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A capacidade jurídica da pessoa com deficiência após a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência: análise das soluções propostas no Brasil, em Portugal e no Peru

The legal capacity of persons with disabilities following the Convention on the Rights of Persons with Disabilities: solutions proposed in Brazil, Portugal and Peru

Resumo

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) estabeleceu o marco para a alteração do tratamento das questões relacionadas às pessoas com deficiência com repercussão em mais de cento e setenta países signatários do documento. O instrumento internacional obriga os Estados a assegurarem a promoção e a proteção do pleno exercício dos direitos e interesses fundamentais das pessoas com deficiência a partir do reconhecimento da plena capacidade jurídica em igualdade de condições com as demais. Desde então, foram noticiadas várias medidas legais adotadas por diversos países na busca da realização do escopo da Convenção. Tendo em vista que o intercâmbio de modelos e experiências pode contribuir para o aperfeiçoamento do modelo social de abordagem da deficiência que caracteriza a CDPD, analisam-se as alterações inseridas nos ordenamentos jurídicos brasileiro, português e peruano, com enfoque no reconhecimento da plena capacidade estabelecido pelo documento internacional.

Palavras-chave:
Direitos; Deficiência; Capacidade; Sistema; Brasil; Acompanhado; Portugal; Peru

Abstract

The Convention on the Rights of Persons with Disabilities (CRPD) has set the framework for changing the treatment of disability issues with repercussions in over one hundred and seventy signatory countries. The international instrument obliges States to ensure the promotion and protection of the full exercise of the fundamental rights and interests of persons with disabilities on the basis of the recognition of full legal capacity on equal terms. Since then, several legal measures adopted by several countries have been reported in the pursuit of the scope of the Convention. Given that the exchange of models and experiences can contribute to the improvement of the social model of approach to disability that characterizes the CRPD, we analyze the changes introduced in the Brazilian, Portuguese and Peruvian legal systems, focusing on the recognition of full capacity established by the international document.

Keywords:
Rights of Person; Legal capacity; System in Brazil; Accompanied; Portugal; Restricted; Peru

1. Introdução

A partir da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD), estabeleceu-se a regra do comprometimento dos Estados para assegurar e promover o pleno exercício dos direitos humanos e das liberdades fundamentais das pessoas com deficiência, pelo que devem adotar todas as medidas legislativas e administrativas, modificando ou derrogando leis, regulamentos, costumes e práticas existentes que constituam discriminação contra as pessoas com deficiência (GONZÁLES, 2018GONZÁLES, Carlos Antonio Agurto; DÍAZ, María Pía Guadalupe Díaz. Capacidad Jurídica: el histórico problema de uma categoria fundamental em el derecho. A propósito de las modificaciones introducidas por el Decreto Legislativo nº 1384 em el Libro de derechos de las personas del Código Civil peruano. R.E.D.S., n. 13, p. 238-264, jul./dec., 2018., p. 252).

Coube a cada país signatário do tratado internacional, a seu turno, a responsabilidade de estender o modelo social de abordagem da deficiência para o seu ordenamento jurídico, abandonando-se os critérios que, ao longo da história, foram utilizados para modular a capacidade jurídica a partir da deficiência. Seja por meio da criação de novos instrumentos, seja pela modificação dos institutos já existentes, impôs-se expressiva alteração nos ordenamentos jurídicos vigentes, a fim de garantir a inclusão participativa da pessoa com deficiência.

O art. 12 da Convenção, considerado o verdadeiro pivô das reformas legislativas necessárias para a adequação ao conteúdo da Convenção, assegura a toda pessoa com deficiência a íntegra capacidade legal como um dispositivo indispensável, impactando intensamente nos diversos institutos do direito civil dos países signatários. Diversas Nações estão realizando as acomodações necessárias para o cabal cumprimento da CDPD, estabelecendo soluções diferentes para a concretização do objetivo que é comum a todos.

Considerando a existência de barreiras diversas que ainda impedem a participação plena e efetiva da pessoa com deficiência na sociedade, objetiva-se averiguar como a capacidade legal das pessoas com deficiência vem sendo construída nos países signatários da Convenção e quais reformas vêm sendo feitas, que esforços foram iniciados nesse sentido e quais são as limitações que ainda se fazem presentes.

Foram selecionadas para análise as propostas apresentadas pelo Brasil, por Portugal e pelo Peru, tendo como referencial a CDPD. A escolha se deu porque os três países foram alvo de críticas após avaliação da legislação pelo Comitê sobre Direitos da Pessoa com Deficiência das Organizações das Nações Unidas. Em suma, a principal repreensão aos três países foi a de não atenderem criteriosamente as disposições normativas do documento internacional em relação à plena capacidade jurídica e à promoção do acesso ao exercício autônomo de direitos e interesses.

Para a consecução desses objetivos, realizou-se pesquisa bibliográfica na doutrina nacional e comparada, bem como pesquisa documental na legislação internacional. A abordagem foi de natureza qualitativa, e exploratória, no que diz respeito aos objetivos.

Nesse sentido, pelo método dedutivo, analisa-se a modernização dos ordenamentos jurídicos brasileiro, português e peruano. No Brasil, a Lei nº 13.146/15 estabelece que a pessoa com a deficiência tenha assegurado o direito ao exercício da sua capacidade legal em igualdade de condição com as demais pessoas. Em Portugal, a Lei nº 49/2018 cria o regime jurídico do maior acompanhado, reformando o Código Civil, com a eliminação dos institutos da interdição e inabilitação. Já o Decreto 1384, de setembro de 2018, mais recentemente, regula no Peru a capacidade jurídica das pessoas com deficiência, estabelecendo que todas as pessoas maiores de 18 anos têm plena capacidade de exercício de sua capacidade jurídica, em todos os aspectos da vida.

2. A capacidade jurídica convencional e seus fundamentos filosóficos

O objetivo primordial da Convenção sobre o Direito da Pessoa com Deficiência - CDPD é a garantia de inclusão das pessoas com deficiência a partir do reconhecimento da igualdade formal e material relativamente aos demais. Nessa medida, o art.121 1 Artigo 12 Reconhecimento igual perante a lei 1.Os Estados Partes reafirmam que as pessoas com deficiência têm o direito de ser reconhecidas em qualquer lugar como pessoas perante a lei. 2.Os Estados Partes reconhecerão que as pessoas com deficiência gozam de capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da vida. 3.Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para prover o acesso de pessoas com deficiência ao apoio que necessitarem no exercício de sua capacidade legal. 4.Os Estados Partes assegurarão que todas as medidas relativas ao exercício da capacidade legal incluam salvaguardas apropriadas e efetivas para prevenir abusos, em conformidade com o direito internacional dos direitos humanos. Essas salvaguardas assegurarão que as medidas relativas ao exercício da capacidade legal respeitem os direitos, a vontade e as preferências da pessoa, sejam isentas de conflito de interesses e de influência indevida, sejam proporcionais e apropriadas às circunstâncias da pessoa, se apliquem pelo período mais curto possível e sejam submetidas à revisão regular por uma autoridade ou órgão judiciário competente, independente e imparcial. As salvaguardas serão proporcionais ao grau em que tais medidas afetarem os direitos e interesses da pessoa. 5. Os Estados Partes, sujeitos ao disposto neste Artigo, tomarão todas as medidas apropriadas e efetivas para assegurar às pessoas com deficiência o igual direito de possuir ou herdar bens, de controlar as próprias finanças e de ter igual acesso a empréstimos bancários, hipotecas e outras formas de crédito financeiro, e assegurarão que as pessoas com deficiência não sejam arbitrariamente destituídas de seus bens. assegura a toda pessoa com deficiência a íntegra capacidade legal como um dispositivo de conteúdo medular que impõe uma ruptura paradigmática para a maioria dos Estados signatários. Com essa dramática alteração no regime das incapacidades, a CDPD impactou intensamente nos diversos institutos do direito civil dos países signatários e gerou inúmeras polêmicas, inclusive quanto à sua adequação à tutela das pessoas com deficiência.

Ao longo do século XX, muitos juristas, incluindo-se os civilistas, opuseram críticas ao regime das incapacidades previsto nas codificações civis, denunciando a sua impropriedade para o trato de questões existenciais que estavam em franca ascensão, graças à expansão dos direitos humanos e dos direitos fundamentais. Observaram que a titularidade dos direitos personalíssimos não poderia se separar ou cindir-se da capacidade de exercício, fosse por sua intransmissibilidade, fosse por sua inerência à determinada pessoa,2 2 Na locução de Antônio Menezes Cordeiro (2011, p. 108-109), há uma inerência dos direitos de personalidade à pessoa do titular e ao objeto tutelado. Assim, “nos direitos de personalidade uma primeira vertente de inerência é constituída pela intransmissibilidade da sua posição ativa. O direito de personalidade nasce na esfera de um titular e ficará aí até a sua extinção (…) O direito de personalidade está, ainda, indissociavelmente ligado ao seu objeto. Ele reporta-se a um bem de personalidade, atingindo-o onde quer que ele se encontre. Na hipótese de uma circulação indevida de escritos ou de imagens que se devam considerar tutelados pelo regime da personalidade, o titular poderá agir onde quer que eles se encontrem.” sob pena de importar no esvaziamento do próprio direito.3 3 Conforme Díez-Picazo (2003, p. 346), “Como es lógico, la titularidad del derecho corresponde a la persona y, en princípio, solo seguramente, a ella. Es además, en línea de principio, un derecho de caráter personalísimo que solo el titular puede ejercer.”. (MACHADO, 2013MACHADO, Diego Carvalho. Capacidade de Agir e Pessoa Humana - Situações Subjetivas Existenciais sob a Ótica Civil-Constitucional. Paraná: Juruá, 2013.).

Outro argumento, transcendente à discussão em torno da estrutura e das características dos direitos personalíssimos, tem sede na filosofia dos direitos humanos e propõe o realinhamento de conceitos como dignidade, autonomia e capacidade para favorecer a tutela das pessoas, sobretudo, aquelas que encontravam dificuldades persistentes para o gozo dos seus direitos, em virtude de uma deficiência (ROIG, 2007). Nessa direção, entende-se que o sujeito moral a quem se reconhece a dignidade é todo ser humano a quem também se garante a liberdade de eleição e, consequentemente, a possibilidade de realização do seu próprio plano de vida (PECES-BARBA, 2003PECES-BARBA, Gregório. La dignidad de la persona desde la Filosofia del Derecho. Col. Cuadernos Bartolomé de las casas. Num. 26. Dykinson: Madrid, 2003.).

