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CALO DA MEMÓRIA: flashback em Batismo de Sangue

CALLUS OF MEMORY: flashback in Batismo de Sangue

Resumo

O artigo interpreta o filme Batismo de Sangue (2007), por meio da forma cinematográfica do flashback, em torno da tortura e morte de Frei Tito. Nossas hipóteses são: este filme tenta lidar com a amnésia jurídica imposta pela Lei de Anistia dos crimes da Ditadura Civil-Militar brasileira (1964-1985); a partir de uma ética testemunhal (Agamben e Gagnebin), entendemos o filme como sendo um flashback não de trauma, mas de um testemunho.

Palavras-Chave:
Testemunho; Ditadura Civil-Militar; Flashback

Abstract

The article interprets the film Batismo de Sangue (2007), through the cinematic form of the flashback, around the torture and death of Frei Tito. Our hypotheses are: this film tries to deal with the legal amnesia imposed by the Amnesty Law of the crimes of the Brazilian Civil-Military Dictatorship (1964-1985); since the testimonial ethic (Agamben and Gagnebin), we understand the film itself as a flashback, not of trauma, but of testemonie.

Keywords:
Testemonie; Dictatorship; Flashback

1 introdução

Em 17 de abril de 2016, durante a votação na Câmara dos Deputados acerca da autorização do seguimento do processo de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, o à época deputado federal, Jair Bolsonaro, ao proferir seu voto favorável, dedicou-o à memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, “o pavor de Dilma!”, responsável por ter comandado as sessões de tortura praticadas contra a ex-presidenta durante a Ditadura Civil-Militar de 1964. Em 28 de dezembro de 2020, em meio ao caos da crise sanitária do novo coronavírus e as dificuldades que o Brasil tem passado no enfrentamento da pandemia, o agora Presidente Jair Bolsonaro, em conversa com seus apoiadores, questionou e ironizou a veracidade dos relatos da ex-presidenta a respeito das torturas que sofreu durante o regime militar e afirmou estar até hoje “aguardando o raio-x” de Dilma para verificar “o calo ósseo” ali presente de modo a confirmar se efetivamente a sua mandíbula havia sido fraturada durante o período de exceção.

O lapso temporal entre as duas falas se conecta com as modificações políticas, econômicas e sociais no país e a ascensão da extrema-direita ao poder, tendo como expoente o atual presidente que não esconde a sua admiração pela Ditadura Civil-Militar, a tortura e os ideais autoritários. Ao mesmo tempo, tem se tornado constante nas falas de Bolsonaro, dos membros de seu governo e demais apoiadores, o questionamento da história do regime militar que o Brasil vivenciou, bem como o uso de um tom negacionista do que efetivamente foi a ditadura, de suas consequências, das torturas, perseguições, desaparecimentos e o trauma daqueles que sobreviveram ao período. Essa estratégia não é nova.

O que essas situações têm em comum é o questionamento das memórias pessoais e políticas do tempo da Ditadura Civil-Militar brasileira, que durou 21 anos, de 1964 a 1985. Bolsonaro, ao confrontar a veracidade dos relatos de Dilma, afronta a figura do trauma, questiona sua memória, e sua realidade. Assim, lembrando também que trauma é sinônimo de “fratura”, o presente artigo se propõe a refletir tais questões a partir do filme brasileiro Batismo de Sangue (2007). O filme foi dirigido por Helvécio Ratton e é baseado no livro de mesmo nome, escrito por Frei Betto. Na obra originalmente publicada em 1982, 23 anos antes do filme homônimo, Betto relata as memórias e os traumas das barbaridades cometidas durante a ditadura brasileira, dentre eles, o episódio paradigmático da perseguição aos frades dominicanos, quando estiveram associados ao grupo guerrilheiro Aliança Libertadora Nacional, sob a liderança do comunista brasileiro Carlos Marighella.

Especificamente, o trabalho tratará da problemática em torno da memória da Ditadura Civil-Militar e das frequentes tentativas de apagamento e negação dela, nas formas como o filme a problematiza, isto é, a partir do recurso do flashback das memórias de tortura de Frei Tito, utilizado na produção como mecanismo narrativo do trauma, na tentativa de fazer com que os telespectadores se conectem com essa experiência. Para isso, desenvolveremos duas hipóteses: primeiramente, de que o lembrar ativo do que foi o período militar no Brasil é importante não apenas para a compreensão do presente político, mas porque a memória histórica de uma experiência coletiva sob a exceção é capaz de emancipar aquelas e aqueles que vivem no presente. Em segundo lugar, de que o modo como o filme selecionado e o recurso do flashback empregado nele funcionam como a ideia de testemunho desenvolvida pelo filósofo Giorgio Agamben, em sua obra O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha (2008), enquanto uma ética que faz ressoar a história daqueles que predominantemente foram, e são, silenciados.

Nesse sentido, seguindo aquilo que Gagnebin (2006, p. 47) diz, as preocupações com a verdade do passado se complementam com a necessidade de um presente que seja também verdadeiro, e se trata de uma tarefa política, pois lutar contra o esquecimento e a negação é lutar para impedir que o horror se repita. Desse modo, trataremos sobre o que restou do passado ditatorial na atualidade, o contexto político de produção do filme e a forma que ele se propõe a narrar uma história desse período pelo ponto de vista dos frades dominicanos torturados, especificamente, Frei Tito.

Assim, trata-se de pesquisa bibliográfica que se utilizará do enredo do filme e da interpretação em torno do recurso cinematográfico flashback em cotejamento com o referencial teórico, de modo que o artigo está estruturado, além dessa introdução, em mais três itens. O próximo (2) faz uma breve contextualização histórica da Ditadura Civil-Militar no Brasil e sua constante relação com o presente político do país. O tópico seguinte (3) desenvolve o enredo do filme Batismo de Sangue, seu contexto de produção, direção e a descrição das cenas que utilizam o recurso do flashback. Em seguida, em item próprio (4), trataremos sobre o que é o recurso cinematográfico do flashback (4.1) e como ele é utilizado no filme. Por fim, desenvolvemos a análise do recurso cinematográfico e do filme a partir da ideia de testemunho e ética testemunhal pertencente à teoria filosófica de Agamben (4.2) e, no último item (5), formularemos nossas conclusões.

2 A memória da ditadura: um passado não reconciliado

Apesar do lapso temporal de pouco mais de cinquenta anos entre o presente republicano brasileiro e o seu passado ditatorial, é evidente aos cidadãos brasileiros, e aos observadores da política do país, que o amargor dos anos da Ditadura Civil-Militar não ficou no passado da história nacional, elaborado e superado. Ao contrário, os anos tortuosos e obscuros em que os militares tomaram o poder para si demonstram, diariamente, “[...] a sua incrível capacidade de não passar” (SAFATLE; TELES, 2010SAFATLE, Vladmir; TELES, Edson. Apresentação. In: SAFATLE, Vladmir; TELES, Edson (Orgs.). O que resta da ditadura: a exceção brasileira. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 09-12., p. 09). Seja pela herança da estrutura de violência sistêmica ou dos traumas sociais que até hoje esse período histórico promove em nosso cotidiano, a ligação direta da vivência política brasileira ainda é permeada pelo passado recente do regime militar.

Tal afirmação se torna ainda mais evidenciada se observarmos que, durante a maior crise sanitária do século, a pandemia da COVID-19, uma parcela da população brasileira que apoia o atual governo federal, foi às ruas, no dia 01 de maio deste ano, promover manifestações de apoio ao Presidente Jair Bolsonaro, reivindicando “intervenção militar”, “fechamento do STF” e “volta do AI-5”. O flerte do atual presidente do país com a Ditadura Civil-Militar é uma constante política que antecede a sua ascensão à presidência do país e, em verdade, é algo que nunca ficou às escondidas.

Entretanto, antes de pontuarmos o atual mal-estar político em torno do passado ditatorial precisamos, primeiro, contextualizar historicamente a conjuntura política brasileira a partir do golpe civil-militar de 1964. No dia primeiro de abril deste ano, os militares derrubaram o governo do então presidente eleito, João Goulart, e suspenderam o regime democrático estabelecido a partir de 1945. Os militares justificaram essa escalada autoritária e antidemocrática ao poder como necessária para a garantia da ordem e da segurança nacional, uma medida temporária, mas indispensável para salvar o Brasil da corrupção e impedir o avanço comunista no país, como se pode verificar no preâmbulo do Ato Institucional nº 01, de 1964 (BRASIL, 1964BRASIL. Ato Institucional nº 1, de 9 de abril de 1964. Brasília, DF: Presidência da República, 1964. Disponível em: http://www.planalto.gov.br//CCIVIL_03/AIT/ait-01-64.htm. Acesso em: 03 mai. 2021.
http://www.planalto.gov.br//CCIVIL_03/AI...
).

