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Participação do atingido por desastres na formação de teses jurídicas via Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas

Participation of the “affected person” in the formation of legal thesis via the Incident of Resolution of Repeated Demands

Resumo

Movimentos sociais têm consolidado significados mais abrangentes para a noção de “pessoa atingida”, relacionando-a à centralidade de sua participação em procedimentos reparatórios. Cabe, assim, analisar como o processo civil concebe essa participação, sobretudo em casos de desastres socioambientais e, especialmente, em procedimentos de formação de teses jurídicas, tendência verificada nos últimos anos que foi intensificada pelo Código de Processo Civil de 2015. O presente artigo analisa os Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDRs) do caso Rio Doce, perguntando se esse instrumento viabiliza a participação e protagonismo dos atingidos.

Palavras-chave:
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas; Danos socioambientais; Desastres; Barragem do Fundão; Pessoa atingida; Precedentes; Participação; Acesso à justiça; Código de Processo Civil

Abstract

Social movements have consolidated broader meanings for the notion of the “affected person”, relating it to the centrality in reparatory procedures. It is necessary to analyze how does civil procedure conceive the participation of affected people in judicial lawsuits, particularly in cases of socio-environmental disasters and, specifically, in proceedings that result in precedents, a tendency in civil procedure in the last year which was intensified by the 2015 Code of Civil Procedure. This article analyses the Incidents of Resolution of Repetitive Demands (IRRDs) in Rio Doce case, questioning if this incident is capable of enabling the participation and protagonism of affected people.

Keywords:
Incident of Resolution of Repetitive Demands; socio-environmental damages; Disasters; Fundão dam; Affected person; Precedents; Participation; Access to justice; Code of Civil Procedure

Introdução

“Logo no início, a Renova/Samarco começaram a falar de masterplan, dam break, stakeholders. Parecia que a gente falava com extraterrestre, porque não entendia “patavinas”. A gente também não sabia o que significava impactado. E, depois do esclarecimento do promotor Guilherme [Meneghin, Promotor], decidimos não aceitar esse termo, porque nós fomos atingidos até a alma”. (grifos no original)1 1 QUEIROZ, Luzia; LINO, Mirella. “Falar na nossa língua”. A Sirene. Disponível em http://jornalasirene.com.br/a-gente-explica/2018/08/23/falar-na-nossa-lingua, acesso em 12 jul 2019.

Ao lado da precisão conceitual almejada pelo direito convive a importância simbólica de certos termos, que geralmente demoram ou custam a ser absorvidos pelos discursos jurídicos. Os significados socialmente atribuídos, por outro lado, são apropriados com veemência por diferentes sujeitos e grupos, que se encarregam de escancarar as disputas conceituais. Diferentes sentidos e interpretações reverberam na ampliação ou restrição de direitos; daí porque o direito não consegue se esvair desse importante debate terminológico.

É o que se verifica, no contexto de desastres socioambientais, com relação ao uso do termo “atingido/a” ou pessoa atingida, utilizado por movimentos sociais relacionados a barragens e já estudado no contexto de impactos e danos ambientais pré e pós-desastres. Sem pretender qualquer esgotamento do significado desse conceito, é certo que sua compreensão está relacionada com o reconhecimento da centralidade daqueles que sofreram as consequências de atos de empresas e/ou do Estado, que devem não só ser escutados, mas efetivamente protagonizar qualquer medida preventiva ou reparatória relacionada a esses atos.

A despeito da clara relação entre a noção de pessoa atingida e os processos de solução de conflitos instaurados no contexto de desastres socioambientais, é nítido que o processo civil ainda está alheio a esse conceito, ao trabalhar essencialmente com categorias jurídicas calcadas nas noções de legitimidade processual e interesse jurídico, muito próprias da perspectiva individualista processual. Mesmo no âmbito do processo coletivo, vige o paradigma da substituição processual e da legitimação extraordinária, com pouca ou quase nenhuma abertura para a participação direta de sujeitos atingidos pelo evento ou desastre objeto da ação judicial. Ainda que haja uma tendência pela ampliação do conceito de contraditório e participação, as vias previstas na lei processual continuam restritas e não se mostram coerentes com a complexidade dos conflitos e desastres socioambientais.

O Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), ao invés de fortalecer vias participativas, assumiu uma tendência já verificada na Reforma do Judiciário de se enfatizar instrumentos de julgamento por amostragem ou de consolidação de teses jurídicas em casos considerados repetitivos, ou seja, que veiculem as mesmas questões de direito e que se mostrem volumosos no acervo do Judiciário. Mantendo a lógica já introduzida em 2008 para julgamento de recursos repetitivos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ)2 2 Conforme Lei nº 11.672/2008, que introduziu o artigo 543-C no CPC para julgamento por amostragem de recursos especiais repetitivos. O CPC/2015 mantém essa lógica no âmbito dos recursos especiais e a amplia para recursos extraordinários (artigo 1.036). , o CPC/2015 regulamentou também o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), pelo qual os tribunais poderão firmar teses jurídicas a serem aplicadas a todos os processos individuais ou coletivos pendentes e futuros que versem sobre a mesma matéria3 3 Conforme artigo 976 e seguintes do CPC/2015. .

Verifica-se que o IRDR, por tratar de casos considerados repetitivos, acaba por ser aplicável em casos de desastres socioeconômicos nos quais os/as atingidos/as venham a ajuizar ações individuais similares, que podem, afinal, questionar as mesmas questões de direito. É preciso questionar, portanto, se esse mecanismo processual tem capacidade para, de forma adequada, viabilizar a participação e o protagonismo dos/as atingidos/as, na medida em que a tese jurídica a ser firmada possa influir nas soluções a serem atribuídas individual ou coletivamente aos danos por estes sofridos. É preciso investigar também como essas vias processuais são utilizadas e quais as possibilidades e limites existentes para a participação dos atingidos protagonizarem e/ou influírem na consolidação de teses jurídicas.

A esse respeito, a hipótese aqui traçada é que o IRDR é um instrumento inadequado para julgamento de questões relacionadas a desastres socioambientais, dado que não permite a participação efetiva dos atingidos em seu procedimento decisório e possui vias participativas demasiadamente restritas e incompatíveis com a complexidade desses casos.

A metodologia adotada para investigação da pergunta e hipótese de pesquisa foi o estudo de caso, que se centrará nos IRDRs instaurados no contexto do desastre do Rio Doce no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais e no Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo. Foram estudados documentos dos processos, em especial as decisões de admissibilidade da instauração e, quando houve, de julgamento do mérito dos incidentes, bem como informações atinentes ao andamento processual, a fim de se verificar como se deu a participação de atingidos e de seus representantes nos procedimentos. Considerando a importância da legitimação social dos mecanismos decisórios, serão estudados também relatos extraídos da mídia acerca da repercussão dessas decisões, privilegiando-se veículos permeáveis às manifestações de atingidos. Em suma, a análise será essencialmente documental e toda calcada em documentos de acesso público.

O Capítulo 1 discute os principais fatos do caso Rio Doce para contextualizar os incidentes e sua importância para os/as atingidos/as. No Capítulo 2, é discutida a participação e o contraditório no processo civil para, então, examinar as vias participativas previstas no âmbito do IRDR. Em seguida, o Capítulo 3, trata do conceito de atingido/a e procura relacioná-lo com a noção de interesse jurídico, examinando possibilidades de participação no âmbito do IRDR e suas limitações. O Capítulo 4 descreve os IRDRs analisados e as principais questões extraídas de sua tramitação e julgamento no tocante à participação e capacidade dos/as atingidos/as de influir no julgamento, bem como as repercussões das decisões proferidas para os procedimentos reparatórios. A conclusão, ao final, sintetiza os principais pontos traçados e oferece respostas à pergunta proposta.

1. Contextualização: Sobre o caso Rio Doce

1.1. Panorama do desastre e dos acordos para reparação

Em 05.11.2015, no subdistrito de Bento Rodrigues, da cidade de Mariana/MG, duas barragens de armazenamento dos rejeitos da produção de minério de ferro pela empresa Samarco Mineração se romperam, causando o derramamento de rejeitos no leito do Rio Doce, atingindo mais de 45 municípios em Minas Gerais e no Espírito Santo. Já considerado o maior desastre tecnológico do Brasil, o derramamento dos rejeitos da mineradora deixou dezenove vítimas fatais e mais de 200 famílias desalojadas, que se viram forçadas a desocupar suas casas em busca de abrigo em cidades vizinhas. Houve, ainda, interrupção no fornecimento de água potável para inúmeras pessoas, além dos sérios e complexos impactos ambientais, econômicos e sociais aos municípios da região e ao Rio Doce.

Diversas foram e vêm sendo as tratativas de composição extrajudicial entre o Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, União, Estados e Municípios envolvidos. Há, ainda, múltiplas demandas individuais e coletivas ajuizadas pleiteando medidas reparatórias pelos danos sofridos, cuja extensão, causas e quantificação ainda são objeto de pesquisas e intensos debates.

Em 30.11.2015, a União, conjuntamente com os estados de Minas Gerais e Espírito Santo e respectivos órgãos ambientais, ajuizou ação civil pública contra a Samarco, a Vale do Rio Doce e a BHP Billiton, estas últimas acionistas controladoras da primeira, pleiteando (i) a apresentação de um plano, pelas rés, de recuperação socioambiental e de recuperação socioeconômica; e (ii) provisão de capital para integral cumprimento dessas medidas (Processo n. 6975861.2015.4.01.3400, 12ª Vara Federal de Belo Horizonte).

Neste processo, foi celebrado acordo para cumprimento de plano de reparação a ser executado por fundação privada, por meio da adoção de programas socioambientais e socioeconômicos, incluindo-se infraestrutura, recuperação ambiental e providências relacionadas com a saúde, educação, cultura e lazer. Referido acordo, denominado Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) foi submetido à homologação perante o Núcleo de Conciliação do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Contudo, o Superior Tribunal de Justiça, em procedimento de Reclamação instaurado pelo Ministério Público Federal (Reclamação nº 31.935), suspendeu liminarmente a homologação, entendendo que ela desrespeitaria liminar de Conflito de Competência nº 144.922, que determinava a suspensão de todos os processos até a decisão sobre o juízo competente. Nessa decisão, a Ministra Relatora Diva Malerbi também ressalta a problemática da falta de participação dos municípios atingidos, das instituições do sistema de justiça e, especialmente, dos próprios atingidos na transação, o que seria fundamental dada à complexidade do desastre4 4 A esse respeito, o diretor-presidente da Fundação Renova, Roberto Waak, admite em matéria para a Folha de São Paulo, datada de 27 de junho de 2019, que o TTAC não contou com a participação dos atingidos na sua elaboração: “No caso do rio Doce, a pouca participação deste grupo de pessoas na concepção do TTAC gerou uma fragilidade de nascença, potencializando críticas e embates (“Os desafios da reparação do Rio Doce”. Folha de São Paulo. 27 jun. 2019). :

(...) diante da extensão dos danos decorrentes do desastre ocorrido em Mariana/MG, seria rigorosamente recomendável o mais amplo debate para a solução negociada da controvérsia, por meio da realização de audiências públicas, com a participação dos cidadãos, da sociedade civil organizada, da comunidade científica e dos representantes dos interesses locais envolvidos, a exemplo das autoridades municipais5 5 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Reclamação n. 31.935 – MG. Decisão monocrática. Relatora: Desembargadora Convocada Diva Malerbi. J. em: 30.06.2016. .

Vale destacar que, quando da prolação da decisão da Relatora, o STJ já havia definido, em acórdão, o juízo da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte como competente para tratativas, excetuadas aquelas que:

envolvam aspectos estritamente humanos e econômicos da tragédia (tais como o ressarcimento patrimonial e moral de vítimas e familiares, combate a abuso de preços etc.) ou mesmo abastecimento de água potável que exija soluções peculiares ou locais, as quais poderão ser objeto de ações individuais ou coletivas6 6 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Conflito de Competência n. 144.922-MG. Órgão Julgador: Primeira Seção. Relator: Desembargadora Convocada Diva Malerbi. J. em: 22.06.2016. .

Paralelamente, o Ministério Público Federal apresentou parecer no agravo de instrumento no qual foi homologado o TTAC, aduzindo, entre outras causas de nulidade, a falta de participação da população atingida na elaboração do acordo: não foi realizada audiência pública ou qualquer ato de diálogo que se voltasse a atender seus anseios. Desse modo, falta, segundo órgão, legitimidade às partes que firmaram o termo para transacionar a respeito dos direitos dos atingidos.

O TRF1 proferiu acórdão7 7 TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO. Agravo de Instrumento n. 0002170-18.2016.4.01.0000/MG. Órgão Julgador: 5ª Turma. Relator: Desembargador Federal Névito Guedes. J. em: 17.08.2016. acolhendo a manifestação do MPF e anulando a homologação do acordo. Em que pese a principal razão para anulação do acordo ter sido a violação das decisões do STJ que determinaram a competência da 12ª Vara Federal para quaisquer questões relativas às ações propostas pelo Poder Executivo e pelo MPF, e que, portanto, deveria ser o órgão a homologar o acordo, o acórdão também traz considerações importantes sobre o devido processo legal e participação no processo civil.

O acórdão também afirma que a abrangência do TTAC causa dúvidas sobre sua intenção em limitar o acesso à justiça de indivíduos para discussão dos danos. Mesmo que assim não fosse, ainda deveriam ser respaldadas outras demandas de natureza igualmente coletivas. Estas podem repercutir sobre a esfera de direitos de entes federativos e entidades civis que sequer tiveram a oportunidade de participar das tratativas para a autocomposição do litígio, a exemplo dos Municípios atingidos e associações representantes dos interesses envolvidos na causa.

Antes disso, o MPF já havia, em 28.04.2016, pouco tempo após o TTAC ter sido firmado, promovido outra ação civil pública em contraposição àquela proposta pelos entes federativos (Processo nº 0023863-07.2016.4.01.3800). Na petição inicial da ação, o órgão relata que foi convocado para participar com as reuniões já em andamento para estabelecer medidas de reparação e, nesta ocasião, percebeu que “havia ainda muitas dúvidas não sanadas, na maioria, referidas à incompletude ou inexistência de elementos técnicos que dessem suporte à definição de valores e medidas que se iam estabelecendo nas negociações”.

Segundo o órgão, o acordo viola o princípio democrático por desrespeito à lógica do devido processo coletivo, já que não houve participação dos atingidos na sua elaboração. Afirma que o processo não deve servir para que a representação pelos legitimados atue como mecanismo de exclusão para os representados. Na visão do órgão, os autores da ação deveriam ter proporcionado “momentos de representação” para que os representados debatam os resultados e objetivos do processo. O representante, ainda, deve confrontar as expectativas e desejos dos representados com suas próprias ações de modo a justificar suas escolhas perante os interessados quando houver divergência. Nesse ponto, o órgão critica que a celebração do acordo pelo Poder Público desconsidera que ele próprio pode ser responsável solidário pela reparação do dano.

A resistência social ao TTAC e a oposição jurídica engendrada pelo Ministério Público Federal, que levou à anulação de sua homologação, posicionou o órgão em uma posição central na negociação dos programas socioambientais e socioeconômicos. Em 13.09.2016, foi realizada audiência de conciliação perante a 12ª Vara Federal de Belo Horizonte que visou à composição entre as empresas e o MPF e à superação dos impasses entre os dois lados.

Como resultado, em 18.01.2017 foi firmado o Termo de Ajuste Preliminar (TAP), pelo qual ficou acordada a participação do Ministério Público Federal e das comunidades impactadas mediante a contratação de assessorias técnicas independentes que assistiriam o próprio órgão e as comunidades no levantamento dos danos.