Sob uma perspectiva formal, a liberdade de eleição não se restringe à aptidão para realizar escolhas concretas (PECES-BARBA, 2003PECES-BARBA, Gregório. La dignidad de la persona desde la Filosofia del Derecho. Col. Cuadernos Bartolomé de las casas. Num. 26. Dykinson: Madrid, 2003., p. 35). Apresenta-se como um atributo inerente a todo ser humano igualitariamente, constituindo sua própria integridade moral, sem a qual se verá transformado em simples objeto (nem que seja de proteção).

Diversamente da síntese acima e a despeito de a presunção da capacidade viger como um postulado imemorial, a pessoa com deficiência, notadamente aquela que possui uma limitação na seara psíquica ou intelectual, sofre quotidianamente uma presunção juris tantum de “incapacidade”. Daí a necessária implementação de uma política global de não discriminação, tal qual a delineada pela CDPD, promovendo uma mudança paradigmática em algumas instituições arraigadas muito mais na tradição legal do que nos critérios e concepções de justiça e igualdade balizadores dos direitos humanos (ROIG, 2007; BARIFFI, 2014BARIFFI, Francisco José. El regimen jurídico internacional de la capacidad juridical de las personas con discapacidad. Madrid: Grupo Editorial Cinca c/ Feneral Ibanéz Ibero, 2014., p. 264).

A partir da CDPD, a pessoa com deficiência possui igual capacidade jurídica (ou capacidade legal, como diz o texto original) em relação às demais. Os países signatários da Convenção terão que abandonar a deficiência como critério modulador da capacidade jurídica, sob pena de transformar o sujeito de direito em mero objeto de proteção e desrespeitar o texto convencional.

Ao longo dos tempos, muitos desses países usaram a deficiência para balizar a capacidade, fazendo-o a partir de três critérios básicos - o critério do status, o critério da decisão irracional e o critério funcional (MENEZES, 2018MENEZES, Joyceane Bezerra de. A capacidade jurídica pela Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e a insuficiência dos critérios do status, do resultado da conduta e da funcionalidade. Pensar - Revista de Ciências Jurídicas, Fortaleza, v. 23, n. 2, p. 1-13, 2018. Disponível em: https://periodicos.unifor.br/rpen/article/view/7990. Acesso em: 21 abr. 2019.
https://periodicos.unifor.br/rpen/articl...
). No Brasil, a solução não foi diferente. Pelo critério do status, o diagnóstico médico da “enfermidade” ou “doença mental” levaria a pessoa à condição de absolutamente incapaz, conforme tratou o art. 5o., do Código Civil de 1916, arrolando “os loucos de todos os gêneros” entre os absolutamente incapazes.4 4 CC/1916, Art. 5o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: (...) II. Os loucos de todo o gênero. III. Os surdos-mudos, que não puderem exprimir a sua vontade.

Tratava-se a deficiência a partir das limitações pessoais, e essa incapacitação seria o suficiente para a restrição dos direitos deflagrada na própria restrição da capacidade jurídica. Pelo critério da racionalidade da escolha, o sujeito poderia ser considerado “incapaz” quando as suas decisões fossem ruins, reputadas irracionais ou desassisadas, em prejuízo próprio, aos familiares ou a terceiros. O Código Civil de 1916 também adotou esse critério relativamente ao “pródigo”, no que foi seguido pelo Código Civil de 2002.5 5 CC/1916, “Art. 6o São incapazes, relativamente a certos atos (art. 147, n. 1), ou à maneira de os exercer:(…) II. Os pródigos.” CC/2002, Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: (… V - os pródigos.

Observa-se que, embora toda pessoa seja capaz de atos irracionais, contraditórios à sua conduta ordinária, apenas as pessoas com deficiência intelectual e psíquica estariam na berlinda, como se a sua capacidade natural e intelectiva estivesse continuadamente sob sindicância. Nesse aspecto, eram vítimas de um tratamento discriminatório (PEREIRA, 2019PEREIRA, Jacqueline Lopes. Tomada de Decisão Apoiada- A Ampliação das Liberdades da Pessoa com Deficiência Psíquica ou Intelectual em Escolhas que Geram Efeitos Jurídicos. Paraná: Juruá, 2019.).

Pelo critério da funcionalidade, procura-se identificar a limitação natural da pessoa com deficiência intelectual ou psíquica para, a partir daí, localizar o espaço no qual ela não tem condições de se manifestar por si, justificando-se a mitigação de sua capacidade civil e a nomeação de um representante apto a decidir em seu lugar. Esse foi o critério escolhido pelo Código Civil de 2002 para abordar a deficiência no regime das incapacidades. Definia como absolutamente incapaz para o exercício dos atos da vida civil a pessoa com “enfermidade ou deficiência mental” sem o necessário “discernimento” para a prática desses atos.6 6 CC/2002, Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: (...) II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; Considerava relativamente incapaz para a prática de determinamos atos da vida civil a pessoa que, por “deficiência mental”, tinha o “discernimento” reduzido e a pessoa “excepcional” sem o “desenvolvimento completo”.7 7 CC/2002, Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: (...) II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;

Acredita-se que até esse último critério - o da funcionalidade - é ofensivo à CDPD, na medida em que aplica efeitos da deficiência como critério redutor da capacidade civil. Nesses moldes, mantém excluída a pessoa com deficiência, sobretudo aquela que tem uma deficiência intelectual e psíquica, uma vez que a deficiência continua sendo a causa indireta da incapacidade (DANDHA, 2006).

Seguindo a política de inclusão da CDPD, a utilização do critério funcional de abordagem da deficiência só terá bom uso se for utilizado para definir o espaço no qual a pessoa com deficiência precisará de apoio! Uma vez que se aplique para justificar a redução da capacidade, atentará contra os fins convencionais.

É necessário afirmar-se categoricamente que a CDPD garantiu a toda pessoa com deficiência, seja ela de origem psíquica, intelectual, física ou sensorial, a plena capacidade jurídica. Não há dúvida quanto a isso. Até o Comitê sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da ONU oportunamente esclareceu e enfaticamente sustentou que os Estados signatários não poderão usar a deficiência de um modo direto ou indireto para restringir a capacidade.

É certo que, durante as tratativas para a elaboração da CDPD, a aprovação do inteiro teor do art. 12 foi precedida de árduas discussões. Houve, inclusive, a proposta de se ressalvar, em nota de rodapé, que a capacidade legal ali consignada restringia-se apenas à capacidade de gozo ou capacidade de direito. Mas essa proposta não logrou êxito. Ao cabo e ao fim, o dispositivo acabou realizando uma virada copernicana, rompendo dados da tradição jurídica ancestral. Com isso, enfrentou e enfrenta muita resistência e diversos questionamentos.

2.1. A reação dos países signatários e a oposição de reservas

Brasil, Portugal e Peru não chegaram a oferecer uma resistência formal ao teor da CDPD, muito embora seu inteiro teor não houvesse sido efetivamente incorporado pelos atores do mundo jurídico. Outros países, porém, foram mais incisivos nessa resistência. Sustentaram inicialmente que a capacidade jurídica seria matéria atinente apenas ao direito interno, escapando da esfera de interesse de um tratado internacional. Como o argumento não prosperou nas sessões realizadas para elaboração e votação dos dispositivos, alguns países opuseram-lhe reservas8 8 Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009, que promulga a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, concluída em 23 de maio de 1969, com reserva aos Artigos 25 e 66. Art. 2º, item 1, alínea d). reserva significa uma declaração unilateral, qualquer que seja a sua redação ou denominação, feita por um Estado ao assinar, ratificar, aceitar ou aprovar um tratado, ou a ele aderir, com o objetivo de excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado em sua aplicação a esse Estado; ou declarações interpretativas (não importa o nome utilizado), no momento da assinatura, visando excluir ou modificar os efeitos jurídicos de algumas de suas disposições quando de sua aplicação a esse Estado.

Tais reservas ou declarações interpretativas foram agrupadas por Francisco Bariffi (2014BARIFFI, Francisco José. El regimen jurídico internacional de la capacidad juridical de las personas con discapacidad. Madrid: Grupo Editorial Cinca c/ Feneral Ibanéz Ibero, 2014., p. 414) em três grupos distintos, designados, respectivamente, como modelo restringido, modelo moderado e modelo de efeitos indiretos. O modelo restringido conjugou as reservas ou declarações do Egito, dos países árabes, da Estônia, da Venezuela e da Polônia, caracterizadas pela oposição frontal à interpretação da capacidade jurídica, prevista no art. 12 da CDPD, como a conjugação da capacidade de gozo e de exercício. Não admitiam que o art. 12 da CDPD viesse a gerar efeitos sobre o seu direito interno relativamente à capacidade e continuaram admitindo as limitações ou restrições à capacidade de exercício das pessoas com deficiência no seu direito interno.

Compuseram o segundo modelo moderado as reservas ou declarações apresentadas pelo Canadá, pela Austrália e pela Noruega. Em comum, esses países reconheceram e aprovaram o inteiro teor do art. 12, da CDPD, embora continuem permitindo, excepcionalmente, as medidas limitadoras da capacidade das pessoas com deficiência e a nomeação de um representante legal apto a decidir em seu nome. Grosso modo, o Canadá não afastou os efeitos do art. 12, mas declarou que o cumprimento integral desse dispositivo seria adiado até que se fizesse o devido ajuste no direito interno. Enquanto o primeiro modelo restringe o aspecto dinâmico da capacidade (a capacidade de exercício), o modelo moderado admite-a, mas com uma possibilidade excepcional de restringi-la.

Finalmente, tem-se o modelo de efeitos indiretos, representado pela França, pelos Países Baixos, pela Noruega, pela Austrália e por Singapura, cujas reservas ou declarações enfocaram diretamente os artigos 14, 15, 23 e 29, mas acabaram produzindo efeitos indiretos no art. 12, atingindo a capacidade jurídica da pessoa com deficiência e o próprio sistema de apoio. A França e os Países Baixos abordaram o art. 15, no que toca ao consentimento informado, para firmar a opção pelo regime jurídico da Convenção Europeia em Biomedicina e Direitos Humanos, que, no âmbito das investigações biomédicas, permite a substituição de vontade na tomada de decisão. Nisso seria incompatível com o teor do art. 12.