À medida que os anos passavam, a forma como eles governavam o país ia, aos poucos, se tornando ainda mais autoritária, e assim perdurou por vinte e um anos. Por meio da institucionalização de práticas de tortura daqueles que eram contrários ao regime, a perseguição a grupos específicos de opositores, as prisões arbitrárias e a censura aos críticos do regime, esse período da história brasileira ficou marcado pelas graves violações de direitos humanos e supressão de direitos políticos dos cidadãos brasileiros.

Esse contexto fica muito bem representado no filme Batismo de Sangue, que tentou reproduzir e tornar inteligível àqueles que não viveram durante esse período como foi a realidade daqueles que se opuseram à Ditadura Civil-Militar e que, por tal escolha política, sofreram perseguições e torturas. Além disso, o filme coloca em evidência os efeitos psicológicos de se ter vivido uma experiência como essa, o trauma que permanece e acompanha aqueles que foram submetidos a tamanha violência, como é a vida de Frei Tito, apresentada no enredo. Esse trauma, como um calo ou uma cicatriz, persiste enquanto uma marca da experiência na memória viva dos que sobreviveram e, como um flashback, se manifesta no presente.

A partir de 1975, a situação política no país foi se tornando ainda mais instável, familiares de presos políticos, desaparecidos e exilados, juntamente com defensores dos direitos humanos e outros grupos de movimentos sociais se uniram em prol da reivindicação da anistia ampla, geral e irrestrita. Em 1979, influenciados por tais reivindicações e, também, por estarem cientes de que o apoio ao regime militar estava diminuindo, os militares começaram a se preparar para a transição futura da ditadura a um regime democrático. Com isso, o à época presidente, João Figueiredo, promulgou a Lei de Anistia nº 6.683/79 que concedeu anistia a todos aqueles que cometeram crimes políticos ou conexos.

Aqueles que se mobilizaram na luta pela anistia pensavam essa conquista, como afirma a historiadora Heloisa Greco, enquanto um instrumento que possibilitaria o “resgate da memória e direito à verdade: reparação histórica, luta contra o esquecimento e recuperação das lembranças” (GRECO, 2005GRECO, Heloisa Bizoca. A dimensão trágica da luta pela anistia. Cad. Esc. Legisl., Belo Horizonte, v. 8, n. 13, p. 85-111, jan./dez. 2005. Disponível em: https://scholar.googleusercontent.com/scholar?q=cache:u6ZSljmRvRIJ:scholar.google.com/+anistia&hl=pt-BR&as_sdt=0,5&as_ylo=2017. Acesso em: 03 mai. 2021.
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, p. 90). Em contrapartida, os militares viam na anistia um objetivo diverso. Para eles, ela seria um instrumento que possibilitaria o esquecimento de certas narrativas e atos do passado, um pacto de silêncio legalmente estabelecido e sancionado. Como afirma Greco, na concepção dos membros da ditadura, a anistia era vislumbrada como “esquecimento e pacificação: conciliação nacional, compromisso, concessão, consenso – leia-se certeza da impunidade” (GRECO, 2005GRECO, Heloisa Bizoca. A dimensão trágica da luta pela anistia. Cad. Esc. Legisl., Belo Horizonte, v. 8, n. 13, p. 85-111, jan./dez. 2005. Disponível em: https://scholar.googleusercontent.com/scholar?q=cache:u6ZSljmRvRIJ:scholar.google.com/+anistia&hl=pt-BR&as_sdt=0,5&as_ylo=2017. Acesso em: 03 mai. 2021.
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, p. 90).

Isso decorre da própria etimologia da palavra anistia. Do grego amnestía, esquecimento, e do latim amnestia, perdão. A palavra anistia contém em si, em relação dialética, duas polaridades postas em questão nas intenções acima mencionadas, memória e esquecimento que se colocam em tensão (GRECO, 2005GRECO, Heloisa Bizoca. A dimensão trágica da luta pela anistia. Cad. Esc. Legisl., Belo Horizonte, v. 8, n. 13, p. 85-111, jan./dez. 2005. Disponível em: https://scholar.googleusercontent.com/scholar?q=cache:u6ZSljmRvRIJ:scholar.google.com/+anistia&hl=pt-BR&as_sdt=0,5&as_ylo=2017. Acesso em: 03 mai. 2021.
https://scholar.googleusercontent.com/sc...
, p. 89). Nesse sentido, a aprovação da Lei nº 6.683/79 nos moldes como ela se deu, revela a sua representação enquanto anistia no sentido de amnésia, voltada para a produção do esquecimento e silenciamento dos agentes e de seus atos pretéritos. Isso se corrobora quando, analisando a legislação, se observa os seguintes pontos: guerrilheiros foram excluídos da anistia, a lei não resolve o problema dos desaparecidos políticos e há inclusão da anistia para aqueles que praticaram crimes conexos (BRASIL, 1979BRASIL. Lei nº 6.683, de 28 de Agosto de 1979. Concede anistia e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 1979. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6683.htm#:~:text=1%C2%BA%20%C3%89%20concedida%20anistia%20a,de%20funda%C3%A7%C3%B5es%20vinculadas%20ao%20poder. Acesso em: 03 mai. 2021.
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).

Nesse mesmo sentido, Glenda Mezarobba entende que, embora essa lei tenha sido considerada um marco no processo de redemocratização, ela se deu “nos termos que o governo militar pretendia e, por isso mesmo, se mostrou mais adequada aos anseios de impunidade dos integrantes do aparato de repressão do que à necessidade de justiça dos perseguidos políticos” (MEZAROBBA, 2010MEZAROBBA, Glenda. O processo de acerto de contas e a lógica do arbítrio. In: SAFATLE, Vladmir; TELES, Edson (Orgs.). O que resta da ditadura: a exceção brasileira. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 109-119., p. 110). Dentre as muitas consequências desse fato, tem-se que até o final da década de 1970, o Brasil foi o único país da América Latina que não investigou, julgou ou condenou seus militares pelos crimes cometidos durante os anos de ditadura, não cobrando deles sequer o reconhecimento dos crimes cometidos (KEHL, 2010KEHL, Maria Rita. Tortura e sintoma social. In: SAFATLE, Vladmir; TELES, Edson (Orgs.). O que resta da ditadura: a exceção brasileira. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 109-119., p. 124).

O silêncio da impunidade dos militares se perpetua até os dias de hoje. Após o declínio do regime militar e a formação da assembleia constituinte, em 1987, a nova Constituição da República, promulgada em 1988, estendeu os efeitos da amnésia ocasionados pela Lei de Anistia. Isso porque, apesar dos grandiosos avanços com relação à garantia de direitos fundamentais e sociais, a Constituição de 1988 é silente quanto ao passado ditatorial do país, haja vista em seu artigo 142 estabelecer que as Forças Armadas são aptas para a garantia da lei e da ordem (BRASIL, 1988BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 03 mai. 2021.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
). Segundo Teles e Quinalha (2020b, n.p), a nova constituição manteve, quanto à segurança pública, a estrutura repressiva e “sofisticou a militarização do cotidiano com a legitimação das Forças Armadas como ‘garantidoras da ordem’”.

Essa relação de negação e silenciamento, foi, de certa forma, modificada com a promulgação, pela à época presidenta, Dilma Rousseff, da Lei nº 12.528/2011 que criou a Comissão Nacional da Verdade (CNV), órgão com atribuições para esclarecer fatos e fazer levantamento de informações sobre as violações de direitos humanos ocorridas nos anos da Ditadura Civil-Militar brasileira. A instituição da CNV, como afirmam Teles e Quinalha (2020a, n.p), decorreu de anos de luta e reivindicação dos familiares de mortos e desaparecidos políticos e parecia ser um movimento de rompimento com esse processo de silenciamento.

