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“Respeitem a forma de a gente ser”: Protocolo de Consulta Munduruku e pluralismo jurídico

“Respect who we are”: Munduruku Consultation Protocol and legal pluralism

Resumo

O artigo analisa o conflito entre o povo indígena Munduruku e o governo federal em torno do licenciamento de uma usina hidrelétrica no Estado do Pará. Por meio de etnografia documental, identifica que os agentes em conflito possuem sensibilidades jurídicas distintas acerca do direito à consulta e conclui que os Protocolos de Consulta Prévia são dotados de juridicidade, conforme previsão legal específica reconhecendo o pluralismo jurídico.

Palavras-chave:
Munduruku; Sensibilidade jurídica; Protocolo de consulta prévia; pluralismo jurídico

Abstract

This article analyzes the conflict between the Munduruku Indigenous people and the federal government over the licensing of a hydroelectric plant in the state of Pará. Through ethnography research, it identifies that the agents in conflict have distinct legal sensibilities of the right to prior consultation. Also, it concludes that the Consultation Protocols are enforceable, according to a specific legal provision recognizing legal pluralism.

Keywords:
Munduruku; Legal sensibilities; Consultation protocol; legal pluralism

1. Introdução: os diferentes sentidos da consulta prévia

O direito à consulta prévia, livre e informada, previsto na Convenção nº. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 1989, afirma que os povos indígenas e tribais1 1 No caso do Brasil, a categoria “tribais” refere-se às comunidades quilombolas e aos povos e comunidades tradicionais, a exemplo das comunidades ribeirinhas, comunidades de fundo de pasto, quebradeiras de coco babaçu, dentre outros sujeitos coletivos cujos direitos são resguardados pelo Decreto nº. 6.040/2007 (ROJAS GARZÓN, YAMADA, OLIVEIRA, 2016). devem ser consultados pelos governos sempre que forem previstas medidas administrativas ou legislativas suscetíveis de afetá-los diretamente (Artigo 6º). A consulta prévia é um espaço político, jurídico e institucional, no qual os grupos étnicos tem oportunidade de participar do processo decisório relacionado a medidas que afetem seus direitos coletivos. Ao prever o direito à consulta prévia, a Convenção nº. 169 - incorporada às leis brasileiras com status normativo supralegal2 2 Ratificada pelo Decreto Legislativo nº. 143, de 20 de junho de 2002, e entrou em vigor em junho de 2003. Na condição de tratado internacional de direitos humanos, a Convenção nº. 169 está hierarquicamente situada abaixo da Constituição, mas acima das leis ordinárias (Brasil, Supremo Tribunal Federal, 2006). - busca inaugurar uma nova relação, mais simétrica e respeitosa, entre grupos étnicos e Estados nacionais (ROJAS GARZÓN, YAMADA, OLIVEIRA, 2016ROJAS GARZÓN, Biviany; YAMADA, Erika M.; OLIVEIRA, Rodrigo. Direito à consulta e consentimento de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. São Paulo: Rede de Cooperação Amazônica - RCS; Washigton, DPLf, 2016.: 6).

Com a expansão da fronteira capitalista sobre territórios até então não inseridos no mercado (ou não integralmente inseridos), a consulta se torna uma das maiores reivindicações dos grupos étnicos neste início de século: povos indígenas, comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais lutam pelo respeito ao direito de serem consultados, em meio ao avanço de diversos projetos econômicos sobre seus territórios. O que se observa, no entanto, é que quando associada a projetos permeados por interesses públicos e/ou privados hegemônicos, a consulta prévia não atende às expectativas dos grupos étnicos e deixa de cumprir até mesmo os parâmetros jurídicos estabelecidos.

Rodríguez Garavito e Baquero Díaz, a propósito, comparam os casos de Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte, no Brasil, da exploração petroleira no território Kichwa, no Equador, e da hidrelétrica de Urrá, na Colômbia, e demonstram que o direito à consulta prévia vem sendo sistematicamente violado nas mais diversas regiões da América Latina, a exemplo da determinação que exige que a consulta seja prévia a qualquer autorização (2019).

Em tais contextos demasiadamente assimétricos, a consulta torna-se palco de práticas violentas e arbitrárias. Rodrigo de la Cruz, indígena Kichwa, aponta que as petroleiras não consultam, mas persuadem; não respeitam a organização política dos povos consultados, iludem e dividem; não informam com honestidade, transparência e boa fé, mas manipulam; não estabelecem acordos democráticos, compram; não debatem com transparência, atuam de forma subterrânea (2005:5).

Os conflitos decorrentes destes projetos, portanto, não se circunscrevem aos seus impactos sociais e ambientais, tampouco ao (des)cumprimento da legislação; também assumem a dimensão de embate entre os sentidos que os grupos em conflito atribuem às categorias e dispositivos legais.

Em texto pretérito, foi apresentada etnografia documental do conflito travado entre os Munduruku e o governo federal em torno da UHE de São Luiz do Tapajós, nos moldes propostos por Little (2006)LITTLE, Paul. Ecologia política como etnografia: um guia teórico e metodológico. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 12, n. 25, p. 85-103, 2006., tendo como fio condutor a reivindicação dos indígenas pela adequada aplicação do direito à consulta prévia, livre e informada. O estudo concluiu que os agentes conferem sentidos diferentes e, por vezes, antagônicos ao direito em disputa (OLIVEIRA, 2016OLIVEIRA, Rodrigo. A ambição dos pariwat: consulta prévia e conflito socioambiental. Belém: Dissertação de Mestrado - Programa de Pós Graduação em Direito/Universidade Federal do Pará, 2016.).

Estes “sentidos diferentes” não podem ser lidos meramente como distintas formas de interpretar um dispositivo legal específico, amoldando-se ao que Häberle denominou de sociedade aberta de intérpretes (2014). Os dados etnográficos ora apresentados, e que complementam aqueles anteriormente publicados, demonstram que se trata de uma autêntica dissensão normativa, na qual as sensibilidades jurídicas (GEERTZ, 1998GEERTZ, Clifford. O saber local: fatos e leis em uma perspectiva comparativa. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.) de grupos com diferentes sistemas cognitivos legais (ALMEIDA, 2003ALMEIDA, Mauro William Barbosa de. Relativismo antropológico e objetividade etnográfica. Campos-Revista de Antropologia, Curitiba, v. 3, 2003.) incidiram sobre a aplicação situacional (GLUCKMAN, 2009GLUCKMAN, Max. “La paz dentro de la contienda”. In: GLUCKMAN, Max. Costumbre y Conflicto en África. Perú: Fondo Editorial Universidad de Ciencia y Humanidades, 2009. p. 32-56.; GUIZARDI, 2012GUIZARDI, Menara Lube. Conflicto, equilibiro y cambio social en la obra de Max Gluckman. Papeles del CEIC. International Journal on Collective Identity Research [online], v. 2012, n. 2, 2012. Disponível em: <https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=76524825007>. Acesso em 16 de jan. 2020.
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:27) do direito à consulta prévia, livre e informada, no caso da UHE São Luiz do Tapajós.

Neste artigo, com base em etnografia documental3 3 Acerca da etnografia documental, Vianna (2014:47) defende que “levar a sério os documentos como peças etnográficas implica tomá-los como construtores da realidade tanto por aquilo que produzem na situação da qual fazem parte - como fabricam um 'processo' como sequência de atos no tempo, ocorrendo em condições específicas e com múltiplos e desiguais atores e autores - quanto por aquilo que conscientemente sedimentam” e, nesse sentido, a precaução do etnógrafo deve ser “levar a sério o que nos é mostrado, o modo como essa exibição se ordena, a multiplicidade de vozes e mãos presentes na sua confecção, sua dimensão material, seu lugar em cadeias de outros documentos e ações, suas lacunas e silêncios” (2014: 48). , é apresentada a dissensão normativa entre a sensibilidade jurídica munduruku e a sensibilidade jurídica governamental quanto ao direito à consulta prévia4 4 As sensibilidades jurídicas foram inferidas e extraídas de documentos que podem ser considerados oficiais, no sentido de que publicizam discursos construídos de acordo com a organização política e jurídica de cada um destes sujeitos. No caso do governo, analiso declarações de autoridades públicas e documentos oficiais. No caso dos Munduruku, utilizei o Protocolo de Consulta Munduruku e cartas, que são documentos discutidos, construídos e aprovados coletivamente. Mesmo as entrevistas analisadas não expressam unicamente a posição individual do entrevistado, na medida em que foram concedidas por lideranças ou representantes indicados pelos indígenas. , a partir do caso da UHE São Luiz do Tapajós. Conforme será evidenciado ao longo deste manuscrito, esta dissensão não opera de forma democrática, uma vez que a sensibilidade jurídica governamental constitui-se a partir de uma pretensão de hegemonia, buscando exercer, por meio de violência “legítima” e não legítima, o monopólio regulatório dos direitos étnicos e a supressão da diversidade.

Em seguida, os dados etnográficos são utilizados para analisar de que forma as sensibilidades jurídicas dos grupos étnicos devem ser incorporadas aos processos de consulta prévia conduzidos pelo Estado, obedecendo a determinações da própria Convenção nº. 169 e de outros documentos jurídicos. Nesse sentido, os Protocolos de Consulta Prévia, nos quais os grupos étnicos consubstanciam sua sensibilidade jurídica relativa ao direito à consulta, são documentos dotados de juridicidade.

Este artigo situa-se no campo interdisciplinar da Antropologia Jurídica, no qual o emprego do método etnográfico permite compreender a construção dos processos de consulta prévia para além de uma análise jurídico-centrada (SIGAUD, 1996SIGAUD, Lygia. Direito e coerção moral no mundo dos engenhos. Revista Estudos Históricos, São Paulo, v. 9, n. 18, p. 361-388, 1996.) em torno do cumprimento/descumprimento das normas. Com isso, pretende-se contribuir com alargamento do universo de compreensão das relações jurídicas e auxiliar o Direito a “aprender a sobreviver sem as certezas que o geraram” (GEERTZ, 1998GEERTZ, Clifford. O saber local: fatos e leis em uma perspectiva comparativa. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.: 328), notadamente o monismo ou onipresença do direito estatal.

2. Etnografando a dissensão normativa

Em “O saber local: fatos e leis em uma perspectiva comparativa”, obra fundamental para o campo da Antropologia Jurídica, Clifford Geertz analisa que o direito funciona à luz do saber local e é parte de uma maneira específica de imaginar a realidade, que não pode ser reduzida a um conjunto de normas, leis ou regulamentos (1998: 259). Nesse sentido, o conceito de sensibilidade jurídica, proposto pelo autor, refere-se aos diferentes sentidos de justiça ou sistema de direitos próprios de cada povo e permite falar de forma comparativa sobre as bases culturais do direito.