Por fim, em 25.06.2018, o TAC-Governança, como se convencionou chamar o acordo, agregou todos os signatários do TTAC, o Ministério Público Federal, o Ministério Público dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, a Defensoria Pública da União (DPU), as Defensorias Públicas dos Estados de Minas Gerais (DPMG) e Espírito Santo (DPES), em torno de uma assumida necessidade de aprimorar o sistema de governança previsto no TTAC, ao agregar “participação, qualidade e complexidade ao processo de tomada de decisão”.

Visou incrementar a participação das pessoas atingidas em todas as fases do acordo, e fortalecer os mecanismos de transparência e difusão de informações sobre as ações, além de facilitar o acesso a elas. Por decisão proferida em 08.08.2018, o Juízo da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte homologou integralmente o TAC-Governança, destacando seu objetivo de instituir mecanismos jurídicos que cuidassem da reparação sob uma ótica técnica, mas levando em consideração a participação efetiva, e não apenas retórica, dos atingidos no processo de reparação, o que é importante fator de legitimação social e jurídica.

1.2. Litígios individuais e o uso do IRDR

Como visto no item anterior, as instituições de justiça objetivaram remoldar os processos de reparação dos danos sofridos pelos atingidos - inicialmente marcados pela sua exclusão e silenciamento -, buscando promover a ideia de participação dos atingidos. O Judiciário, ao menos nesse primeiro momento, chancelou essa visão, sendo particularmente significativos os eventos de não homologação do TTAC, de um lado, e homologação do TAP, de seu aditivo, e do TAC-Governança.

Como mencionado, o objeto desse estudo não é a discussão sobre as vias participativas e estruturas de governança criadas nos acordos firmados no bojo das ações coletivas, entre os entes legitimados e as empresas responsáveis pelo desastre, muito embora esta construção seja de grande relevo para o estudo das formas de participação previstas no processo civil no âmbito coletivo. Pretende-se, em verdade, aprofundar a compreensão sobre o mecanismo decisório próprio do julgamento de casos repetitivos, em particular do IRDR, no contexto de desastres socioambientais como o ocorrido no caso Rio Doce. Sem dúvida, há também importantes restrições à participação no âmbito dos acordos firmados, porém a hipótese aqui traçada é que o IRDR possui limitações intrínsecas a sua sistemática e que se tornam ainda mais problemáticas no âmbito de desastres socioambientais, onde a participação dos atingidos é elemento central para a legitimação social de qualquer mecanismo decisório.

Os IRDRs ganham significativa importância no caso tendo em vista que, paralelamente às ações coletivas, há também os litígios individuais, que, como seria de se esperar em um desastre com tais proporções, foram e têm sido muito numerosos8 8 Importante pontuar que a regulação atinente aos processos coletivos no Brasil permite a convivência entre ações individuais e coletivas acerca da mesma matéria, conforme prevê o artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor, embora tenha sido firmada no STJ tese jurídica, em julgamento de recurso repetitivo, no sentido de que “ajuizada ação coletiva atinente a macro-lide geradora de processos multitudinários, suspendem-se as ações individuais, no aguardo do julgamento da ação coletiva” (Tese nº 60 - Recurso Especial nº REsp 1110549/RS, julgamento em 19 ago. 2010). . Dentre estes, há um significativo volume de ações perante os juizados especiais e varas cíveis em que indivíduos pleiteiam contra a Samarco indenizações por danos morais individuais decorrentes do desastre, sendo que muitas tratam dos danos decorrentes da interrupção do abastecimento, má qualidade ou dúvidas acerca da qualidade da água em municípios integrantes da bacia do Rio Doce.

Como se verá no Capítulo 4, os incidentes, ora instaurados por iniciativa do Ministério Público e de atingidos, ora pela Samarco, buscam uniformizar entendimentos sobre o cabimento desses pedidos indenizatórios, parâmetros probatórios e de valoração de indenizações e a competência dos juizados especiais nesses casos. São, portanto, questões de suma relevância para a reparação dos atingidos no tocante ao direito de acesso à água, dimensão esta fundamental ao caso, dada a ampla contaminação do Rio Doce e a sua profunda importância socioeconômica para os territórios atingidos.

2. Participação da pessoa atingida no IRDR

2.1. “Pessoa atingida” enquanto categoria identitária

Conforme matéria citada no início desse artigo e publicada no Jornal “A Sirene”, produzido pelos atingidos/as de Mariana/MG por força de um acordo firmado entre eles, o Ministério Público e a Arquidiocese de Mariana, o uso do termo “atingido/a” no caso possui um importante simbólico e político no contexto do desastre do Rio Doce.

Carlos Bernarndo Vainer destaca que a noção de “atingido” diz respeito a uma categoria social em disputa, sendo esperado que ela varie no tempo e espaço, conforme o contexto político e cultural. O que parece comum a todos os contextos é que estabelecer um grupo social, família ou indivíduo como atingido por determinado empreendimento significa reconhecer como legítimo e até como legal seu direito a algum ressarcimento, indenização, reabilitação ou reparação não pecuniária. Por isso mesmo, o próprio conceito é objeto de disputa9 9 VAINER, Carlos B. “Conceito de ‘atingido’: uma revisão de debates e diretrizes”. Rio de Janeiro: IPPUR/UFRJ, jul./2005, p. 1-23. .

O uso dessa categoria de identificação remonta aos movimentos sociais que se articulam em pautas de resistência ao modelo de desenvolvimento calcado em grandes obras de infraestrutura e desalojamento compulsório de populações, em particular, no caso brasileiro, a política de matriz energética hidrelétrica10 10 SANTOS, Mariana Correia dos. “O conceito de 'atingido' por barragens - direitos humanos e cidadania”. Direito e Práxis. Rio de Janeiro, Vol.06, N.11, 2015, p.113-­140. . O Movimento de Atingidos por Barragens (“MAB”) é um dos protagonistas nesse processo de afirmação da identidade do/a atingido/a, em um primeiro momento como movimento social que tinha por estratégia articular a pressão popular para indenizações justas às desapropriações para uma reivindicação por reassentamentos (“terra por terra”) e outras pautas, culminando em pleitos de maior participação no processo democrático11 11 SANTOS, 2015, op. cit., p. 119-120. .

Os movimentos passaram a reivindicar o uso da terminologia “atingido” de forma mais ampla, para designar não apenas proprietários, mas todos/as vitimados pelos canteiros de obras, pelas destruições de redes de sociabilidade, cadeias de abastecimento, ou que sejam de modo geral afetados pela implementação ou operação de empreendimentos. Pertinente, nesse sentido, a definição no Encontro Nacional dos Atingidos por Barragens em 1989, “todos aqueles que sofrem modificações nas condições de vida, como consequência da implantação das usinas hidrelétricas, independentemente de ser atingidos diretos ou indiretos”12 12 SANTOS, 2015, p. cit., p. 125; e .

Saindo de uma definição calcada na propriedade, percebe-se a importância cada vez mais reconhecida da participação como elemento central à noção de pessoa atingida. Nesse sentido, é importante mencionar a criação, em 1997, da Comissão Mundial de Barragens, ligada ao Banco Mundial13 13 Disponível em https://www.internationalrivers.org/campaigns/the-world-commission-on-dams, acesso em 12 jul. 2019. , que, em relatório sobre barragens e desenvolvimento, aponta para um novo modelo de tomada de decisões em seu relatório final, mais participativo e democrático14 14 “Por outro lado, há que considerar que conflito, interlocução e negociação são partes essenciais e complementares de processos democráticos e participativos” (WORLD COMMISSION ON DAMS. Dams and Development: a new framework. Londres: Earthscan Publications Ltd, London and Sterling, 2000. Disponível em “https://www.internationalrivers.org/sites/default/files/attached-files/world_commission_on_dams_final_report.pdf, acesso em 12 jul. 2019). .

Considerando a importância da categoria da pessoa atingida no âmbito do direito ambiental, reconhecer a centralidade do atingido perpassa pela responsabilidade socioambiental e pelo reconhecimento das dimensões coletiva e individual, bem como material e imaterial do dano ambiental. A esse respeito, o Princípio 10 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92) ressalta a imprescindibilidade da participação de indivíduos e comunidades, o que deve ser facilitado e viabilizado pelos Estados15 15 “A melhor maneira de tratar questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente de que disponham autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar em processos de tomada de decisões. Os Estados devem facilitar e estimular a conscientização e a participação pública, colocando a informação à disposição de todos” (Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1992). .

2.2. Participação e devido processo legal em casos de desastres

Falar de participação e devido processo legal no processo civil nos leva a abordar a noção de devido processo legal e seu conteúdo. É essencial, desde logo, deixar claro que o sentido a ser conferido à expressão processo devido deve, necessariamente, observar o contexto fático e jurídico no qual inserido, não se podendo delinear, in abstrato, o que vem a ser a noção de devido processo16 16 VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo. In: MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel (coords.). Coleção O novo processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2016, p. 124. . Essa percepção é relevante para a conclusão alcançada no presente trabalho.

É inconteste, porém, que a noção de contraditório ultrapassa a mera oportunidade das partes se manifestarem no processo (a chamada bilateralidade de audiência, ou binômio informação-reação), e alcança a necessidade de poder influenciar o julgador em sua tomada de decisão, colaborando/comparticipando no processo decisório, especialmente trazendo o seu ponto de vista, suas percepções, vivências e elementos aos autos17 17 A novel legislação processual brasileira positivou a noção de efetivo contraditório nos art. 7°, 9° e 10° CPC. .

Esse sentido de contraditório e de participação como poder de influência integram a noção de devido processo legal: o direito de todos os sujeitos potencialmente atingidos pela incidência do julgado (potencialidade ofensiva18 18 THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo justo e contraditório dinâmico. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD), Curitiba, jan.-jun. 2007. ) de participar da construção do procedimento jurisdicional. Apenas com a participação desses sujeitos é que se alcança legitimação para a atividade jurisdicional: só é democraticamente legítimo o provimento jurisdicional construído em contraditório efetivo. A necessidade dessa participação com direito de influência é incontroversa, não sendo uníssona, porém, a forma de concretização e efetividade dessa garantia fundamental para além do processo civil individual, englobando o objeto de estudo, o IRDR. Garantir o contraditório efetivo em processos coletivos e no julgamento de múltiplos casos por aglutinação segue sendo um desafio.

2.3. Participação no IRDR

O IRDR é modalidade de técnica de julgamento de casos repetitivos (art. 928, CPC) que visa a gestão de processos repetitivos pela formação de tese jurídica a ser aplicada de forma homogênea à multiplicidade de processos versando sobre a mesma questão de direito. Este instrumento processual teve sua inserção no ordenamento processual justificada pelo propósito de evitar “a dispersão excessiva da jurisprudência”, bem como “atenuar o assoberbamento do Poder Judiciário, sem comprometer a qualidade da prestação jurisdicional”19 19 BRASIL. Senado Federal. Anteprojeto do Código de Processo Civil. Brasília: 2010, p. 20-21. . Esse foi o intuito – ao menos declarado – do legislador de incluir esse instrumento processual em nosso ordenamento jurídico.

Pela própria natureza da técnica - pela qual se selecionam alguns processos que discutam a controvérsia para, com base no julgamento desses “processos-modelo”, se definir a tese jurídica que será aplicada a todos os demais processos, presentes (sobrestados até o julgamento do incidente) e futuros (que sejam ajuizados versando sobre a questão de direito definida), que versem sobre a mesma questão de direito no âmbito de competência do tribunal no qual instaurado e julgado o incidente -, o contraditório toma proporções e contornos diferentes daquele possível de ser alcançado no processo individual tradicional.

Assim, a participação já é uma questão sensível, por si só, quando se trata do IRDR in abstrato, pois se tem, nesses casos, uma estrutura subjetivamente mais complexa do que no processo individual, devendo ser considerada a participação das partes dos processos pilotos (partes), das partes dos processos sobrestados (sobrestados) e dos interessados dos conflitos futuros ou potenciais (ausentes), bem como de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia (amici curiae). Somar essa complexidade procedimental à complexidade fática de casos como o do desastre no Rio Doce torna o desafio da participação ainda mais dificultoso.

Não se ignora que nosso ordenamento jurídico admite, excepcionalmente, a mitigação do contraditório e da participação direta. É o que ocorre nas ações coletivas, por exemplo, onde os atingidos ou potencialmente atingidos são substituídos por um representante - a quem a lei atribua legitimidade ativa. É preciso, contudo, reconhecer que no processo coletivo o contraditório e participação são mitigados em uma sistemática diversa de substituição processual, na qual, segundo Ada Pellegrini Grinover, em prol do acesso à justiça, entendendo que a participação, nesses casos, se dá “pelo processo” e não “no processo”20 20 “Há, assim, no processo coletivo, em comparação com o individual, uma participação maior pelo processo, e uma participação menor no processo: menor, por não ser exercida individualmente, mas a única possível num processo coletivo, onde o contraditório se exerce pelo chamado ‘representante adequado’ (GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. GRINOVER, Ada Pellegrini; MENDES, Aluisio Gonçalves de; WATANABE, Kazuo. Direito Processual Coletivo e o Anteprojeto do Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007, p. 13). .

De fato, ainda que se considere legítima essa participação por meio da substituição, ela não elimina os problemas e os questionamentos atinentes à participação e à representatividade dos interesses dos grupos e indivíduos no sistema de justiça e a sua capacidade de influir no provimento jurisdicional cujos efeitos também lhes sejam projetados21 21 Sobre os problemas da substituição processual, Adonias Bastos afirma: “Se, de um lado, as demandas coletivas diminuem a desigualdade entre pequenos litigantes e grandes réus, de outro lado, a substituição processual traz inconveniente como o de permitir que alguns sujeitos, legitimados pela lei, postulem em prol do interesse de uma coletividade geograficamente dispersa, cujos indivíduos não são conhecidos na sua totalidade, e que, muitas vezes, não possuem sequer notícia da demanda coletiva e dos seus efeitos, (b) a existência de conflitos internos na classe representada que não são considerados na propositura e no julgamento do conflito coletivo, (c) a falta de opção dos indivíduos substituídos em manifestar em juízo a vontade de não serem atingidos pelos efeitos da demanda coletiva; (d) a inexistência de comprometimento dos substituídos com a questão debatida; e (e) de que alguns órgãos do Estado ou mesmo entidades representativas, legitimados em caráter geral e abstrato, não estejam tão próximos dos fatos” (BASTOS, Antônio Adonias Aguiar. Situações jurídicas homogêneas: um conceito necessário para o processamento de demandas de massa. Revista de Processo, São Paulo, v. 186, p. 87-107, versão digital, ago. 2010) .

Contudo, é forçoso reconhecer que as tendências das recentes reformas processuais não foram no sentido de fortalecer a tutela coletiva - que, claramente, foi sendo deixada de lado no Brasil, e que as alterações legislativas, especialmente o novo Código de Processo Civil de 2015, desprestigiaram -, mas sim privilegiaram técnicas mais voltadas ao gerenciamento de processos pela via do julgamento de casos repetitivos.