A CNV começou suas atividades em 2012. Em 2014, entregou o relatório e, apesar das recomendações contidas nele e dos esclarecimentos de fatos que o trabalho da comissão proporcionou, não foi suficiente para que o presente democrático brasileiro se reconciliasse com seu passado ditatorial. Nesse ínterim entre a entrega do relatório da CNV e o processo de eleições presidenciais de 2014, forças antidemocráticas e autoritárias se organizavam em escalada para a consolidação de mais um golpe, “um golpe contra a democracia que foi materializado no impeachment da primeira mulher eleita presidente do país” (TELES; QUINALHA, 2020aTELES, Edson; QUINALHA, Renan. Apresentação. In: TELES, Edson; QUINALHA, Renan (Orgs.). Espectros da ditadura: da Comissão da Verdade ao bolsonarismo. São Paulo: Autonomia Literária, 2020a, E-book., n.p). É a partir desse momento decisivo na história da política brasileira que nosso passado se (re)conecta com o presente.

No dia 17 de abril de 2016 ocorreu a votação na Câmara dos Deputados sobre o processo de impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff. 367 deputados e deputadas federais votaram favoráveis à abertura do processo, um deles foi Jair Bolsonaro que, no momento de pronunciamento do voto, deu a seguinte justificativa: “(...) pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, pelo exército de Caxias, pelas Forças Armadas, pelo Brasil acima de tudo e por Deus acima de tudo, o meu voto é sim” (BRASIL, 2016BRASIL. Discurso do Deputado Jair Bolsonaro em plenária do dia 17 de abril de 2016. Brasília: Departamento de Taquigrafia, Revisão e Redação, 2016. Disponível em: https://www.camara.leg.br/internet/SitaqWeb/TextoHTML.asp?etapa=5&nuSessao=091.2.55.O&nuQuarto=3&nuOrador=1&nuInsercao=359&dtHorarioQuarto=14:04&sgFaseSessao=OD&Data=17/04/2016&txApelido=JAIR%20BOLSONARO,%20PSC-RJ. Acesso em: 03 mai. 2021.
https://www.camara.leg.br/internet/Sitaq...
).

Ustra era o comandante do Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna de São Paulo (DOI-CODI/SP). Esteve no comando entre os anos de 1970 e 1974, período em que o referido órgão da ditadura foi considerado um dos mais ativos nas práticas de violações e torturas, tendo concentrado um elevado número de vítimas sob o comando dele (CNV, 2014COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE – CNV. Relatório da Comissão Nacional da Verdade : vol. 1. Brasília: CNV, 2014. Disponível em: http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/images/pdf/relatorio/volume_1_digital.pdf. Acesso em: 03 mai. 2021.
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, p. 148-150). Além disso, Ustra, enquanto comandante do DOI-CODI/SP, foi o responsável por chefiar as sessões de tortura praticadas contra a ex-presidenta Dilma Rousseff.

É desse entrecruzamento histórico entre a ex-presidenta e o maior torturador da Ditadura Civil-Militar que decorre a referência que o atual presidente, Jair Bolsonaro, fez ao dedicar seu voto a favor do impeachment de Dilma à Ustra. Jair Messias Bolsonaro é ex-capitão reformado do exército, deputado federal até 2018, quando foi eleito presidente da república. Seus anos de vida política ficaram marcados por sua postura controversa, caracterizada por discursos de ódio1 1 Entrevista de Bolsonaro à Revista Época. Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI245890-15223,00.html. Acesso em: 03 mai. 2021. , apologia a tortura2 2 Jair Bolsonaro entra na mira do Conselho de Ética por incitar tortura. Disponível em:https://brasil.elpais.com/brasil/2016/06/29/politica/1467156168_928161.html. Acesso em: 03 mai. 2021. e constantes flertes com a Ditadura Civil-Militar brasileira3 3 “Erro da ditadura foi torturar e não matar”, disse Hitler ou Bolsonaro? Disponível em: https://veja.abril.com.br/mundo/erro-da-ditadura-foi-torturar-e-nao-matar-disse-hitler-ou-bolsonaro/. Acesso em: 03 mai. 2021. . Importante destacarmos esse último ponto para nos conectarmos com o atual mal-estar político brasileiro de negacionismo histórico e silenciamento da memória. Bolsonaro, enquanto figura pública e ocupante de cargos políticos sempre deixou em evidência suas inclinações ideológicas, sua admiração por torturadores, manifestando-as por meio de discursos violentos e polêmicos.4 4 Bolsonaro em 25 frases polêmicas. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/bolsonaro-em-25-frases-polemicas/. Acesso em: 03 mai. 2021.

Em torno da atuação do atual presidente e daqueles que compõem o governo federal, paira uma sombra de negacionismo e admiração pelos horrores dos anos da Ditadura Civil-Militar. Um desejo de trazer ao presente os atos do passado, como uma atualização das violências cometidas pelos militares, de forma a silenciar as narrativas de tortura e violação do período de exceção, e visando, dessa forma, afirmar os atos militares como gloriosos e heroicos, repudiando a resistência de civis, políticos e militantes na luta armada.

Foi nesse sentido que Bolsonaro questionou a tortura sofrida pela ex-presidenta Dilma Rousseff. Ele afirmou: “dizem que a Dilma foi torturada e fraturaram a mandíbula dela. Traz o raio X para a gente ver o calo ósseo. Olha que eu não sou médico, mas até hoje estou aguardando o raio X” (BRASIL DE FATO, 2021, grifo nosso). É de conhecimento geral, registrado em documentos públicos, que Dilma foi torturada nos anos em que permaneceu presa durante a ditadura, entretanto, Bolsonaro, sempre em tom negacionista, insiste em questionar os fatos históricos passados no presente, como faz ao deslegitimar o testemunho da ex-presidente, ao mesmo tempo em que busca manter vivo os métodos e atos militares da época que convém ao seu governo.

O calo ósseo de Dilma a acompanha diariamente, assim como suas lembranças das sessões de tortura, como ela afirmou em seu depoimento à Comissão Nacional da Verdade, “As marcas da tortura sou eu. Fazem parte de mim” (CNV, 2014COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE – CNV. Relatório da Comissão Nacional da Verdade : vol. 1. Brasília: CNV, 2014. Disponível em: http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/images/pdf/relatorio/volume_1_digital.pdf. Acesso em: 03 mai. 2021.
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). O calo da memória política brasileira dos anos de Ditadura Civil-Militar continua aqui nas recordações vivas daqueles que vivenciaram, e sobreviveram a esse período, bem como dos que tentaram torná-lo de alguma forma inteligível por meio da literatura, dramaturgia e da cinematografia, como é o caso do filme selecionado para esta presente análise. Como afirma Gagnebin (2009GAGNEBIN, Jeanne Marie. Lembrar escrever esquecer. São Paulo: Editora 34, 2009., p. 47), esse trabalho de luto é importante, pois “deve ajudar, nós, os vivos, a nos lembrarmos dos mortos para melhor viver hoje. Assim, a preocupação com a verdade do passado se completa na exigência de um presente que, também, possa ser verdadeiro”.

3 Batismo de sangue: a paixão de Frei Tito

A chegada de Jair Bolsonaro à presidência, assim como desfile dos militares nas ruas em feriado nacional e diversos monumentos que remetem diretamente à Ditadura Civil-Militar brasileira demonstra que há uma visão positiva desse período, como se do outro lado do véu não existissem constantes violações de direitos humanos. Diante disso, pode-se questionar o “lembrar” que esses monumentos e celebrações ensejam, a saber se, conforme os escritos de Jeanne Marie Gagnebin (2020), eles direcionam para a necessária tarefa da constante elaboração do passado.

As celebrações e o ovacionar de figuras públicas aos colaboradores dos anos de chumbo, além da própria vigência da Lei de Anistia no país, excluem da história o relato dos que foram vítimas de torturas realizadas pelos militares, como se, no país, o esquecimento de assassinatos e violações cometidas durante esse período de exceção fosse uma imposição, uma tentativa de controlar a memória dos que se apresentaram resistentes ao regime militar. Nesse contexto é que Gagnebin defende que a memória efetiva não é passível de controle; ela somente se deixa calar ou, às vezes, manipular, mas em determinado momento, ela volta. Conforme afirma a filósofa, a memória “não se deixa controlar nem pelas ordens do eu consciente, nem pelos mandos do soberano, rei, padre ou militar” (2020, p. 183). É essa independência do lembrar que sempre foi alvo das preocupações e críticas, certamente de diversas maneiras, tanto dos filósofos, psicanalistas, quanto dos políticos, justamente porque, para a autora, “as lembranças são como bichos selvagens que voltam a atormentar quando menos as querem” (GAGNEBIN, 2010GAGNEBIN, Jeanne Marie. O preço de uma reconciliação extorquida. In: TELES, Edson; SAFATLE, Vladimir (Orgs.). O que resta da ditadura: a exceção brasileira. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 177-186., p. 183).