Neste mesmo modelo também se agruparam as reservas e declarações da Noruega e da Austrália em face dos artigos 14 e 15. A Austrália admite, em casos excepcionais, a possibilidade de nomeação de um representante legal para a pessoa com deficiência e até mesmo a sua submissão a tratamento psiquiátrico involuntário, fazendo crer que a complexidade de suas declarações e reservas podem justificar uma interpretação restritiva ao art. 12. No mesmo sentido, segue a Noruega, quando permite a adoção de tratamentos psiquiátricos involuntários.

O México e o Reino Unido também apresentaram declarações e reservas que foram retiradas, atendendo à recomendação do Comitê. Mas o Reino Unido já manifestou que não tem a intenção de migrar do sistema de substituição de vontade para o modelo de apoio.9 9 No relato de Bariffi (2014, p. 423), “Finalmente, el 21 de diciembre de 2011 el Reino Unido retiró esta declaración par- ticular sobre el artículo 12(4), aunque, como destacan TROMMEL y DEVANDAS, no parece haber intención por parte de este Estado de “sustituir el modelo de sustitución en la capacidad de actuar por un sistema de apoyo”.

A considerar o art. 46 da CDPD, não há como se permitir quaisquer reservas que sejam incompatíveis com o objeto e o propósito convencionais. Assim, é importante considerar que se o teor das reservas realizadas pelos países signatários da CDPD incorrerem nesse infortúnio, não serão acolhidas. Relembrando a Convenção de Viena sobre Tratados Internacionais, especialmente o art. 27, vê-se que o Estado parte não poderá invocar as disposições do direito interno para justificar o descumprimento do tratado de que é signatário. Portanto, as reservas que integram o chamado modelo restritivo não têm sustentação.

3. Comitê da ONU e a monitorização ao Brasil, a Portugal e ao Peru

O Brasil não opôs reservas à CDPD. Ao contrário, a Convenção ingressou no ordenamento brasileiro com o status de norma constitucional, sendo o primeiro tratado a ser votado e aprovado com o quórum previsto no art. 5o, § 3º, da Constituição Federal de 1988. Mesmo com essa particularidade, não chamou a atenção dos civilistas, que se mantiveram inertes ou alheios até o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência - EPD, quando passaram a tecer críticas veementes. Tantas foram as publicações em jornais jurídicos semanais, que os mesmos senadores que propuseram o projeto de lei convertido no EPD trataram de apresentar um novo projeto de lei (PLS nº 757/2015), visando a “corrigir alguns excessos”, como referiram na justificativa.10 10 Trata-se do PLS nº 757/2015, apresentado originariamente pelos senadores Paulo Paim (PT-RS) e Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), mas uma versão substitutiva, subscrita pelo Senador Telmário Mota (PDT-RO) foi enviada à Comissão de Direitos Humanos da Casa, por meio de mensagem eletrônica datada de 10 de maio de 2016, logrando aprovação junto à Comissão de Constituição e Justiça. Esse projeto já foi aprovado na Comissão de Direitos Humanos do Senado sem que fosse submetido ao debate público, como se fez em relação ao projeto que culminou no EPD.11 11 “Estranha-se, porém, que o segmento diretamente afetado não haja participado ativamente até essa presente fase do processo legislativo. O PLS já está sob exame da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal e ainda não houve uma só audiência pública para discutir seus dispositivos. Uma vez que a palavra de ordem do movimento internacional sobre os direitos das pessoas com deficiência é “Nada sobre nós, sem nós”, então, como justificar que as alterações conduzidas por esse PLS exaram seu “melhor interesse”? Ademais, é oportuno mencionar que, no âmbito do VII Congresso Brasileiro sobre Síndrome de Down, realizado nos dias 15 a 17 de outubro de 2015, em Curitiba, o Comitê Jurídico da Federação e a Associação Nacional de Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência - AMPID compuseram a IV OFICINA DE REVISÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO para discutir sobre os direitos da pessoa com deficiência à luz da Constituição Federal, da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, das Recomendações do Comitê da ONU acerca da citada Convenção e do EPD. Como síntese das discussões realizadas, lavraram a CARTA DE CURITIBA na qual não se acham críticas às mudanças operadas pelo Estatuto ao Código Civil tampouco eventual necessidade de sua alteração. Não houve qualquer menção ao PLS nº 757/2015 ou mesmo à intenção do legislador em alterar o EPD, o que demonstra a baixa divulgação desse projeto modificativo.” (MENEZES, Joyceane Bezerra de. O risco do retrocesso: uma análise sobre a proposta de harmonização dos dispositivos do Código Civil, do CPC, do EPD e da CDPD a partir da alteração da Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015. Revista Brasileira de Direito Civil - RBDCivil, Belo Horizonte, v. 12, p. 137-171, abr./ jun. 2017).

Importa destacar recente orientação legal das Organizações das Nações Unidas, pelo Comitê sobre Direitos da Pessoa com Deficiência, reforçando a necessidade de garantir a participação das pessoas com deficiências e de suas organizações representativas nos processos públicos de tomada de decisões sobre seus próprios direitos humanos.12 12 Comité sobre los Derechos de las Personas con Discapacidad Observación general núm. 7 (2018). “1. Las personas con discapacidad participaron plenamente y desempeñaron un papel determinante en la negociación, la elaboración y la redacción de la Convención sobre los Derechos de las Personas con Discapacidad. La celebración de consultas estrechas y la colaboración activa con las personas con discapacidad, por conducto de organizaciones de personas con discapacidad y sus asociados, influyeron positivamente en la calidad de la Convención y su pertinencia para esas personas. También demostraron la fuerza, la influencia y el potencial de las personas con discapacidad, que propiciaron un tratado de derechos humanos sin precedentes y el establecimiento del modelo de la discapacidad basado en los derechos humanos. La participación genuina y efectiva de las personas con discapacidad, a través de las organizaciones que las representan, es, pues, uno de los pilares de la Convención. 2. La participación activa e informada de todas las personas en las decisiones que afectan a sus vidas y derechos está en consonancia con el enfoque de derechos humanos en los procesos de adopción de decisiones en el ámbito público1 y garantiza una buena gobernanza y la responsabilidad social2. (…) 18. La expresión “cuestiones relacionadas con las personas con discapacidad”, que figura en artículo 4, párrafo 3, abarca toda la gama de medidas legislativas, administrativas y de otra índole que puedan afectar de forma directa o indirecta a los derechos de las personas con discapacidad. La interpretación amplia de las cuestiones relacionadas con las personas con discapacidad permite a los Estados partes tener en cuenta la discapacidad mediante políticas inclusivas, garantizando que las personas con discapacidad sean consideradas en igualdad de condiciones con las demás. También asegura que el conocimiento y las experiencias vitales de las personas con discapacidad se tengan en consideración al decidir nuevas medidas legislativas, administrativas o de otro tipo. Ello comprende los procesos de adopción de decisiones, como las leyes generales y los presupuestos públicos, y las leyes específicas sobre la discapacidad, que podrían afectar a la vida de esas personas10. Disponível em: https://tbinternet.ohchr.org/_layouts/15/treatybodyexternal/Download.aspxsymbolno=CRPD/C/GC/7⟪=en. Acesso em: 29 abr. 2019.

Mesmo quando o Brasil foi visitado pelo Comitê da ONU, foi alvo de severas críticas, inclusive, quanto às propostas carreadas no projeto que se converteria posteriormente no EPD. Por duas vezes, o Comitê da ONU visitou o Brasil, produzindo dois relatórios, que foram publicados em 2012 e 2015. O último relatório denuncia muitos pontos negativos, nos quais se destaca a insistência do país em aplicar o sistema de substituição de vontade, tão repudiado pelo inteiro teor da CDPD. In verbis,

24. Preocupa al Comité que algunas leyes del Estado parte sigan contemplando, en ciertas circunstancias, la sustitución en la adopción de decisiones, que es contraria al artículo 12 de la Convención, tal como se explica en la observación general núm. 1 del Comité (2014) sobre el igual reconocimiento como persona ante la ley. También le preocupa que los procedimientos de apoyo para la adopción de decisiones requieran aprobación judicial y que no primen la autonomía, la voluntad y las preferencias de las personas con discapacidad.

25. El Comité insta al Estado parte a que derogue todas las disposiciones legales que perpetúen el sistema de la sustitución en la adopción de decisiones. También le recomienda que adopte, en consulta con las organizaciones de personas con discapacidad y otros proveedores de servicios, medidas concretas para reemplazar el sistema basado en la adopción de decisiones sustitutiva por otro basado en el apoyo a la adopción de decisiones que privilegie la autonomía, la voluntad y las preferencias de las personas con discapacidad, en plena conformidad con el artículo 12 de la Convención. Le recomienda además que mantenga debidamente informadas sobre el nuevo marco legal a todas las personas con discapacidad que se encuentren bajo custodia, y que garantice en todos los casos el ejercicio del derecho al apoyo para la adopción de decisiones.13 13 Comité sobre los Derechos de las Personas con Discapacidad. Observaciones finales sobre el informe inicial del Brasil. Disponível em: https://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/arquivos/%5Bfield_generico_imagens-filefield-description%5D_174.pdf. Acesso em: 30 abr. 2019.

Portugal e Peru também não opuseram reservas, mas ambos os países foram bastante criticados pelo Comitê da ONU quando visitados para averiguação da adoção das medidas exigidas pela Convenção.

Por meio da Resolução da Assembleia da República n.º 56/2009, de 7 de maio, Portugal aprova a CDPD, ratificando-a pelo Decreto do Presidente da República n.º 71/2009, de 30 de julho. O Protocolo Opcional, por sua vez, foi aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 57/2009, também em 7 de maio, havendo sido ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 72/2009, de 30 de julho.

Por ocasião do Relatório divulgado em 2016, o Comitê observou que o Estado português não havia realizado uma completa revisão de sua legislação para o fim de harmonização com a Convenção e que, em razão disto, ainda mantinha leis, regulamentos, usos e práticas perpetuando discriminação contra as pessoas com deficiência.14 14 Comissão sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Observações finais sobre o relatório inicial de Portugal. Disponível em: http://oddh.iscsp.ulisboa.pt/index.php/pt/2013-04-24-18-50-23/outras-publicacoes/item/276-recomenda%C3%A7%C3%B5es-da-onu-a-portugal-sobre-direitos-das-pessoas-com-defici%C3%AAncia. Acesso em: 20 abr. 2019.