No caso do desastre no Rio Doce, conforme introduzido no tópico anterior, tem-se um cenário complexo de ações coletivas e individuais ajuizadas. E na própria ação coletiva, na qual, em tese, há participação mais efetiva das partes e demais interessados por meio do representante “adequado”, a Des. Relatora Diva Malerbi22 22 “Deveras, mesmo que não haja dúvidas a respeito da impossibilidade de o referido acordo limitar o acesso à Justiça dos indivíduos que se sentirem prejudicados com o rompimento da barragem do Fundão, o fato é que ainda devem ser respaldadas outras demandas de natureza igualmente coletivas, as quais repercutem sobre a esfera de direitos de entes federativos e entidades civis que sequer tiveram a oportunidade de participar das tratativas para a autocomposição do litígio, a exemplo dos Municípios atingidos e associações representantes dos interesses envolvidos na causa (...). Ademais, diante da extensão dos danos decorrentes do desastre ocorrido em Mariana/MG, seria rigorosamente recomendável o mais amplo debate para a solução negociada da controvérsia, por meio da realização de audiências públicas, com a participação dos cidadãos, da sociedade civil organizada, da comunidade científica e dos representantes dos interesses locais envolvidos, a exemplo das autoridades municipais” (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Reclamação n. 31.935 – MG. Decisão monocrática. Relatora: Desembargadora Convocada Diva Malerbi. J. em: 30.06.2016). reconheceu a invalidade do TTAC firmado em razão da crise de legitimação relacionada à participação dos atingidos e dos demais entes legitimados, asseverando que “seria rigorosamente recomendável o mais amplo debate para a solução negociada da controvérsia, por meio da realização de audiências públicas, com a participação dos cidadãos, da sociedade civil organizada, da comunidade científica e dos representantes dos interesses locais envolvidos, a exemplo das autoridades municipais”.

Em outras palavras, reconheceu-se na ação coletiva (onde o autor/legitimado é indicado por nossa legislação como o ente “adequado” para propor a demanda) uma falta de legitimidade do representante processual para abarcar a complexidade do conflito, recomendando-se um debate mais amplo.

Isso nos leva a transportar essa reflexão para o âmbito do IRDR: será que esse instrumento processual está apto a, de forma adequada, viabilizar a participação e o protagonismo dos/as atingidos/as? As vias participativas existentes no IRDR, que, na teoria abarcam a possibilidade de participação das partes, dos interessados, a oitiva de amicus curiae e realização de audiência pública, estão aptas a promover participação dos atingidos em desastres socioambientais - compreendendo os atingidos de forma ampla, ou seja, as partes dos processos sobrestados e dos futuros processos, a quem a decisão também será aplicada?

A esse respeito, o artigo 983 do CPC dispõe que:

o relator ouvirá as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia, que, no prazo comum de 15 (quinze) dias, poderão requerer a juntada de documentos, bem como as diligências necessárias para a elucidação da questão de direito controvertida.

Não especifica o legislador, contudo, o alcance da expressão “partes e demais interessados”: engloba as partes dos processos selecionados, dos sobrestados e/ou partes de casos futuros e potenciais? Como se dará essa participação? Quais devem ser chamadas a falar pelo próprio relator, e quais devem ser admitidas, caso requeiram? Mais do que isso: todos esses sujeitos tem o direito de participar do julgamento do caso repetitivo, mesmo aqueles dos processos sobrestados e potenciais? Qual a relevância dessa participação na legitimação do provimento jurisdicional e da própria atividade judicial envolvida no julgamento de casos repetitivos?

Há importante debate23 23 Nesse sentido: ABBOUD, Georges; CAVALCANTI, Marcos de Araújo. “Inconstitucionalidade do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) e os riscos ao sistema decisório” In Revista de Processo, vol. 240, fev./2015, 2015, p. 221-242; BASTOS, Antonio Adonias Aguiar. O devido processo legal nas demandas repetitivas. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Estado da Bahia: 2012; RODRIGUES, Marcelo Abelha. “Técnicas individuais de repercussão coletiva x técnicas coletivas de repercussão individual. Por que estão extinguindo a ação civil pública para a defesa de direitos individuais homogêneos?” In MILARÉ, Édis (Coord.). Ação civil pública após 30 anos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 555-567. , por vezes amparado de estudos empíricos24 24 Nesse sentido: ZUFELATO, Camilo (coord.). Relatórios de pesquisa do Observatório Brasileiro de IRDRs da FDRP/USP: Dados de incidentes suscitados de 18 de março de 2016 a 15 de junho de 2018. Ribeirão Preto: USP, 2019; ASPERTI, Maria Cecília de Araujo. Recursos Repetitivos e Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: uma análise da perspectiva do acesso à justiça e da participação no processo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018; FRANCISCO, João Eberhardt. Filtros ao acesso individual à justiça: estudo sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo. São Paulo: USP, 2018; GUIMARÃES, Amanda de Araújo. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. São Paulo: Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo. São Paulo: USP, 2018; SILVEIRA, Bruna Braga da. Litigiosidade repetitiva, processo e regulação: interações entre o judiciário e o regulador no julgamento de casos repetitivos. Salvador: Juspodium, 2020. , sobre as possibilidades de participação das partes do caso paradigma, do interessado (entendido como parte do processo sobrestado), ou mesmo do ausente, ou seja, aquele que não é parte de um processo pendente, mas que possui uma pretensão resistida que o habilitaria para uma ação futura.

Sobre as partes do caso paradigma, há grande relevância em sua participação, tendo em vista a importância de que seja realizada a devida reconstrução do cenário fático subjacente aos casos repetitivos que fundamentam a tese jurídica25 25 Em verdade, o desafio é propiciar uma participação efetiva dessas partes, dado que, com frequencia, casos repetitivos são configurados pela relação entre litigantes habituais, que recorrem à justiça com frequencia em demandas similares, e litigantes ocasionais, como é o caso das pessoas atingidas, conforme tipologia cunhada pelo conhecido texto (“Why the haves come out ahead? Speculations on the limits of legal change”. Law and Society Review, v. 9, n. 1, p. 95-160, 1974. Republicação (com correções) In Law and Society. Dartmouth, Aldershot: Cotterrell, 1994, p. 165-230; confira-se interpretação desse referencial no contexto brasileiro em GABBAY, Daniela Monteiro et al. “Why the'Haves' Come Out Ahead in Brazil? Revisiting Speculations Concerning Repeat Players and One-Shooters in the Brazilian Litigation Setting”. Revista de Direito Público, Porto Alegre, Volume 16, n. 88, 2019, 11-33, jul-ago 2019. Assim, a própria legitimidade desse instrumento processual é, de partida, discutível, vez que não traz qualquer preocupação quanto à representatividade adequada dos interesses dos demais litigantes ocasionais, ainda que a tese jurídica – diversamente do que ocorre com a coisa julgada coletiva – afeta diretamente seus interesses, inclusive pro et contra (ASPERTI, 2018, p. 2017-2017). . A ausência de mecanismos de representatividade e sequer critérios claros de escolha do caso paradigma suscitam discussões sobre a própria legitimidade do IRDR, que, apesar de se debruçar sobre questões de altíssima complexidade, não viabilizar essa adequada reconstrução fática.

Sobre a participação dos/as atingidos/as que sejam partes em processos individuais no julgamento do IRDR e dos ausentes (ou seja, sujeitos que poderão ser partes em processos futuros), discute-se no direito processual civil se haveria um interesse jurídico a viabilizar a sua atuação como assistente simples, o que lhes permitiria se manifestar livremente no julgamento, inclusive recorrendo de eventual decisão desfavorável26 26 Fredie Didier Jr. e Leonardo Cunha argumentam que haveria um interesse jurídico propriamente dito por parte daqueles que buscam intervir no julgamento do caso paradigma, cabendo-lhes intervir no incidente e atuar como assistentes simples das partes no julgamento da causa-piloto (DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil (v. 3). Salvador: JusPodivm, 2016, p. 607-608). . Diversamente, há o argumento de que a assistência somente seria possível se houvesse vínculo material entre esses atingidos e as partes do caso piloto, o que não se verifica no caso do IRDR27 27 Sofia Temer acha que a assistência não seria inteiramente adequada para explicar a intervenção dos sujeitos sobrestados no IRDR, dado que não haveria um vínculo material entre os sujeitos (TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 175). . A esse respeito, Antônio Adonias Aguiar Bastos sustenta a existência de um interesse jurídico inclusive direto, que habilitaria, portanto, seu ingresso como assistente simples, decorrente do fato de que do IRDR decorrerá a formação deste jurídica a ser aplicada em todo o âmbito de jurisdição do respectivo tribunal28 28 BASTOS, 2012, P. 173. .

O estudo do caso Rio Doce coloca esse debate sobre a participação no IRDR totalmente à prova.

Como se percebe nos incidentes estudados, os temas tratados são centrais nos processos reparatórios, extraindo-se das decisões pronunciamentos de grande relevo para a interpretação dos parâmetros de elegibilidade, reconhecimento de danos e parâmetros de reparação para danos imateriais.

A exemplo, o IRDR nº 0124879-52.2017.8.13.000, do TJMG, versa sobre diversas questões jurídicas envolvendo os pleitos de indenização pela má qualidade da água. São cinco pontos, como se verá mais à frente, que cobrem quase todas as questões relevantes que podem surgir em tais demandas e que são determinantes para o julgamento de seu mérito. Ademais, como narrado pela própria suscitante, a Samarco, o julgamento do IRDR pode influenciar mais de 70 mil demandas em curso na justiça mineira. Por isso, é de se esperar que, em um julgamento com tal abrangência, fossem propiciadas formas diversas de participação dos atingidos e / ou de representação dos seus interesses por entidades legitimadas para tanto.

Mas não foi o que aconteceu. De início, a Samarco apontou como casos representativos da controvérsia duas demandas que tramitavam em juizados especiais. Isso quer dizer que elas nunca viriam a ser julgadas pelo Tribunal de Justiça, órgão competente para julgamento do IRDR. Assim, em que pese tais casos terem sido escolhidos pela Samarco como exemplos das controvérsias que queria ver decididas, o Tribunal apenas fixaria a tese a partir deles, mas não julgaria tais casos em concreto, como está previsto no art. 978, parágrafo único, do CPC. Com isso, justificou a não participação das partes dos processos individuais de modo que, nesse importante incidente, não será viabilizada qualquer via de participação direta de atingidos/as.

3. Os Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas do caso Rio Doce

“Como Mem de Sá, que mandou matar nossos irmãos tupis-guaranis por envenenamento, a Samarco está matando a gente com outro veneno” (Jerônimo Coutinho, atingido pelo desastre do Rio Doce da comunidade de São Matheus, Espírito Santo)29 29 Extraído da reportagem “Estado em Crise”. Capítulo 3. A Sirene. Disponível em http://jornalasirene.com.br/espirito-santo/2018/11/19/capitulo-3-estado-de-crise. Acesso em 17 jul 2019.

3.1. Nota metodológica

Como mencionado, o foco do estudo de caso foram os IRDRs atinentes ao tema da interrupção do abastecimento e da qualidade da água nos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo.

A fim de se delimitar uma data de corte que viabilizasse esse estudo, foram analisados os IRDRs instaurados até o ano de 2018 e que já tiveram, até o momento (julho/2019), ao menos a apreciação de sua admissibilidade, na forma prevista pelo artigo 981 do CPC.

Foram localizados, em pesquisas nos sites dos respectivos tribunais de justiça, os seguintes casos: (a) no TJES os IRDRs 0038578-77.2016.8.08.0000 e 0039689-96.2016.8.08.0000; e (b) TJMG: 0124879-52.2017.8.13.000 e 1126962-87.2018.8.13.0000. Foi identificado também o IRDR nº 40/2016 da Turma de Uniformização dos Juizados Especiais do Espírito Santo, porém sua análise mais aprofundada ficou prejudicada em razão da indisponibilidade do inteiro teor do seu acórdão e da ata do seu julgamento, sendo possível acessar tão somente a ementa de seu julgamento, em que se extrai que nesse julgamento foi firmado o valor de R$ 1.000,00 para indenização por danos morais decorrentes da falta de abastecimento de água e estabelecida a necessidade de comprovação de domicílio do demandante na “área afetada”30 30 “Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, autuado sob o nº 040/2016, deflagrado pelos MAGISTRADOS COMPONENTES DA TURMA RECURSAL REGIÃO NORTE, apontando dissensões nas decisões das inúmeras ações protocolizadas junto aos Juizados Especiais Cíveis, sendo conflitante o reconhecimento do dano, bem como valores lançados em sentenças totalmente divergentes. Ações visam à reparação civil decorrente de ato ilícito praticado pela empresa SAMARCO MINERAÇÃO S/A, tendo como causa de pedir os danos advindos da falha na prestação de serviços, que resultou no rompimento de barragens de rejeitos de Fundão no Estado de Minas Gerais, interrompendo o abastecimento de água potável nas cidades banhadas pelo Rio Doce, bem como na Vila de Regência, município de Linhares. Adoção da Teoria do Risco Integral para os casos de dano ambiental, responsabilidade objetiva da Samarco Mineração S/A. Responsabilidade objetiva por danos a terceiros. Dano Ambiental Individual, também chamado de dano ricochete ou reflexo. Cada munícipe lesado tem o direito constitucional de ser integralmente reparado na sua esfera individual pelos danos sofridos, desde que morador da área afetada. Danos Morais fixados pela falta de abastecimento de água em R$ 1.000,00 (um mil reais), na forma individual, para todas as ações ajuizadas. Necessária apresentação conta de abastecimento de água comprovando o domicílio do postulante se residente na área afetada. Colégio Recursal dos Juizados Especiais” (Rel. Marcelo Pimentel, julgamento em 10 mar. 2017). É necessário considerar como a falta ou dificuldade de acesso a informações sobre o inteiro teor deste julgado são, em si, um indicativo da problemática de participação por parte dos atingidos, dado que a informação é, sem dúvida, elemento fundamental para o exercício do contraditório efetivo. Ou seja, muito embora esse IRDR tenha profundas repercussões nas ações individuais no Estado do Espírito Santo, não são acessíveis as motivações que levaram a Turma de Uniformização a consolidar o entendimento de que as indenizações deveriam estar restritas ao montante de R$ 1.000,00. .

Ainda em termos metodológicos, é importante considerar que no TJES foi possível acesso a ata de julgamento da admissibilidade e do mérito dos IRDRs, na qual consta a transcrição das sustentações orais e a integralidade dos votos dos desembargadores. Os autos dos incidentes, contudo, são físicos, o que dificultou o acesso à integralidade das peças processuais apresentadas. Verificou-se, no entanto, que não há considerável prejuízo à análise, tendo em vista que os votos denotam trechos e argumentos das manifestações escritas e orais que foram levados em consideração no processo decisório. Quanto aos IRDRs do TJMG, foi possível acesso à integralidade dos autos.

Os documentos examinados foram tabulados em uma planilha contendo os seguintes campos:

Quadro Campos de análise dos IRDRs
Informações gerais sobre o IRDR Tribunal
Órgão decisor
Relator
Sucitante
Suscitado
Dados do processo de primeiro grau considerado o caso piloto
Objeto Questão(ões) propostas para a tese jurídica
Admissibilidade Data do julgamento de admissibilidade
Resultado
Principais fundamentos
Tese jurídica Data do julgamento da tese jurídica
Tese jurídica firmada
Principais fundamentos
Participação Manifestantes do caso
Natureza da participação (Suscitante/Suscitado/Amicus/Interessado)
Participação escrita e/ou oral
Argumentos apresentados
Considerações sobre a representatividade do manifestante
Admissibilidade da participação
Influência dos argumentos
  • Fonte: Elaboração própria (2020)
  • Seguem, portanto, as principais considerações extraídas dessa análise para investigação da pergunta de pesquisa formulada.