No caso dos povos indígenas e de outras minorias étnicas, suas sensibilidades jurídicas são resultados de uma contínua redefinição provocada pela imposição histórica do direito estatal (TERESA SIERRA, 2011TERESA SIERRA, Maria. “Pluralismo jurídico e interlegalidad. Debates antropológicos em torno al derecho indígena y las políticas de reconocimiento”. In: CHENAUT, Victoria; GÓMEZ, Magdalena; ORTIZ, Héctor; TERESA SIERRA, Maria (org.). Justicia y diversidad em América Latina: pueblos indígenas ante la globalización. México: CIESAS; Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales, Ecuador, 2011. p. 385-406.: 386). Em meio a esses processos de imposição, por outro lado, os direitos humanos são apropriados estrategicamente e incorporados aos sistemas de direitos de povos indígenas, comunidades quilombolas e comunidades tradicionais, que os ajustam e os redefinem de acordo com seus sistemas de significados culturais (ENGLE MERRY, 2010ENGLE MERRY, Sally. Derechos humanos y violencia de género. El derecho internacional en el mundo de la justicia local. Bogotá: Universidad de los Andes & Derecho y Sociedad, 2010.: 21). Nesse sentido, embora o direito à consulta – enquanto um direito/procedimento estatal específico - tenha origem na previsão da Convenção nº. 169, ele vem sendo progressivamente apropriado por estes grupos étnicos, que o reformulam a partir de suas sensibilidades jurídicas, garantindo-lhes ressonância cultural (ENGLE MERRY, 2010ENGLE MERRY, Sally. Derechos humanos y violencia de género. El derecho internacional en el mundo de la justicia local. Bogotá: Universidad de los Andes & Derecho y Sociedad, 2010.).

A etnografia apresentada na sequência permite verificar que, ao ser apropriado pelos Munduruku, o direito à consulta prévia interage com concepções e regras jurídicas nativas acerca da territorialidade, relação com a natureza, organização social e política, cosmologia, dentre outras dimensões da vida coletiva que, embora presentes em toda e qualquer sociedade, não são universais, mas próprios de sistemas de significados culturais particulares (GEERTZ, 1998GEERTZ, Clifford. O saber local: fatos e leis em uma perspectiva comparativa. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.).

Assim, os diferentes “sentidos” que os Munduruku e o governo federal atribuem à consulta prévia não são simples interpretações, mas se referem às “bases culturais do direito” (GEERTZ, 1998GEERTZ, Clifford. O saber local: fatos e leis em uma perspectiva comparativa. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.) ao decorrerem da interação do direito à consulta com diferentes estruturas de significação e regras jurídicas próprias, constituindo sensibilidades jurídicas particulares. Passo, então, a analisar a dissensão normativa entre a sensibilidade jurídica munduruku e a sensibilidade jurídica governamental acerca do direito à consulta prévia.

São Luiz do Tapajós é uma usina hidrelétrica de grande porte (potência nominal média de 4.012 MW) projetada para o médio curso do rio Tapajós, sudoeste do estado do Pará, em região de grande diversidade sociocultural e ambiental. Os estudos ambientais previram impactos sobre dezenas de comunidades tradicionais ribeirinhas e sobre o povo indígena Munduruku.

Ocupada tradicionalmente pelos Munduruku, a Terra Indígena Sawré Muybu seria uma das áreas de maior concentração de impactos e teria 7% de sua superfície alagada, implicando na remoção compulsória de ao menos três aldeias (Sawré Muybu, Dace Watpu e Karo Muybu). Além de impactos à pesca, à navegação, à integridade territorial e à segurança alimentar e do acirramento dos conflitos fundiários, a hidrelétrica destruiria ao menos dois lugares sagrados para os indígenas: Daje Kapap Eypi (onde o deus Karosakaybu teria criado a humanidade) e a Garganta do Diabo (FEARNSIDE, 2015: 23-24).

Considerada prioritária pelo planejamento energético brasileiro (BRASIL, Conselho Nacional de Pesquisa Energética, 2011), a hidrelétrica começou a ser licenciada em 2011 até ter seu licenciamento arquivado, em 2016, pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em razão da não demonstração da viabilidade ambiental e de inconstitucionalidade apontada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e pelo Ministério Público Federal (BRASIL, Fundação Nacional do Índio, 2014)5 5 Violação do artigo 231, §§3º e 5º da Constituição Federal de 1988, em razão de a hidrelétrica implicar em remoção compulsória de aldeias, o que é vedado pelo texto constitucional, bem como da ausência de regulamentação da norma constitucional de eficácia limitada que prevê a possibilidade de exploração hidrelétrica em terras indígenas. .

Durante esse período, os Munduruku – com população de cerca de treze mil pessoas e 130 aldeias localizadas em oito terras indígenas demarcadas ou em processo de demarcação – protagonizaram diversas ações, como a ocupação do canteiro de obras da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, a autodemarcação da Terra Indígena Sawré Muybu e a elaboração do Protocolo de Consulta Munduruku. O registro etnográfico do histórico do conflito entre os Munduruku e o governo federal em torno da construção da UHE São Luiz do Tapajós pode ser lido em Oliveira (2016)OLIVEIRA, Rodrigo. A ambição dos pariwat: consulta prévia e conflito socioambiental. Belém: Dissertação de Mestrado - Programa de Pós Graduação em Direito/Universidade Federal do Pará, 2016..

Após anos de reivindicação dos indígenas e de idas e vindas de uma intricada disputa judicial em ação movida pelo Ministério Público Federal, o Superior Tribunal de Justiça obstou a emissão de qualquer licença ambiental sem consulta prévia aos indígenas e comunidades tradicionais, em obediência ao que diz a Convenção nº. 169 (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2013). O reconhecimento deslocou o conflito do (des)cumprimento para o modo como a consulta prévia seria realizada, inclusive se o governo federal respeitaria os parâmetros legais básicos estabelecidos pela Convenção nº. 169 e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Nesse contexto, o Protocolo de Consulta Munduruku – documento no qual os indígenas dizem ao governo como querem ser consultados e que será discutido adiante com maior profundidade, sob a perspectiva da Antropologia Jurídica – foi essencial por ao menos três razões: impediu que a hidrelétrica fosse leiloada ao final de 2014, antes de a consulta ter sido iniciada; evitou que os Munduruku fossem submetidos a um processo de consulta enviesado e sem cumprimento das exigências legais, tal como vinha sendo conduzido pelo governo federal, e que ao cabo não garantiria aos indígenas condições efetivas de participação e decisão, e; consolidou em um documento a sensibilidade jurídica munduruku relativa ao direito à consulta prévia, que os Munduruku vinham expressando desde o início do conflito de maneira não sistematizada (OLIVEIRA, 2016OLIVEIRA, Rodrigo. A ambição dos pariwat: consulta prévia e conflito socioambiental. Belém: Dissertação de Mestrado - Programa de Pós Graduação em Direito/Universidade Federal do Pará, 2016.).

As sensibilidades jurídicas analisadas partem de diferentes relações que os agentes mantêm com o território e o ambiente onde se pretende instalar a UHE. A sensibilidade jurídica governamental assenta-se em uma visão meramente abstrata da territorialidade. O Estudo de Inventário Hidrelétrico da Bacia do rio Tapajós, por exemplo, define os “pontos ótimos” para a exploração do potencial hidrelétrico da bacia considerando tão somente as variáveis da ordem da engenharia que proporcionariam o melhor custo-benefício aos empreendimentos.

Elementos relativos às territorialidades dos grupos locais e aos impactos socioambientais não são determinantes no processo de tomada de decisão. A bacia do rio Tapajós é retratada como espaço indiferenciado e substituível, plenamente passível de ser reconfigurado com a chegada dos novos projetos. Ao colocar a discussão nesses termos, a sensibilidade jurídica governamental confere primazia à expertise dos tecnocratas do setor elétrico no debate da consulta prévia:

Vocês tem duas opções: uma delas é inteligente: é dizer ok, nós vamos acompanhar, vamos exigir direitos nossos, vamos exigir preservação disso e disso e benefícios para nós. A outra é dizer não. Isso vai virar, infelizmente, uma coisa muito triste, e vai prejudicar muito a todos, ao governo, mas também a vocês. A hidrelétrica a gente não faz porque a gente quer, (mas) porque o país precisa — explicava Gilberto [Carvalho] (ALENCASTRO, SOUZA, 2013ALENCASTRO, Catarina; SOUZA, André. Gilberto Carvalho tem diálogo tenso com índios contrários à usina de Teles Pire [21 de fev. 2013]. Rio de Janeiro: O Globo. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/economia/gilberto-carvalho-tem-dialogo-tenso-com-indios-contrarios-usina-de-teles-pires-7642233#ixzz3EAU4i82q>. Acesso em 3 de mar. 2020.
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).

A fala de Gilberto Carvalho, então ministro da Secretaria Geral da Presidência da República (órgão responsável pela condução do processo de consulta da hidrelétrica), revela que a sensibilidade jurídica governamental pressupõe um modelo de desenvolvimento em que supostamente todos os grupos da sociedade estariam de acordo e, logo, deveriam cooperar. Segundo o ministro, até mesmo os indígenas seriam prejudicados pela suspensão do projeto. A obra, nessa concepção, beneficiaria a todos indistintamente e seria inexorável, chegando ao ponto de afirmar que “a hidrelétrica a gente não faz porque a gente quer”.

Quando o argumento consensual deixa de ser convincente – afinal, mesmo supondo que os benefícios da hidrelétrica não fossem concentrados, os danos são locais –, a razão utilitarista é evocada: os indígenas devem suportar os impactos da obra em nome de um benefício real que será compartilhado por toda a sociedade. Por isso, não caberia aos Munduruku decidirem sobre algo que influenciaria o destino de milhões de brasileiros. Recorre-se, implicitamente, à representação dos povos indígenas como contrários ao desenvolvimento. A sensibilidade jurídica governamental mantém uma perspectiva utilitarista da democracia, justamente a qual o direito à consulta prévia busca superar.

A sensibilidade jurídica munduruku rompe com a retórica do consenso6 6 “A terra pra nós significa a garantia da nossa existência enquanto seres humanos, enquanto indígenas. Pra nós a terra não é vista apenas como um instrumento para enriquecimento. Nós queremos a terra pra sobreviver, pra existir enquanto seres humanos. Queremos que respeitem nosso modo de vida, porque muitas vezes o poder econômico não entende dessa forma, entende que nós somos apenas um entrave para o desenvolvimento econômico do Brasil. Muitas vezes já foi alegado que a construção de hidrelétricas é algo necessário porque o Brasil precisa de energia. E quer dizer então que nossas vidas enquanto seres humanos não tem significado?”, afirma a liderança Ademir Kaba Munduruku (FASOLO, 2015). e enfatiza a singularidade de sua relação com o território, com a natureza e com o rio Tapajós7 7 “Todos os bens comuns que há na terra nós não enxergamos como riqueza. Para possuirmos grandes riquezas não precisamos destruir o patrimônio que nossos antepassados nos deram. Ninguém pode destruir os seus próprios bens patrimoniais e muito menos o dos outros. Nós apenas mantemos como ela sempre deve ficar. Nós a protegemos por que ela é parte de nós. Ela é vida. É delas que comemos frutos tão nutritivos. Quaisquer plantas que, seja ela grandes ou pequenas elas tem as essências naturais para uso medicinais. Todas coisas que existem no meio ambiente, ele é considerado sagrado” (SAW MUNDURUKU, 2015). . Os Munduruku chamam a atenção para o fato de que seus projetos autônomos para o território são incompatíveis com a construção da hidrelétrica:

Cândido Waro: Se aceitarmos o dinheiro que o governo quer oferecer como compensação à barragem, não teremos mais vida. Não queremos o dinheiro. O dinheiro um dia acaba, mas não podemos deixar que acabe a nossa água. Se isso acontecer, não teremos mais peixe, a floresta vai acabar. Não somos acostumados a comprar peixe, a natureza nos dá de graça. Como os primeiros habitantes do Brasil, o governo deveria cuidar de nós, nos ajudar, mas agora ele quer tomar nossas terras. Os nossos antepassados estão no rio. E é aqui que nós queremos ficar (CLARK, 2013).