Até então, o Código Civil português, por exemplo, aplicava a deficiência como critério para balizamento da incapacidade civil, e, consequentemente, o direito protetivo pautado na incapacitação (interdição), como também não autorizava o casamento à pessoa com deficiência psíquica ou intelectual. Dentre outras recomendações, havia a alteração do código civil para revisão das incapacidades, reestruturação do sistema de apoio em detrimento da substituição de vontade, bem como a revisão do direito das famílias, permitindo a inclusão da pessoa com deficiência, inclusive, para casar. Conforme o relatório:

Reconhecimento igual perante a lei (art. 12)

1. A Comissão observa com profunda preocupação que no Estado parte exista um grande número de pessoas com deficiência submetidas ao regime de tutela total ou parcial, e consequentemente privadas do exercício de certos direitos, como o direito ao voto, ao matrimónio, a constituir família ou a gerir bens e propriedades e também que na actual revisão do seu Código Civil se continue a contemplar a restrição da capacidade jurídica das pessoas com deficiência.

2. A Comissão recomenda ao Estado parte que adopte as medidas apropriadas para que todas as pessoas com deficiência que tenham sido privadas da sua capacidade jurídica possam exercer todos os direitos consagrados na Convenção, incluindo o direito ao voto, ao matrimónio, a constituir família e a gerir bens e propriedades, como é indicado na sua Observação Geral N.º1 (2014) sobre o Reconhecimento igual perante a lei. A Comissão também recomenda que o Estado parte revogue os regimes existentes de tutela total e parcial, os quais eliminam ou limitam a capacidade jurídica da pessoa, e desenvolva sistemas de apoio à tomada de decisão, que permitam e promovam o exercício efectivo dos direitos das pessoas com deficiência, conforme o artigo 12 da Convenção. (grifo do próprio documento).

O Peru, semelhantemente, foi repreendido pelo Comitê da ONU, conforme se extrai do relatório apresentado no ano de 2012.15 15 Comissão sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Observações finais sobre o relatório inicial do Peru Disponível em: https://tbinternet.ohchr.org/_layouts/15/treatybodyexternal/Download.aspx?symbolno=CRPD/C/PER/CO/1⟪=Sp. Acesso em: 29 abr. 2019. À época, o país não apresentava estratégias eficazes para migração para o modelo social de abordagem, incluindo soluções concretas para garantir o amplo exercício dos direitos pela pessoa com deficiência.16 16 O relatório da ONU foi produzido no período entre 16 a 20 de abril do ano de 2012. A Lei Geral da Pessoa com Deficiência foi publicada em 24.12.2012. Advertia que o marco legal sobre deficiência não se adequava ao texto convencional, determinando a imediata revogação da prática da interdição judicial e o fim do modelo de substituição de vontade. Impôs ainda a modificação do Código Civil para que se garantisse o exercício dos direitos civis a todas as pessoas com deficiência, incluindo-se o direito a contrair o matrimônio.

El Comité recomienda al Estado parte que derogue la práctica de la interdicción judicial y revise las leyes que permiten la tutela y la curatela con objeto de garantizar su plena conformidad con el artículo 12 de la Convención. Le recomienda también que adopte medidas para cambiar el modelo de sustitución en la toma de decisiones por uno de apoyo o asistencia a las personas con discapacidad en esa toma de decisiones que respete su autonomía, voluntad y preferencias.

26. Preocupa al Comité que el Código Civil del Estado parte no reconozca la capacidad para ejercer el derecho a contraer matrimonio de las personas sordomudas, sordociegas y ciegomudas, así como de las personas con discapacidad mental o que sufren deterioro mental.

27. El Comité insta al Estado parte a que modifique el Código Civil con el fin de garantizar adecuadamente a todas las personas con discapacidad el ejercicio de sus derechos civiles, en particular el derecho a contraer matrimonio.

Observa-se que as críticas apontadas pela ONU aos três países não distam muito, notadamente no que diz respeito à capacidade jurídica e ao acesso ao exercício dos direitos civis, em geral. Pois bem, o que houve depois de então? Quais as principais mudanças havidas na legislação desses três países até o dia de hoje? Sem realizar uma análise pormenorizada, apontam-se as mudanças havidas no plano da capacidade jurídica que, por longos anos, funcionou como barreira de acesso a certos direitos cujo gozo não se dissocia do exercício.

4. A capacidade jurídica da pessoa com deficiência no Brasil, no Peru e em Portugal

Sem a pretensão de traçar um esboço comparativo entre as soluções propostas por cada um desses países para atender ao imperativo do art. 12 da CDPD, é o propósito do presente artigo apresentar a capacidade jurídica da pessoa com deficiência psíquica e intelectual a partir da Lei nº 13.146/2015 (EPD), no Brasil; da Lei do Maior Acompanhado (Lei nº 49/2018), em Portugal; e, da Lei Geral da Pessoa com Deficiência (Lei nº 29.973/2012) e do Decreto Legislativo nº 1384/2018, que alteraram o Código Civil, no Peru.

4.1. Brasil: O Estatuto da pessoa com deficiência ou Lei Brasileira de Inclusão

Coube ao EPD alterar os arts. 3º e 4º do Código Civil Brasileiro, excluindo qualquer referência à deficiência para mitigação da capacidade civil. Inicialmente, o EPD reafirma o conceito de deficiência tal qual fizera a CDPD, para qualificá-la como um impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir a participação plena e efetiva da pessoa na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (art. 2º). Assim, a restrição à capacidade de exercício pode figurar uma barreira insuperável ao gozo de muitos direitos de personalidade, por exemplo.

A seguir, já no art. 6º, dispõe que a deficiência não afetará a capacidade civil da pessoa. Arrola exemplificativamente que a pessoa terá capacidade para o casamento e a união estável, o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos, o planejamento familiar, a conservação da fertilidade, vedando a esterilização compulsória, a constituição do seu arranjo familiar, com o direito à convivência familiar e comunitária, bem como para o exercício da guarda, tutela e adoção.

Especificamente no art. 114, revoga os artigos 3º e 4º do Código Civil,17 17 Art. 114. A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos. I - (Revogado); II - (Revogado); III - (Revogado).” (NR) “Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: ..................................................................................... II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; ...................................................................................... excluindo a deficiência dos dispositivos, como que evitando a sua coligação à capacidade.18 18 Sobre a matéria, sugerem-se dois textos: Menezes (2018, p. 1-13) e Menezes; Teixeira (2016, p. 1-31). 2019. Deficiência é uma situação de diversidade que transcende até mesmo a condição da pessoa, uma vez que resulta da equação “limitação + barreira”.

Posto que a pessoa passe à condição de sujeito capaz, não estará ao sabor da própria sorte quando a sua vulnerabilidade impedir o exercício escorreito da capacidade civil. O EPD é claro, no art. 5o, que a pessoa com deficiência deve ser protegida e posta a salvo de abusos, sendo considerada especialmente vulnerável.19 19 Lei nº 13.146/2015, Art. 5º A pessoa com deficiência será protegida de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, tortura, crueldade, opressão e tratamento desumano ou degradante. Parágrafo único. Para os fins da proteção mencionada no caput deste artigo, são considerados especialmente vulneráveis a criança, o adolescente, a mulher e o idoso, com deficiência.

Ademais, para além dos instrumentos informais e sociais de apoio que a família e as instituições, em geral, devem dispensar, o direito oferece dois mecanismos especiais para favorecer o exercício da capacidade jurídica: a tomada de decisão apoiada e a curatela. A primeira constitui um negócio jurídico especial, homologado judicialmente, em procedimento de jurisdição voluntária que não toca a capacidade civil da pessoa apoiada. A segunda, que leva o mesmo nome do instituto vigente no direito protetivo dos Códigos de 1916 e 2002, migra do sistema protetivo de substituição de vontade para o sistema de apoio, no qual a vontade da pessoa curatelada deve ser respeitada, mesmo quando o curador for assistente ou representante legal.

Entende-se que a pessoa com deficiência sob curatela continua sendo capaz, tal qual determina a CDPD. Seria um sujeito capaz sob apoio curatelar. Ousa-se concluir diversamente da maioria dos civilistas para quem a pessoa sob curatela será, inexoravelmente, relativamente incapaz. Para chegarem a essa conclusão, conjugam o art. 1.767, I20 20 Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela: I - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; com o art. 4º, III do Código Civil: se quem está sob curatela são “aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;” e estes tais são arrolados no art. 4º, III, como relativamente incapazes, logo, a pessoa com deficiência sob curatela seria relativamente incapaz. Por esse raciocínio, não se consideram os dispositivos já citados do EPD e a própria CDPD.

Na expressão de Luiz Edson Fachin (2011FACHIN, Luiz Edson. Aspectos de alguns pressupostos históricos-filosóficos hermenêuticos para o contemporâneo Direito Civil brasileiro: elementos para uma reflexão crítica. Rev. TST, Brasília, v. 77, n. 4, out./dez., 2011. Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/28358/007_fachin.pdf?sequence=5. Acesso em: 01 maio 2019.
https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/...
), na aplicação de um dado dispositivo normativo, há que se considerar o seu perfil funcional no contexto da unidade do sistema.

Destarte, as leis, tratados, convenções, decretos e regulamentos devem ser conhecidos pelo jurista não apenas em sua literalidade, mas sob uma hermenêutica aprofundada, funcionalizada e aplicativa, guiada pelo axioma da promoção da dignidade pessoa humana na permanente dialética entre a norma e fato, entre o formal e o social, cujo resultado, ainda que imprevisível, resulta na constante reinvenção e renovação do direito.

E é bem isso: não há como considerar uma pessoa humana incapaz, sem esvaziar a sua condição de sujeito digno. Até mesmo relativamente às crianças esse conceito pode vir a mudar em um breve espaço de tempo. Isso não implica lançar a pessoa com deficiência a um vazio protetivo, mas a redelinear um sistema apto a lhes assegurar capacidade plena com um apoio integrativo, livrando-a da condição de mero objeto de proteção.

4.2. Portugal: o regime do maior acompanhado

Para atender aos imperativos da Convenção, Portugal faz profundas alterações no Código Civil, a partir da Lei nº 49, de 14 de agosto de 2018, abolindo os institutos da interdição e da inabilitação.