    3.2. IRDR sobre cabimento da indenização individual in re ipsa (TJES)

    N. do IRDR Órgão julgador Suscitante e suscitado Questão a ser decidida Resultado do Julgamento
    0038578-77.2016.8.08.0000 Tribunal pleno Ministério Público Estadual x Samarco Cabimento da indenização individual devido à ocorrência de dano ambiental (instauração em 29/11/2016) Incidente inadmitido, por maioria de votos, entendendo-se não haver divergência entre as decisões judiciais devido ao fato de que cada ação deverá ser apreciada individualmente, “de modo a demonstrar a existência ou não de prejuízo concreto capaz de gerar a indenização por dano moral” (julgamento em 16/02/2017)

    Objeto: Este incidente, proposto pelo Ministério Público Estadual, visava, segundo o relator, debater “(i) a possibilidade, ou não, de dano moral individual decorrente de dano causado à coletividade ante o rompimento da barragem de rejeitos da Samarco em Mariana/MG, bem como (ii) a possibilidade de existência de dano moral resultante da interrupção do fornecimento de água em razão do já mencionado dano ambiental ocorrido nos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo”. Ao longo do julgamento, contudo, restou definido que o objeto proposto pelo MP era somente a questão relativa ao cabimento da indenização individual devido à ocorrência do dano ambiental31 31 Segundo Des. Adalto Dias Tristão: "Inicialmente, registro que o digno Relator, com todas as vênias, introduziu questão que não é objeto da inicial do Ministério Público, eis que o Parquet traz somente a questão relativa ao cabimento da indenização individual devido à ocorrência de dano ambiental. A segunda tese, relativa à possibilidade de existência de dano moral resultante da interrupção do fornecimento de água em razão do dano ambiental ocorrido, fora abordada tão somente de passagem, mas não como fundamento do IRDR. . A questão específica sobre a interrupção do fornecimento da água teria sido abordada apenas como exemplo de divergência a justificar a instauração do incidente.

    Partes: Tem-se nesse incidente que o Ministério Público exerceu a competência prevista no artigo 977, III, requerendo a instauração a partir do processo individual de Evely Eva Vieira da Silva (Processo n. 0021609-42.2016.8.08.0014). O incidente envolve também como parte a Samarco Mineração S/A32 32 É de se notar que a Samarco é representada nos quatro IRDRs examinados pelo mesmo escritório de advocacia, do prof. Humberto Theodoro Jr., renomado processualista civil e professor aposentado da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. .

    Participação de interessados/atingidos: Com relação aos atingidos que ingressaram com ações individuais, relata-se na decisão que as ações que embasam o IRDR fazem parte de uma estratégia concentrada de uma advocacia específica em Colatina, anotando-se que as petições iniciais são as mesmas que pugnam pela indenização moral independentemente de provas, fundamentando-se na violação ao direito ao meio ambiente (artigo 225 da Constituição Federal) e no fato de ser o desastre ambiental um fato público e notório33 33 “Minha assessoria analisou o andamento das doze decisões citadas na petição inicial deste IRDR em que o magistrado da 2ª Vara Cível de Colatina julgou improcedentes os pedidos de dano moral. Todas elas foram ajuizadas pelos mesmos advogados, e todas requerem o julgamento antecipado da lide, fundamentando-se na existência de fato público e notório. Em todas elas o dano moral individual foi negado porque não foi comprovado. Não há, portanto, divergência quanto ao cabimento de dano moral individual em razão do desastre ambiental provocado pelo rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco.” (Des. Sérgio Bizzotto Pessoa de Mendonça) - não há manifestação desses atingidos. . Contudo, há apenas o registro de uma manifestação escrita da atingida Evely Eva Vieira da Silva, de cujo caso individual partiu a instauração do IRDR pelo MP. Esta teria levantado argumentos sobre o mérito do IRDR, que não foram apreciados no julgamento, dada a inadmissão do incidente34 34 É importante notar, contudo, que o próprio MP manifesta-se contra a apreciação desse argumento: “Entendo, de plano, que a prematura fase dos autos não enseja a apreciação das teses meritórias trazidas pela interessada Evely Eva Vieira da Silva às fls.204/216, uma vez que estamos em sede de exame de admissibilidade, nos termos do art. 981 do Novo Código de Processo Civil, segundo o qual, “Após a distribuição, o órgão colegiado competente para julgar o incidente procederá ao seu juízo de admissibilidade, considerando a presença dos pressupostos do art. 976" (trecho da sustentação oral do Procurador de Justiça Joremar Moreira). . Não há, portanto, indicativos de alinhamento da estratégia do Ministério Público no sentido de suscitar a instauração do IRDR com os atingidos.

    Participação da empresa Samarco: A manifestação por escrito e a sustentação oral da Samarco foram amplamente citados durante o julgamento, sendo que a decisão de inadmissibilidade ratifica o entendimento da empresa de que cada caso de indenização por danos morais deve ser analisado em sua individualidade35 35 "Isto porque, muito embora haja significativa repetição de demandas semelhantes, não se verifica o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, eis que cada caso deve ser analisado de forma individual, de modo a demonstrar a existência ou não de prejuízo concreto capaz de gerar a indenização por dano moral (trecho do voto do Desembargador Adalto Dias Tristão). . É também acolhido o entendimento da Samarco de que não haveria divergência dentre as varas cíveis de Colatina (que julgavam as ações improcedentes), e sim entre estas e os juizados36 36 “Por outro lado, a causa de pedir das Varas Cíveis reflete a discussão sobre a existência ou não de dano moral decorrente de um dano ambiental de natureza difusa. Como bem delimita a ilustre advogada da empresa SAMARCO, todas as sentenças estão julgando improcedentes as dezenas de ações com esta causa de pedir. Assim, não haveria qualquer divergência e, logo, não haveria risco à isonomia (trecho do voto do Desembargador Pedro Valls Feu Rosa) , sendo que, para os julgadores, para as ações em trâmite nesta sede caberia o julgamento de IRDR pela Turma de Uniformização dos juizados especiais cíveis, conforme Resolução nº 23/2016 do TJES37 37 "O Desembargador ANNIBAL DE REZENDE LIMA, Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, no uso de suas atribuições legais e tendo em vista a necessidade de incluir no sistema dos Juizados Especiais a competência para o processamento e julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, de Assunção de Competência e da Reclamação, previstos no Código de Processo Civil, bem como da inclusão das Sessões Virtuais de Julgamento para imprimir maior agilidade na apreciação de recursos no âmbito das Turmas Recursais, Plenário do Colegiado Recursal e Turma de Uniformização de Interpretação de Lei, após sessão ordinária realizada no Egrégio Tribunal Pleno em 10/11/2016" . .

    Resultado: O incidente do MP não foi admitido sob o argumento de que as ações individuais para reparação moral decorrente do dano ambiental deveriam ser analisadas individualmente, para que fosse demonstrado individualmente o prejuízo passível de indenização38 38 "Muito embora haja significativa repetição de demandas semelhantes, não se verifica o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, eis que cada caso deve ser analisado de forma individual, de modo a demonstrar a existência ou não de prejuízo concreto capaz de gerar a indenização por dano moral. O risco de ofensa à segurança jurídica e a isonomia não basta ser suscetível de existir, é necessária a presença de risco efetivo, real, o que não se vislumbra no caso em apreço. As decisões das varas cíveis de Colatina não são discrepantes, todas no mesmo sentido, pela improcedência. O que não são idênticas são as decisões dos Juizados Especiais com as Varas Cíveis. Não há como padronizar situações fáticas diversas, tendo em vista a existência de várias situações e diversidade de ações em curso, as quais devem ser analisadas caso a caso, levando em consideração as peculiaridades que cada feito apresenta" (Ementa) (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESPÍRITO SANTO. IRDR n. 0038578-77.2016.8.08.0000. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Arthur José Neiva de Almeida. J. em: 16.02.2017). . Como se vê, ainda que a decisão seja de inadmissibilidade, o entendimento esboçado afasta a tese de um dano moral in re ipsa como dimensão individual do dano ambiental coletivo. Esse resultado influi, inclusive, na própria compreensão de quem é o atingido e quais os danos imateriais a serem reparados em decorrência do desastre, ao consolidar um entendimento de que há a necessidade de comprovação individual de prejuízo de natureza moral. Durante o julgamento da admissibilidade do IRDR, houve também uma longa discussão sobre a competência do TJES para apreciação de teses jurídicas e divergências envolvendo processos em trâmite dos juizados especiais. Nesse sentido, ficou também colocado o entendimento de que permaneceria válida a Resolução nº 23/2016 do TJES, que atribui a Turma de Uniformização de Interpretação de Lei e do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais do Estado do Espírito Santo a competência para julgar IRDRs de competência afeta aos juizados especiais39 39 Esse entendimento possui relevantes repercussões, especialmente considerando que a Turma de Uniformização julgou, em 10 de março de 2017, um IRDR sobre danos morais em razão da falta de abastecimento de água, fixando o valor de R$ 1.000,00 para todas as ações individuais, bem como a necessidade de comprovação mediante apresentação de conta de abastecimento de água, em que se comprovasse que o autor da ação possuía residência na área afetada (IRDR nº 40/2016). Esse valor é consideravelmente inferior ao comumente postulado nessas ações individuais, bem como ao parâmetro proposto pelos atingidos que requereram a instauração do IRDR nº 0039689-96.2016.8.08.0000, descrito no item 4.3. Lembrando que esse incidente da Turma de Uniformização não foi analisado em razão da falta de acesso a integralidade do acórdão do seu julgamento. .

    3.3. IRDR sobre prova e valor indenizatório nos casos de interrupção no abastecimento de água (TJES)

    N. do IRDR Órgão julgador Suscitante e suscitado Questão a ser decidida Resultado do Julgamento
    0039689-96.2016.8.08.0000 Tribunal pleno Romulo Cantarela, Lucas Eustaquia Martins e Gabriela Nunes dos Santos X Samarco Discussão sobre a necessidade de o autor de ação individual relativa a abastecimento de água apresentar contrato com a concessionária para fins de comprovação de legitimidade e sobre parâmetros para valoração de danos morais, que não deveriam ser inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais). IRDR inadmitido, por se entender não ser admissível o incidente caso os processos pilotos não estejam já em segundo grau. Entendeu-se, também, que a questão sobre meio de prova e valores não seria de direito (09.11.2017)

    Objeto: Este IRDR, instaurado por iniciativa de três atingidos, tinha por objeto duas questões centrais: a comprovação da legitimidade ativa dos autores de ações individuais de danos morais por interrupção do abastecimento de água e os parâmetros indenizatórios a serem seguidos não só nas demandas relativas a água, mas em todas relacionadas ao caso, exigindo-se que os valores não fossem fixados em menos de R$ 10.000,00.

    Partes: O IRDR foi suscitado por atingidos que eram partes em ações individuais ajuizadas nos juizados especiais40 40 Todos patrocinados, no IRDR, pelo advogado Marcelo Abelha Rodrigues, conhecido processualista e professor da Universidade Federal do Espírito Santo. contra a Samarco Mineração S/A.

    Participação de interessados/atingidos: O representante dos atingidos defendeu que a exigência de documento específico para o ajuizamento das demandas (qual seja, o contrato com a SANEAR) seria descabida, tendo em vista que não seria documento essencial, cabendo outros meios de prova41 41 "Várias foram encerradas na raiz sob fundamento de que a legitimidade ad causam dessas pessoas dos moradores que reclamaram indenização por dano moral, dependia de prova líquida prova literal do contrato com a SANEAR. Nós sustentamos eventualmente em recurso que gerou , justamente a possibilidade de nascer um IRDR, alguns casos nós tivemos essas decisões outros casos essas decisões não foram dadas". Sustenta que o documento não é essencial: "É documento essencial do art. 320 , inciso do Código de Processo Civil , há prova do contrato com a SANEAR para fins de indenização pessoal? O que sustentamos como em alguns casos foi deferido em primeiro grau . É possível que o jurisdicionado use qualquer meio de prova para demonstrar a existência da sua legitimidade ad causam" , além do que essa exigência não seria compatível com a realidade das famílias atingidas mais pobres, onde “muitas vezes a casa tem uma entrada de água onde só se tem um contrato e dentro daquela residência moram 5, 6, 7 famílias”. Sobre o valor das indenizações, os atingidos sustentam a necessidade de que sejam fixados parâmetros de uniformização que levassem em conta, inclusive, a capacidade econômica do agente, a postura do agente em relação ao ilícito ou ao dano, firmando-se, contudo, um “valor-padrão”, ou um piso de R$ 10.000,00.

    Participação da empresa Samarco: A mesma advogada atuante no IRDR sobre o cabimento das ações indenizatórias individuais é quem sustenta oralmente nesse caso. Usando-se do termo “acidente”, a advogada menciona o Programa de Indenização Mediada (PIM)42 42 "Antes de passarmos propriamente ao exame das questões e as razões pelas quais a Samarco entende que esse IRDR não deve ser admitido, é preciso ressaltar e destacar que a empresa não ficou inerte diante da situação ao longo desse período. Foi feito um acordo no âmbito de uma ação civil pública em tramitação na Justiça Federal e nesse acordo se celebrou todo um programa; o chamado programa de indenização mediada (...) Esse programa de indenização mediada no ambiente e no município de Colatina é um programa bastante exitoso. Para que Vossas Excelências tenham ideia, até o dia 31 de outubro deste ano, foram atendidas 84.026 (oitenta e quatro mil e vinte e seis) pessoas com 83.522 (oitenta e três mil, quinhentos e vinte e duas) propostas já aceitas e indenizações encaminhadas, portanto, para o respectivo pagamento. Essa diferença de 84.026 (oitenta e quatro mil e vinte e seis) para 83.522 (oitenta e três mil, quinhentos e vinte e duas) é o tempo que se tem para o processamento burocrático, para que se consiga chegar ao efetivo pagamento" para aduzir que as indenizações individuais estão devidamente resolvidas pela via consensual e que a experiência seria exitosa. Quanto à admissibilidade do IRDR, argumenta, assim como no caso anterior, que não haveria discussão no âmbito da justiça comum sobre a legitimidade ativa, mas apenas nos juizados especiais. Quanto ao pleito de fixação de critérios, a Samarco alega que a “amostra” de casos do IRDR são provenientes dos juizados, onde já teria sido firmado o parâmetro de R$ 1.000 no IRDR nº 40/2016, do Colégio Recursal. Também na sustentação oral, a Samarco aduz que as ações individuais dariam margem para atitudes fraudulentas, para pessoas que buscam vantagem, razão pela qual o julgamento do mencionado IRDR teria sido uma medida de cautela contra essas fraudes.

    Resultado: O principal argumento contra a admissibilidade do IRDR é técnico, no sentido de que os processos a partir dos quais o incidente fora suscitado não estariam em curso na 2ª instância, inviabilizando a admissibilidade do IRDR. Ainda assim, o Relator pronunciou-se também no sentido de que a fixação de parâmetros indenizatórios não seria uma questão de direito, visto que deveria ser avaliada a extensão do dano, as condições econômicas das partes e “outras questões passíveis de verificação apenas mediante a apreciação das peculiaridades de cada caso concreto concernentes aos critérios de fixação do valor de indenização por dano moral”. A proposta dos atingidos de fixação de um “valor-padrão” de R$ 10.000,00 também foi rechaçada pelos mesmos motivos43 43 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESPÍRITO SANTO. IRDR n. 0039689-96.2016.8.08.0000. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Dair José Bregunce de Oliveira. J. em: 09.11.2017. .