Nota-se que sensibilidade jurídica munduruku concebe o território e o ambiente de maneira mais complexa, carregada de significados cosmológicos, autonômicos (os Munduruku não precisam comprar seus alimentos, que lhes são fornecidos pela própria natureza) e intergeracionais (os antepassados dos Munduruku “estão no rio”). A construção da hidrelétrica assume um sentido que vai além de sua justificativa econômica:

O pariwat foi expulso do coração da Amazônia, devido ao seu pensamento muito ambicioso, que só enxergava a grande riqueza material. Portanto, a sua cobiça, a sua ganância, a sua ambição, o seu olho grande despertou o grande interesse econômico sobre o patrimônio que estava em seu poder. Não pretendia proteger, guardar, preservar, manter intactos os bens comuns, o maior patrimônio da humanidade, e isso despertou o seu plano de destruição da vida na Terra. Por isso, o Karosakaybu achou melhor tirar a presença do pariwat deste lugar tão maravilhoso, onde há sombra e água fresca (SAW MUNDURUKU, 2015SAW MUNDURUKU, Jairo. Essa é a razão da nossa luta por território. Jacareacanga: Sítio Autodemarcação no Tapajós, 4 mai. 2015. Disponível em: <https://autodemarcacaonotapajos.wordpress.com/2015/05/04/essa-e-a-razao-da-nossa-luta-por-territorio/>. Acesso em 6 de mar. 2020.
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).

Segundo esta narrativa de criação dos Munduruku, o pariwat (não indígena) teria sido expulso da Amazônia por ser “muito ambicioso” e por enxergar apenas a riqueza material8 8 “Somos povos nativos da floresta Amazônica, existimos desde a origem da criação do mundo quando o Karosakaybu nos transformou do barro (argila) e nos soprou com a brisa do seu vento, dando a vida para todos nós. Desde o princípio conhecemos o mundo que está ao nosso redor e sabemos da existência do pariwat (não-índio), que já vivia em nosso meio. Éramos um só povo, criado por Karosakaybu, criador e transformador de todos os seres vivos na face da Terra: os animais, as florestas, os rios e a humanidade. Antes, outros povos não existiam, assim como os pariwat não existiam” (SAW MUNDURUKU, 2014). . Se retornarem ao coração da Amazônia, agora sob os auspícios do desenvolvimento, os pariwat transformariam definitivamente a vida dos Mundurku: “[i]riam nos matar, não nos poupariam vidas para possuir tudo aquilo que nos pertence: a nossa riqueza, os bens que possuímos, incluindo a nossa cultura, a forma como vivemos” (SAW MUNDURUKU, 2014SAW MUNDURUKU, Jairo. Munduruku escreve à sociedade brasileira e internacional. São Paulo: Carta Capital, 19 dez. 2014. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do-milanez/munduruku-escreve-a-sociedade-brasileira-9298.html>. Acesso em 9 de mar. 2020.
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). Por isso, “o território munduruku da árvore mais alta até a raiz mais profunda está ameaçado” (XI Assembleia do povo Munduruku do médio Tapajós, 2015):

[...] nunca pensamos em destruir a propriedade que temos. Porque é útil pra nós, para animais, pássaros, insetos, pra peixes e também para os seres humanos que dependem dela. Porque dependemos uns dos outros. É assim que funciona o ecossistema. Da mesma forma a utilidade da água. E ninguém no mundo em que vivemos sobrevive sem a água, nem as pessoas, nem as plantas e nem mesmo os pequenos insetos. As plantas e insetos se alimentam dos orvalhos que caem à noite. Nós indígenas utilizamos para tratamentos medicinais. Tudo isso é de suma importância pra nós. O que não queremos é que haja mudança da vida do rio. Fazendo a mudança vai comprometer a vida de outros pequenos igarapés que são partes desse afluente. Os animais que frequentam os leitos dos igarapés e que comem dos frutos que se encontram ao longo do curso desse igarapé vão sentir falta. Vão perceber a mudança e sofrerão impactos do modo de seu viver (SAW MUNDURUKU, 2015SAW MUNDURUKU, Jairo. Essa é a razão da nossa luta por território. Jacareacanga: Sítio Autodemarcação no Tapajós, 4 mai. 2015. Disponível em: <https://autodemarcacaonotapajos.wordpress.com/2015/05/04/essa-e-a-razao-da-nossa-luta-por-territorio/>. Acesso em 6 de mar. 2020.
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).

As consequências das barragens vão além do local. A vida do planeta e dos pawiwat, a água e a biodiversidade estão em risco9 9 “Será que o mundo vai permitir esse genocídio que está sendo anunciado com a decisão do governo brasileiro de construir grandes hidrelétricas e outros grandes projetos na região amazônica, que transformarão a natureza causando impactos irreversíveis para toda a humanidade? É a vida na Terra que está em perigo e nós estamos dispostos a continuar lutando, defendendo a nossa floresta e os nossos rios, para o bem de toda a humanidade. E vocês? Vocês estão dispostos a ser solidários nessa luta? A luta do Povo Munduruku não é contra um governo, mas em defesa da vida. É o governo que não está sendo capaz de nos ouvir, de nos consultar, de respeitar nossas decisões sobre os problemas que nos afetam e à da humanidade. Exigimos respeito ao nosso direito de consulta prévia, livre e informada, pois não são apenas os direitos indígenas que estão sendo violados, mas também os direitos humanos e todo o patrimônio natural que preservamos há séculos” (SAW MUNDURUKU, 2014). , pois “ninguém no mundo em que vivemos sobrevive sem água”. Para os indígenas, todas as formas de vida estão interligadas e a mudança do rio com a construção das hidrelétricas comprometeria os igarapés, os animais e até “mesmo os pequenos insetos”.

Embora saibam que a consulta prévia conduzida pelo governo refere-se tão somente à UHE São Luiz do Tapajós, os Munduruku veem esse projeto como um passo importante para o avanço de muitos outros projetos econômicos na região10 10 Consta em carta coletiva publicada após assembleia realizada na aldeia Dace Watpu: “E todos nós somos sabedores que é a construção de usinas hidrelétricas na bacia do Tapajós é a entrada de vários outros empreendimentos dos setores econômicos do interesse do governo como da mineração, hidrovias, construção de portos de navio para transportar grão de soja e construção de ferrovias no território Munduruku” (BRASIL, Ministério Público Federal, 2015). . Por isso, a sensibilidade jurídica munduruku busca discutir o modelo geopolítico que os governos querem implantar na região, não apenas os empreendimentos isoladamente.

A sensibilidade jurídica governamental, ao contrário, discute o empreendimento de modo pontual, ainda que o insira em uma teia de projetos e relações empresariais que estão se consumando na região, tornando-o cada vez mais “imprescindível”. O governo estimula a expansão da fronteira econômica na bacia do Tapajós – através de programas, financiamentos e obras de infraestrutura etc. -, porém aborda de maneira isolada os danos da hidrelétrica, não integrada a outros empreendimentos previstos.

Para os Munduruku, a previsão dos impactos da hidrelétrica é catastrófica, justamente por considerarem a transformação da bacia do Tapajós como um todo. O rio não deveria ser mexido pelos pariwat11 11 “Deus que fez o rio Tapajós, a água, e deixou o rio pra gente. Deus deixou o rio não para mexermos nele, mas para vivermos”, José Tomé Akay (BRASIL, Ministério Público Federal, 2014). :

Eu não brigo por mim, brigo por meus netos, a gente briga por todos. A água também, a gente briga por todos. Até os animais, os peixes... eles estão tentando se ajudar. O rio não deve ser mexido pelos brancos, nem por ninguém. Eu me criei aqui, a gente fez a nossa casa, a gente plantou e se criou aqui. A gente criou a nossa família, montamos o nosso lar. A gente está bem, a gente come fruta, a gente tira peixe... a gente anda no mato, pega carne, mata caça. A gente tá passando por um momento difícil, tem gente de olho grande no nosso território. Os brancos não estão respeitando a forma de a gente ser. Então tudo que a gente tem de alimento hoje, não é o branco que dá. A farinha, tudo que a gente consome aqui no dia a dia é feito só pela gente, a gente não está mexendo em nada dos brancos (Felícia Krixi Munduruku)12 12 Depoimento de Felícia Krixi Munduruku. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=-z4xHtqQDzg>. .

Há, nesse ponto, uma importante dimensão intergeracional na sensibilidade jurídica munduruku. Os Munduruku esclarecem que não lutam por si, mas por seus netos, pelos animais, “por todos”. A integridade do rio, da natureza e do território é uma herança deixada por seus antepassados e um legado que defendem para as futuras gerações.

Hoje, “[a]inda vivemos felizes em nosso território, a correnteza dos rios nos leva para todos os lugares que queremos, nossas crianças podem nadar quando o sol está muito quente, os peixes podem brincar e ainda se multiplicam com fartura” (Assembleia geral do povo Munduruku, 2016). Mas a hidrelétrica é representativa da ameaça que paira sobre “suas formas de ser”, ou sobre o pen okabapap iat, que pode ser traduzido como “meu corpo”, “meu estômago”, “meu modo de ser”. Temem que ocorra escassez das caças, peixes e frutas para as próximas gerações.

A sensibilidade jurídica governamental, contudo, desconsidera as implicações do empreendimento sobre as próximas gerações. Não há, nos estudos de impacto, uma problematização consistente das repercussões do deslocamento compulsório sobre o modo de vida dos Munduruku (ECI, 2014ECI. Estudo do Componente Indígena do Aproveitamento Hidrelétrico de São Luiz do Tapajós. Estudo de Impacto Ambiental, volume 22. Brasília: Eletrobras; CNEC; Worley Parsons, 2014.), tampouco modelagem dos danos a longo prazo.

Outra dissensão normativa relevante é concepção da relação entre os Munduruku e a natureza. Os capítulos relativos à “etnofauna” e “etnoflora”, nos estudos de impacto, restringem tal relação aos usos alimentares e medicinais (ECI, 2014ECI. Estudo do Componente Indígena do Aproveitamento Hidrelétrico de São Luiz do Tapajós. Estudo de Impacto Ambiental, volume 22. Brasília: Eletrobras; CNEC; Worley Parsons, 2014.), ao passo que os discursos dos Munduruku explicitam uma relação que extrapola aspectos puramente materiais:

Nós falamos agora pelo nosso povo, pelas crianças e pelos animais. As estrelas no céu nos contam nossas histórias passadas, nos guiando no presente e indicando o futuro. Esse é o território de Karosakaybu, onde sempre vivemos. Somos a natureza, os peixes, a mãe dos peixes, a mangueira, o açaizeiro, o buritizeiro, a caça, o beija-flor, o macaco e todos os outros seres dos rios e da floresta. [...] O governo não entende que nós sabemos escutar a mãe dos peixes, os peixes, a cutia, o macaco, a paca, os passarinhos, a onça e todos aqueles que moram nesta região (Assembleia geral do povo Munduruku, 2016).