Antes desta lei, a pessoa maior com deficiência psíquica e/ou intelectual era considerada adulto incapaz (arts. 138 e 139)21 21 ARTIGO 138º (Pessoas sujeitas à interdição). 1. Podem ser interditos do exercício dos seus direitos todos aqueles que por anomalia psíquica, surdezmudez ou cegueira se mostrem incapazes de governar suas pessoas e bens. 2. As interdições são aplicáveis a maiores; mas podem ser requeridas e decretadas dentro do ano anterior à maioridade, para produzirem os seus efeitos a partir do dia em que o menor se torne maior. (Redacção do Dec.-Lei 496/77, de 25-11). ARTIGO 139º (Capacidade do interdito e regime da interdição) Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, o interdito é equiparado ao menor, sendo-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regulam a incapacidade por menoridade e fixam os meios de suprir o poder paternal. sofrendo cerceamento em sua autonomia e em sua autodeterminação na esfera jurídica patrimonial e pessoal. Transferia-se o dever de representá-lo a um terceiro, que seria o tutor ou o curador. De toda sorte, o maior interdito seria equiparado ao menor - ou seja, sofreria a mudança do estado para qualificar-se como incapaz (art. 139).

Após o advento da CDPD - que foi ratificada por este país -, a legislação precisava ser alterada. Parecer da Ordem dos Advogados sobre a Resolução - que visa alterar os artigos 138º a 156º, 1601º, 1850º, 1913º e 2189º do Código Civil -,22 22 PARECER SOLICITADO PELO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA À ORDEM DOS ADVOGADOS, sobre a emissão de comentários e sugestões tidos por convenientes sobre o projeto de Proposta de Lei que visa alterar os artigos 138.º a 156.º, 1601.º, 1850.º, 1913.º e 2189.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei nº 47 344, de 25 de Novembro de 1966. [Em linha] [Consult. 19 de nov. de 2017] Disponível em: http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=1&idsc=135578&ida=143149#_ftn1. Acesso em: 22 abr. 2019. já denunciava essa necessidade de o Código Civil Português se adequar à CDPD.

É incontestável que o actual regime de protecção das pessoas com deficiência - através dos institutos da interdição e da inabilitação que se assumem como os principais meios de salvaguarda da pessoa com deficiência, regulados nos arts. 138º a 152º do Código Civil -, se encontra hoje desajustado às necessidades de facto e jurídicas que o justificam, e convoca diversos questionamentos desde o prisma, designadamente, da dignidade da pessoa humana. De resto, não escasseiam os apelos da doutrina portuguesa reclamando uma mudança de paradigma em moldes consentâneos com a legislação que vigora em outros países da família europeia no âmbito do regime das Incapacidades.

Por meio da Lei nº 49/2018, a alteração se fez, e como alternativa aos institutos da interdição e da inabilitação, instituiu-se o regime jurídico do maior acompanhado. De imediato, pode-se verificar que os artigos 138º e 139º foram sensivelmente alterados, de sorte que a pessoa maior com alguma limitação mental já não será chamada incapaz.

O acompanhamento, previsto no artigo 138º,23 23 Artigo 138º - Acompanhamento: O maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, beneficia das medidas de acompanhamento previstas neste Código. visa a um apoio em geral - de uma intensidade mais branda a mais intensa, sempre primando pela vontade do sujeito, em sintonia com as orientações internacionais (BARBOSA, 2018BARBOSA, Mafalda Miranda. Maiores acompanhados. Primeiras notas depois da aprovação da Lei nº 49/2018, de 14 de agosto. Coimbra: Gestlegal, 2018., p. 49). Nessa toada, o acompanhamento rege-se pelo princípio da necessariedade - de sorte a incidir na medida da demanda pessoal do acompanhado. Assim, de um mero apoio, como pode ocorrer na decisão apoiada brasileira, o acompanhamento poderá chegar à assistência ou à representação (art. 145º, b, do Código Civil Português).24 24 Artigo 145º - Âmbito e conteúdo do acompanhamento. 1. O acompanhamento limita-se ao necessário. 2. Em função de cada caso e independentemente do que haja sido pedido, o tribunal pode cometer ao acompanhante algum ou alguns dos regimes seguintes: a) Exercício das responsabilidades parentais ou dos meios de as suprir, conforme as circunstâncias; b) Representação geral ou representação especial com indicação expressa, neste caso, das categorias de atos para que seja necessária; c) Administração total ou parcial de bens; d) Autorização prévia para a prática de determinados atos ou categorias de atos; e) Intervenções de outro tipo, devidamente explicitadas. De igual modo, pode ser estabelecido em um especial domínio da vida do beneficiário ou sobre faixas mais alargadas, desde que detalhadamente assentadas na decisão que confere o acompanhamento.

Resta apenas destacar que a capacidade de exercício do acompanhado permanece hígida, mesmo quando sob representação do acompanhante. A seguir a afirmativa de Barbosa, “no quadro do regime do acompanhamento, parte-se da ideia de que o acompanhado mantém a sua capacidade de exercício” (BARBOSA, 2018BARBOSA, Mafalda Miranda. Maiores acompanhados. Primeiras notas depois da aprovação da Lei nº 49/2018, de 14 de agosto. Coimbra: Gestlegal, 2018., p. 62).

Significa isto, continua, que em determinadas situações, “o regime do acompanhamento pode redundar na limitação (mas não na exclusão) da capacidade de exercício do indivíduo.” (BARBOSA, 2018BARBOSA, Mafalda Miranda. Maiores acompanhados. Primeiras notas depois da aprovação da Lei nº 49/2018, de 14 de agosto. Coimbra: Gestlegal, 2018., p. 63). E assim afirma por dois motivos: o acompanhamento que se fizer por representação não poderá ser fixado em termos genéricos em face do princípio da necessariedade e do respeito à autonomia; para além dos limites do acompanhamento fixado por representação, a pessoa continuaria livre para praticar os demais atos da vida corrente e aqueles pertinentes ao direito pessoal (art. 147).25 25 Artigo 147. Direitos pessoais e negócios da vida corrente. 1. O exercício pelo acompanhado de direitos pessoais e a celebração de negócios da vida corrente são livres, salvo disposição da lei ou decisão judicial em contrário. 2. São pessoais, entre outros, os direitos de casar ou de constituir situações de união, de procriar, de perfilhar ou de adotar, de cuidar e de educar os filhos ou os adotados, de escolher a profissão, de se deslocar no país ou no estrangeiro, de fixar domicílio ou residência, de estabelecer relações com quem entender e de testar. Acrescente-se, ainda, uma terceira razão: aquela representação, se assim for fixada, não poderá ser feita por substituição da vontade, mas em atenção à vontade e às preferências da pessoa.

Chama-se atenção para três dispositivos do Código Civil Português: os art. 1.601º, art. 1850º e art. 2.189º trazem possibilidade de mitigação à capacidade de gozo. São hipóteses em que o exercício também não se poderia fazer por terceiro.

Segundo o art. 1.601º, constitui impedimento dirimente absoluto ao casamento: “a demência notória, mesmo durante os intervalos lúcidos, e a decisão de acompanhamento, quando a sentença respectiva assim o determine”.26 26 A redação anterior declarava nulo o casamento. Artigo 1601º (Impedimentos dirimentes absolutos) São impedimentos dirimentes, obstando ao casamento da pessoa a quem respeitam com qualquer outra: (…) b) A demência notória, mesmo durante os intervalos lúcidos, e a interdição ou inabilitação por anomalia psíquica; Problemático seria identificar o que o legislador português considerou demência notória, e os efeitos que a expressão pode causar para a vida das pessoas, em geral, com um juízo mal realizado da autoridade que celebra o casamento. Admitindo tratar-se de uma pessoa com deficiência psíquica grave ou situação de absoluta impossibilidade de manifestação volitiva, como aquele que está em coma, seria razoável. Mas mesmo assim, o importante seria saber se há ou não vontade jurígena para aquele ato em concreto. Por outro lado, ninguém poderia decidir essa matéria pela pessoa - tampouco o seu acompanhante.

Tocante à perfilhação, prevista no art. 1.850º, também há uma restrição: o maior acompanhado somente poderá perfilhar se não houver restrição aos direitos pessoais, fixada em sentença. Também não poderá fazê-lo se, no momento da perfilhação, estiver afetado por “notória” perturbação mental.27 27 Anteriormente à Lei nº 49/2018, inexistia a possibilidade de perfilhacão por pessoa interditada. “Artigo 1850º (Capacidade) 1. Têm capacidade para perfilhar os indivíduos com mais de dezesseis anos, se não estiverem interditos por anomalia psíquica ou não forem notoriamente dementes no momento da perfilhação. 2. Os menores, os interditos não compreendidos no número anterior e os inabilitados não necessitam, para perfilhar, de autorização dos pais, tutores ou curadores. (Redação do Dec.-Lei 496/77, de 25-11).

O último dispositivo, art. 2.189º, diz respeito ao direito de testar. Diz o dispositivo que são “incapazes de testar: b) os maiores acompanhados, apenas nos casos em que a sentença de acompanhamento assim o determine”.

Anteriormente à Lei nº 49/2018, a pessoa com deficiência psíquica ou interdita já não poderia casar-se, testar ou perfilhar.

4.3. Peru e o marco legal estabelecido pela Lei Geral da Pessoa com Deficiência e pelo Decreto Legislativo nº 1384/2018

Antes mesmo da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, o Peru já havia introduzido em seu ordenamento jurídico leis que objetivavam garantir maior proteção aos direitos das pessoas com deficiência. Destaca-se a Lei do trabalho para pessoas com limitações físicas, sensoriais e intelectuais (Lei n° 23285, de 17.10.1981), que impunha uma cota de 50% sobre a quantidade total de mão de obra para empresas do setor privado e público que contratavam essas pessoas, assegurando a elas todos os direitos e benefícios garantidos por lei; Lei de promoção, prevenção, reabilitação e prestação de serviços de saúde e educação com finalidade de integração social (Lei nº 24.067, de 12.01.1985); e a primeira Lei Geral da Pessoa com Deficiência (Lei nº 27.050, de 06.01.1999), que pretendeu o desenvolvimento e a integração social, econômica e cultural da pessoa com deficiência, além de ter criado o Conselho Nacional da Integração da Pessoa com Deficiência, a fim de promover políticas de incentivo à inclusão e integração da pessoa com deficiência.

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU foi aprovada pelo Congresso da República do Peru, por meio da Resolução Legislativa nº 29.217, em 1º de novembro de 2007; foi ratificada também pelo Presidente da República, por meio do Decreto Supremo nº 073-2007-RE, publicado no Diário Oficial El Peruano em 31 de dezembro de 2007.