É preciso uma memória ativa, uma constante elaboração do passado que faça ecoar também vozes historicamente silenciadas. No que tange à Ditadura Civil-Militar no Brasil, Vladimir Safatle destaca que o não lidar com esse trauma na história do país, de modo a falar, por exemplo, das longas sessões de torturas realizada pelos militares, evidencia a tendência totalitária da qual a sociedade nunca conseguiu se livrar (SAFATLE, 2010, p. 240). Mas como realizar essa tarefa? É nesse contexto que o cinema nacional pode desempenhar a função de resgatar o passado e colocar em evidência o outro lado da moeda, a memória impedida ou simplesmente o passado que não passa, que perdura de maneira não reconciliada com o presente.

Há muitos filmes sobre a Ditadura Civil-Militar no Brasil.5 5 Algumas outras produções cinematográficas que têm como narrativa a Ditadura Civil-Militar: Lamarca (1994), O que é isso, companheiro? (1997), Tempo de resistência (2003), Zuzu Angel (2006), Diário de uma busca (2010), O dia que durou 21 anos (2013), Em busca da verdade (2015) e Marighella (2019). A maioria retrata a história de um guerrilheiro ou outro personagem que ganhou destaque durante o período. Não por acaso, parte dessas produções foram lançadas no início do século, durante o primeiro mandato do ex-presidente Lula, quando personagens conhecidos que lutaram ou se posicionaram contra o regime iniciado em 1964 assumiram postos importantes no governo, como José Dirceu, Dilma Rousseff – quem mais tarde assumiu a presidência do país – e Frei Betto (FEIJÓ, 2011FEIJÓ, Sara Carolina Duarte. Memória da resistência à ditadura: uma análise do filme Batismo de Sangue. Dissertação (Mestrado), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), São Paulo, SP, 2011., p. 08). Para as conclusões que se pretende chegar neste artigo, porém, destaca-se, aqui, o filme Batismo de Sangue, do diretor e, também, ex-guerrilheiro Helvécio6 6 Helvécio Ratton é também ex-militante e primo de Luiz Felipe Ratton Mascarenhas, um dos frades dominicanos que Frei Betto menciona em seu livro. Além de também ter integrado o movimento estudantil contra os militares em Belo Horizonte, o cineasta foi membro do grupo armado Comando de Libertação Nacional (Colina), que depois passou a ser VAR-Palmares, o qual lutava pelo fim do regime militar. Em 1969 fugiu para o Rio de Janeiro, passou a usar o codinome Clemente e, em 1970, partiu para o Chile como exilado, onde decidiu trabalhar com cinema. Em 1971, chegou a ter contato com frei Tito e, ao retornar para o Brasil, ficou preso por 40 dias no DOI-CODI no Rio de Janeiro, onde foi torturado e isolado nu em uma cela solitária. Depois de solto, retornou para Belo Horizonte e se dedicou ao cinema a partir de então. A experiência traumática que sofreu parece ter sido decisiva para incluir fortes cenas de tortura em Batismo de Sangue (FEIJÓ, 2011, p. 80). Ratton, baseado no livro homônimo publicado por Frei Betto em 1982.

Lançado em abril de 2007, o filme retrata uma versão até então pouco explorada pelo cinema nacional, isto é, a participação de membros da igreja na luta contra o regime imposto pelos militares. Os personagens principais são frades dominicanos, quais sejam, Betto, Oswaldo, Fernando, Ivo e Tito que formavam a resistência aos militares ao lado de Carlos Marighella, importante figura na organização da luta armada contra o regime de exceção. Mas o filme se detém, sobretudo, na figura religiosa de Frei Tito e retrata, por longos minutos, as sessões de torturas que ele e os amigos dominicanos sofreram.

Estruturalmente, o filme se divide na trajetória dos frades dominicanos e seu envolvimento na luta contra o regime ditatorial e, posteriormente, no sofrimento de Frei Tito, ao ser forçado a sair do país, na condição de exilado, e a conviver com os traumas advindos das sessões de tortura que sofreu, trazidas aos espectadores através do recurso cinematográfico flashback. Apesar de iniciar com um flashforward7 7 Trata-se de um recurso cinematográfico que, ao contrário do flashback, retrata acontecimentos que ainda irão ocorrer ou, dito de outro modo, através dele, há a movimentação da narrativa do presente para o futuro. (TURIM, 2014). , isto é, com uma cena de um acontecimento futuro (o final do filme), a produção segue uma lógica linear, uma vez que o diretor recorre aos flashbacks somente para que possamos reviver, junto à Tito, os momentos em que foi torturado pelos militares. Portanto, após a primeira cena do filme, que se trata do desfecho da história que ele se propõe a contar, o espectador é levado para o ano de 1968, em São Paulo, para acompanhar o encontro dos jovens frades com Carlos Marighella. A partir de então, o filme segue narrando linearmente a série de acontecimentos envolvendo o apoio dos frades à luta contra o regime militar, sua prisão, torturas e, mais tarde, o trauma de Tito.

Passando para a narrativa do longa, esta evidencia a história de Frei Tito, interpretado pelo ator Caio Blat e, por meio de flashbacks, é retratado como, mesmo após se exilar na França, o trauma das torturas acompanhou o jovem frade até o momento em que ele decide se suicidar, em agosto de 1974. O filme, portanto, segue uma cronologia linear, mas inicia com um flashforward. Se trata de uma cena em que um rapaz sério, de olhar distante, e até então sem identidade revelada, caminha por um bosque e leva consigo um pedaço de corda, a qual é amarrada por ele em um galho de uma árvore. Esse é o primeiro momento em que o recurso do flashback é utilizado no filme, quando o jovem, ao preparar sua própria morte, recorda um dos episódios de tortura que sofreu, em que um homem o ordena a beijar sua mão, a “mão do Papa”. A cena posterior mostra Tito, com a corda em seu pescoço, pulando da árvore, suicidando-se.

O impacto da cena desperta a curiosidade sobre os motivos de tal suicídio, de modo que há uma volta no tempo em tela – deixando claro que a primeira cena se trata de um acontecimento futuro, um flashforward –, seguindo a proposta de acompanhar o jovem frade até o acontecimento fatal dos primeiros minutos do filme. Com o decorrer das cenas posteriores, acompanhamos um grupo de jovens frades dominicanos, entre eles Frei Tito, no encontro com Carlos Maringhella e, posteriormente, nos preparativos para a realização do 30º Congresso Nacional da UNE, ocorrido em 1968.

Os frades dominicanos apoiam o grupo guerrilheiro comandado por Marighella, a Ação Libertadora Nacional (ANL), e acabam sofrendo com a ameaça constante da repressão dos agentes do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Tal ameaça pode ser vista na cena em que Frei Betto salva o amigo jornalista Paulo Patarra de ser levado pela equipe do DOPS, assim como também nas cenas em que os frades se encontram sentados no pátio do DOPS, após serem detidos no Congresso da UNE, e no momento em que, durante a realização de uma missa, um dos frades enfrenta um policial que gravava tudo o que ali estava sendo dito. Antes de sair da igreja, o policial ameaça os frades e os chama de comunistas, demonstrando que o temor ao comunismo representava uma das principais justificativas para o regime e prática dos militares na época.

Em seguida, é retratado como Frei Ivo e Fernando, perseguidos pela polícia, acabam sendo capturados. Ao grampear o telefone através do qual Marighella se comunicava com os dominicanos, os dois frades acabam sendo presos pelo DOPS no Rio de Janeiro. A cena em seguida é importante, pois ao espectador finalmente é revelado de quem é a “mão do Papa” que Frei Tito, no flashback inicial do longa, é obrigado a beijar. Trata-se da figura do delegado Fleury, interpretado por Cássio Gabus Mendes, que comandava o DOPS na época8 8 Importante ressaltar que o DOPS, sob comando de Fleury, à época, era vinculado ao DOI-CODI/SP comandado pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra que foi identificado, pelos trabalhos da CNV, como o órgão responsável pelo maior número de torturas e mortes da ditadura civil-militar. . Nesse momento, são apresentadas as primeiras cenas de tortura do filme junto com o personagem impiedoso de Fleury. Com a baixa iluminação, os roteiristas optaram pelo realismo: os frades, nus, têm os pés e mãos presos no chamado “pau-de-arara”, levam choques elétricos e são espancados pelos policiais.