Segundo a sensibilidade jurídica munduruku, os Munduruku são parte da natureza, são todos os “seres dos rios e da floresta”, ao mesmo tempo em que são seus porta-vozes. Seus nomes são compostos por um prenome, acrescido de nome na língua munduruku referente a uma espécie de ave, peixe ou outro animal (Krixi, Waro, Kaba, Akay, Paygo, Karo, Manhuary, Saw e Dace, dentre outros) e finaliza com o etnônimo “Munduruku”13 13 “Os Munduruku são tão ligados ao meio ambiente, ao seu território, que até no nosso nome fazemos referência à natureza. Nossos sobrenomes fazem referência a aves, peixes e outros animais. Nosso nome é composto por um nome Munduruku, um nome da natureza e o nome da etnia”, afirma Hans Kaba (BRASIL, Ministério Público Federal, 2014). . A separação cartesiana humano-natureza, que prevalece nos estudos de impacto, não faz sentido segundo a cosmologia munduruku.

Os estudos de impacto não abordam que a formação do reservatório da usina inundará locais sagrados para os indígenas (Daje Kapap Eypi e Garganta do Diabo). A sensibilidade jurídica munduruku considera sagrada toda a bacia do rio Tapajós e reconhece a existência de lugares e símbolos específicos em que não se pode tocar ou que não podem ser removidos, tão importantes quanto as “cidades santas” ou os “templos que alcançam os céus” do pariwat (XI Assembleia do povo Munduruku do médio Tapajós, 2015).

A despeito destes conflitos, segundo a sensibilidade jurídica governamental seria possível que a consulta prévia chegasse a soluções consensuais através de uma política de compensações socioambientais e de pagamento de royalties (WASHINGTON, 2015; GVCES, 2015GVCES. Projeto de São Luiz do Tapajós tem previsão de investimentos acima de 39 bilhões. São Paulo: Sítio GVCES, 29 mai. 2015. Disponível em: <http://gvces.com.br/hidreletricas-questao-ambiental-e-indigena-requer-solucao-consensual#sthash.FsVtIAit.dpuf>. Acesso em 6 de mar. 2020.
http://gvces.com.br/hidreletricas-questa...
). Para a sensibilidade jurídica governamental, a consulta prévia não tem por objetivo discutir a construção ou não da hidrelétrica, mas apenas negociar uma política de compensações, como revelou o então ministro da Secretaria Geral da Presidência da República: “consulta não é deliberativa. Ela deve ser feita pra atender demandas, diminuir impactos, mas não é impeditiva” (CARVALHO, 2014CARVALHO, Gilberto. Dilma deixou a desejar no diálogo com a sociedade, diz ministro. [10 de nov. 2014]. Entrevista concedida à João Fallet. Brasília: BBC. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/11/141108_entrevista_gilberto_jf_fd>. Acesso em 5 de mar. 2020.
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2...
).

Sob a perspectiva de que qualquer dano seria compensável, independentemente de sua natureza, a construção da hidrelétrica seria incontornável. Para a sensibilidade jurídica governamental, não viola o direito à consulta prévia o fato de a decisão pela construção do empreendimento já ter sido tomada:

Valdenir Munduruku: “nós queremos que nessa consulta, que ao final dela a gente possa dar nossa posição, se a gente quer ou não, porque não adianta a gente ser consultado, se ao final a gente dizer que não quer esse projeto, e mesmo assim ela venha a ser construída”.

Gilberto Carvalho: “vou ter que ser muito sincero com vocês, eu espero que não seja isso, porque eu acho que depois que for tudo bem explicado não será essa resposta, mas se for perguntado e for dito não, aí o governo vai ter que dar uma pensada, mas a lei dá o direito ao governo de realizar, mesmo que a consulta prévia diga não, isso tá na Convenção da OIT, isso está na lei” (INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, 2013INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. Vídeo da Reunião dos Munduruku com Gilberto Carvalho [5 de jun. 2013]. Brasília: ISA. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=zj1Pc6yAP0Q>. Acesso em 5 de mar. 2020.
https://www.youtube.com/watch?v=zj1Pc6yA...
).

Desta maneira, não se sabe ao certo quais seriam os efeitos da consulta prévia, ou seja, de que modo os grupos consultados influenciariam o processo decisório, já que segundo a fala do ministro “se for perguntado e for dito não”, “a lei dá o direito ao governo de realizar”. Para a sensibilidade jurídica munduruku, não há sentido em participar de um processo de consulta em um contexto em que o governo federal expressava, a todo tempo, que a decisão pela construção da hidrelétrica estava tomada e seria incontornável: “[e]ntendemos que o governo está dizendo: ‘nós vamos construir as hidrelétricas nas terras de vocês, não importa o que vocês digam. E mesmo que vocês sejam consultados, nós não vamos considerar a opinião de vocês’” (CARTA da ocupação de Belo Monte nº. 10, 2013).

Para a sensibilidade jurídica munduruku, diferentemente, a consulta prévia discute a construção ou não do empreendimento e não somente uma política de compensações. A consulta não teria por finalidade negociar o projeto em troca de direitos sociais que já lhes são garantidos legalmente: “não aceitamos que o governo use direitos que já temos – e que ele não cumpre – para nos chantagear” (PROTOCOLO de Consulta Munduruku, 2014: 6).

As sensibilidades jurídicas em estudo divergem também quanto às formas de representação política e de deliberação. Os documentos do governo sempre mencionam que o diálogo se dará com as “lideranças representativas” do povo Munduruku. Em diversos momentos, o governo exigiu que os indígenas formassem comissão para participar das reuniões ou buscou canalizar as negociações através das associações (OLIVEIRA, 2016OLIVEIRA, Rodrigo. A ambição dos pariwat: consulta prévia e conflito socioambiental. Belém: Dissertação de Mestrado - Programa de Pós Graduação em Direito/Universidade Federal do Pará, 2016.: 86).

Considero que essa perspectiva da sensibilidade jurídica governamental é, em parte, nutrida pelo próprio funcionamento da burocracia estatal, que trabalha com uma representação restrita e com a necessidade de produzir documentos escritos assinados por pessoas juridicamente habilitadas (membros das associações) a referendar as decisões tomadas. Por outro lado, também é uma reação à oposição dos Munduruku à hidrelétrica. Em desrespeito à organização social e política dos Munduruku, o governo adotou práticas de legitimação e deslegitimação de lideranças (BRASIL, Secretaria Geral da Presidência da República, 2013), assim como de negociação com indivíduos e associações isoladamente, na medida em que manifestassem posições alinhadas aos seus intentos (OLIVEIRA, 2016OLIVEIRA, Rodrigo. A ambição dos pariwat: consulta prévia e conflito socioambiental. Belém: Dissertação de Mestrado - Programa de Pós Graduação em Direito/Universidade Federal do Pará, 2016.: 111).

Segundo a sensibilidade jurídica munduruku, nenhuma associação decide em nome do povo. Por isso, criticaram os artifícios do governo federal para tentar dividi-los14 14 “O governo vem sussurrando nos nossos ouvidos, tentando dividir a gente” (PROTOCOLO de Consulta Munduruku, 2014: 2). . Embora as associações participem das reuniões, as decisões são tomadas coletivamente em assembleia geral convocada pelos caciques sob a coordenação do próprio povo (PROTOCOLO de Consulta Munduruku, 2014: 6)15 15 “As nossas organizações (Conselho Indígena Munduruku Pusuru Kat Alto Tapajós – Cimpukat, Da’uk, Ipereg Ayu, Kerepo, Pahyhyp, Pusuru e Wixaxima) também devem participar, mas jamais podem ser consultadas sozinhas. Os vereadores Munduruku também não respondem pelo nosso povo. As decisões do povo Munduruku são coletivas” (PROTOCOLO de Consulta Munduruku, 2014: 3). . Os caciques decidem conjuntamente a data e o local da assembleia. As decisões são tomadas por consenso, não por votação, e por isso resultam de longas discussões. Apenas na hipótese de não se chegar a um consenso é que caberá à maioria decidir (PROTOCOLO de Consulta Munduruku, 2014: 6). Cumpre notar, ainda, que as assembleias contam a participação e colaboração de vários segmentos do povo:

Devem ser consultados os sábios antigos, os pajés, os senhores que sabem contar história, que sabem medicinas tradicionais, raiz, folha, aqueles senhores que sabem os lugares sagrados.

Os caciques (capitães), guerreiros, guerreiras e as lideranças também devem ser consultados. São os caciques que se articulam e passam informações para todas as aldeias. São eles que reúnem todo mundo para discutirmos o que vamos fazer. Os guerreiros e guerreiras ajudam o cacique, andam com ele e protegem o nosso território. As lideranças são os professores e os agentes de saúde, que trabalham com toda a comunidade.

Também devem ser consultadas as mulheres, para dividirem sua experiência e suas informações. Há mulheres que são pajés, parteiras e artesãs. Elas cuidam da roça, dão ideias, preparam a comida, fazem remédios caseiros e têm muitos conhecimentos tradicionais.

Os estudantes universitários, pedagogos Munduruku, estudantes do Ibaorebu16 16 Projeto educacional coordenado pela Fundação Nacional do Índio e desenvolvido junto ao povo Munduruku. Disponível em: <http://www.funai.gov.br/index.php/comunicacao/noticias/3597-ibaorebu-no-caminho-da-conclusao-de-um-ciclo-para-que-outros-se-iniciem>. Acesso em: 22 out. 2020. , os jovens e crianças também devem ser consultados, pois eles são a geração do futuro. Muitos jovens têm acesso aos meios de comunicação, leem jornal, acessam internet, falam português, sabem a realidade e têm participação ativa na luta do nosso povo (PROTOCOLO de Consulta Munduruku, 2014: 2).

O Protocolo de Consulta explica que não são apenas os caciques que participam do processo decisório: “pajés”, “sábios”, “guerreiros”, “mulheres”, “parteiras” e diversos outros segmentos do povo participam das assembleias em que são tomadas as decisões.

Outra dissonância normativa relativa à organização social e política se manifestou na insistência do governo federal em concentrar as reuniões no médio Tapajós, assim como em agendar as reuniões nos centros urbanos das cidades Itaituba ou Jacareacanga, ambas no Pará, o que resultou no baixo comparecimento dos indígenas, sobretudo das lideranças mais idosas (OLIVEIRA, 2016OLIVEIRA, Rodrigo. A ambição dos pariwat: consulta prévia e conflito socioambiental. Belém: Dissertação de Mestrado - Programa de Pós Graduação em Direito/Universidade Federal do Pará, 2016.: 115). Segundo a sensibilidade jurídica governamental, a consulta prévia deveria se dirigir às aldeias do médio curso do rio Tapajós, que seriam afetadas diretamente pela construção da hidrelétrica. As razões evocadas para o agendamento das reuniões nos centros urbanos eram a facilidade logística e a segurança da equipe do governo, feita por grande contingente de pessoas armadas (OLIVEIRA, 2016OLIVEIRA, Rodrigo. A ambição dos pariwat: consulta prévia e conflito socioambiental. Belém: Dissertação de Mestrado - Programa de Pós Graduação em Direito/Universidade Federal do Pará, 2016.: 81).