    Assim como no caso anterior, ainda que não tenha sido firmada uma tese jurídica, há importantes considerações que acabaram sendo delimitadas nesse julgamento. Novamente, há o pronunciamento do Judiciário no sentido de que não há um dano moral presumido, tampouco um valor mínimo indenizatório a ser considerado. Com relação aos parâmetros probatórios, há argumentos nos votos que também rechaçam a flexibilização probatória proposta pelo IRDR, ao se entender que os juízes têm a prerrogativa de valorar em cada caso a documentação entendida por suficiente para comprovar o desabastecimento de água44 44 Nesse sentido, o Desembargador Sérgio Bizzotto Pessoa de Mendonça sustenta que nas ações de primeiro grau nenhuma prova documental foi apresentada, mas “somente declarações desprovidas de documentos foram colacionadas nas tentativas fracassadas de emenda da inicial”. Similarmente, o Desembargador Samuel Meira Brasil Júnior sustenta que são apresentados documentos na inicial dos autores dos processos individuais para comprovar a residência nos locais onde houve interrupção de abastecimento (“certificado de quitação eleitoral, declaração de união estável com o titular do contrato de água encanada, certidão de nascimento do filho com a pessoa titular, contratos de locação com o titular etc.”), mas que deveriam ser valorados individualmente, do que decorreria essa ser uma questão fática, e não de direito. .

    3.4. IRDR sobre a competência dos juizados em casos de dano moral e qualidade da água (TJMG)

    N. do IRDR Órgão julgador Suscitante e suscitado Questão a ser decidida(resumo) Resultado do Julgamento (resumo)
    1.0105.16.000562-2/001 - 0124879-52.2017.8.13.000. Segunda Seção Cível do TJMG Samarco Mineração S/A x Vânio Rodrigues de Sousa Competência dos juizados especiais processar e julgar demandas que têm como objeto o fornecimento de água e/ou indenização por danos morais e que trazem entre os fundamentos a dúvida acerca da qualidade da água Firmada a tese de que os juizados especiais não possuem competência para o julgamento de tais ações.

    Objeto: A questão controvertida repetitiva é a competência do Juizado Especial Cível para decidir a respeito de demandas que versem sobre a dúvida da qualidade da água fornecida em Governador Valadares pelo sistema de abastecimento público, uma vez que a suscitante do IRDR defende que, para dirimir a questão de fato comum a todas as demandas - qualidade da água - é necessária produção de prova técnica complexa, incompatível com a competência do Juizado, que é voltada a “causas de menor complexidade”45 45 Foi formulada da seguinte forma pela suscitante: "Os Juizados Especiais são competentes para processar e julgar demandas que têm como objeto o fornecimento de água e/ou indenização por danos morais e que trazem entre os fundamentos a dúvida acerca da qualidade da água fornecida pelo sistema público de distribuição das cidades que captam água do Rio Doce em ações propostas em decorrência do rompimento da barragem de Fundão, situada em Mariana/MG, considerando a natureza técnica complexa da questão e a imprescindibilidade de produção de prova pericial?" .

    Partes: O incidente foi instaurado por iniciativa da empresa Samarco Mineração S/A em caso individual ajuizado pelo atingido Vânio Rodrigues de Sousa.

    Participação de interessados/atingidos: Houve tentativa de habilitação como amicus curiae pela Associação de Advogados de Governador Valadares (AADVOG), representando a advocacia das demandas individuais, mas cuja intervenção não chegou a ser analisada, tendo o pedido sido rejeitado porque a representação processual da associação estava irregular, e não foi regularizada no prazo assinalado46 46 Justificando seu interesse no "direito do exercício profissional dos advogados em atuação nas demandas judiciais, de qualquer valor ou natureza” e na “tutela dos interesses coletivos da sociedade". . A Associação tentou também, posteriormente, intervir como assistente simples, o que também lhe foi negado, pois “o interesse alegado é meramente corporativo e sem qualquer vinculação com o direito controvertido”. A Associação interpôs recurso especial, ao qual foi negado seguimento tanto em juízo provisório de admissibilidade pelo TJMG, quando pelo STJ.

    A advogada de Vânio Rodrigues de Souza compareceu à sessão de julgamento da admissão do IRDR e proferiu sustentação oral. Suas preliminares foram levadas em consideração no voto-divergente. Foram apresentados memoriais pelos advogados de Wesley Luiz da Silva Leão, um dos autores de caso semelhante, que requereu, na oportunidade, sua admissão como terceiro interessado. Eles também compareceram à sessão de julgamento da admissão do IRDR, tendo proferido sustentação oral. Também o advogado de um dos interessados esteve presente à sessão de julgamento do mérito do IRDR, tendo proferido sustentação oral na ocasião.

    Após o julgamento de mérito do IRDR, Wesley Luiz da Silva Leão interpôs recurso especial, afirmando que “qualquer parte que teve seu processo suspenso por ocasião da admissão e julgamento do incidente, ainda que não tenha figurado na qualidade de interveniente, tem legitimidade ativa para recorrer”, entendimento expresso no Enunciado nº 94 do Fórum Permanente de Processualistas Civis47 47 "A parte que tiver o seu processo suspenso nos termos do inciso I do art. 982 poderá interpor recurso especial ou extraordinário contra o acórdão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas . A legitimidade do atingido para recorrer não foi questionada posteriormente, mas o recurso não foi admitido em juízo provisório pelo TJGM, com fundamento na Súmula n. 7 do STJ48 48 “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”. . Todavia, após interposição de agravo em recurso especial, no âmbito do STJ, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, em decisão de 08.10.2020, admitiu o recurso especial a fim de permitir um melhor exame da controvérsia, por entender que “as razões veiculadas pela agravante mostram-se relevantes, exigindo, assim, uma análise mais profunda”.

    Participação do Ministério Público: A Procuradoria-Geral de Justiça, por sua vez, se manifestou opinando pela fixação da tese em favor da competência dos juizados especiais49 49 No sentido de “serem competentes os Juizados Especiais Cíveis para processar e julgar demandas que têm como objeto o fornecimento de água e/ou indenização por danos morais e que trazem entre os fundamentos a dúvida acerca da qualidade da água fornecida pelo sistema público de distribuição das cidades que captam água do Rio Doce em ações propostas em decorrência do rompimento da barragem de Fundão, situada em Mariana, devendo a suposta natureza técnica e complexa da questão, bem como a necessidade de produção de prova pericial, serem avaliadas pelos julgadores, e não tomadas como óbices a priori em relação à competência dos Juizados Especiais Cíveis”. . O órgão salienta que o incidente seria uma estratégia da Samarco para cercear o acesso à justiça dos atingidos, que teriam maiores dificuldades de litigar na justiça comum50 50 "Diante das milhares demandas judiciais que enfrenta nos JECs, a SAMARCO MINERAÇÃO S.A. tenta lançar mão de instrumentos técnico-jurídicos para obstar esses processos, de modo a impossibilitar a efetiva discussão jurídica de suas responsabilidades, dado que, como é óbvio, a grande maioria dos que hoje litigam contra a SAMARCO MINERAÇÃO S.A. com base na Lei nº 9.099/1995 não o poderão fazer caso tenham que arcar com as dificuldades próprias da Justiça Comum. Este IRDR representa assim apenas mais uma estratégia jurídica da SAMARCO MINERAÇÃO S.A. para tentar se furtar ao cumprimento expedito de suas obrigações, como também é o caso do IRDR n° 1.0105.16.000562-2/004, no qual lançamos Parecer". .

    Participação da empresa Samarco: A Samarco foi a efetiva suscitante do IRDR, de forma que participou do processo como parte. Seus advogados proferiram sustentação oral nas duas sessões de julgamento realizadas (admissão e julgamento do mérito do IRDR), e peticionaram ativamente no processo.

    Resultado: Inicialmente, o IRDR foi admitido monocraticamente pelo Relator, ad referendum do julgamento colegiado, ao apreciar tutela de urgência formulada pela Samarco. Posteriormente, o IRDR foi admitido também pela Segunda Seção Cível em 24.04.201751 51 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. IRDR n. 1.0105.16.000562-2/001. Órgão Julgador: 2a Seção Cível. Relator: Amauri Pinto Ferreira. J. em: 24.04.2017. . A decisão monocrática e o voto de relator possuem a mesma fundamentação, e destacam que: (a) a tese a ser debatida é exclusivamente de direito; (b) restou comprovada a existência de milhares de ações que versam a respeito de dúvida sobre a qualidade da água nos juizados especiais; (c) que foi identificada a efetiva divergência de entendimentos nas decisões proferidas no âmbito dos juizados especiais a respeito da competência destes para apreciar as questões52 52 Houve votos divergentes, como o da Desa. Claudia Maia, que entendeu que o IRDR envolvia questões fáticas e não apenas de direito, ressaltando ainda que cada caso concreto pode envolver hipóteses de dispensa de prova técnica (art. 374 do CPC), como, por exemplo, incidência de efeitos de revelia em desfavor da Samarco, admissão da má qualidade da água por ausência de impugnação específica do fato, ou, ainda, caso a má qualidade da água venha a se tornar fato notório. . Em 28.05.2018, foi julgado definitivamente o IRDR em que se sagrou vitoriosa a tese defendida pela Samarco, contrariamente a competência dos juizados53 53 Ou seja, a de que “os juizados especiais não são não são competentes para processar e julgar demandas que têm como objeto o fornecimento de água e/ou indenização por danos morais e que trazem entre os fundamentos a dúvida acerca da qualidade da água fornecida pelo sistema público de distribuição das cidades que captam água do Rio Doce em ações propostas em decorrência do rompimento da barragem de Fundão situada em Mariana/MG, tendo em vista a natureza técnica complexa da questão e a imprescindibilidade de produção de prova pericial para se apurar essa questão” , entendendo-se que a aferição da potabilidade da água seria tarefa complexa e incompatível com o rito dos juizados especiais e considerando que tal prova técnica seria imprescindível e não poderia ser substituída por qualquer outra, com a única ressalva de ser possível a utilização de prova emprestada produzida em outro processo54 54 A única ressalva feita é de que é possível, no âmbito do juizado especial, “a utilização de prova emprestada de cunho técnico produzida em outro processo acerca da qualidade da água, submetida ao contraditório, sem que exista oposição aos seus termos, ou a renúncia \ desistência com aquiescência da parte contrária relativamente as pretensões suso mencionadas, hipótese em que os processos deverão continuar a fluir quanto os demais pedidos, caso existam” (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. IRDR n. 1.0105.16.000562-2/001. Órgão Julgador: 2a Seção Cível. Relator: Amauri Pinto Ferreira. J. em: 28.05.2018). .

    3.5. IRDR a dúvida subjetiva quanto a qualidade da água (TJMG)

    N. do IRDR Órgão julgador Suscitante e suscitado Questão a ser decidida Resultado do Julgamento
    10105.16.000562-2/004 (renumerado para 1.0273.16.000131-2/001) - 1126962-87.2018.8.13.0000 Segunda Seção Cível do TJMG SAMARCO MINERAÇÃO S.A. x VÂNIO RODRIGUES DE SOUSA e ROSÂNGELA MARIA DA SILVA Discute-se (i) a titularidade do direito de pleitear o fornecimento e/ou indenização por danos morais tendo como causa de pedir a suspensão do abastecimento público e na dúvida subjetiva acerca da qualidade da água; (ii) o meio idôneo para prova do direito do pleitear o fornecimento de água e/ou indenização por danos morais; (iii) se a dúvida subjetiva acerca da qualidade da água e sua aptidão para consumo e realização de atividades diárias gera dano moral indenizável; (iv) os parâmetros a serem considerados na identificação da ocorrência e valoração dos danos morais decorrentes da suspensão temporária do abastecimento público de água pelas concessionárias; (v) qual deve ser o valor do dano moral arbitrado para todas as ações repetitivas decorrentes da suspensão temporária do abastecimento público de água no Estado de Minas Gerais em razão do rompimento da Barragem de Fundão? Firmadas as teses: (i) há legitimidade para tais ações todos aqueles que afirmarem que se encontravam em localidade abastecida pela captação de água do Rio Doce na época dos fatos; (ii) o interessado deve comprovar a legitimidade mediante documentação específica apontada no acórdão, admitidos outros meios de prova apenas em situações excepcionais; (iii) a dúvida subjetiva acerca da qualidade da água e sua aptidão para consumo e atividades diárias não gera, por si só, dano moral; (iv) os parâmetros para apuração do valor dos danos morai são (a) o tipo de alegação afirmada na petição inicial, se específicas ou genéricas, (b) a caracterização do dano moral com a simples interrupção do fornecimento de água, (c) o feito multiplicador das indenizações, tendo em vista o universo de atingidos, (d) o momento em que a parte se direcionou para a localidade atingida pelo desabastecimento, não sendo devida a indenização se tal se deu após 24 horas do evento; (v) em caso de alegações genéricas, referindo-se apenas às decorrências amplas do desabastecimento, o valor do dano moral deve ser de dois mil reais por pessoa.

    Objeto: São diversas as questões objeto deste incidente, todas relativas aos pedidos de indenização por dano moral decorrentes da dúvida sobre a qualidade da água, incluindo-se a definição de legitimação, meio de comprovação, reconhecimento da dúvida subjetiva sobre qualidade da água como dano moral e parâmetros indenizatórios a serem aplicados. Em seu pedido de instauração, a empresa Samarco postula por interpretações mais restritivas, inclusive no sentido de que a dúvida subjetiva sobre a qualidade da água, por si só, não configuraria um dano moral indenizável.

    Partes: A Samarco Mineração S.A. também suscita este incidente a partir da ação individual de Vânio Rodrigues de Sousa, trazendo também a ação movida pela atingida Rosângela Maria da Silva. Todavia, até o momento, debate-se se estes podem atuar como partes no IRDR.

    Participação de interessados/atingidos: Não há registro no processo de que qualquer atingido tenha participado da sessão de julgamento que admitiu o IRDR. Contudo, o relator interpretou o regramento atinente ao IRDR no sentido de que não haveria uma “causa-piloto”, ou seja, não havia um atingido que pudesse ser considerado “parte no processo”, de forma que apenas a suscitante Samarco poderia ostentar tal qualidade.

    Seria então cogitar que a presença de amici curiae viesse a, ao menos, mitigar a falta de participação dos atingidos. Contudo, foram duas as instituições que requereram o seu ingresso no processo em tal modalidade – a Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de Minas Gerais – e a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais –, sendo que ambas declararam a intenção de reequilibrar a relação processual em favor dos atingidos. A DPE-MG solicitou ingresso como “amicus curiae”, por ter atuado diretamente para promover a defesa jurídica dos “impactados”. A OAB-MG também o fez, justificando seu pedido no fato de as ações decorrentes do rompimento da barragem serem de interesse da “consecução dos direitos humanos e da justiça social”, sendo que “a Ordem quer participar da construção de um provimento final que consagre a defesa do meio ambiente e também o respeito ao direito de todos os envolvidos”.