Conforme relata Ratton em entrevista realizada por Vinícius Jushem (2019)JUSHEM, Vinícius Viana. Literatura de testemunho e cinema: uma análise de batismo de sangue. Tese (doutorado), Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-graduação em História, 2019. Disponível em: <file:///C:/Users/dell/Downloads/Vin%C3%ADcius%20Viana%20Juchem_%20%20(1).pdf>. Acesso em: 20 mai. 2021, a opção do diretor e roteirista ao retratar longas cenas de tortura foi de não passar a impressão de que o paradeiro de Marighella foi entregue pelos frades dominicanos rapidamente. Em verdade, foram várias horas de tortura, introduzidos em somente 9 minutos no filme, mas de forma suficientemente realista para provocar, intencionalmente, incômodo ao espectador. Trata-se de uma estrutura dramática do roteiro, contada através do ponto de vista do torturado, em que se vê como a tortura é utilizada “como instrumento de Estado para arrancar informações que mudaram o curso da história” (PATARRA; RATTON, 2008PATARRA, Dani; RATTON, Helvécio. Batismo de Sangue: roteiro de Dani Patarra e Helvécio Ratton. Imprensa Oficial: São Paulo, 2008. Disponível em: <https://aplauso.imprensaoficial.com.br/edicoes/12.0.813.442/12.0.813.442.pdf>. Acesso em 20 mai. de 2021.
https://aplauso.imprensaoficial.com.br/e...
, p. 13).

A equipe do DOPS consegue invadir o Convento de Perdizes de onde Frei Tito foi levado e, também, armar a emboscada para assassinar, a comando do delegado Fleury, o líder da oposição, Carlos Marighella, tendo como testemunhas os frades Ivo e Fernando, os quais se encontravam dentro do fusca azul, assim como retratado no livro de Frei Betto. No filme, Fleury mostra aos seus prisioneiros dominicanos as fotos do líder da guerrilha morto, culpando-os pelo feito.

Preso, Frei Tito foi torturado no DOPS em 1969, antes de ser encaminhado para o presídio Tiradentes, junto com os outros frades. No entanto, aos espectadores é mostrada a fé inabalável dos frades, através de uma sensível cena em que realizam uma missa nos porões do DOPS, mesmo sob a condição de repressão a que estavam submetidos. Da mesma forma, já no presídio de Tiradentes, as orações sempre estavam presentes, Frei Tito sempre com seu rosário em sua rotina. Em fevereiro de 1970, no entanto, após a prisão do dono do sítio, conhecido de Tito, em que o Congresso da Une foi realizado, o dominicano foi levado do presídio pela polícia do exército e submetido, na chamada “sucursal do inferno”, a longas sessões de torturas.

As sessões de tortura de Frei Tito não são retratadas da mesma forma que as anteriores, como as cenas em que Frei Ivo e Fernando sofrem nas mãos de Fleury. No caso de Tito, conforme narra o último capítulo do livro Batismo de Sangue, o qual Frei Betto dedica ao amigo, as torturas ultrapassaram as paredes da sala em que sofreu pauladas, choques elétricos, queimaduras de cigarro e violência psicológica, lembranças que o atormentam até o fim de sua vida. No filme, percebe-se a preocupação dos roteiristas e diretor em retratar o sofrimento do frade e serem fiéis aos relatos de sofrimento do próprio Tito, apresentados também no capítulo do livro intitulado “Tito, a paixão”.

Os cineastas recorrem ao recurso cinematográfico flashback para mostrar as cenas de tortura e o foco da câmera nas expressões de dor do frade para retratar a agonia por ele sofrida. Assim, as cenas de tortura de Tito não são apresentadas de imediato. Primeiro, o espectador assiste Tito solitário e demasiadamente machucado, preso em uma cela. A baixa iluminação atribui à cena um tom sombrio, aliada expressão do ator ao retratar a tentativa do frade de cometer suicídio, conforme o próprio relato de Tito, no livro de Betto: “era preciso pôr um fim àquilo. Sentia que não iria aguentar mais o sofrimento prolongado. Só havia uma solução: matar-me”. (FREI BETTO, 2006FREI BETTO. Batismo de Sangue: guerrilha e morte de Carlos Marighella. Rio de Janeiro: Rocco Digital, 2006. E-book., p. 4079).

Tito não consegue se suicidar e é encaminhado para o hospital. Após algumas cenas, as imagens de Tito sendo torturado começam a aparecer em flashbacks, durante seu depoimento para o juiz. Frei Tito é pendurado no pau-de-arara, interrogado e violentado duramente, em cenas com elevado grau de realismo tanto quanto as outras. Em outro take, Tito aparece nu e de joelhos, rodeado pelos policiais, olhando-o. A posição da câmera na altura de seus torturadores passa a ideia de inferioridade e vulnerabilidade do frade naquele momento. Um policial vestindo batina manda Tito abrir a boca para receber a hóstia sagrada, que na verdade se tratava de um fio através do qual o frade recebe descargas elétricas. A fé de Tito é zombada, testada pelos militares, assim como na cena seguinte, em que Fleury ordena o frade a beijar sua mão.

As cenas de tortura e sofrimento de Tito continuam a ser retratadas e, paralelamente, vemos o frade, a contragosto, se exilar fora do país. Ao assistir ao filme, os espectadores revivem junto ao personagem de Tito, por meio dos flashbacks, as sessões de torturas e seu sofrimento ao ser levado do presídio Tiradentes para os porões da chamada Operação Bandeirante (Oban). A produção, portanto, não segue uma cronologia linear, como já mencionado, uma vez que, ao mesmo tempo em que é demonstrado o cotidiano do frade e seus delírios em seu exílio em Paris, o espectador é transportado para os momentos em que Tito é torturado na “cadeira do dragão”, recebendo descargas elétricas, sendo observado por policiais que haviam o deixado nu e o interrogavam sobre outros “padres terroristas”.

É possível perceber a agonia de Tito, que vê seu torturador em todo lugar, deixando claro que as violações cometidas pelos militares contra ele deixaram para além de marcas físicas, como cicatrizes e queimaduras em seu corpo, marcas também psicológicas. As sessões de sofrimento e a imagem aterrorizante do delegado Fleury acompanharam Tito até o seu exílio, onde recorreu a tratamento psiquiátrico na tentativa de interromper definitivamente a tortura que ainda ocorria constantemente em sua mente. Nas palavras de Frei Betto:

Tito abandona suas atividades normais e torna-se ausente, impenetrável, sufocado por seus fantasmas interiores. O silêncio de sua quietude mística, povoada pela presença inefável do Pai, rompe-se por efeito de um pavoroso delírio: ele ouve continuamente a voz rouca e autoritária do delegado Fleury, hóspede intruso do cérebro, do medo e dos porões da consciência de Frei Tito (FREI BETTO, 2006FREI BETTO. Batismo de Sangue: guerrilha e morte de Carlos Marighella. Rio de Janeiro: Rocco Digital, 2006. E-book., p. 4326).

As alucinações de Tito abalam sua fé. Nas cenas em que mostra a visita de sua irmã, o frade se encontra esgotado, inerte em seu subconsciente onde as torturas nunca tiveram fim. Nos últimos minutos do filme, retoma-se o ponto inicial, da primeira cena. Tito caminha no bosque e agora sabemos, por flashback, que ele enxergava Fleury lhe seguindo. A cena do suicídio não é reproduzida, apenas o vemos subir na árvore, e ela parece a sua libertação.

É possível traçar uma análise sobre o longa e as cenas que demonstram as graves violações de direitos cometidas pelos militares, as quais parecem constituir uma tentativa de fazer o espectador refletir sobre o período de exceção que marcou, inevitavelmente, a história do Brasil, retratando fatos obscurecidos através de cenas difíceis de sustentar o olhar de quem as assistem. Trata-se da investida de não deixar apático quem assiste a esses acontecimentos, para que não se repita a apatia dos figurantes da cena em que Frei Betto, ao fugir do Seminário Cristo Rei, encontra-se em um estabelecimento lotado e toma conhecimento da morte de Marighella, através de uma notícia dada no intervalo de um jogo de futebol, o qual detinha completamente o interesse e atenção dos que ali se encontravam.

Embora Frei Tito tenha cometido suicídio, Frei Betto dedica o livro que inspirou o filme aos seus companheiros assassinados. Destaca-se, no entanto, a forma que o filme, que por si só remete a um passado sombrio do país, utiliza-se do recurso cinematográfico do flashback, para narrar o inenarrável, o que há de mais obscuro na Ditadura Civil-Militar: as sessões de torturas.