A aprovação e a ratificação da CDPD deram origem à promulgação da Lei Geral da Pessoa Deficiência nº 29.973, publicada em 24 de dezembro de 2012, bem como de seu Regulamento, aprovado pelo Decreto Supremo nº 002-2014-MIMP, a qual trouxe diversas modificações ao Código Civil peruano, tanto ao ajustar algumas denominações utilizadas,28 28 Revogou-se, por exemplo, a previsão de incapacidade absoluta dos surdos mudos, cegos mudos e cegos surdos que não podiam externar sua vontade inequivocamente (art. 43). como ao estender direitos de família e sucessões às pessoas com deficiência.

Mesmo com a existência da legislação apontada, foi o Decreto Legislativo nº 1384, de 04.09.2018, a norma que mais modificou o Código Civil, uma vez que seu objeto foi o reconhecimento e a regulação da capacidade civil das pessoas com deficiência em igualdade de condições, conforme a descrição em seu próprio texto.

A primeira modificação foi na divisão da capacidade jurídica. Antes do decreto, havia previsão para a capacidade de gozo (reconhecida a todos com as exceções da lei) e para a capacidade de exercício (alcançada aos dezoito anos de idade, mas afastada nos casos de incapacidade absoluta29 29 Incapacidad absoluta. Artículo 43º.- Son absolutamente incapaces: 1.- Los menores de dieciséis años, salvo para aquellos actos determinados por la ley. 2.- Los que por cualquier causa se encuentren privados de discernimiento. ou relativa30 30 Incapacidad relative. Artículo 44º.- Son relativamente incapaces: 1.- Los mayores de dieciséis y menores de dieciocho años de edad. 2.- Los retardados mentales. 3.- Los que adolecen de deterioro mental que les impide expresar su libre voluntad 4.- Los pródigos. 5.- Los que incurren en mala gestión. 6.- Los ebrios habituales. 7.- Los toxicómanos. 8.- Los que sufren pena que lleva anexa la interdicción civil. ) em artigos diferentes e com hipóteses de verificação fundadas, por vezes, na deficiência.

O decreto unificou o conceito de capacidade jurídica, estabelecendo que a todos é reconhecida a capacidade jurídica de gozo e de exercício de seus direitos (art. 3º), indicando, pois, que a titularidade de direitos não pode estar apartada da possibilidade de exercício desses mesmos direitos ou interesses. Prevê a possibilidade de restrição (e não de supressão) à capacidade de exercício apenas por força de lei. Declara, no mesmo dispositivo, que as pessoas com deficiência têm capacidade de exercício em igualdade de condições em todos os aspectos da vida, em uma clara ratificação da regra disposta no artigo 12 da CDPD.

As principais alterações foram feitas nos artigos 4231 31 Artículo 42º.- Tienen plena capacidad de ejercicio de sus derechos civiles las personas que hayan cumplido dieciocho años de edad, salvo lo dispuesto en los Artículos 43º y 44º. , 4332 32 Artículo 43º.- Son absolutamente incapaces: 1.- Los menores de dieciséis años, salvo para aquellos actos determinados por la ley. 2.- Los que por cualquier causa se encuentren privados de discernimiento. e 44,33 33 Artículo 44º.- Son relativamente incapaces: 1.- Los mayores de dieciséis y menores de dieciocho años de edad. 2.- Los retardados mentales. 3.- Los que adolecen de deterioro mental que les impide expresar su libre voluntad 4.- Los pródigos. 5.- Los que incurren en mala gestión. 6.- Los ebrios habituales. 7.- Los toxicómanos. 8.- Los que sufren pena que lleva anexa la interdicción civil. que tratavam, respectivamente, da capacidade de exercício, da incapacidade absoluta e da incapacidade relativa. Com a nova redação, tem-se:

Artículo 42.- Capacidad de ejercicio plena

Toda persona mayor de dieciocho años tiene plena capacidad de ejercicio. Esto incluye a todas las personas con discapacidad, en igualdad de condiciones con las demás y en todos los aspectos de la vida, independientemente de si usan o requieren de ajustes razonables o apoyos para la manifestación de su voluntad.

Excepcionalmente tienen plena capacidad de ejercicio los mayores de catorce años y menores de dieciocho años que contraigan matrimonio, o quienes ejerciten la paternidad.

Regulou-se a plena capacidade de exercício e reconheceu-se que o uso de ajustes razoáveis ou apoio para a exteriorização da vontade não afasta ou diminui a potencialidade da prática de atos do cotidiano. Na verdade, é um meio de garantir que o projeto de vida pessoal traçado internamente possa ganhar expressão na vida concreta, o que revela o cuidado do legislador com a promoção da vontade e das preferências da pessoa com deficiência. É certo que os ajustes razoáveis devem ser tão variados como são variadas as espécies de deficiência, ou seja, irão depender de cada caso concreto e de suas particularidades e exigências (GONZÁLEZ; DÍAZ, 2018).

Ressalte-se que a declaração da vontade apresenta-se sob duas modalidades:34 34 Artículo 141.- Manifestación de voluntad.: La manifestación de voluntad puede ser expresa o tácita. Es expresa cuando se realiza en forma oral, escrita, a través de cualquier medio directo, manual, mecánico, digital, electrónico, mediante la lengua de señas o algún medio alternativo de comunicación, incluyendo el uso de ajustes razonables o de los apoyos requeridos por la persona. Es tácita cuando la voluntad se infiere indubitablemente de una actitud o conductas reiteradas en la historia de vida que revelan su existencia. No puede considerarse que existe manifestación tácita cuando la ley exige declaración expresa o cuando el agente formula reserva o declaración en contrario. a expressa, que ocorrerá de forma escrita, falada, por linguagem de sinais, e a manifestada por meio de ajustes razoáveis e/ou apoio, quando não for possível falar ou escrever; e a revelação da vontade de forma tácita, inferida incontestadamente pelas atitudes ou condutas reiteradas durante a história de vida da pessoa. A consideração da declaração da vontade por outros meios diferentes dos tradicionais concretiza o melhor interesse da pessoa com deficiência, revelado pela interpretação da vontade e das preferências da vida real de quem esteja sob apoio.

A alteração também foi sentida na previsão da incapacidade absoluta, que, semelhante ao direito brasileiro, passa a ser prevista apenas para os menores de dezesseis anos, embora haja ressalva de que a lei pode autorizar a prática de certos e determinados atos civis por esses menores. Abandonou-se o critério do discernimento como causa da eliminação da capacidade de exercício.

Em uma iniciativa direcionada para o afastamento da incapacidade por qualquer outro critério que não seja a idade, o Decreto 1384/2018 pôs fim à incapacidade relativa. Em seu lugar, trouxe, no artigo 44,35 35 Artículo 44.- Capacidad de ejercicio restringida Tienen capacidad de ejercicio restringida: 1.- Los mayores de dieciséis y menores de dieciocho años de edad. 2.- DERROGADO. 3.- DERROGADO. 4.- Los pródigos. 5.- Los que incurren en mala gestión. 6.- Los ebrios habituales. 7.- Los toxicómanos. 8.- Los que sufren pena que lleva anexa la interdicción civil. 9.- Las personas que se encuentren en estado de coma, siempre que no hubiera designado un apoyo con anterioridad. a previsão da capacidade de exercício restringida.36 36 Vitor Almeida (2019, p. 184) já utiliza essa expressão como sendo a mais adequada em relação ao estado da incapacidade no Brasil.

Aliada à modificação que deu fim à incapacidade relativa, foi proposto um modelo de apoio e salvaguardas (previsto tanto nos artigos 45, 45-A e 45-B, como nos artigos 659-A a 659-H), que deverão ser constituídas pelas próprias pessoas com deficiência, se elas puderem exprimir sua vontade. A regra é que essas medidas sejam estabelecidas pelo próprio beneficiado, que poderá escolher entre formalizar judicial ou extrajudicialmente. Foi estabelecido que os apoios são formas de assistência estabelecidas formalmente com especificação de quem exercerá o apoio, sua duração e seu alcance.

Não há mais previsão da imposição da representação, como instituto de substituição de vontade, para a pessoa com deficiência. Será admitida a representação apenas em casos excepcionais determinados pelo apoiado. As medidas adotadas para garantir a realização da máxima vontade e preferência da pessoa sob apoio e a proteção dos direitos são reconhecidas como salvaguardas pela norma.

Há, entretanto, uma segunda possibilidade de constituição do apoio e das medidas de salvaguardas: a designação judicial. O juiz designará o apoio nos casos em que a pessoa não possa manifestar sua vontade ou que não tenha estabelecido, quando ainda possível, seu plano de apoio antes de ocorrer o impedimento da manifestação da vontade, por exemplo, nos casos de pessoa em coma.

O decreto peruano faz ajustes também em artigos relacionados à capacidade para o casamento e o exercício do “pátrio poder”, assim como na capacidade testamentária ativa em favor da pessoa com deficiência.

Não foram extintas a curatela nem a interdição, mas sua previsão está desvinculada de circunstância decorrente de deficiência. Ficaram reservadas, no entanto, aos casos do pródigo, do ébrio habitual, do toxicômano e do mau gestor de negócios e/ou patrimônio.

Assim como no Brasil, as mudanças não foram recebidas com entusiasmo pela unanimidade da doutrina. Há críticas tanto ao modelo social adotado pela CDPD, como à reforma da previsão da plena capacidade de exercício para as pessoas com deficiência. Um dos questionamentos dá-se com o confronto entre a incapacidade absoluta do menor de 16 anos e a plena capacidade de quem tem “deficiência mental severa irreversível”, o que, para parte da doutrina, não é razoável (ODAR, 2019ODAR, Reynaldo Mario Tantaleán. La discapacidad Anotaciones al Decreto Legislativo 1384. www.derechoycambiosocial.com. ISSN: 2224-4131. N.° 56, Abr./Jun. 2019. Acesso em: 28 maio 2019.
www.derechoycambiosocial.com...
).

Em que pesem as opiniões contrárias, entende-se que a alteração legislativa peruana atende às diretrizes traçadas pela Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, que, também no Peru, é preceito normativo e com caráter vinculante (VIVAS TÉSON, 2010, p. 565).

5. Considerações Finais

Para garantir a inclusão de toda pessoa com deficiência - seja ela de origem psíquica, intelectual, física ou sensorial - em igualdade de condições com as demais, a CDPD implementou uma mudança significativa no regime de incapacidades, de modo que os direitos civis, políticos, culturais, econômicos e sociais devem seguir o modelo social de abordagem na sua elaboração.