    No entanto, o relator indeferiu a intervenção das instituições como amicus curiae, justificando tal indeferimento em entendimentos doutrinários segundo os quais o “amigo da corte” deve ser uma figura com conhecimento técnico na causa, e não uma figura que milite em favor de uma das partes. Para ele, “sua finalidade é a de possibilitar que o julgamento seja instruído com as mais diversas e úteis informações” e que “tal instituto não permite a intervenção com o fito de reforçar os argumentos de uma ou outra parte, objetivando, exclusivamente, o alcance de decisão que seja favorável a uma delas, atuando o terceiro como se assistente fosse ou mesmo parte” 55 55 A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça adotou visão diversa sobre o papel da Defensoria Pública como amicus curiae e a pertinência da sua participação nos julgamentos de processos repetitivos que envolvam litigantes vulneráveis. O recurso especial n. 1.712.163 – SP foi afetado pela Segunda Seção para “definir se as operadoras de plano de saúde estão obrigadas ou não a fornecer medicamento importado, não registrado na ANVISA”. No próprio acórdão que aprovou a proposta de afetação, já se determinou a ciência à Defensoria Pública da União (“DPU”, entre outras entidades, para facultar-lhe a intervenção como “amicus curiae” (Proposta de Afetação de recurso especial no recurso especial n. 1.712.163 - SP. Órgão Julgador: Segunda Seção. Relator: Ministro Moura Ribeiro. J. em: 19.03.2018). A DPU apresentou proposta para que sua intervenção não se desse como “amicus curiae”, mas sim como “custus vulnerabilis”, o que lhe possibilitaria interpor todos e quaisquer recursos no processo, defendendo “sua legitimidade para intervir em demandas que possam surtir efeitos nas esferas das pessoas ou grupos de necessitados, mesmo em casos nos quais não há vulnerabilidade econômica, mas sim vulnerabilidade social, técnica, informacional, jurídica”. Em apreciação de embargos de declaração opostos pela DPU, seu pleito foi acolhido, considerando o Relator que “a atuação da Defensoria Pública mesmo na condição de amicus curiae, tem evoluído para uma intervenção ativa no processo em nome de terceiros interessados no êxito de uma das partes” e que “em virtude de esta Corte buscar a essência da discussão, tendo em conta que a tese proposta neste recurso especial repetitivo irá, possivelmente, afetar outros recorrentes que não participaram diretamente da discussão da questão de direito (...), bem como em razão da vulnerabilidade do grupo de consumidores potencialmente lesado e da necessidade da defesa do direito fundamental à saúde, entendo que a DPU está legitimada para atuar como custos vulnerabilis no feito (Embargos de Declaração no Recurso Especial nº 1.712.163 – SP. Órgão Julgador: Segunda Seção. Relator: Ministro Moura Ribeiro. J. em: 27.09.2019). .

    Até esse ponto, já estava inviabilizada a participação dos atingidos como partes no processo de IRDR e, ainda, impedido a participação de entidades que poderiam fortalecer a defesa de seus interesses no IRDR sob o argumento de que estes não poderiam atuar como se fossem partes. Restaria, então, saber como foi aplicado no IRDR o já mencionado art. 983 do CPC, que determina que o relator ouça “as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia”. A aplicação do dispositivo, como visto, passa pela compreensão do que é “interesse na controvérsia”.

    Também nesse ponto, a interpretação do relator foi restritiva. Ao tentar intervir no processo, Maria de Lourdes Rodrigues Pereira, uma das autoras das demandas abarcadas pelo IRDR, que teve seu andamento sobrestado, elaborou, por seus advogados, uma manifestação de mérito de 93 páginas e intensamente instruída, afirmando ter interesse jurídico na causa. O relator Amauri Pinto Ferreira, todavia, indeferiu sua participação, afirmando que:

    no presente IRDR, tendo em vista a particularidade de ter se originado do Juizado Especial, não há causa piloto, constituindo exceção a regra geral, sendo prova disso o fato de que a 2ª Seção não irá julgar qualquer recurso alusivo ao tema do IRDR. Haverá pronunciamento, tão somente, quanto a tese a ser fixada.

    O sujeito processual que é parte na causa piloto pode se manifestar no IRDR, porque ocorrerá o julgamento de seu processo conjuntamente com o incidente. Contudo, na espécie, isso não irá acontecer. Assim, o direito decorrente da causa-piloto não se aplica ao caso por absoluta impertinência. Logo, a parte ora peticionária não é parte do presente incidente, seja porque não se aplica ao caso o conceito de causa piloto e suas decorrências, seja porque não o instaurou. Somente se pode atribuir tal condição a Samarco, pois fora quem o manejou.

    Segundo o relator, a peticionária “se equivale a todos os demais autores de ações promovidas em desfavor da Samarco nos Juizados Especiais em razão do rompimento da barragem do fundão, os quais não têm direito a se manifestar no presente incidente”. Assim, para ele, só seria admitida a participação de Maria de Lourdes caso ela se enquadrasse em alguma modalidade de intervenção de terceiros. Contudo, para ele, “não é qualquer tipo de interesse que permite a intervenção, devendo ser esse de natureza jurídica, ou seja, não pode ser de cunho subjetivo, econômico, corporativo ou moral”.

    Para exemplificar o que entende por interesse jurídico, o relator utiliza curiosamente o interesse do sublocatário em uma ação locatícia em que é parte o locador, o que lhe autorizaria intervir como assistente. Em suas palavras, “[d]eve ser demonstrado o reflexo, direto ou indireto, no âmbito jurídico e verificável no caso em concreto”. A partir de tal conceito, afirma que a Sra. Maria de Lourdes não teria qualquer interesse jurídico direto ou indireto quanto à questão controvertida, sendo que seu interesse teria, na verdade, conotação meramente subjetiva e econômica, pois, “estando sua Ação abarcada pelo objeto do presente IRDR, o seu desate influenciará naquela, mas disso não se apura interesse jurídico, pois não há vinculação direta ou indireta entre a questão controvertida na Ação que originou o IRDR e o direito que a parte ora peticionária julga ser titular”.

    Por fim, utiliza um argumento consequencialista:

    acaso se entenda diferentemente, na hipótese em comento, a qual abarca dezenas de milhares de Ações, mesmo se apenas ínfima parte dos autores dessas pretenderem intervir no processo, o procedimento se tornará inviável, pois representará algumas centenas de manifestações.

    Vale mencionar que as acionistas da Samarco - Vale e BHP Billiton - buscaram também intervir no processo56 56 São representadas por dois dos maiores escritórios do Brasil, o Sérgio Bermudes Advogados (Vale) e o Pinheiro Neto Advogados (BHP). . No entanto, sua intervenção foi indeferida sob os mesmos argumentos da decisão que indeferiu a intervenção da atingida.

    A Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, após ter tido sua intervenção como amicus curiae negada, ingressou com um IRDR apresentando questões semelhantes àquelas que já haviam sido propostas pela Samarco, e propondo a fixação de teses mais favoráveis aos atingidos para cada uma das questões, requerendo julgamento conjuntamente com o IRDR da Samarco.

    A admissibilidade deste segundo IRDR proposto pela Defensoria Pública foi analisada em questão de ordem previamente ao julgamento do mérito do IRDR suscitado pela Samarco, que ocorreu apenas uma semana após o movimento da Defensoria57 57 Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n. 1.0273.16.000131-2/001. Órgão Julgador: 2ª Seção Cível. Rel. Des. Amauri Pinto Ferreira. J. em: 22.04.2019. . O relator considerou que a Defensoria é legítima para requere a instauração do incidente, com base no art. 977, inc. III, do CPC, destacando, ainda, que a propositura do incidente por um dos legitimados “não impede que outro proceda de igual modo, já que não existe eficácia preclusiva oponível a um legitimado em razão do exercício de tal direito por outro”. Afirma que apenas poderia se falar em preclusão para os demais legitimados se a questão colocada no incidente já tiver sido julgada pelo tribunal, com fixação da respectiva tese.

    Todavia, afirmando haver total identidade de questões tratadas nos dois IRDRs, afirma não ser necessária a admissão e a do IRDR manejado pela Defensoria, aplicando-se a fundamentação da admissão do IRDR da Samarco, e estendendo àquele a conclusão da desnecessidade de instrução probatória já afirmada para este. Conclui, então, que “por uma questão de racionalização, eficiência e economia processual”, as razões declinadas pela Defensoria deveriam ser integralmente consideradas no julgamento do mérito do IRDR, admitindo-se a intervenção do órgão como “proponente”. Segundo o acórdão, a solução encontra em consonância tanto com o Enunciado n. 48 dos Grupos de Trabalho do Fórum de Debates e Enunciados sobre o Novo Código de Processo Civil58 58 “Enunciado 48: (art. 983) Instaurado o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, outros incidentes versando sobre objeto, pedido ou causa de pedir idênticos serão liminarmente rejeitados, facultada aos interessados a manifestação, nos termos do artigo 983.” , do TJMG, quanto com o Enunciado n. 89 do Fórum Permanente de Processualistas Civis59 59 “Enunciado 89: Havendo apresentação de mais de um pedido de instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas perante o mesmo tribunal todos deverão ser apensados e processados conjuntamente; os que forem oferecidos posteriormente à decisão de admissão serão apensados e sobrestados, cabendo ao órgão julgador considerar as razões neles apresentadas”. .

    Vale consignar que, no julgamento principal, proferiram sustentação oral apenas a advogada da Samarco e o membro do Ministério Público.

    Participação do Ministério Público: O Ministério Público, por meio da Procuradoria de Justiça, deve intervir obrigatoriamente no IRDR, conforme previsão do art. 976, §2, do CPC. Quando recebeu o processo para manifestação, observando a dificuldade de participação, formulou contundente parecer a respeito, destacando a necessidade de se conferir contraditório à parte contrária, embora se note que teve dificuldades em enquadrar a possibilidade de intervenção dos atingidos nos instrumentos processuais existentes. Para os Procuradores que subscreveram o parecer, é certo que no caso não há mesmo causa-piloto a ser julgada, o que sempre ocorrerá quando o IRDR advier de processos que tramitam nos juizados especiais. Todavia, tal circunstância não deve conduzir à interpretação de que a única parte com direito à palavra no processo seria a própria suscitante, “o que constitui verdadeiro absurdo, porquanto se fixará tese – com efeito vinculante –, sem se dar à parte contrária a oportunidade de debater as questões suscitadas”.

    O entendimento exposto pelo órgão, “para propiciar o debate qualificado das teses”, é admitir a intervenção dos atingidos como suscitados e das acionistas da Samarco como assistentes da suscitante. Para o Ministério Público, o processo é nulo se não contar com tais participações.

    O órgão ainda comenta a decisão que indefere a intervenção da Defensoria Pública como amicus curiae, afirmando que, mais que isso, ela pode intervir como “assistente litisconsorcial ulterior da parte, pois “[s]e pode propor o IRDR, com mais razão a Defensoria Pública pode requerer sua intervenção como assistente litisconsorcial ulterior da parte, recebendo o processo no estado em que se encontra, mas com os mesmos poderes desta, e não com as restrições em caso de intervenção como amicus curiae (art. 138 do CPC)”. Nota-se, assim, em tal parecer, uma crítica por parte do Ministério Público da maneira não participativa com que o incidente vinha sendo conduzido60 60 Como na data de conclusão deste artigo, essas diversas questões suscitadas pelo Ministério Público ainda não haviam sido apreciadas, assim como não o foi o próprio mérito do IRDR, não é possível ainda afirmar como o Tribunal de Justiça se comportará no tocante às demandas por maior participação no processo. .

    Participação da empresa Samarco: A Samarco é a efetiva suscitante do IRDR, de forma que participou do processo como parte, tendo participado ativamente no processo.

    Resultado: Inicialmente, o IRDR foi admitido monocraticamente pelo Relator, ad referendum do julgamento colegiado, ao apreciar tutela de urgência formulada pela Samarco. Posteriormente, o IRDR foi admitido também pela Segunda Seção Cível, em 27.08.201761 61 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. IRDR n. 10105.16.000562-2/004 (renumerado para 1.0273.16.000131-2/001). Órgão Julgador: 2a Seção Cível. Relator: Amauri Pinto Ferreira. J. em: 24.04.2017. . Os principais fundamentos são: a) a existência de milhares de ações com causa de pedir remota, pedido e fundamentação semelhantes, todas incluindo a suscitante Samarco no polo passivo; b) as questões a serem analisadas seriam todas de direito, supostamente sem análise de fatos. Para o relator, todas elas seriam “abstratas, como toda e qualquer tese de direito deve ser”; c) há efetiva divergência entre as sentenças, pois algumas entendem não ser necessária a comprovação de qualquer vinculação com o serviço de água para que se possa propor ação de indenização, enquanto que outras limitam a legitimidade ativa somente aos titulares de contas de água. Existiria, também, discrepância entre a caracterização ou não do dano moral em razão de dúvida subjetiva sobre a qualidade da água fornecida. Há, por fim, grande disparidade entre os valores indenizatórios que têm sido fixados, não havendo homogeneidade quanto aos parâmetros de indenização. O relator nota que “não tem havido considerações singulares, casuísticas, lastreadas nas especificidades de cada caso, que justifiquem essa diversidade. Os fundamentos têm sido gerais, contudo, ora são considerados, ora não. Isso configura verdadeira balburdia”.

    4. Conclusão

    Se, do lado dos movimentos sociais, a centralidade dos/as atingidos/as em processos e negociações atinentes a danos socioambientais é inconteste, o processo civil ainda se apega a um modelo essencialmente individualista, mesmo em mecanismos que se propõem a transcender os limites da relação jurídica singular. Mesmo na ação coletiva, a substituição processual se mostra um modelo imperfeito, que demanda mecanismos de governança e de ampliação da participação direta para que lhe seja conferida a devida legitimação social procedimental e finalística. É o que se viu com o TTAC firmado no âmbito do caso Rio Doce e a necessidade de que fossem firmados outros acordos, que previssem o devido aprimoramento dos procedimentos participativos para conferir alguma legitimação social às soluções transacionadas.

    Na contramão dessa busca pela legitimação social pela via da participação dos/as atingidos/as e da governança processual, o IRDR se coloca também no contexto de casos complexos, como se verifica no caso estudado, muito embora suas vias participativas sejam consideravelmente limitadas. Isso porque a própria lógica e sistemática do incidente impõe um julgamento em órgãos de cúpula e uma discussão predominantemente jurídica, com limitadas possibilidades de manifestações orais e escritas. Para além das partes envolvidas, viabiliza-se apenas a participação de amici curiae, do Ministério Público e da Defensoria Pública e, de forma ainda restrita e não consolidada, a manifestação de atingidos/as que tenham ajuizado ou que sejam parte de ações individuais, na condição de “interessados”.

    Do estudo empírico, extraiu-se que as ações individuais versam sobre temas de inegável importância, tais como o acesso, a qualidade e os danos decorrentes da falta de abastecimento de água. Nesses casos, a fixação de teses jurídicas pelo instrumento do IRDR foi, pelo lado dos/as atingidos/as e do Ministério Público, como forma de assegurar essa via individual e, pelo da Samarco, para estancá-la, principalmente no âmbito dos juizados.

    Verificou-se também que as questões tratadas são de grande importância nesses processos reparatórios, tais como elegibilidade, parâmetros probatórios e de fixação de valores para ofensas imateriais, ou seja, violações ao modo de vida. Temas, portanto, para os quais a participação dos/as atingidos/as seria fundamental.

    A empresa Samarco invocou ou buscou utilizar-se da via do IRDR para consolidar teses restritivas, seja alegando que a individualidade das ações indenizatórias inviabilizaria a formulação de teses jurídicas, seja para afastar a competência dos juizados para tramitação e julgamento de ações relacionadas aos danos pela má qualidade da água. Nessa linha argumentativa, teve êxito em afastar a via dos juizados, que além de mais acessíveis e informais, mostraram-se, tanto em Minas Gerais quanto no Espírito Santo, mais permeáveis às decisões de procedência.

    Além disso, a Samarco também se utilizou do incidente para invocar a consolidação de teses restritivas quanto à elegibilidade, comprovação e parâmetros indenizatórios. Justamente neste IRDR (1126962-87.2018.8.13.0000) - o mais abrangente e impactante de todos - o posicionamento do TJMG foi totalmente restritivo à participação dos/as atingidos/as, tanto a parte do caso individual quanto entidades voltadas a defesa de interesses alinhados aos das pessoas atingidas. Esse entendimento parte de uma compreensão tecnicista do IRDR, que ignora e reduz a complexidade social por detrás das questões suscitadas, bem como os efeitos do julgamento das teses a serem firmadas.