4 Da forma do flashback ao seu conteúdo testemunhal

4.1 Flashback como recurso cinematográfico e histórico

O recurso técnico do flashback é antigo. No seu clássico livro sobre o uso desta técnica no cinema, Flashbacks in Film: Memory and History (1989), Maureen Turim diz que antes de 1910 era difícil fazer a distinção entre cena de visão ou uma imaginação (TURIM, 2014TURIM, Maureen Cheryn. Flashbacks in film: memory and history. Nova York: Routledge, 2014., p. 27). Para definir o que é formalmente um flashback no cinema, Turim afirma que “[o] flashback é particularmente interessante para a conceptualização teorética do filme. O flashback é um momento privilegiado de desdobramento que justapõe diferentes momentos de referência temporal” (TURIM, 2014TURIM, Maureen Cheryn. Flashbacks in film: memory and history. Nova York: Routledge, 2014., p. 01, tradução nossa).9 9 “The flashback is particularly interesting to theoretical conceptualization of film. The flashback is a privileged moment in unfolding that juxtaposes different moments of temporal reference” (TURIM, 2014, p. 01). Assim, sendo esta justaposição entre momentos distintos de referência temporal, segundo Turim, o flashback tem a ver com a junção entre passado e presente, o que implica dizer que: “(...) dois conceitos estão implícitos nesta conjuntura: memória e história.” (TURIM, 2014TURIM, Maureen Cheryn. Flashbacks in film: memory and history. Nova York: Routledge, 2014., p. 01, tradução nossa).10 10 “(...) two concepts are implied in this juncture: memory and history.” (TURIM, 2014, p. 01).

Sobre esses conceitos implicitamente implicados no recurso do flashback no cinema, memória e história, entendemos que, no seu texto Grandmaster flashback (2009), David Bordwell pôde explorá-los melhor ao adaptar as ideais de Turim pela seguinte tipologia: que se poderia distinguir dois tipos de flashback, de um lado, aquilo que ele chamou de character-based flashback, e, de outro, external flashback (BORDWELL, 2021, n. p.). Basicamente, a distinção entre estes tipos de flashback está no ponto de vista do recurso mnemônico de retorno temporal pelo qual a técnica se faz. Enquanto o primeiro tipo é a visão do personagem, sua memória, numa perspectiva subjetiva, já o segundo, o external flashback, trata-se de uma visão objetiva, de fora da subjetividade do personagem (BORDWELL, 2021, n. p.).

De todo modo, importa dizer, ainda com Bordwell, sendo uma memória pessoal, ou um uma narrativa externa às personagens do filme, os flashbacks são táticas na busca de cumprir uma estratégia específica: “quebrando a ordem cronológica da estória” (BORDWELL, 2021, n. p, tradução nossa).11 11 “(...) breaking up the story’s chronological order.” (BORDWELL, 2021, n. p.). Mas resta ainda saber o porquê de se utilizar de tal formato, técnica, recurso cinematográfico, que, em verdade, é importado já da literatura. Para que serve um flashback? Bordwell diz que “um flashback pode explicar por que um personagem age como ele ou ela faz” (BORDWELL, 2021, n. p., tradução nossa).12 12 “(...) a flashback can explain why one character acts as she or he does;” (BORDWELL, 2021, n.p). Em outras palavras, o flashback é o modo pelo qual acessamos as motivações de um personagem no tempo-âncora, presente da narrativa. É o resgate do passado, como, por exemplo, de momentos traumáticos. Sobre isto, Bordwell lembra dos filmes de Hitchcock, os quais chama, inclusive, de “Hitchcock’s trauma films”, como nos filmes Spellbound (1945) e Marnie (1964) (BORDWELL, 2021, n. p.).

Esses conceitos em torno do recurso técnico da forma do flashback ajudam, portanto, a entender melhor seu uso em Batismo de sangue. Não à toa, os flashbacks surgem na película justamente nos momentos em que Frei Tito é tomado de assalto por memórias das sessões de tortura pelas quais sofreu. Mas que tipo de flashbacks são estes no filme? Se aceitarmos a tipologia proposta por Bordwell, pode-se ver com facilidade o uso de character-based flashback nas cenas em que Tito é invadido pela imagem violeta do delegado Fleury, estando a câmera à altura do olhar ajoelhado, e às vezes sentado na “cadeira do dragão”, enquanto seu algoz comanda que se beije seu anel, como se ele fosse o papa da ocasião, depois de ter escutado o capitão que estava presente que “Os padres não casam porque são um bando de viado (...) Por que será que a Igreja ainda não expulsou vocês?”.

Também, há o flashback na cena em que Tito está de joelhos, na capela do Convento Sainte Marie de la Tourette – de arquitetura brutalista, que talvez componha a crueza daquele momento –, na França, pronto para comungar o corpo de Cristo, quando enxerga um de seus torturadores vestido de padre, o mesmo que colocou dois fios elétricos desencapados na língua de Tito, como se fosse hóstia eucarística. Por outro lado, ainda com Bordwell, é possível dizer que o filme todo pode ser um flashback externo, uma vez que a primeira cena, na ordem da cronologia da narrativa do filme, e não na cronologia real dos fatos, é a cena em que Tito se enforca, suicidando-se com uma corda pendurada numa árvore. Todas essas cenas são os traumas de Tito, que lhes tomam, atormentando seu cotidiano, já no exílio.

O que podemos ver é que o uso da forma do flashback serve na narrativa para nos mostrar a própria natureza e a força do trauma que Tito carregava, como uma marca macabra dos momentos de terror pelos quais foi submetido pelos seus torturadores, pertencentes ao quadro do serviço de segurança pública da última Ditadura Civil-Militar brasileira. É, no filme, que os flashbacks servem mesmo como um momento de quebra, de irrupção temporal, do modo mesmo como um trauma faz no tempo banal das nossas vidas. A partir disto, talvez seja possível desenvolver a hipótese central deste artigo, invocando, aqui, aquilo que o filósofo alemão Walter Benjamin escreveu sobre Jetztzeit, ou então, o tempo-de-agora, o tempo messiânico, o kairós, o qual irromperia o tempo cronológico, com a finalidade de pôr fim à história burguesa, dos vencedores.

Contudo, é preciso, de partido, alertar que não se trata aqui de considerar as imagens traumáticas repetitivas do indivíduo real, da experiência vivida (Erlebnis) de Frei Tito. Mas, sim, trata-se, muito mais, de considerar a narrativa dessas imagens traumáticas enquanto experiência (Erfarhüng) coletiva, social, daqueles e daquelas que resistiram, pela luta armada ou não, tendo sofrido diretamente com as torturas do Estado brasileiro por meio de seus dispositivos de repressão contrarrevolucionários, enquanto sendo memória reprimida, ou, para usar um termo propositalmente psicanalítico, recalcada, mas não por barreiras sobre um indivíduo, e sim “barradas” pelo silenciamento histórico daquilo que Benjamin, na Tese VII, das Teses sobre o conceito de história (1940), chamou de história dos vencedores (BENJAMIN, 2016BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. In: BENJAMIN, Walter. O anjo da história. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2016., p. 12-13).

Então, para sermos mais precisos ainda, não são os traumas individuais de Tito que nos redimirão do passado vencido pelos militares, pela classe empresária e política do Brasil, mas a narrativa do filme Batismo de Sangue por meio de seus flashbacks. Mas como? Ainda com Benjamin, na sua Tese VI, “[a]rticular historicamente o passado não significa reconhecê-lo ‘tal como ele foi’. Significa apoderarmo-nos de uma recordação (Erinnerung) quando ela surge como um clarão num momento de perigo.” (BENJAMIN, 2016BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. In: BENJAMIN, Walter. O anjo da história. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2016., p. 12). Assim, o cinema, aqui, tem o papel de contador de estória, mas também de narrador de uma história. E os flashbacks da tortura que vitimou Tito podem nos servir para “atiçar no passado a centelha da esperança” se aprendermos que “nem os mortos estarão seguros se o inimigo vencer” (BENJAMIN, 2016BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. In: BENJAMIN, Walter. O anjo da história. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2016., p. 12).