Ao assegurar a toda pessoa com deficiência a íntegra capacidade legal, o art. 12 da CDPD impactou intensamente nos diversos institutos do direito civil dos países signatários, impondo-lhes a alteração no regime das incapacidades.

Embora a CDPD não tenha revogado os sistemas de substituição de vontade, não permite que a deficiência seja o critério utilizado para a sua aplicação. Assim, eventual medida restritiva da capacidade deve ser justificada na situação específica do sujeito e não no critério da deficiência, de modo que a interpretação do artigo 12 de forma a garantir todos os direitos em vez de restringi-los é essencial para que os demais artigos da Convenção façam sentido e possam ser implementados.

Cada país signatário da Convenção se obrigou a instituir os mecanismos de apoio necessários às tomadas de decisão das pessoas com deficiência, protegendo-as de ameaças ou lesão, delimitado tal apoio de acordo com caso concreto, podendo ser mais brando ou mais intenso - mas nunca significando uma substituição de vontade, lembrando sempre que a proteção que se almeja garantir à pessoa com deficiência é aquela que lhe permite realizar-se como protagonista de uma vida independente na maior medida possível.

As críticas apontadas pela ONU ao Brasil, a Portugal e ao Peru não distam muito, notadamente no que diz respeito à capacidade jurídica e ao acesso ao exercício dos direitos civis, em geral. Coube ao EPD alterar os arts. 3º e 4º do Código Civil brasileiro, excluindo qualquer referência à deficiência para mitigação da capacidade civil. Por meio da Lei Brasileira de Inclusão, implementou-se sistema para suporte aos que necessitam de apoio e salvaguarda (a tomada de decisão apoiada), como forma de auxiliar sem a mitigar a capacidade jurídica.

Para atender aos imperativos da Convenção, Portugal fez profundas alterações no Código Civil, a partir da Lei nº 49, de 2018, abolindo os institutos da interdição e da inabilitação e instituindo o regime jurídico do maior acompanhado, cuja capacidade permanece incólume, mesmo quando sob representação do acompanhante.

No Peru, o Decreto 1384, de agosto de 2018, estabeleceu que a todos é reconhecida a capacidade jurídica de gozo e de exercício de seus direitos, indicando, pois, que a titularidade de direitos não pode estar apartada da possibilidade de exercício desses mesmos direitos ou interesses. Prevê a possibilidade de restrição (e não de supressão) à capacidade de exercício apenas por força de lei. Merece destaque também a inovação peruana no que toca ao respeito da vontade tácita, construída mediante vontade biográfica da pessoa. A consideração da declaração da vontade por outros meios diferentes dos tradicionais concretiza o melhor interesse da pessoa com deficiência, revelado pela interpretação da vontade e das preferências da vida real de quem esteja sob apoio.

Para além de todas as modificações ou adaptações nos ordenamentos jurídicos mundo afora, insista-se que a sociedade é quem deve se adequar para garantir a inclusão da pessoa com deficiência em igualdade de condições, reconhecendo-lhe a sua personalidade jurídica, sua autonomia e sua plena capacidade jurídica. É necessário se redesenhar uma construção social que promova e proteja, na máxima medida, as vontades e os interesses da pessoa com deficiência, resguardando, permitindo e facilitando o seu desenvolvimento e o exercício de seus direitos de maneira plena.