    Percebeu-se também a importância da participação dos atingidos, seja dos interessados ou das partes do caso paradigma, para fins de reconstrução adequada do substrato fático subjacente à tese jurídica e sua adequação à realidade dos territórios atingidos. É o caso, por exemplo, por exemplo, da discussão havida sobre parâmetros probatórios acerca da interrupção de abastecimento de água (IRDR nº 0039689-96.2016.8.08.0000), no qual se se suscitou a possibilidade de flexibilização probatória acerca da residência da parte autora em ações indenizatórias referentes à abastecimento de água. Conforme trazido pela parte do caso paradigma, exigir contratos com concessionárias ou contas domiciliares para cada atingido/a pode ser incompatível com a realidade local, em que não há necessariamente a correspondência entre usuário do serviço de abastecimento e residentes em cada domicílio. Essas são informações factuais atinentes à realidade das pessoas atingidas que são imprescindíveis à compreensão dos contornos das questões jurídicas, que dificilmente seriam trazidas pelas instituições de justiça. É por isso, aliás, que há muito se reconhece que a divisão entre questão de fato e de direito é muito mais fluída do que o direito processual tenta fazer parecer.

    Ademais, o caso também revela que mesmo as categorias processuais relacionadas à participação nos IRDRs – “legitimado”, “interessado”, “amicus curiae”, “assistente” – foram insuficientes para viabilizar uma influência decisiva do atingido nos incidentes estudados, ou até mesmo para propiciar maior influência de entidades, como a Defensoria, que, em tese, canalizariam as demandas dessas pessoas.

    Confirmando-se, então, a hipótese traçada, é possível concluir pela inadequação do IRDR para tratar de questões relacionadas a desastres socioambientais, dadas as limitações das vias participativas identificadas. Também se constatou que, a despeito dessa insuficiência em termos de contraditório, o incidente pode ser (e de fato vem sendo) utilizado como estratégia pelos diferentes atores, seja para assegurar a via das ações individuais, seja para restringi-la. No caso estudado, ficou também evidenciado o êxito da poluidora no uso dessa estratégia, na medida em que os incidentes inadmitidos poderiam ser favoráveis aos/às atingidos/as e que os pronunciamentos já exarados foram essencialmente alinhados aos argumentos defendidos pela empresa. Mesmo nos casos de inadmissão do incidente, ficou claro o posicionamento restrito do Judiciário no tocante às indenizações por esses danos. Resta questionar se os resultados seriam os mesmos caso os instrumentos processuais utilizados fossem mais participativos e capazes de assegurar o protagonismo dos/as atingidos/as.