Em outros termos, no caso brasileiro contemporâneo, a memória que Batismo de Sangue nos oferece pode nos fazer não esquecer que aqueles que elogiam os seus torturadores e seus apoiadores, se vitoriosos, não deixam nossos mortos seguros. Aliás, “esse inimigo nunca deixou de vencer” (BENJAMIN, 2016BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. In: BENJAMIN, Walter. O anjo da história. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2016., p. 12), por isto, aquele perigo sobre o qual falava Benjamin “ameaça tanto o corpo da tradição como aqueles que a recebem”, isto é, a nós mesmos também; e o perigo, diz Benjamin, “é um e apenas um: o de nos transformarmos em instrumentos das classes dominantes” (BENJAMIN, 2016BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. In: BENJAMIN, Walter. O anjo da história. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2016., p. 11). Mas somente enfrentaremos esse perigo por meio de um ethos para com um testemunho como o narrado pelo filme Batismo de sangue, encarando esse “calo” mnemônico, só que, não o “calo” do Tito como indivíduo, e sim como o “calo” do povo brasileiro, submetido aos 21 anos de estado de exceção da última Ditadura Civil-Militar, e que parece não querer cessar de prosseguir, mesmo em democracia.

4.2 Batismo de sangue pela ética testemunhal

Conforme pontuado anteriormente, o cinema e recursos cinematográficos possuem uma importância fundamental para o processo de elaboração do passado. Especificamente no filme Batismo de Sangue (2007), em que o enredo desenvolve de maneira realista as cenas de tortura e sofrimento praticadas contra Frei Tito e os frades dominicanos, nota-se a proposta de ativar a memória em relação ao lado mais obscuro da Ditadura Civil-Militar no Brasil, o lado que se pouco se fala. O filme, ao reproduzir com minúcias e profundidade as cenas de sessões de tortura que apenas aqueles que foram presos políticos durante esse período puderam experenciar, proporciona ao público, de alguma forma, a inteligibilidade desses atos cruéis. Consegue, por meio do recurso cinematográfico, narrar o inenarrável, colocar em evidência tais atos de violência que, em sua grande maioria, não conseguem ser traduzidos pela linguagem, porque a ela escapam e permanecem no limbo da dificuldade de se narrar o trauma, mesmo revivendo-o em repetição, ou em flashback, constantemente.

Desse modo, ao colocar no cerne da narrativa, a partir do recurso cinematográfico do flashback, as cenas de tortura praticadas contra Frei Tito nos anos da Ditadura Civil-Militar, depreende-se que o filme Batismo de Sangue (2007) pode ser interpretado a partir da lógica da ética testemunhal desenvolvida pelo filósofo italiano Giorgio Agamben em seu livro O que resta de Auschwitz: o arquivo e o testemunho (2008). Na obra, o filósofo, sob influência benjaminiana, se propõe a elaborar o passado, a partir da noção de “resto”, uma nova relação ética que esteja aliada com a concepção de testemunho, o qual se apresenta em oposição à noção arquivística. Nesse contexto, “o que resta” não significa aquilo que sobrou ou permaneceu de um acontecimento, como um dever de memória facilmente apropriado para os usos e abusos. Pelo contrário, Jeanne Marie Gagnebin, na apresentação que faz do livro, afirma que “o resto indica muito mais um hiato, uma lacuna, mas uma lacuna essencial que funda a língua do testemunho em oposição às classificações exaustivas do arquivo” (GAGNEBIN, 2008GAGNEBIN, Jeanne Marie. Apresentação. In: AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha (Homo Sacer III). Trad. de Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2008, p. 09-17., p. 11).

O “resto”, nesse sentido, é melhor entendido como aquilo que no testemunho encobre a eficácia do dizer e institui a verdade da fala; é exatamente porque há essa perda na linguagem do testemunho, na figura dos mortos que não podem falar, que o testemunho dos sobreviventes é legitimado e válido; eles falam em nome desses mortos, atravessados pelas memórias destes e levam adiante a história daqueles que não a puderam narrar por conta própria. Dessa maneira, partindo das narrativas testemunhais de Primo Levi, que foi prisioneiro em Auschwitz, Agamben (2008)AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha (Homo Sacer III). Trad. de Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2008. se propõe a demonstrar o que restou desse campo em que os aprisionados, denominados pelo filósofo de “mulçumanos”, eram reduzidos a verdadeiros cadáveres ambulantes, e quais as implicações éticas e políticas do campo para nosso tempo.

Embora Agamben dê enfoque para os acontecimentos da Shoah para colocar em questão aquilo que restou dessa experiência, da mesma forma podemos colocar em questão: o que resta da ditadura no Brasil? Resto, aqui, entretanto, no sentido agambeniano, da lacuna que restou e constitui a linguagem do testemunho. Agamben (2008)AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha (Homo Sacer III). Trad. de Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2008., ao visar o desenvolvimento de uma nova relação ética que tenha como finalidade a transmissão do indizível, o filósofo propõe a possibilidade da elaboração de uma memória ética que considere a história dos subalternos, dos que habitualmente são postos, como os “mulçumanos” de que trata na obra, na condição de excluídos e abandonados. No caso do presente artigo, se trata dos presos e torturados políticos representados na figura de Frei Tito e dos frades dominicanos.

Agamben, portanto, lança o olhar para uma ética testemunhal que faça ressoar as vozes e a história dos excluídos, ainda que insuportável seja retratá-los, uma vez que são “o não-homem que habita e ameaça todo ser humano, a redução sinistra da vida humana à vida nua”. Por essa razão, geralmente opta-se por excluí-los dos relatos e das reflexões, já que a sua inserção colocaria em risco todas as definições de humanidade vigentes (GAGNEBIN, 2008GAGNEBIN, Jeanne Marie. Apresentação. In: AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha (Homo Sacer III). Trad. de Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2008, p. 09-17., p. 14). Uma ética testemunhal, por sua vez, rejeita essa lógica da exclusão, pois, conforme defende Agamben, “nenhuma ética pode ter a pretensão de excluir do seu âmbito uma parte do humano, por mais desagradável, por mais difícil que seja de ser contemplada” (AGAMBEN, 2008AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha (Homo Sacer III). Trad. de Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2008., p. 71).

Nos dizeres de Gagnebin (2008GAGNEBIN, Jeanne Marie. Apresentação. In: AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha (Homo Sacer III). Trad. de Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2008, p. 09-17., p. 15), a ideia é ter “uma postura firme e ao mesmo tempo hesitante, incerta, um encarregar-se de transmitir algo que pertence ao sofrimento humano, mas cujo nome é desconhecido”, dito de outra forma, é trazer para o centro aquilo que historicamente esteve na posição de exclusão. Trata-se, para a autora, de um ato de encarregar-se dos mortos, anônimos, de enterrá-los, mencioná-los e lembrar da existência destes. Ou, nesta análise, de tratar dos presos, torturados e desaparecidos políticos que constituem a memória do passado ditatorial brasileira. Para desenvolver essa noção ética, Agamben (2008)AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha (Homo Sacer III). Trad. de Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2008. desenvolve uma concepção própria sobre o que compreende por arquivo e testemunho que servirá de base para as reflexões propostas aqui, qual seja, de que o filme em análise constitui uma narrativa ética testemunhal, ao narrar o inenarrável das torturas praticadas pelos militares, sob a perspectiva das vozes silenciadas e subalternizadas nesse contexto.

Segundo o filósofo italiano, o arquivo se situa entre a langue, isto é, a possibilidade de dizer, e o corpus, as palavras já ditas, pronunciadas ou escritas. Trata-se daquilo que pressupõe uma neutralidade ao tratar do dito sem, todavia, considerar o sujeito, escondendo o não dito, a margem obscura que rodeia e limita toda tomada de palavras. Dito de outra forma, o que Agamben destaca precisamente é que, entre a memória tida como obsessiva da tradição, a qual conhece somente aquilo já dito “e a demasiada desenvoltura do esquecimento, que se entrega unicamente ao nunca dito, o arquivo é o não-dito ou o dizível inscrito em cada dito, pelo fato de ter sido enunciado, o fragmento da memória que se esquece toda vez no ato de dizer eu” (AGAMBEN, 2008AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha (Homo Sacer III). Trad. de Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2008., p. 145).

Na via contrária, enquanto o arquivo pressupõe a ideia da neutralidade ao deixar de lado o sujeito, reduzindo-o a uma posição vazia tendo em vista o rumor anônimo dos enunciados, o testemunho põe em evidência o lugar vazio do sujeito, e situa este na cisão entre uma possibilidade e uma impossibilidade de dizer, entre uma potência de dizer e a sua existência. Em suma, “o testemunho é uma potência que adquire realidade mediante uma impotência de dizer e uma impossibilidade que adquire existência mediante uma possibilidade de falar” (AGAMBEN, 2008AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha (Homo Sacer III). Trad. de Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2008., p. 146-147). Quem se encontra no centro do ato testemunhal é o sujeito ético que dá testemunho da sua dessubjetivação, é aquele que faz a ligação entre a sua possibilidade de dizer e de não dizer, com a impossibilidade de narrar dessas outras muitas vozes que não puderam ecoar.