A sensibilidade jurídica munduruku compreende que todas as aldeias participam da consulta prévia, sejam elas do alto ou médio curso do rio Tapajós, pois o povo Munduruku é um só, assim como o rio Tapajós é um só (PROTOCOLO de Consulta Munduruku, 2014: 2). Projetos de grande repercussão, capazes de afetar o povo como um todo, demandam decisões coletivas (PROTOCOLO de Consulta Munduruku, 2014: 2). As assembleias gerais do povo Munduruku – onde são tomadas as decisões mais importantes – sempre são realizadas nas aldeias e no alto Tapajós, onde se concentram a maior quantidade de caciques e lideranças (PROTOCOLO de Consulta Munduruku, 2014: 2).

Ademais, a presença de grande contingente de pessoas armadas, para fazer a segurança dos representantes do governo, colide com o que a sensibilidade jurídica munduruku considere uma consulta de caráter livre, sem pressão (PROTOCOLO de Consulta Munduruku, 2014: 4).

Em razão da quantidade de aldeias e de lideranças e das dificuldades logísticas da região, as assembleias munduruku envolvem um amplo trabalho prévio de mobilização interna, que demanda recursos financeiros, tempo para organizar a logística e para os deslocamentos até a aldeia sede do encontro. A política munduruku tem sua própria dinâmica temporal:

As reuniões não podem ser realizadas em datas que atrapalhem as atividades da comunidade (por exemplo, no tempo da roça, na broca e no plantio; no tempo da extração da castanha; no tempo da farinha; nas nossas festas; no Dia do Índio). Quando o governo federal vier fazer consulta na nossa aldeia, eles não devem chegar à pista de pouso, passar um dia e voltar. Eles tem que passar com paciência com a gente [...] Eles têm que viver com a gente, comer o que a gente come. Eles têm que ouvir nossa conversa (PROTOCOLO de Consulta Munduruku, 2014: 3).

A sensibilidade jurídica governamental ajusta a consulta prévia a cronogramas da burocracia estatal, como o do setor elétrico e o do calendário eleitoral. A dinâmica temporal do governo consiste em longos períodos sem qualquer diálogo seguidos de períodos em que se quer impor um calendário intenso de discussões, com tentativas de conclusão do processo de consulta em prazo exíguo. Sucedem-se, assim, extensos períodos de inatividades e períodos com reuniões muito concentradas (OLIVEIRA, 2016OLIVEIRA, Rodrigo. A ambição dos pariwat: consulta prévia e conflito socioambiental. Belém: Dissertação de Mestrado - Programa de Pós Graduação em Direito/Universidade Federal do Pará, 2016.: 115-116).

O licenciamento da UHE São Luiz do Tapajós foi arquivado em 2016 sem que a consulta prévia aos Munduruku tivesse efetivamente iniciado. As partes não avançaram na pactuação de um plano de consulta (documento que definiria os detalhes práticos do diálogo, como local, calendário, logística e orçamento). Nesse contexto, além de consubstanciar a sensibilidade jurídica munduruku, o Protocolo de Consulta Munduruku foi uma demonstração da importância que a consulta tinha para os indígenas, que se recusavam a participar de um processo meramente burocrático, sem poder de influenciar o processo decisório e que nem mesmo observava as garantias legais da Convenção nº. 169, como a que determina que cabe aos próprios grupos escolher sua forma de representação.

Após o arquivamento da hidrelétrica, os Munduruku lutam pela demarcação das Terras Indígenas Sawré Muybu e Sawré Bap’in e contra recorrentes invasões de seus territórios por garimpeiros, grileiros e madeireiros (BRASIL, 2020BRASIL. Ministério Público Federal. MPF recebe carta do povo Munduruku contra garimpo ilegal em suas terras. Santarém: MPF, 2020. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/noticias-pa/mpf-recebe-carta-do-povo-munduruku-contra-o-garimpo-ilegal-em-suas-terras>. Acesso em: 22 out. 2020.
http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa...
). A esse respeito, a autodemarcação da Terra Indígena Sawré Muybu, além de um capítulo importante da resistência à UHE São Luiz do Tapajós (OLIVEIRA, 2016OLIVEIRA, Rodrigo. A ambição dos pariwat: consulta prévia e conflito socioambiental. Belém: Dissertação de Mestrado - Programa de Pós Graduação em Direito/Universidade Federal do Pará, 2016.), continua sendo promovida pelos indígenas como forma de enfrentamento a estas ameaças territoriais (COMUNICADO DOS MUNDURUKU, 2019COMUNICADO DOS MUNDURUKU. A nossa autodemarcação e defesa do nosso território continua. Itaituba: 2019. Disponível em: <https://cimi.org.br/2019/07/povo-munduruku-expulsa-madeireiros-territorio-durante-autodemarcacao/>. Acesso em: 22 out. 2020.
https://cimi.org.br/2019/07/povo-munduru...
).

A etnografia explicitou a dissensão normativa entre a sensibilidade jurídica munduruku e a sensibilidade jurídica governamental quanto ao direito à consulta prévia, livre e informada. Foram visibilizadas as profundas assimetrias existentes entre os agentes em conflito, e as práticas governamentais descritas revelam que a sensibilidade jurídica governamental não corresponde tão somente a uma visão de mundo específica, mas também é condicionada pela pretensão de impor arbitrariamente uma reconfiguração socioespacial à região, em detrimento dos territórios tradicionais e dos modos de viver diversos.

Para além deste caso concreto, muitos outros grupos étnicos ao redor do Brasil e do Mundo estão construindo seus próprios Protocolos de Consulta, consubstanciando suas sensibilidades jurídicas particulares e sublinhando o dissenso em relação às sensibilidades jurídicas governamentais.

Cabe perguntar: quais as implicações deste dissenso? É possível construir processos de consulta adequados e efetivos em meio à dissensão normativa?

3. Pluralismo jurídico e interlegalidade

A identificação das diferentes sensibilidades jurídicas deve ter como objetivo a elucidação recíproca, não a avaliação de sensibilidades jurídicas diferenciadas a partir da sensibilidade jurídica dominante (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2010CARDOSO DE OLIVEIRA, Luís Roberto. “A dimensão simbólica dos direitos e a análise de conflitos”. Revista de Antropologia. São Paulo: 2010, v. 53, nº 2, p. 451-473, 2010.: 465). Deve-se considerar a pretensão de validade das sensibilidades jurídicas nativas, distanciando-se do comportamento etnocêntrico ou do relativismo-niilista (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2010CARDOSO DE OLIVEIRA, Luís Roberto. “A dimensão simbólica dos direitos e a análise de conflitos”. Revista de Antropologia. São Paulo: 2010, v. 53, nº 2, p. 451-473, 2010.: 466). Sendo assim, o estudo comparativo do direito deve ter como finalidade o gerenciamento da diferença, não sua eliminação (GEERTZ, 1998GEERTZ, Clifford. O saber local: fatos e leis em uma perspectiva comparativa. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.: 325).

Sob essa perspectiva de gerenciamento da diferença, surge a categoria pluralismo jurídico, que remete à coexistência de múltiplas sensibilidades jurídicas em um mesmo espaço social. Segundo Geertz, o pluralismo jurídico pressupõe a heterogeneidade cultural e a dissensão normativa (1998: 341). O pluralismo jurídico, mais que teoria antropológica, é um dado etnográfico, como a própria etnografia apresentada demonstrou.

A questão é que por muito tempo o pluralismo foi visto entre os operadores do direito como uma afronta ao decoro jurídico (GEERTZ, 1998GEERTZ, Clifford. O saber local: fatos e leis em uma perspectiva comparativa. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.: 225), à integração social e ao estado unitário. As leis estatais vigentes negavam legitimidade à dissenção normativa, assim como sua própria existência; as sensibilidades jurídicas diferenciadas deveriam ser todas submetidas às leis estatais (GEERTZ, 1998GEERTZ, Clifford. O saber local: fatos e leis em uma perspectiva comparativa. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.: 356).

Todavia, a partir da década de 1980, há uma mudança de paradigma. Novos diplomas legais questionam o centralismo e o monismo jurídico do direito estatal (TERESA SIERRA, 2011TERESA SIERRA, Maria. “Pluralismo jurídico e interlegalidad. Debates antropológicos em torno al derecho indígena y las políticas de reconocimiento”. In: CHENAUT, Victoria; GÓMEZ, Magdalena; ORTIZ, Héctor; TERESA SIERRA, Maria (org.). Justicia y diversidad em América Latina: pueblos indígenas ante la globalización. México: CIESAS; Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales, Ecuador, 2011. p. 385-406.: 385). Nesse sentido, a Convenção nº. 169 reconhece validade às sensibilidades jurídicas não estatais dos povos indígenas e tribais:

Artigo 8º

1. Na aplicação da legislação nacional aos povos interessados, seus costumes ou leis consuetudinárias17 17 Compartilho da crítica formulada por Hoekema (2001) de que a expressão “leis consuetudinárias” é inadequada para se referir aos sistemas de direitos dos grupos étnicos minoritários, pois sugere que sua eficácia e validade dependem da vontade estatal. Segundo a doutrina jurídica, o direito consuetudinário tem caráter subordinado e subsidiário, sendo utilizado apenas como forma de integração ou de interpretação das normas jurídicas estatais. deverão ser levados na devida consideração.

2. Esses povos terão o direito de manter seus costumes e instituições, desde que não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais previstos no sistema jurídico nacional e com direitos humanos internacionalmente reconhecidos. Sempre que necessário, deverão ser estabelecidos procedimentos para a solução de conflitos que possam ocorrer na aplicação desse princípio.

O respeito às leis, normas, instituições jurídicas e sistemas jurídicos dos grupos étnicos também é obrigação reconhecida na Declaração das Nações Unidas sobre Direitos dos Povos Indígenas, da Organização das Nações Unidas, assinada pelo Brasil em 2007 (artigos 5, 27, 34 e 40). Por sua vez, a Constituição Federal do Brasil protege e fomenta as manifestações culturais de diferentes grupos (artigo 215) e reconhece os usos, costumes, tradições, organizações sociais e línguas indígenas (artigo 231).

Os diplomas instituem o pluralismo jurídico formal (HOEKEMA, 2001) ao reconhecerem a existência e a validade aos sistemas de direitos e sensibilidades jurídicas dos grupos étnicos. O ordenamento jurídico estatal passou a ter sua legitimidade disputada por sensibilidades jurídicas locais (TERESA SIERRA, 2011TERESA SIERRA, Maria. “Pluralismo jurídico e interlegalidad. Debates antropológicos em torno al derecho indígena y las políticas de reconocimiento”. In: CHENAUT, Victoria; GÓMEZ, Magdalena; ORTIZ, Héctor; TERESA SIERRA, Maria (org.). Justicia y diversidad em América Latina: pueblos indígenas ante la globalización. México: CIESAS; Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales, Ecuador, 2011. p. 385-406.: 385). Com o reconhecimento do pluralismo jurídico, os aportes legais incidem nas relações sociais e institucionais entre os ordenamentos e sensibilidades jurídicas.