    • 1
      QUEIROZ, Luzia; LINO, Mirella. “Falar na nossa língua”. A Sirene. Disponível em http://jornalasirene.com.br/a-gente-explica/2018/08/23/falar-na-nossa-lingua, acesso em 12 jul 2019.
    • 2
      Conforme Lei nº 11.672/2008, que introduziu o artigo 543-C no CPC para julgamento por amostragem de recursos especiais repetitivos. O CPC/2015 mantém essa lógica no âmbito dos recursos especiais e a amplia para recursos extraordinários (artigo 1.036).
    • 3
      Conforme artigo 976 e seguintes do CPC/2015.
    • 4
      A esse respeito, o diretor-presidente da Fundação Renova, Roberto Waak, admite em matéria para a Folha de São Paulo, datada de 27 de junho de 2019, que o TTAC não contou com a participação dos atingidos na sua elaboração: “No caso do rio Doce, a pouca participação deste grupo de pessoas na concepção do TTAC gerou uma fragilidade de nascença, potencializando críticas e embates (“Os desafios da reparação do Rio Doce”. Folha de São Paulo. 27 jun. 2019).
    • 5
      SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Reclamação n. 31.935 – MG. Decisão monocrática. Relatora: Desembargadora Convocada Diva Malerbi. J. em: 30.06.2016.
    • 6
      SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Conflito de Competência n. 144.922-MG. Órgão Julgador: Primeira Seção. Relator: Desembargadora Convocada Diva Malerbi. J. em: 22.06.2016.
    • 7
      TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO. Agravo de Instrumento n. 0002170-18.2016.4.01.0000/MG. Órgão Julgador: 5ª Turma. Relator: Desembargador Federal Névito Guedes. J. em: 17.08.2016.
    • 8
      Importante pontuar que a regulação atinente aos processos coletivos no Brasil permite a convivência entre ações individuais e coletivas acerca da mesma matéria, conforme prevê o artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor, embora tenha sido firmada no STJ tese jurídica, em julgamento de recurso repetitivo, no sentido de que “ajuizada ação coletiva atinente a macro-lide geradora de processos multitudinários, suspendem-se as ações individuais, no aguardo do julgamento da ação coletiva” (Tese nº 60 - Recurso Especial nº REsp 1110549/RS, julgamento em 19 ago. 2010).
    • 9
      VAINER, Carlos B. “Conceito de ‘atingido’: uma revisão de debates e diretrizes”. Rio de Janeiro: IPPUR/UFRJ, jul./2005, p. 1-23.
    • 10
      SANTOS, Mariana Correia dos. “O conceito de 'atingido' por barragens - direitos humanos e cidadania”. Direito e Práxis. Rio de Janeiro, Vol.06, N.11, 2015, p.113-­140.
    • 11
      SANTOS, 2015SANTOS, Mariana Correia dos. “O conceito de 'atingido' por barragens - direitos humanos e cidadania”. Direito e Práxis. Rio de Janeiro, Vol.06, N.11, 2015., op. cit., p. 119-120.
    • 12
      SANTOS, 2015SANTOS, Mariana Correia dos. “O conceito de 'atingido' por barragens - direitos humanos e cidadania”. Direito e Práxis. Rio de Janeiro, Vol.06, N.11, 2015., p. cit., p. 125; e
    • 13
    • 14
      “Por outro lado, há que considerar que conflito, interlocução e negociação são partes essenciais e complementares de processos democráticos e participativos” (WORLD COMMISSION ON DAMS. Dams and Development: a new framework. Londres: Earthscan Publications Ltd, London and Sterling, 2000. Disponível em “https://www.internationalrivers.org/sites/default/files/attached-files/world_commission_on_dams_final_report.pdf, acesso em 12 jul. 2019).
    • 15
      “A melhor maneira de tratar questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente de que disponham autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar em processos de tomada de decisões. Os Estados devem facilitar e estimular a conscientização e a participação pública, colocando a informação à disposição de todos” (Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1992).
    • 16
      VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo. In: MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel (coords.). Coleção O novo processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2016, p. 124.
    • 17
      A novel legislação processual brasileira positivou a noção de efetivo contraditório nos art. 7°, 9° e 10° CPC.
    • 18
      THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo justo e contraditório dinâmico. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD), Curitiba, jan.-jun. 2007.
    • 19
      BRASIL. Senado Federal. Anteprojeto do Código de Processo Civil. Brasília: 2010, p. 20-21.
    • 20
      “Há, assim, no processo coletivo, em comparação com o individual, uma participação maior pelo processo, e uma participação menor no processo: menor, por não ser exercida individualmente, mas a única possível num processo coletivo, onde o contraditório se exerce pelo chamado ‘representante adequado’ (GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. GRINOVER, Ada Pellegrini; MENDES, Aluisio Gonçalves de; WATANABE, Kazuo. Direito Processual Coletivo e o Anteprojeto do Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007, p. 13).
    • 21
      Sobre os problemas da substituição processual, Adonias Bastos afirma: “Se, de um lado, as demandas coletivas diminuem a desigualdade entre pequenos litigantes e grandes réus, de outro lado, a substituição processual traz inconveniente como o de permitir que alguns sujeitos, legitimados pela lei, postulem em prol do interesse de uma coletividade geograficamente dispersa, cujos indivíduos não são conhecidos na sua totalidade, e que, muitas vezes, não possuem sequer notícia da demanda coletiva e dos seus efeitos, (b) a existência de conflitos internos na classe representada que não são considerados na propositura e no julgamento do conflito coletivo, (c) a falta de opção dos indivíduos substituídos em manifestar em juízo a vontade de não serem atingidos pelos efeitos da demanda coletiva; (d) a inexistência de comprometimento dos substituídos com a questão debatida; e (e) de que alguns órgãos do Estado ou mesmo entidades representativas, legitimados em caráter geral e abstrato, não estejam tão próximos dos fatos” (BASTOS, Antônio Adonias Aguiar. Situações jurídicas homogêneas: um conceito necessário para o processamento de demandas de massa. Revista de Processo, São Paulo, v. 186, p. 87-107, versão digital, ago. 2010)
    • 22
      “Deveras, mesmo que não haja dúvidas a respeito da impossibilidade de o referido acordo limitar o acesso à Justiça dos indivíduos que se sentirem prejudicados com o rompimento da barragem do Fundão, o fato é que ainda devem ser respaldadas outras demandas de natureza igualmente coletivas, as quais repercutem sobre a esfera de direitos de entes federativos e entidades civis que sequer tiveram a oportunidade de participar das tratativas para a autocomposição do litígio, a exemplo dos Municípios atingidos e associações representantes dos interesses envolvidos na causa (...). Ademais, diante da extensão dos danos decorrentes do desastre ocorrido em Mariana/MG, seria rigorosamente recomendável o mais amplo debate para a solução negociada da controvérsia, por meio da realização de audiências públicas, com a participação dos cidadãos, da sociedade civil organizada, da comunidade científica e dos representantes dos interesses locais envolvidos, a exemplo das autoridades municipais” (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Reclamação n. 31.935 – MG. Decisão monocrática. Relatora: Desembargadora Convocada Diva Malerbi. J. em: 30.06.2016).
    • 23
      Nesse sentido: ABBOUD, Georges; CAVALCANTI, Marcos de Araújo. “Inconstitucionalidade do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) e os riscos ao sistema decisório” In Revista de Processo, vol. 240, fev./2015, 2015, p. 221-242; BASTOS, Antonio Adonias Aguiar. O devido processo legal nas demandas repetitivas. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Estado da Bahia: 2012; RODRIGUES, Marcelo Abelha. “Técnicas individuais de repercussão coletiva x técnicas coletivas de repercussão individual. Por que estão extinguindo a ação civil pública para a defesa de direitos individuais homogêneos?” In MILARÉ, Édis (Coord.). Ação civil pública após 30 anos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 555-567.
    • 24
      Nesse sentido: ZUFELATO, Camilo (coord.). Relatórios de pesquisa do Observatório Brasileiro de IRDRs da FDRP/USP: Dados de incidentes suscitados de 18 de março de 2016 a 15 de junho de 2018. Ribeirão Preto: USP, 2019; ASPERTI, Maria Cecília de Araujo. Recursos Repetitivos e Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: uma análise da perspectiva do acesso à justiça e da participação no processo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018; FRANCISCO, João Eberhardt. Filtros ao acesso individual à justiça: estudo sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo. São Paulo: USP, 2018; GUIMARÃES, Amanda de Araújo. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. São Paulo: Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo. São Paulo: USP, 2018; SILVEIRA, Bruna Braga da. Litigiosidade repetitiva, processo e regulação: interações entre o judiciário e o regulador no julgamento de casos repetitivos. Salvador: Juspodium, 2020.
    • 25
      Em verdade, o desafio é propiciar uma participação efetiva dessas partes, dado que, com frequencia, casos repetitivos são configurados pela relação entre litigantes habituais, que recorrem à justiça com frequencia em demandas similares, e litigantes ocasionais, como é o caso das pessoas atingidas, conforme tipologia cunhada pelo conhecido texto (“Why the haves come out ahead? Speculations on the limits of legal change”. Law and Society Review, v. 9, n. 1, p. 95-160, 1974. Republicação (com correções) In Law and Society. Dartmouth, Aldershot: Cotterrell, 1994, p. 165-230; confira-se interpretação desse referencial no contexto brasileiro em GABBAY, Daniela Monteiro et al. “Why the'Haves' Come Out Ahead in Brazil? Revisiting Speculations Concerning Repeat Players and One-Shooters in the Brazilian Litigation Setting”. Revista de Direito Público, Porto Alegre, Volume 16, n. 88, 2019, 11-33, jul-ago 2019. Assim, a própria legitimidade desse instrumento processual é, de partida, discutível, vez que não traz qualquer preocupação quanto à representatividade adequada dos interesses dos demais litigantes ocasionais, ainda que a tese jurídica – diversamente do que ocorre com a coisa julgada coletiva – afeta diretamente seus interesses, inclusive pro et contra (ASPERTI, 2018ASPERTI, Maria Cecília de Araujo. Recursos Repetitivos e Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: uma análise da perspectiva do acesso à justiça e da participação no processo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, p. 2017-2017).
    • 26
      Fredie Didier Jr. e Leonardo Cunha argumentam que haveria um interesse jurídico propriamente dito por parte daqueles que buscam intervir no julgamento do caso paradigma, cabendo-lhes intervir no incidente e atuar como assistentes simples das partes no julgamento da causa-piloto (DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil (v. 3). Salvador: JusPodivm, 2016, p. 607-608).
    • 27
      Sofia Temer acha que a assistência não seria inteiramente adequada para explicar a intervenção dos sujeitos sobrestados no IRDR, dado que não haveria um vínculo material entre os sujeitos (TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 175).
    • 28
      BASTOS, 2012, P. 173.
    • 29
      Extraído da reportagem “Estado em Crise”. Capítulo 3. A Sirene. Disponível em http://jornalasirene.com.br/espirito-santo/2018/11/19/capitulo-3-estado-de-crise. Acesso em 17 jul 2019.
    • 30
      “Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, autuado sob o nº 040/2016, deflagrado pelos MAGISTRADOS COMPONENTES DA TURMA RECURSAL REGIÃO NORTE, apontando dissensões nas decisões das inúmeras ações protocolizadas junto aos Juizados Especiais Cíveis, sendo conflitante o reconhecimento do dano, bem como valores lançados em sentenças totalmente divergentes. Ações visam à reparação civil decorrente de ato ilícito praticado pela empresa SAMARCO MINERAÇÃO S/A, tendo como causa de pedir os danos advindos da falha na prestação de serviços, que resultou no rompimento de barragens de rejeitos de Fundão no Estado de Minas Gerais, interrompendo o abastecimento de água potável nas cidades banhadas pelo Rio Doce, bem como na Vila de Regência, município de Linhares. Adoção da Teoria do Risco Integral para os casos de dano ambiental, responsabilidade objetiva da Samarco Mineração S/A. Responsabilidade objetiva por danos a terceiros. Dano Ambiental Individual, também chamado de dano ricochete ou reflexo. Cada munícipe lesado tem o direito constitucional de ser integralmente reparado na sua esfera individual pelos danos sofridos, desde que morador da área afetada. Danos Morais fixados pela falta de abastecimento de água em R$ 1.000,00 (um mil reais), na forma individual, para todas as ações ajuizadas. Necessária apresentação conta de abastecimento de água comprovando o domicílio do postulante se residente na área afetada. Colégio Recursal dos Juizados Especiais” (Rel. Marcelo Pimentel, julgamento em 10 mar. 2017). É necessário considerar como a falta ou dificuldade de acesso a informações sobre o inteiro teor deste julgado são, em si, um indicativo da problemática de participação por parte dos atingidos, dado que a informação é, sem dúvida, elemento fundamental para o exercício do contraditório efetivo. Ou seja, muito embora esse IRDR tenha profundas repercussões nas ações individuais no Estado do Espírito Santo, não são acessíveis as motivações que levaram a Turma de Uniformização a consolidar o entendimento de que as indenizações deveriam estar restritas ao montante de R$ 1.000,00.
    • 31
      Segundo Des. Adalto Dias Tristão: "Inicialmente, registro que o digno Relator, com todas as vênias, introduziu questão que não é objeto da inicial do Ministério Público, eis que o Parquet traz somente a questão relativa ao cabimento da indenização individual devido à ocorrência de dano ambiental. A segunda tese, relativa à possibilidade de existência de dano moral resultante da interrupção do fornecimento de água em razão do dano ambiental ocorrido, fora abordada tão somente de passagem, mas não como fundamento do IRDR.
    • 32
      É de se notar que a Samarco é representada nos quatro IRDRs examinados pelo mesmo escritório de advocacia, do prof. Humberto Theodoro Jr., renomado processualista civil e professor aposentado da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.
    • 33
      “Minha assessoria analisou o andamento das doze decisões citadas na petição inicial deste IRDR em que o magistrado da 2ª Vara Cível de Colatina julgou improcedentes os pedidos de dano moral. Todas elas foram ajuizadas pelos mesmos advogados, e todas requerem o julgamento antecipado da lide, fundamentando-se na existência de fato público e notório. Em todas elas o dano moral individual foi negado porque não foi comprovado. Não há, portanto, divergência quanto ao cabimento de dano moral individual em razão do desastre ambiental provocado pelo rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco.” (Des. Sérgio Bizzotto Pessoa de Mendonça) - não há manifestação desses atingidos.
    • 34
      É importante notar, contudo, que o próprio MP manifesta-se contra a apreciação desse argumento: “Entendo, de plano, que a prematura fase dos autos não enseja a apreciação das teses meritórias trazidas pela interessada Evely Eva Vieira da Silva às fls.204/216, uma vez que estamos em sede de exame de admissibilidade, nos termos do art. 981 do Novo Código de Processo Civil, segundo o qual, “Após a distribuição, o órgão colegiado competente para julgar o incidente procederá ao seu juízo de admissibilidade, considerando a presença dos pressupostos do art. 976" (trecho da sustentação oral do Procurador de Justiça Joremar Moreira).
    • 35
      "Isto porque, muito embora haja significativa repetição de demandas semelhantes, não se verifica o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, eis que cada caso deve ser analisado de forma individual, de modo a demonstrar a existência ou não de prejuízo concreto capaz de gerar a indenização por dano moral (trecho do voto do Desembargador Adalto Dias Tristão).
    • 36
      “Por outro lado, a causa de pedir das Varas Cíveis reflete a discussão sobre a existência ou não de dano moral decorrente de um dano ambiental de natureza difusa. Como bem delimita a ilustre advogada da empresa SAMARCO, todas as sentenças estão julgando improcedentes as dezenas de ações com esta causa de pedir. Assim, não haveria qualquer divergência e, logo, não haveria risco à isonomia (trecho do voto do Desembargador Pedro Valls Feu Rosa)
    • 37
      "O Desembargador ANNIBAL DE REZENDE LIMA, Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, no uso de suas atribuições legais e tendo em vista a necessidade de incluir no sistema dos Juizados Especiais a competência para o processamento e julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, de Assunção de Competência e da Reclamação, previstos no Código de Processo Civil, bem como da inclusão das Sessões Virtuais de Julgamento para imprimir maior agilidade na apreciação de recursos no âmbito das Turmas Recursais, Plenário do Colegiado Recursal e Turma de Uniformização de Interpretação de Lei, após sessão ordinária realizada no Egrégio Tribunal Pleno em 10/11/2016" .
    • 38
      "Muito embora haja significativa repetição de demandas semelhantes, não se verifica o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, eis que cada caso deve ser analisado de forma individual, de modo a demonstrar a existência ou não de prejuízo concreto capaz de gerar a indenização por dano moral. O risco de ofensa à segurança jurídica e a isonomia não basta ser suscetível de existir, é necessária a presença de risco efetivo, real, o que não se vislumbra no caso em apreço. As decisões das varas cíveis de Colatina não são discrepantes, todas no mesmo sentido, pela improcedência. O que não são idênticas são as decisões dos Juizados Especiais com as Varas Cíveis. Não há como padronizar situações fáticas diversas, tendo em vista a existência de várias situações e diversidade de ações em curso, as quais devem ser analisadas caso a caso, levando em consideração as peculiaridades que cada feito apresenta" (Ementa) (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESPÍRITO SANTO. IRDR n. 0038578-77.2016.8.08.0000. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Arthur José Neiva de Almeida. J. em: 16.02.2017).
    • 39
      Esse entendimento possui relevantes repercussões, especialmente considerando que a Turma de Uniformização julgou, em 10 de março de 2017, um IRDR sobre danos morais em razão da falta de abastecimento de água, fixando o valor de R$ 1.000,00 para todas as ações individuais, bem como a necessidade de comprovação mediante apresentação de conta de abastecimento de água, em que se comprovasse que o autor da ação possuía residência na área afetada (IRDR nº 40/2016). Esse valor é consideravelmente inferior ao comumente postulado nessas ações individuais, bem como ao parâmetro proposto pelos atingidos que requereram a instauração do IRDR nº 0039689-96.2016.8.08.0000, descrito no item 4.3. Lembrando que esse incidente da Turma de Uniformização não foi analisado em razão da falta de acesso a integralidade do acórdão do seu julgamento.
    • 40
      Todos patrocinados, no IRDR, pelo advogado Marcelo Abelha Rodrigues, conhecido processualista e professor da Universidade Federal do Espírito Santo.
    • 41
      "Várias foram encerradas na raiz sob fundamento de que a legitimidade ad causam dessas pessoas dos moradores que reclamaram indenização por dano moral, dependia de prova líquida prova literal do contrato com a SANEAR. Nós sustentamos eventualmente em recurso que gerou , justamente a possibilidade de nascer um IRDR, alguns casos nós tivemos essas decisões outros casos essas decisões não foram dadas". Sustenta que o documento não é essencial: "É documento essencial do art. 320 , inciso do Código de Processo Civil , há prova do contrato com a SANEAR para fins de indenização pessoal? O que sustentamos como em alguns casos foi deferido em primeiro grau . É possível que o jurisdicionado use qualquer meio de prova para demonstrar a existência da sua legitimidade ad causam"
    • 42
      "Antes de passarmos propriamente ao exame das questões e as razões pelas quais a Samarco entende que esse IRDR não deve ser admitido, é preciso ressaltar e destacar que a empresa não ficou inerte diante da situação ao longo desse período. Foi feito um acordo no âmbito de uma ação civil pública em tramitação na Justiça Federal e nesse acordo se celebrou todo um programa; o chamado programa de indenização mediada (...) Esse programa de indenização mediada no ambiente e no município de Colatina é um programa bastante exitoso. Para que Vossas Excelências tenham ideia, até o dia 31 de outubro deste ano, foram atendidas 84.026 (oitenta e quatro mil e vinte e seis) pessoas com 83.522 (oitenta e três mil, quinhentos e vinte e duas) propostas já aceitas e indenizações encaminhadas, portanto, para o respectivo pagamento. Essa diferença de 84.026 (oitenta e quatro mil e vinte e seis) para 83.522 (oitenta e três mil, quinhentos e vinte e duas) é o tempo que se tem para o processamento burocrático, para que se consiga chegar ao efetivo pagamento"
    • 43
      TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESPÍRITO SANTO. IRDR n. 0039689-96.2016.8.08.0000. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Dair José Bregunce de Oliveira. J. em: 09.11.2017.
    • 44
      Nesse sentido, o Desembargador Sérgio Bizzotto Pessoa de Mendonça sustenta que nas ações de primeiro grau nenhuma prova documental foi apresentada, mas “somente declarações desprovidas de documentos foram colacionadas nas tentativas fracassadas de emenda da inicial”. Similarmente, o Desembargador Samuel Meira Brasil Júnior sustenta que são apresentados documentos na inicial dos autores dos processos individuais para comprovar a residência nos locais onde houve interrupção de abastecimento (“certificado de quitação eleitoral, declaração de união estável com o titular do contrato de água encanada, certidão de nascimento do filho com a pessoa titular, contratos de locação com o titular etc.”), mas que deveriam ser valorados individualmente, do que decorreria essa ser uma questão fática, e não de direito.
    • 45
      Foi formulada da seguinte forma pela suscitante: "Os Juizados Especiais são competentes para processar e julgar demandas que têm como objeto o fornecimento de água e/ou indenização por danos morais e que trazem entre os fundamentos a dúvida acerca da qualidade da água fornecida pelo sistema público de distribuição das cidades que captam água do Rio Doce em ações propostas em decorrência do rompimento da barragem de Fundão, situada em Mariana/MG, considerando a natureza técnica complexa da questão e a imprescindibilidade de produção de prova pericial?"
    • 46
      Justificando seu interesse no "direito do exercício profissional dos advogados em atuação nas demandas judiciais, de qualquer valor ou natureza” e na “tutela dos interesses coletivos da sociedade".
    • 47
      "A parte que tiver o seu processo suspenso nos termos do inciso I do art. 982 poderá interpor recurso especial ou extraordinário contra o acórdão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas
    • 48
      “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.
    • 49
      No sentido de “serem competentes os Juizados Especiais Cíveis para processar e julgar demandas que têm como objeto o fornecimento de água e/ou indenização por danos morais e que trazem entre os fundamentos a dúvida acerca da qualidade da água fornecida pelo sistema público de distribuição das cidades que captam água do Rio Doce em ações propostas em decorrência do rompimento da barragem de Fundão, situada em Mariana, devendo a suposta natureza técnica e complexa da questão, bem como a necessidade de produção de prova pericial, serem avaliadas pelos julgadores, e não tomadas como óbices a priori em relação à competência dos Juizados Especiais Cíveis”.
    • 50
      "Diante das milhares demandas judiciais que enfrenta nos JECs, a SAMARCO MINERAÇÃO S.A. tenta lançar mão de instrumentos técnico-jurídicos para obstar esses processos, de modo a impossibilitar a efetiva discussão jurídica de suas responsabilidades, dado que, como é óbvio, a grande maioria dos que hoje litigam contra a SAMARCO MINERAÇÃO S.A. com base na Lei nº 9.099/1995 não o poderão fazer caso tenham que arcar com as dificuldades próprias da Justiça Comum. Este IRDR representa assim apenas mais uma estratégia jurídica da SAMARCO MINERAÇÃO S.A. para tentar se furtar ao cumprimento expedito de suas obrigações, como também é o caso do IRDR n° 1.0105.16.000562-2/004, no qual lançamos Parecer".
    • 51
      TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. IRDR n. 1.0105.16.000562-2/001. Órgão Julgador: 2a Seção Cível. Relator: Amauri Pinto Ferreira. J. em: 24.04.2017.
    • 52
      Houve votos divergentes, como o da Desa. Claudia Maia, que entendeu que o IRDR envolvia questões fáticas e não apenas de direito, ressaltando ainda que cada caso concreto pode envolver hipóteses de dispensa de prova técnica (art. 374 do CPC), como, por exemplo, incidência de efeitos de revelia em desfavor da Samarco, admissão da má qualidade da água por ausência de impugnação específica do fato, ou, ainda, caso a má qualidade da água venha a se tornar fato notório.
    • 53
      Ou seja, a de que “os juizados especiais não são não são competentes para processar e julgar demandas que têm como objeto o fornecimento de água e/ou indenização por danos morais e que trazem entre os fundamentos a dúvida acerca da qualidade da água fornecida pelo sistema público de distribuição das cidades que captam água do Rio Doce em ações propostas em decorrência do rompimento da barragem de Fundão situada em Mariana/MG, tendo em vista a natureza técnica complexa da questão e a imprescindibilidade de produção de prova pericial para se apurar essa questão”
    • 54
      A única ressalva feita é de que é possível, no âmbito do juizado especial, “a utilização de prova emprestada de cunho técnico produzida em outro processo acerca da qualidade da água, submetida ao contraditório, sem que exista oposição aos seus termos, ou a renúncia \ desistência com aquiescência da parte contrária relativamente as pretensões suso mencionadas, hipótese em que os processos deverão continuar a fluir quanto os demais pedidos, caso existam” (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. IRDR n. 1.0105.16.000562-2/001. Órgão Julgador: 2a Seção Cível. Relator: Amauri Pinto Ferreira. J. em: 28.05.2018).
    • 55
      A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça adotou visão diversa sobre o papel da Defensoria Pública como amicus curiae e a pertinência da sua participação nos julgamentos de processos repetitivos que envolvam litigantes vulneráveis. O recurso especial n. 1.712.163 – SP foi afetado pela Segunda Seção para “definir se as operadoras de plano de saúde estão obrigadas ou não a fornecer medicamento importado, não registrado na ANVISA”. No próprio acórdão que aprovou a proposta de afetação, já se determinou a ciência à Defensoria Pública da União (“DPU”, entre outras entidades, para facultar-lhe a intervenção como “amicus curiae” (Proposta de Afetação de recurso especial no recurso especial n. 1.712.163 - SP. Órgão Julgador: Segunda Seção. Relator: Ministro Moura Ribeiro. J. em: 19.03.2018). A DPU apresentou proposta para que sua intervenção não se desse como “amicus curiae”, mas sim como “custus vulnerabilis”, o que lhe possibilitaria interpor todos e quaisquer recursos no processo, defendendo “sua legitimidade para intervir em demandas que possam surtir efeitos nas esferas das pessoas ou grupos de necessitados, mesmo em casos nos quais não há vulnerabilidade econômica, mas sim vulnerabilidade social, técnica, informacional, jurídica”. Em apreciação de embargos de declaração opostos pela DPU, seu pleito foi acolhido, considerando o Relator que “a atuação da Defensoria Pública mesmo na condição de amicus curiae, tem evoluído para uma intervenção ativa no processo em nome de terceiros interessados no êxito de uma das partes” e que “em virtude de esta Corte buscar a essência da discussão, tendo em conta que a tese proposta neste recurso especial repetitivo irá, possivelmente, afetar outros recorrentes que não participaram diretamente da discussão da questão de direito (...), bem como em razão da vulnerabilidade do grupo de consumidores potencialmente lesado e da necessidade da defesa do direito fundamental à saúde, entendo que a DPU está legitimada para atuar como custos vulnerabilis no feito (Embargos de Declaração no Recurso Especial nº 1.712.163 – SP. Órgão Julgador: Segunda Seção. Relator: Ministro Moura Ribeiro. J. em: 27.09.2019).
    • 56
      São representadas por dois dos maiores escritórios do Brasil, o Sérgio Bermudes Advogados (Vale) e o Pinheiro Neto Advogados (BHP).
    • 57
      Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n. 1.0273.16.000131-2/001. Órgão Julgador: 2ª Seção Cível. Rel. Des. Amauri Pinto Ferreira. J. em: 22.04.2019.
    • 58
      “Enunciado 48: (art. 983) Instaurado o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, outros incidentes versando sobre objeto, pedido ou causa de pedir idênticos serão liminarmente rejeitados, facultada aos interessados a manifestação, nos termos do artigo 983.”
    • 59
      “Enunciado 89: Havendo apresentação de mais de um pedido de instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas perante o mesmo tribunal todos deverão ser apensados e processados conjuntamente; os que forem oferecidos posteriormente à decisão de admissão serão apensados e sobrestados, cabendo ao órgão julgador considerar as razões neles apresentadas”.
    • 60
      Como na data de conclusão deste artigo, essas diversas questões suscitadas pelo Ministério Público ainda não haviam sido apreciadas, assim como não o foi o próprio mérito do IRDR, não é possível ainda afirmar como o Tribunal de Justiça se comportará no tocante às demandas por maior participação no processo.
    • 61
      TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. IRDR n. 10105.16.000562-2/004 (renumerado para 1.0273.16.000131-2/001). Órgão Julgador: 2a Seção Cível. Relator: Amauri Pinto Ferreira. J. em: 24.04.2017.

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    Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Dez 2021
    • Data do Fascículo
      Oct-Dec 2021

    Histórico

    • Recebido
      07 Jan 2020
    • Aceito
      11 Out 2020
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