6. Referências Bibliográficas

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  • BARIFFI, Francisco José. El regimen jurídico internacional de la capacidad juridical de las personas con discapacidad. Madrid: Grupo Editorial Cinca c/ Feneral Ibanéz Ibero, 2014.
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  • VIVAS TESÓN, Inmaculada, Libertad y protección de la persona vulnerable en los ordenamientos jurídicos europeos: hacían la despatrimonialización de la discapacidad. Revista de Derecho UNED, Madrid, n. 7, 2010.
  • 1
    Artigo 12 Reconhecimento igual perante a lei 1.Os Estados Partes reafirmam que as pessoas com deficiência têm o direito de ser reconhecidas em qualquer lugar como pessoas perante a lei. 2.Os Estados Partes reconhecerão que as pessoas com deficiência gozam de capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da vida. 3.Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para prover o acesso de pessoas com deficiência ao apoio que necessitarem no exercício de sua capacidade legal. 4.Os Estados Partes assegurarão que todas as medidas relativas ao exercício da capacidade legal incluam salvaguardas apropriadas e efetivas para prevenir abusos, em conformidade com o direito internacional dos direitos humanos. Essas salvaguardas assegurarão que as medidas relativas ao exercício da capacidade legal respeitem os direitos, a vontade e as preferências da pessoa, sejam isentas de conflito de interesses e de influência indevida, sejam proporcionais e apropriadas às circunstâncias da pessoa, se apliquem pelo período mais curto possível e sejam submetidas à revisão regular por uma autoridade ou órgão judiciário competente, independente e imparcial. As salvaguardas serão proporcionais ao grau em que tais medidas afetarem os direitos e interesses da pessoa. 5. Os Estados Partes, sujeitos ao disposto neste Artigo, tomarão todas as medidas apropriadas e efetivas para assegurar às pessoas com deficiência o igual direito de possuir ou herdar bens, de controlar as próprias finanças e de ter igual acesso a empréstimos bancários, hipotecas e outras formas de crédito financeiro, e assegurarão que as pessoas com deficiência não sejam arbitrariamente destituídas de seus bens.
  • 2
    Na locução de Antônio Menezes Cordeiro (2011, p. 108-109), há uma inerência dos direitos de personalidade à pessoa do titular e ao objeto tutelado. Assim, “nos direitos de personalidade uma primeira vertente de inerência é constituída pela intransmissibilidade da sua posição ativa. O direito de personalidade nasce na esfera de um titular e ficará aí até a sua extinção (…) O direito de personalidade está, ainda, indissociavelmente ligado ao seu objeto. Ele reporta-se a um bem de personalidade, atingindo-o onde quer que ele se encontre. Na hipótese de uma circulação indevida de escritos ou de imagens que se devam considerar tutelados pelo regime da personalidade, o titular poderá agir onde quer que eles se encontrem.”
  • 3
    Conforme Díez-Picazo (2003, p. 346), “Como es lógico, la titularidad del derecho corresponde a la persona y, en princípio, solo seguramente, a ella. Es además, en línea de principio, un derecho de caráter personalísimo que solo el titular puede ejercer.”.
  • 4
    CC/1916, Art. 5o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
    (...)
    II. Os loucos de todo o gênero.
    III. Os surdos-mudos, que não puderem exprimir a sua vontade.
  • 5
    CC/1916, “Art. 6o São incapazes, relativamente a certos atos (art. 147, n. 1), ou à maneira de os exercer:(…) II. Os pródigos.”
    CC/2002, Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: (… V - os pródigos.
  • 6
    CC/2002, Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: (...)
    II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;
  • 7
    CC/2002, Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: (...)
    II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;
    III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;
  • 8
    Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009, que promulga a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, concluída em 23 de maio de 1969, com reserva aos Artigos 25 e 66. Art. 2º, item 1, alínea d). reserva significa uma declaração unilateral, qualquer que seja a sua redação ou denominação, feita por um Estado ao assinar, ratificar, aceitar ou aprovar um tratado, ou a ele aderir, com o objetivo de excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado em sua aplicação a esse Estado;
  • 9
    No relato de Bariffi (2014, p. 423), “Finalmente, el 21 de diciembre de 2011 el Reino Unido retiró esta declaración par- ticular sobre el artículo 12(4), aunque, como destacan TROMMEL y DEVANDAS, no parece haber intención por parte de este Estado de “sustituir el modelo de sustitución en la capacidad de actuar por un sistema de apoyo”.
  • 10
    Trata-se do PLS nº 757/2015, apresentado originariamente pelos senadores Paulo Paim (PT-RS) e Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), mas uma versão substitutiva, subscrita pelo Senador Telmário Mota (PDT-RO) foi enviada à Comissão de Direitos Humanos da Casa, por meio de mensagem eletrônica datada de 10 de maio de 2016, logrando aprovação junto à Comissão de Constituição e Justiça.
  • 11
    “Estranha-se, porém, que o segmento diretamente afetado não haja participado ativamente até essa presente fase do processo legislativo. O PLS já está sob exame da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal e ainda não houve uma só audiência pública para discutir seus dispositivos. Uma vez que a palavra de ordem do movimento internacional sobre os direitos das pessoas com deficiência é “Nada sobre nós, sem nós”, então, como justificar que as alterações conduzidas por esse PLS exaram seu “melhor interesse”? Ademais, é oportuno mencionar que, no âmbito do VII Congresso Brasileiro sobre Síndrome de Down, realizado nos dias 15 a 17 de outubro de 2015, em Curitiba, o Comitê Jurídico da Federação e a Associação Nacional de Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência - AMPID compuseram a IV OFICINA DE REVISÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO para discutir sobre os direitos da pessoa com deficiência à luz da Constituição Federal, da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, das Recomendações do Comitê da ONU acerca da citada Convenção e do EPD. Como síntese das discussões realizadas, lavraram a CARTA DE CURITIBA na qual não se acham críticas às mudanças operadas pelo Estatuto ao Código Civil tampouco eventual necessidade de sua alteração. Não houve qualquer menção ao PLS nº 757/2015 ou mesmo à intenção do legislador em alterar o EPD, o que demonstra a baixa divulgação desse projeto modificativo.” (MENEZES, Joyceane Bezerra de. O risco do retrocesso: uma análise sobre a proposta de harmonização dos dispositivos do Código Civil, do CPC, do EPD e da CDPD a partir da alteração da Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015. Revista Brasileira de Direito Civil - RBDCivil, Belo Horizonte, v. 12, p. 137-171, abr./ jun. 2017).
  • 12
    Comité sobre los Derechos de las Personas con Discapacidad Observación general núm. 7 (2018). “1. Las personas con discapacidad participaron plenamente y desempeñaron un papel determinante en la negociación, la elaboración y la redacción de la Convención sobre los Derechos de las Personas con Discapacidad. La celebración de consultas estrechas y la colaboración activa con las personas con discapacidad, por conducto de organizaciones de personas con discapacidad y sus asociados, influyeron positivamente en la calidad de la Convención y su pertinencia para esas personas. También demostraron la fuerza, la influencia y el potencial de las personas con discapacidad, que propiciaron un tratado de derechos humanos sin precedentes y el establecimiento del modelo de la discapacidad basado en los derechos humanos. La participación genuina y efectiva de las personas con discapacidad, a través de las organizaciones que las representan, es, pues, uno de los pilares de la Convención. 2. La participación activa e informada de todas las personas en las decisiones que afectan a sus vidas y derechos está en consonancia con el enfoque de derechos humanos en los procesos de adopción de decisiones en el ámbito público1 y garantiza una buena gobernanza y la responsabilidad social2. (…) 18. La expresión “cuestiones relacionadas con las personas con discapacidad”, que figura en artículo 4, párrafo 3, abarca toda la gama de medidas legislativas, administrativas y de otra índole que puedan afectar de forma directa o indirecta a los derechos de las personas con discapacidad. La interpretación amplia de las cuestiones relacionadas con las personas con discapacidad permite a los Estados partes tener en cuenta la discapacidad mediante políticas inclusivas, garantizando que las personas con discapacidad sean consideradas en igualdad de condiciones con las demás. También asegura que el conocimiento y las experiencias vitales de las personas con discapacidad se tengan en consideración al decidir nuevas medidas legislativas, administrativas o de otro tipo. Ello comprende los procesos de adopción de decisiones, como las leyes generales y los presupuestos públicos, y las leyes específicas sobre la discapacidad, que podrían afectar a la vida de esas personas10. Disponível em: https://tbinternet.ohchr.org/_layouts/15/treatybodyexternal/Download.aspxsymbolno=CRPD/C/GC/7⟪=en. Acesso em: 29 abr. 2019.
  • 13
    Comité sobre los Derechos de las Personas con Discapacidad. Observaciones finales sobre el informe inicial del Brasil. Disponível em: https://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/arquivos/%5Bfield_generico_imagens-filefield-description%5D_174.pdf. Acesso em: 30 abr. 2019.
  • 14
    Comissão sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Observações finais sobre o relatório inicial de Portugal. Disponível em: http://oddh.iscsp.ulisboa.pt/index.php/pt/2013-04-24-18-50-23/outras-publicacoes/item/276-recomenda%C3%A7%C3%B5es-da-onu-a-portugal-sobre-direitos-das-pessoas-com-defici%C3%AAncia. Acesso em: 20 abr. 2019.
  • 15
    Comissão sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Observações finais sobre o relatório inicial do Peru Disponível em: https://tbinternet.ohchr.org/_layouts/15/treatybodyexternal/Download.aspx?symbolno=CRPD/C/PER/CO/1⟪=Sp. Acesso em: 29 abr. 2019.
  • 16
    O relatório da ONU foi produzido no período entre 16 a 20 de abril do ano de 2012. A Lei Geral da Pessoa com Deficiência foi publicada em 24.12.2012.
  • 17
    Art. 114. A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), passa a vigorar com as seguintes alterações:
    “Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.
    I - (Revogado);
    II - (Revogado);
    III - (Revogado).” (NR)
    “Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:
    .....................................................................................
    II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
    III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;
    ......................................................................................
  • 18
    Sobre a matéria, sugerem-se dois textos: Menezes (2018, p. 1-13) e Menezes; Teixeira (2016, p. 1-31). 2019.
  • 19
    Lei nº 13.146/2015, Art. 5º A pessoa com deficiência será protegida de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, tortura, crueldade, opressão e tratamento desumano ou degradante.
    Parágrafo único. Para os fins da proteção mencionada no caput deste artigo, são considerados especialmente vulneráveis a criança, o adolescente, a mulher e o idoso, com deficiência.
  • 20
    Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela: I - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;
  • 21
    ARTIGO 138º (Pessoas sujeitas à interdição).
    1. Podem ser interditos do exercício dos seus direitos todos aqueles que por anomalia psíquica, surdezmudez ou cegueira se mostrem incapazes de governar suas pessoas e bens. 2. As interdições são aplicáveis a maiores; mas podem ser requeridas e decretadas dentro do ano anterior à maioridade, para produzirem os seus efeitos a partir do dia em que o menor se torne maior. (Redacção do Dec.-Lei 496/77, de 25-11).
    ARTIGO 139º (Capacidade do interdito e regime da interdição)
    Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, o interdito é equiparado ao menor, sendo-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regulam a incapacidade por menoridade e fixam os meios de suprir o poder paternal.
  • 22
    PARECER SOLICITADO PELO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA À ORDEM DOS ADVOGADOS, sobre a emissão de comentários e sugestões tidos por convenientes sobre o projeto de Proposta de Lei que visa alterar os artigos 138.º a 156.º, 1601.º, 1850.º, 1913.º e 2189.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei nº 47 344, de 25 de Novembro de 1966. [Em linha] [Consult. 19 de nov. de 2017] Disponível em: http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=1&idsc=135578&ida=143149#_ftn1. Acesso em: 22 abr. 2019.
  • 23
    Artigo 138º - Acompanhamento: O maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, beneficia das medidas de acompanhamento previstas neste Código.
  • 24
    Artigo 145º - Âmbito e conteúdo do acompanhamento. 1. O acompanhamento limita-se ao necessário. 2. Em função de cada caso e independentemente do que haja sido pedido, o tribunal pode cometer ao acompanhante algum ou alguns dos regimes seguintes: a) Exercício das responsabilidades parentais ou dos meios de as suprir, conforme as circunstâncias; b) Representação geral ou representação especial com indicação expressa, neste caso, das categorias de atos para que seja necessária; c) Administração total ou parcial de bens; d) Autorização prévia para a prática de determinados atos ou categorias de atos; e) Intervenções de outro tipo, devidamente explicitadas.
  • 25
    Artigo 147. Direitos pessoais e negócios da vida corrente. 1. O exercício pelo acompanhado de direitos pessoais e a celebração de negócios da vida corrente são livres, salvo disposição da lei ou decisão judicial em contrário. 2. São pessoais, entre outros, os direitos de casar ou de constituir situações de união, de procriar, de perfilhar ou de adotar, de cuidar e de educar os filhos ou os adotados, de escolher a profissão, de se deslocar no país ou no estrangeiro, de fixar domicílio ou residência, de estabelecer relações com quem entender e de testar.
  • 26
    A redação anterior declarava nulo o casamento. Artigo 1601º (Impedimentos dirimentes absolutos) São impedimentos dirimentes, obstando ao casamento da pessoa a quem respeitam com qualquer outra: (…) b) A demência notória, mesmo durante os intervalos lúcidos, e a interdição ou inabilitação por anomalia psíquica;
  • 27
    Anteriormente à Lei nº 49/2018, inexistia a possibilidade de perfilhacão por pessoa interditada. “Artigo 1850º (Capacidade) 1. Têm capacidade para perfilhar os indivíduos com mais de dezesseis anos, se não estiverem interditos por anomalia psíquica ou não forem notoriamente dementes no momento da perfilhação. 2. Os menores, os interditos não compreendidos no número anterior e os inabilitados não necessitam, para perfilhar, de autorização dos pais, tutores ou curadores. (Redação do Dec.-Lei 496/77, de 25-11).
  • 28
    Revogou-se, por exemplo, a previsão de incapacidade absoluta dos surdos mudos, cegos mudos e cegos surdos que não podiam externar sua vontade inequivocamente (art. 43).
  • 29
    Incapacidad absoluta. Artículo 43º.- Son absolutamente incapaces:
    1.- Los menores de dieciséis años, salvo para aquellos actos determinados por la ley.
    2.- Los que por cualquier causa se encuentren privados de discernimiento.
  • 30
    Incapacidad relative. Artículo 44º.- Son relativamente incapaces:
    1.- Los mayores de dieciséis y menores de dieciocho años de edad.
    2.- Los retardados mentales.
    3.- Los que adolecen de deterioro mental que les impide expresar su libre voluntad
    4.- Los pródigos.
    5.- Los que incurren en mala gestión.
    6.- Los ebrios habituales.
    7.- Los toxicómanos.
    8.- Los que sufren pena que lleva anexa la interdicción civil.
  • 31
    Artículo 42º.- Tienen plena capacidad de ejercicio de sus derechos civiles las personas que hayan cumplido dieciocho años de edad, salvo lo dispuesto en los Artículos 43º y 44º.
  • 32
    Artículo 43º.- Son absolutamente incapaces:
    1.- Los menores de dieciséis años, salvo para aquellos actos determinados por la ley.
    2.- Los que por cualquier causa se encuentren privados de discernimiento.
  • 33
    Artículo 44º.- Son relativamente incapaces:
    1.- Los mayores de dieciséis y menores de dieciocho años de edad.
    2.- Los retardados mentales.
    3.- Los que adolecen de deterioro mental que les impide expresar su libre voluntad
    4.- Los pródigos.
    5.- Los que incurren en mala gestión.
    6.- Los ebrios habituales.
    7.- Los toxicómanos.
    8.- Los que sufren pena que lleva anexa la interdicción civil.
  • 34
    Artículo 141.- Manifestación de voluntad.: La manifestación de voluntad puede ser expresa o tácita. Es expresa cuando se realiza en forma oral, escrita, a través de cualquier medio directo, manual, mecánico, digital, electrónico, mediante la lengua de señas o algún medio alternativo de comunicación, incluyendo el uso de ajustes razonables o de los apoyos requeridos por la persona. Es tácita cuando la voluntad se infiere indubitablemente de una actitud o conductas reiteradas en la historia de vida que revelan su existencia. No puede considerarse que existe manifestación tácita cuando la ley exige declaración expresa o cuando el agente formula reserva o declaración en contrario.
  • 35
    Artículo 44.- Capacidad de ejercicio restringida
    Tienen capacidad de ejercicio restringida:
    1.- Los mayores de dieciséis y menores de dieciocho años de edad.
    2.- DERROGADO.
    3.- DERROGADO.
    4.- Los pródigos.
    5.- Los que incurren en mala gestión.
    6.- Los ebrios habituales.
    7.- Los toxicómanos.
    8.- Los que sufren pena que lleva anexa la interdicción civil.
    9.- Las personas que se encuentren en estado de coma, siempre que no hubiera designado un apoyo con anterioridad.
  • 36
    Vitor Almeida (2019, p. 184) já utiliza essa expressão como sendo a mais adequada em relação ao estado da incapacidade no Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2021

Histórico

  • Recebido
    08 Jun 2019
  • Aceito
    14 Abr 2020
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