Por isso, não se pode conceber os sistemas jurídicos como ilhas isoladas, como entidades estanques, mas como legalidades que interagem, se sobrepõem e se interpenetram na regulação do comportamento humano (SANTOS, 1987SANTOS, Boaventura de Sousa. Law: A Map of Misreading. Toward a Postmodern Conception of Law. Journal of Law and Society, Londres, 1987, v. 14, n. 3, p. 279-301.: 297-298). A realidade é atravessada por variados códigos legais. Enquanto categoria que remete às interações entre os diferentes sistemas jurídicos, a interlegalidade corresponde à dimensão fenomenológica do pluralismo jurídico (SANTOS, 1987SANTOS, Boaventura de Sousa. Law: A Map of Misreading. Toward a Postmodern Conception of Law. Journal of Law and Society, Londres, 1987, v. 14, n. 3, p. 279-301.: 298). Daí a necessidade de se construir ferramentas práticas, teóricas e metodológicas que permitam lidar com a interação entre as legalidades ou sensibilidades jurídicas, o que o presente artigo se propõe a fazer especificamente quanto ao direito à consulta prévia.

Para além do pluralismo jurídico formal em geral, no caso do direito à consulta prévia, a Convenção nº. 169 e a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos possuem disposições específicas quanto à obrigação de que a sensibilidade jurídica dos grupos étnicos seja inserida em diversos aspectos do processo de consulta:

  • A consulta deve ser conduzida “mediante procedimentos apropriados” (Convenção nº. 169, art. 6º), de maneira diferenciada e em conformidade “com as próprias tradições” do grupo consultado (CORTE IDH, 2007CORTE IDH. Caso del Pueblo Saramaka vs. Surinam. Sentencia Serie C Nº 172 del 28 de noviembre de 2007 (Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas). San Jose: Corte IDH, 28 nov. 2007. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_172_esp.pdf>. Acesso em 1 de mar. 2020.
    http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/art...
    : 41);

  • Deve ser feita “através das instituições representativas” do grupo étnico (Convenção nº. 169, art. 6º), cabendo ao próprio grupo, e não ao Estado, definir sua forma de representação na consulta, de acordo com suas normas e processos internos (CORTE IDH, 2008: 6; 62-63);

  • Deve respeitar os métodos tradicionais do grupo étnico para a tomada de decisões (CORTE IDH, 2007CORTE IDH. Caso del Pueblo Saramaka vs. Surinam. Sentencia Serie C Nº 172 del 28 de noviembre de 2007 (Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas). San Jose: Corte IDH, 28 nov. 2007. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_172_esp.pdf>. Acesso em 1 de mar. 2020.
    http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/art...
    : 42-43), de acordo com suas próprias regras (jurídicas), inclusive com uma dimensão temporal que respeite as formas como os grupos étnicos constroem suas decisões (CORTE IDH, 2012CORTE IDH. Caso del Pueblo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Ecuador. Sentencia Serie C Nº 245 del 27 de junio de 2012 (Fondo y Reparaciones). San Jose: Corte IDH, 27 jun. 2012. Disponível em: <http://www.consultaprevia.org/#!/documento/38>. Acesso em 1 de mar. 2020.
    http://www.consultaprevia.org/#!/documen...
    : 49);

  • Deve respeitar o “sistema particular de consulta de cada povo ou comunidade” (CORTE IDH, 2012CORTE IDH. Caso del Pueblo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Ecuador. Sentencia Serie C Nº 245 del 27 de junio de 2012 (Fondo y Reparaciones). San Jose: Corte IDH, 27 jun. 2012. Disponível em: <http://www.consultaprevia.org/#!/documento/38>. Acesso em 1 de mar. 2020.
    http://www.consultaprevia.org/#!/documen...
    : 49), de acordo com suas regras (jurídicas) de organização política (CORTE IDH, 2012CORTE IDH. Caso del Pueblo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Ecuador. Sentencia Serie C Nº 245 del 27 de junio de 2012 (Fondo y Reparaciones). San Jose: Corte IDH, 27 jun. 2012. Disponível em: <http://www.consultaprevia.org/#!/documento/38>. Acesso em 1 de mar. 2020.
    http://www.consultaprevia.org/#!/documen...
    : 63; 68);

Os documentos reconhecem que as formas de representação e de deliberação dos grupos étnicos, por exemplo, não são meros arranjos casuísticos, mas estruturas que se organizam mediante regras jurídicas culturalmente situadas (sensibilidades jurídicas), não subordinadas ao direito estatal. Nesses casos, não cabe imposição do direito estatal, não sendo lícito ao Estado determinar as regras de representação ou a forma de deliberação dos grupos étnicos.

Assim, a consulta prévia é, necessariamente, um espaço interlegal, no qual o próprio direito estatal relativiza sua onipresença ao determinar expressamente a inserção das sensibilidades jurídicas dos grupos étnicos nos processos de consulta, o que instiga os aplicadores do direito (estatal) a responderem ao desafio de lidar adequadamente com a interlegalidade.

No âmbito da aplicação judicial do direito, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, respondendo a este desafio, adota o método intercultural de interpretação de forma a utilizar as sensibilidades jurídicas dos grupos étnicos como vetor interpretativo para adaptar culturalmente as normas internacionais de direitos humanos (ESTUPIÑAN SILVA, IBÁÑEZ RIVAS, 2014ESTUPIÑAN SILVA, Rosmerlin; IBÁÑEZ RIVAS, Juana María. “La jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos en materia de pueblos indígenas y tribales”. In: BELTRÃO Jane Felipe; BRITO FILHO, Jose Claudio Monteiro de; GÓMEZ, Itziar; PAJARES, Emilio; PAREDES, Felipe; ZÚÑIGA, Yanira (Coords.). Derechos humanos de los grupos vulnerables, 2014. p. 316-356.).

Os dois leading cases do direito à consulta prévia na Corte Interamericana são exemplos de aplicação do método intercultural de interpretação. No caso Saramaka vs. Suriname, a Corte teceu longos comentários acerca da territorialidade para os Saramaka:

Uma forte relação espiritual com o território: a terra significa mais que meramente uma fonte de subsistência para eles; também é uma fonte necessária para a continuidade da vida e da identidade cultural dos membros do povo Saramaka. As terras e os recursos do povo Saramaka formam parte de sua essência social, ancestral e espiritual (2007: 25).

Nesse caso, além de identificar que o território integra a “essência social, ancestral e espiritual” do povo Saramaka, a Corte destacou o dissenso entre a sensibilidade jurídica saramaka e a sensibilidade jurídica governamental quanto à posse e propriedade dos recursos naturais. Enquanto a lei do Suriname prevê que a propriedade dos bens do subsolo (minérios) é do Estado, os Saramaka possuem visão holística do território, creem no direito de “possuir tudo, desde a copa das árvores até os lugares mais profundos em que possam chegar debaixo da superfície” (CORTE IDH, 2007CORTE IDH. Caso del Pueblo Saramaka vs. Surinam. Sentencia Serie C Nº 172 del 28 de noviembre de 2007 (Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas). San Jose: Corte IDH, 28 nov. 2007. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_172_esp.pdf>. Acesso em 1 de mar. 2020.
http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/art...
: 37).

No caso Kichwa de Sarayaku vs. Equador, a Corte debateu a organização social dos Sarayaku, que estão divididos em cinco povoados (Sarayaku Centro, Cali Cali, Sarayakillo, Shiwacocha e Chontayacu), que não conformam comunidades independentes, pois todas se identificam como pertencentes ao povo Sarayaku e são constituídos por grupos de famílias ampliadas (ayllus), que, por sua vez, dividem-se em huasi, lares compostos por um casal e seus descendentes (2012: 18).

A Corte também discute a relação dos indígenas com seus territórios:

De acordo com a cosmovisão do povo Sarayaku, o território está ligado a um conjunto de significados: a floresta é viva e os elementos da natureza tem espíritos (Supay), que se encontram conectados entre si e cuja presença sacraliza os lugares. Unicamente os Yachaks [sábios tradicionais] podem acessar a certos espaços sagrados e interagir com seus habitantes (CORTE IDH, 2012CORTE IDH. Caso del Pueblo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Ecuador. Sentencia Serie C Nº 245 del 27 de junio de 2012 (Fondo y Reparaciones). San Jose: Corte IDH, 27 jun. 2012. Disponível em: <http://www.consultaprevia.org/#!/documento/38>. Acesso em 1 de mar. 2020.
http://www.consultaprevia.org/#!/documen...
: 19).

O atual Presidente dos Sarayaku, José Gualinga, referiu que nessa “floresta viva” há “ruídos e fenômenos especiais” e é a “inspiração onde, quando estamos nestes lugares, sentimos uma forma de suspiro, de emoção, e assim quando regressamos a nosso povo, a família, nos sentimos fortalecidos”. Estes espaços “são os que nos dão a potência, a potencialidade e a energia vital para poder sobreviver e viver” (CORTE IDH, 2012CORTE IDH. Caso del Pueblo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Ecuador. Sentencia Serie C Nº 245 del 27 de junio de 2012 (Fondo y Reparaciones). San Jose: Corte IDH, 27 jun. 2012. Disponível em: <http://www.consultaprevia.org/#!/documento/38>. Acesso em 1 de mar. 2020.
http://www.consultaprevia.org/#!/documen...
: 41).

Tal relação entre a “floresta viva”, “os elementos da natureza” e os supay (espíritos) foi afetada pela exploração petrolífera autorizada pelo governo equatoriano. Diversas cerimônias ancestrais foram prejudicadas, a exemplo do Uyantsa, a festividade mais importante do povo, afetando sua harmonia e espiritualidade. Lugares sagrados foram impactados e a paralisação das atividades cotidianas do povo interferiu na perpetuação do conhecimento espiritual, por meio da transmissão dos sábios às crianças e aos jovens (CORTE IDH, 2012CORTE IDH. Caso del Pueblo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Ecuador. Sentencia Serie C Nº 245 del 27 de junio de 2012 (Fondo y Reparaciones). San Jose: Corte IDH, 27 jun. 2012. Disponível em: <http://www.consultaprevia.org/#!/documento/38>. Acesso em 1 de mar. 2020.
http://www.consultaprevia.org/#!/documen...
: 69). A Corte reconheceu que a intervenção e destruição de parte do patrimônio cultural significou desrespeito à identidade social e cultural, aos costumes, tradições, cosmovisão e modo de viver dos Sarayaku, produzindo preocupação, tristeza e sofrimento entre eles (CORTE IDH, 2012CORTE IDH. Caso del Pueblo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Ecuador. Sentencia Serie C Nº 245 del 27 de junio de 2012 (Fondo y Reparaciones). San Jose: Corte IDH, 27 jun. 2012. Disponível em: <http://www.consultaprevia.org/#!/documento/38>. Acesso em 1 de mar. 2020.
http://www.consultaprevia.org/#!/documen...
: 69).

