reassentados involuntariamente moradores da área do Tucunduba.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2020

Histórico

  • Recebido
    03 Fev 2020
  • Aceito
    08 Fev 2020
Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rua São Francisco Xavier, 524 - 7º Andar, CEP: 20.550-013, (21) 2334-0507 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: direitoepraxis@gmail.com