Desta forma, o método intercultural de interpretação desponta como uma ferramenta de inserção da interlegalidade na esfera judicial, quando da solução de lides envolvendo o direito à consulta prévia.

Agora, em se tratando da condução de processos concretos de consulta, como garantir, na prática, a inserção das sensibilidades jurídicas dos grupos étnicos? Como os Poderes Executivo (medidas administrativas) e Legislativo (medidas legislativas) podem conduzir consultas prévias atentas ao dever legal de reconhecer e respeitar a interlegalidade?

4. Protocolos de consulta prévia

Ao analisar a obra de Geertz, Almeida afirma que o autor demonstrou não apenas a “incompatibilidade lógica e ontológica” entre os sistemas cognitivos legais, mas também sua incomensurabilidade, “pelo fato de que há incompatibilidade de procedimentos institucionalizados de tratar de fatos e de fazer juízos” (ALMEIDA, 2001: 17).

A noção de comensurabilidade diz respeito à possibilidade ou não de se cotejar diferentes grandezas ou teorias – no caso, diferentes sistemas de direito – na medida em que possuam estruturas/medidas comuns ou semelhantes que permitam a comparação. Nesse sentido, as sensibilidades jurídicas são incomensuráveis por se constituírem a partir de cosmologias, estruturas cognitivas e de linguagem que não são universais, portanto não partilhadas pelos diferentes grupos.

Se as sensibilidades jurídicas munduruku e governamental são incomensuráveis, como a etnografia apresentada demonstrou, de que forma o governo federal poderia conduzir um processo de consulta que respeitasse a interlegalidade? Almeida afirma que quando os sistemas cognitivos legais são confrontados, ainda que conflitantes, há “comensurabilidade pragmática” entre eles (2001: 18).

Pode-se dizer, assim, que os Protocolos de Consulta Prévia são um “acordo pragmático” (ALMEIDA, 2014: 18) em que os grupos étnicos oferecem uma base de comensurabilidade ao traduzirem suas sensibilidades jurídicas, relativas ao direito à consulta prévia, à linguagem e às categorias do direito estatal.

Os Protocolos de Consulta constituem, portanto, uma retradução: os grupos se apropriam e traduzem o direito à consulta prévia aos seus “sistemas de significados culturais” (ENGLE MERRY, 2010ENGLE MERRY, Sally. Derechos humanos y violencia de género. El derecho internacional en el mundo de la justicia local. Bogotá: Universidad de los Andes & Derecho y Sociedad, 2010.: 21); e, em seguida, (re)traduzem suas sensibilidades jurídicas à linguagem e às categorias inteligíveis ao direito estatal.

Os Protocolos de Consulta Prévia são documentos (escritos ou orais) nos quais os grupos étnicos publicizam como deve ser uma consulta culturalmente adequada, documentando suas sensibilidades jurídicas relativas à organização social e política, às formas de representação e de participação, à formação e tomada de decisão, dentre outras regras jurídicas. O Protocolo de Consulta Munduruku, por exemplo, registra que, segundo a sensibilidade jurídica munduruku, as decisões do povo são tomadas em assembleia geral convocada pelos caciques e da qual participam, além dos caciques de todas as aldeias, uma ampla gama de representantes e lideranças. As deliberações ocorrem por consenso. Se após longa e livre discussão interna não for possível chegar a um consenso, só então os Munduruku decidirão por maioria (PROTOCOLO de Consulta Munduruku, 2014: 6).

Ainda que a confecção do Protocolo de Consulta Prévia possa engendrar, por parte dos grupos, a criação de formas e processos de deliberação até então inexistentes (afinal, a consulta representa uma oportunidade inédita em termos históricos), deve-se considerar que essas “novas” estruturas são construídas coletivamente, quando da elaboração do documento, a partir de regras tradicionais já existentes e praticadas. Com isso, são descabidos os questionamentos acerca da “tradicionalidade” ou não das “novas” estruturas previstas no Protocolo, como se não refletissem, igualmente, as sensibilidades jurídicas dos grupos étnicos.

Desta forma, os Protocolos de Consulta retiram, da esfera de negociação com o Estado, aspectos da consulta prévia que são intrínsecos aos grupos consultados e, portanto, que devem ser regidos exclusivamente por sua sensibilidade jurídica. Esta conclusão nos indica como construir processos de consulta em meio à dissensão normativa, respeitando os ditames da Convenção nº. 169 e da Corte Interamericana que impõem a interlegalidade.

5. Conclusão: a juridicidade dos protocolos de consulta

A etnografia apresentada neste artigo demonstrou que os Munduruku e o governo federal possuem sensibilidades jurídicas dissonantes acerca do direito à consulta prévia. De um lado, a sensibilidade jurídica munduruku mostrou-se em sintonia com as garantias jurídicas do direito à consulta prévia e buscou estabelecer um espaço efetivo e culturalmente adequado de participação e decisão. De outro, a sensibilidade jurídica governamental visou suprimir o poder decisório dos indígenas, formatando a consulta prévia como uma etapa meramente burocrática (OLIVEIRA, 2016OLIVEIRA, Rodrigo. A ambição dos pariwat: consulta prévia e conflito socioambiental. Belém: Dissertação de Mestrado - Programa de Pós Graduação em Direito/Universidade Federal do Pará, 2016.).

Diante da constatação etnográfica - de que não se tratam de interpretações, mas de sensibilidades jurídicas distintas, que se confrontam em um contexto radicalmente assimétrico -, o pluralismo jurídico formal e a determinação da Convenção nº. 169 e da Corte Interamericana de que a sensibilidade jurídica dos grupos étnicos seja inserida nos processos de consulta implicam no reconhecimento da juridicidade dos Protocolos de Consulta Prévia à luz do direito estatal, pois tal como no caso Munduruku, os Protocolos consubstanciam as sensibilidades jurídicas particulares de um determinado grupo étnico no que diz respeito à consulta.

Nesse sentido, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região decidiu que a consulta deve ser feita “em conformidade com o protocolo de consulta respectivo, se houver, em atenção ao que dispõe a Convenção nº. 169 da OIT” (BRASIL, Tribunal Regional Federal 1ª Região, 2017).

Esquematicamente, todos os Protocolos de Consulta Prévia divulgados até a finalização deste artigo18 18 Disponíveis em: <http://direitosocioambiental.org/observatorio-de-protocolos/protocolos-comunitarios-de-consulta/>. estão organizados em três seções básicas: apresentação (informações históricas e contemporâneas sobre o povo, suas principais demandas, as razões que motivaram a confecção do documento); regras gerais (sensibilidades jurídicas do grupo quanto às regras comuns aplicáveis a todas as consultas, por exemplo, as regras que condicionam uma consulta “prévia”, “livre” e “informada”), e; regras específicas (sensibilidades jurídicas relativas ao procedimento específico de consulta, às formas de representação, de participação e de deliberação).

Ao conduzirem processos de consulta, os Estados estão juridicamente compelidos a obedecer às “regras específicas” estabelecidas nos Protocolos de Consulta Prévia, pois disciplinam aspectos que devem ser regulados exclusivamente pelas sensibilidades jurídicas dos grupos consultados, segundo a Convenção nº. 169 e a Corte Interamericana (organização, representação, formato das reuniões, processo decisório e mecanismo de deliberação).

Há, ainda, outras regras estabelecidas nos Protocolos que, embora não haja previsão específica de que devam incidir com exclusividade, são reflexamente obrigatórias. O Protocolo de Consulta Munduruku, por exemplo, registra que as decisões são tomadas em assembleias gerais realizadas nas aldeias e na língua munduruku. Tais regras estão estritamente relacionadas à organização e à forma de deliberação dos Munduruku e, logo, também são de obediência obrigatória por parte do Estado. A propósito, o simples deslocamento das reuniões para a cidade foi capaz de elidir a efetiva participação dos Munduruku, sobretudo das lideranças mais velhas (OLIVEIRA, 2016OLIVEIRA, Rodrigo. A ambição dos pariwat: consulta prévia e conflito socioambiental. Belém: Dissertação de Mestrado - Programa de Pós Graduação em Direito/Universidade Federal do Pará, 2016.: 115).

Em síntese, embora os Protocolos de Consulta sejam integralmente dotados de juridicidade, a Convenção nº. 169 e a Corte Interamericana dispõem apenas que suas “regras específicas” devem ser aplicadas com exclusividade, bem como as “regras gerais” que estejam diretamente relacionadas àquelas. Os aspectos gerais da consulta, por sua vez, devem ser definidos e aplicados mediante a interação das “regras gerais” presentes no Protocolo de Consulta (sensibilidade jurídica do grupo consultado) e a sensibilidade jurídica governamental.

Embora os aspectos gerais da consulta sejam definidos interativamente, o Estado deve respeitar os parâmetros legais previstos na Convenção nº. 169 e na jurisprudência da Corte Interamericana, que determinam, por exemplo, que a consulta deve ser iniciada desde as primeiras etapas de planejamento da medida consultada e antes de qualquer autorização.

Sob a perspectiva do pluralismo jurídico formal igualitário (HOEKEMA, 2002HOEKEMA, André. Hacia un pluralismo jurídico formal de tipo igualitário. El outro Derecho, Bogotá, n. 26-27, abr. 2002.) - segundo a qual inexiste hierarquia entre sistemas jurídicos e, portanto, a aplicação dos sistemas jurídicos dos grupos étnicos não depende do reconhecimento do direto estatal -, os Protocolos de Consulta são dotados de juridicidade, independentemente de o direito estatal dispor ou não sobre a questão.

No entanto, ainda que se defenda que o Brasil adota o pluralismo jurídico formal unitário (HOEKEMA, 2002HOEKEMA, André. Hacia un pluralismo jurídico formal de tipo igualitário. El outro Derecho, Bogotá, n. 26-27, abr. 2002.) – no qual cabe ao próprio direito estatal definir as possibilidades de aplicação dos sistemas jurídicos dos grupos étnicos -, o que se demonstrou, a partir de dados etnográficos e de revisão da legislação, é que o próprio direito estatal relativiza sua onipresença na regulação dos processos concretos de consulta prévia, o que implica no reconhecimento da juridicidade dos Protocolos de Consulta Prévia.

O cumprimento das normas jurídicas presentes nos Protocolos de Consulta Prévia atenua, ainda que pontualmente, as assimetrias presentes nos processos de consulta decorrentes da instalação de empreendimentos, ao romper com a hegemonia regulatória do direito estatal e garantir a inserção da sensibilidade jurídica do grupo consultado.

  • 1
    No caso do Brasil, a categoria “tribais” refere-se às comunidades quilombolas e aos povos e comunidades tradicionais, a exemplo das comunidades ribeirinhas, comunidades de fundo de pasto, quebradeiras de coco babaçu, dentre outros sujeitos coletivos cujos direitos são resguardados pelo Decreto nº. 6.040/2007 (ROJAS GARZÓN, YAMADA, OLIVEIRA, 2016ROJAS GARZÓN, Biviany; YAMADA, Erika M.; OLIVEIRA, Rodrigo. Direito à consulta e consentimento de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. São Paulo: Rede de Cooperação Amazônica - RCS; Washigton, DPLf, 2016.).
  • 2
    Ratificada pelo Decreto Legislativo nº. 143, de 20 de junho de 2002, e entrou em vigor em junho de 2003. Na condição de tratado internacional de direitos humanos, a Convenção nº. 169 está hierarquicamente situada abaixo da Constituição, mas acima das leis ordinárias (Brasil, Supremo Tribunal Federal, 2006).
  • 3
    Acerca da etnografia documental, Vianna (2014:47) defende que “levar a sério os documentos como peças etnográficas implica tomá-los como construtores da realidade tanto por aquilo que produzem na situação da qual fazem parte - como fabricam um 'processo' como sequência de atos no tempo, ocorrendo em condições específicas e com múltiplos e desiguais atores e autores - quanto por aquilo que conscientemente sedimentam” e, nesse sentido, a precaução do etnógrafo deve ser “levar a sério o que nos é mostrado, o modo como essa exibição se ordena, a multiplicidade de vozes e mãos presentes na sua confecção, sua dimensão material, seu lugar em cadeias de outros documentos e ações, suas lacunas e silêncios” (2014: 48).
  • 4
    As sensibilidades jurídicas foram inferidas e extraídas de documentos que podem ser considerados oficiais, no sentido de que publicizam discursos construídos de acordo com a organização política e jurídica de cada um destes sujeitos. No caso do governo, analiso declarações de autoridades públicas e documentos oficiais. No caso dos Munduruku, utilizei o Protocolo de Consulta Munduruku e cartas, que são documentos discutidos, construídos e aprovados coletivamente. Mesmo as entrevistas analisadas não expressam unicamente a posição individual do entrevistado, na medida em que foram concedidas por lideranças ou representantes indicados pelos indígenas.
  • 5
    Violação do artigo 231, §§3º e 5º da Constituição Federal de 1988, em razão de a hidrelétrica implicar em remoção compulsória de aldeias, o que é vedado pelo texto constitucional, bem como da ausência de regulamentação da norma constitucional de eficácia limitada que prevê a possibilidade de exploração hidrelétrica em terras indígenas.
  • 6
    “A terra pra nós significa a garantia da nossa existência enquanto seres humanos, enquanto indígenas. Pra nós a terra não é vista apenas como um instrumento para enriquecimento. Nós queremos a terra pra sobreviver, pra existir enquanto seres humanos. Queremos que respeitem nosso modo de vida, porque muitas vezes o poder econômico não entende dessa forma, entende que nós somos apenas um entrave para o desenvolvimento econômico do Brasil. Muitas vezes já foi alegado que a construção de hidrelétricas é algo necessário porque o Brasil precisa de energia. E quer dizer então que nossas vidas enquanto seres humanos não tem significado?”, afirma a liderança Ademir Kaba Munduruku (FASOLO, 2015FASOLO, Carolina. “A terra pra nós significa a garantia da nossa existência”, dizem Munduruku ao ministro Miguel Rossetto. Brasília: Sítio do Conselho Indigenista Missionário, 2015. Disponível em: <http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=7970&action=read>. Acesso em 6 de mar. 2020.
    http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?syste...
    ).
  • 7
    “Todos os bens comuns que há na terra nós não enxergamos como riqueza. Para possuirmos grandes riquezas não precisamos destruir o patrimônio que nossos antepassados nos deram. Ninguém pode destruir os seus próprios bens patrimoniais e muito menos o dos outros. Nós apenas mantemos como ela sempre deve ficar. Nós a protegemos por que ela é parte de nós. Ela é vida. É delas que comemos frutos tão nutritivos. Quaisquer plantas que, seja ela grandes ou pequenas elas tem as essências naturais para uso medicinais. Todas coisas que existem no meio ambiente, ele é considerado sagrado” (SAW MUNDURUKU, 2015SAW MUNDURUKU, Jairo. Essa é a razão da nossa luta por território. Jacareacanga: Sítio Autodemarcação no Tapajós, 4 mai. 2015. Disponível em: <https://autodemarcacaonotapajos.wordpress.com/2015/05/04/essa-e-a-razao-da-nossa-luta-por-territorio/>. Acesso em 6 de mar. 2020.
    https://autodemarcacaonotapajos.wordpres...
    ).
  • 8
    “Somos povos nativos da floresta Amazônica, existimos desde a origem da criação do mundo quando o Karosakaybu nos transformou do barro (argila) e nos soprou com a brisa do seu vento, dando a vida para todos nós. Desde o princípio conhecemos o mundo que está ao nosso redor e sabemos da existência do pariwat (não-índio), que já vivia em nosso meio. Éramos um só povo, criado por Karosakaybu, criador e transformador de todos os seres vivos na face da Terra: os animais, as florestas, os rios e a humanidade. Antes, outros povos não existiam, assim como os pariwat não existiam” (SAW MUNDURUKU, 2014SAW MUNDURUKU, Jairo. Munduruku escreve à sociedade brasileira e internacional. São Paulo: Carta Capital, 19 dez. 2014. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do-milanez/munduruku-escreve-a-sociedade-brasileira-9298.html>. Acesso em 9 de mar. 2020.
    http://www.cartacapital.com.br/blogs/blo...
    ).
  • 9
    “Será que o mundo vai permitir esse genocídio que está sendo anunciado com a decisão do governo brasileiro de construir grandes hidrelétricas e outros grandes projetos na região amazônica, que transformarão a natureza causando impactos irreversíveis para toda a humanidade? É a vida na Terra que está em perigo e nós estamos dispostos a continuar lutando, defendendo a nossa floresta e os nossos rios, para o bem de toda a humanidade. E vocês? Vocês estão dispostos a ser solidários nessa luta? A luta do Povo Munduruku não é contra um governo, mas em defesa da vida. É o governo que não está sendo capaz de nos ouvir, de nos consultar, de respeitar nossas decisões sobre os problemas que nos afetam e à da humanidade. Exigimos respeito ao nosso direito de consulta prévia, livre e informada, pois não são apenas os direitos indígenas que estão sendo violados, mas também os direitos humanos e todo o patrimônio natural que preservamos há séculos” (SAW MUNDURUKU, 2014SAW MUNDURUKU, Jairo. Munduruku escreve à sociedade brasileira e internacional. São Paulo: Carta Capital, 19 dez. 2014. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do-milanez/munduruku-escreve-a-sociedade-brasileira-9298.html>. Acesso em 9 de mar. 2020.
    http://www.cartacapital.com.br/blogs/blo...
    ).
  • 10
    Consta em carta coletiva publicada após assembleia realizada na aldeia Dace Watpu: “E todos nós somos sabedores que é a construção de usinas hidrelétricas na bacia do Tapajós é a entrada de vários outros empreendimentos dos setores econômicos do interesse do governo como da mineração, hidrovias, construção de portos de navio para transportar grão de soja e construção de ferrovias no território Munduruku” (BRASIL, Ministério Público Federal, 2015).
  • 11
    “Deus que fez o rio Tapajós, a água, e deixou o rio pra gente. Deus deixou o rio não para mexermos nele, mas para vivermos”, José Tomé Akay (BRASIL, Ministério Público Federal, 2014).
  • 12
    Depoimento de Felícia Krixi Munduruku. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=-z4xHtqQDzg>.
  • 13
    “Os Munduruku são tão ligados ao meio ambiente, ao seu território, que até no nosso nome fazemos referência à natureza. Nossos sobrenomes fazem referência a aves, peixes e outros animais. Nosso nome é composto por um nome Munduruku, um nome da natureza e o nome da etnia”, afirma Hans Kaba (BRASIL, Ministério Público Federal, 2014).
  • 14
    “O governo vem sussurrando nos nossos ouvidos, tentando dividir a gente” (PROTOCOLO de Consulta Munduruku, 2014: 2).
  • 15
    “As nossas organizações (Conselho Indígena Munduruku Pusuru Kat Alto Tapajós – Cimpukat, Da’uk, Ipereg Ayu, Kerepo, Pahyhyp, Pusuru e Wixaxima) também devem participar, mas jamais podem ser consultadas sozinhas. Os vereadores Munduruku também não respondem pelo nosso povo. As decisões do povo Munduruku são coletivas” (PROTOCOLO de Consulta Munduruku, 2014: 3).
  • 16
    Projeto educacional coordenado pela Fundação Nacional do Índio e desenvolvido junto ao povo Munduruku. Disponível em: <http://www.funai.gov.br/index.php/comunicacao/noticias/3597-ibaorebu-no-caminho-da-conclusao-de-um-ciclo-para-que-outros-se-iniciem>. Acesso em: 22 out. 2020.
  • 17
    Compartilho da crítica formulada por Hoekema (2001) de que a expressão “leis consuetudinárias” é inadequada para se referir aos sistemas de direitos dos grupos étnicos minoritários, pois sugere que sua eficácia e validade dependem da vontade estatal. Segundo a doutrina jurídica, o direito consuetudinário tem caráter subordinado e subsidiário, sendo utilizado apenas como forma de integração ou de interpretação das normas jurídicas estatais.
  • 18

Referências bibliográficas

  • XI ASSEMBLEIA do povo Munduruku do médio Tapajós. [30 de set. 2015]. Itaituba: 2015. Disponível em: <https://autodemarcacaonotapajos.wordpress.com/2015/09/30/xi-assembleia-do-povo-munduruku-do-medio-tapajos/>. Acesso em 7 de mar. 2020.
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  • ALENCASTRO, Catarina; SOUZA, André. Gilberto Carvalho tem diálogo tenso com índios contrários à usina de Teles Pire [21 de fev. 2013]. Rio de Janeiro: O Globo. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/economia/gilberto-carvalho-tem-dialogo-tenso-com-indios-contrarios-usina-de-teles-pires-7642233#ixzz3EAU4i82q>. Acesso em 3 de mar. 2020.
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  • BRASIL. Fundação Nacional do Índio. Informação nº 249/COEP/CGLIC/DPDS/FUNAI-MJ. Brasília: CGLIC, 2014.
  • BRASIL. Ministério Público Federal. Índios Munduruku vão definir formato e prazos de consulta sobre usina. Belém: Procuradoria da República no Pará, 2014c. Disponível em: <https://terradedireitos.org.br/noticias/noticias/indios-munduruku-vao-definir-formato-e-prazos-de-consulta-sobre-usina-no-tapajos/15526>. Acesso em 24 de mar. 2020.
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  • BRASIL. Ministério Público Federal. A encruzilhada Munduruku: depois de séculos defendendo o Tapajós, barragens ameaçam os vivos e perturbam os mortos. Belém: MPF, 2015. Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/noticias/547617-a-encruzilhada-munduruku-depois-de-seculos-defendendo-o-tapajos-barragens-ameacam-os-vivos-e-perturbam-os-mortos>. Acesso em 7 de mar. 2020.
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  • BRASIL. Ministério Público Federal. MPF recebe carta do povo Munduruku contra garimpo ilegal em suas terras. Santarém: MPF, 2020. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/noticias-pa/mpf-recebe-carta-do-povo-munduruku-contra-o-garimpo-ilegal-em-suas-terras>. Acesso em: 22 out. 2020.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    02 Maio 2020
  • Aceito
    23 Out 2020
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