As testemunhas ocupam, portanto, o lugar de um morto, falam em nome desses outros, carregam consigo a palavra dos mortos que ficaram silenciados. Em paralelo, aqueles que narram sobre a tortura trazem consigo as narrativas de todos aqueles outros torturados que nunca conseguiram falar sobre essa experiência ou tiveram sua voz silenciada. Todavia, importante frisar que essas testemunhas não desejam assumir para si a posição de narradores por excelência dessas experiências, pelo contrário, estão cientes de que o que testemunham não é a completude da experiência, porque só quem poderia integralmente compartilhá-las, como bem descreveu Primo Levi13 13 “Quem tocou a górgona, não voltou para contar, ou voltou mudo; mas são eles, os ‘mulçumanos’, os que submergiram – são eles as testemunhas integrais, cujo depoimento teria um significado geral. Eles são a regra, nós, a exceção [...]” (LEVI, 2016, p. 66). e Agamben corrobora, são aqueles que submergiram.

Tendo isso em vista, ao fazer uma análise sobre o filme Batismo de Sangue (2007), pode-se concluir que o filme segue uma lógica testemunhal, ao retratar as torturas e demais violências cometidas pelos militares nos anos de chumbo pelo ponto de vista dos torturados. O filme se baseia no testemunho de Frei Betto (2006)FREI BETTO. Batismo de Sangue: guerrilha e morte de Carlos Marighella. Rio de Janeiro: Rocco Digital, 2006. E-book. presente no livro que inspirou o longa, e de outras vozes que em sua obra o autor fez ecoar, como a de Frei Tito, vítima da ditadura.

Da mesma forma que Primo Levi, Frei Betto se propõe a narrar o inenarrável, as torturas sofridas por seus amigos dominicanos, sobretudo de Frei Tito, trazendo o testemunho do próprio. Do mesmo modo, os roteiristas e diretor de Batismo de Sangue (2007) tentam retratar aquilo não dito, através de cenas realistas de tortura, dor e agonia. O insuportável de narrar é, também, insuportável de assistir. Mas é através destas cenas que o telespectador pode mensurar, ainda que não em sua integralidade, o sofrimento dos frades, especialmente de Tito por meio dos flashbacks, e demais vítimas das sessões de tortura cometidas pelos militares, os quais muitas vezes saíram impunes.

A preocupação dos roteiristas Dani Patarra e Helvécio Ratton em aproximar o longa da realidade dos dias de sofrimento dos frades fez com que convidassem os dominicanos ainda vivos para se reunirem com os atores do filme (PATARRA; RATTON; 2008PATARRA, Dani; RATTON, Helvécio. Batismo de Sangue: roteiro de Dani Patarra e Helvécio Ratton. Imprensa Oficial: São Paulo, 2008. Disponível em: <https://aplauso.imprensaoficial.com.br/edicoes/12.0.813.442/12.0.813.442.pdf>. Acesso em 20 mai. de 2021.
https://aplauso.imprensaoficial.com.br/e...
, p. 13). Mas, tal preocupação se evidencia sobretudo através do uso do recurso cinematográfico flashback, utilizado para retratar as torturas de Tito e seu trauma consequente. Assim, da mesma forma que Frei Tito no filme, o telespectador é a todo tempo levado a reviver, como uma alucinação, as torturas que o frade sofreu pelos militares e que o acompanhou até o dia de seu suicídio. Sem ter seus torturadores punidos ou seus direitos garantidos, os delírios de Tito envolvendo o delegado Fleury, tratam de um passado que não passa, do passado que permanece de forma não reconciliada com o presente e que assombra até hoje as vítimas da ditadura e seus familiares.

Assim, a escolha de retratar de forma realista as sessões de tortura no filme não se tratou de atitude sensacionalista, mas de uma estratégia testemunhal, tal como explica Agamben e faz Primo Levi, para fazer ecoar as vozes dos que viveram o terror nos porões dos colaboradores da Ditadura Civil-Militar. Nas palavras dos roteiristas:

Suavizar a violência sofrida pelos dominicanos, torná-la mais palatável, seria uma traição à memória de Tito e ao testemunho de todos aqueles que passaram pelos porões da ditadura. Decidimos então mostrá-la de forma breve, as cenas de tortura duram poucos minutos no filme, mas com força suficiente para expressar toda a dor e humilhação sofridas (PATARRA; RATTON, 2008PATARRA, Dani; RATTON, Helvécio. Batismo de Sangue: roteiro de Dani Patarra e Helvécio Ratton. Imprensa Oficial: São Paulo, 2008. Disponível em: <https://aplauso.imprensaoficial.com.br/edicoes/12.0.813.442/12.0.813.442.pdf>. Acesso em 20 mai. de 2021.
https://aplauso.imprensaoficial.com.br/e...
, p. 14).

O filme, portanto, ao retratar essas experiências de tortura sofridas, por Frei Tito e os frades dominicanos, acaba por representar, também, as experiências de todos os que foram presos políticos, mortos e desaparecidos durante a Ditadura Civil-Militar e segue a lógica da ética testemunhal agambeniana. Narra o “resto” desse período histórico e político brasileiro que atualmente vem sendo silenciado, negado e até mesmo revisado. Ao colocar enquanto cerne do enredo os flashbacks e as cenas de tortura, os roteiristas e diretor do filme colocam ao centro essas narrativas históricas indispensáveis para a compreensão do presente político do país.

Ainda, eles fazem ressoar de modo centralizado a experiência e memória dos guerrilheiros sobreviventes da Ditadura Civil-Militar, os quais eram descredibilizados, perseguidos e violados durante esse período e que, na atualidade, continuam sendo questionados e tendo suas memórias descredibilizadas por membros da sociedade. É, como enfatizado anteriormente, o caso da fala do atual presidente da república, Jair Bolsonaro, ao questionar se efetivamente a ex-presidenta, Dilma Rousseff, teria sido torturada e, em alguma dessas sessões, tido seu maxilar lesionado a ponto de ela ter sequelas, o calo ósseo.

Considerações finais

Batismo de Sangue para além de produto cinematográfico pode ser a narrativa que tenta nos fazer lembrar não de um trauma simplesmente – inenarrável –, mas de uma promessa da experiência coletiva daqueles que resistiram à Ditadura Civil-Militar de 1964. Os flashbacks da tortura de Frei Tito, apresentados como seu trauma individual não são apenas tristes relatos em forma de imagens da violência de Estado contra um religioso, é o filme mesmo um flashback do perigo e de sua urgência para que não nos esqueçamos, não somente da dor, mas também do desafio de se lidar com a historicidade que insiste na amnésia dos nossos mortos, duvidando dos nossos calos, do corpo e da memória, como se não houvesse mais saída senão pelo progresso liberal-autoritário – nesse paradoxo.

Nesse sentido, colocar em foco essas narrativas, como o filme fez, é agir a partir daquilo que Agamben (2008)AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha (Homo Sacer III). Trad. de Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2008. propõe, com uma ética testemunhal capaz de elaborar uma memória ética que considera não só os vitoriosos da história, mas também aqueles que foram vencidos e porventura não sobreviveram para narrar suas próprias experiências, como é o caso de Frei Tito. Logo, o filme dá testemunho, reconhecendo a própria falta que o atravessa, pela memória de todos os mortos, torturados e desaparecidos da Ditadura Civil-Militar brasileira que sucumbiram. É, como afirma Gagnebin “(...) em vez de recalcar essa existência sem fala e sem forma, sem comunicação e sem sociabilidade, saber acolher essa indigência primeva que habita nossas construções discursivas e políticas, que podem permanecer incompletas” (GAGNEBIN, 2008GAGNEBIN, Jeanne Marie. Apresentação. In: AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha (Homo Sacer III). Trad. de Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2008, p. 09-17., p. 17).

  • 1
    Entrevista de Bolsonaro à Revista Época. Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI245890-15223,00.html. Acesso em: 03 mai. 2021.
  • 2
    Jair Bolsonaro entra na mira do Conselho de Ética por incitar tortura. Disponível em:https://brasil.elpais.com/brasil/2016/06/29/politica/1467156168_928161.html. Acesso em: 03 mai. 2021.
  • 3
    “Erro da ditadura foi torturar e não matar”, disse Hitler ou Bolsonaro? Disponível em: https://veja.abril.com.br/mundo/erro-da-ditadura-foi-torturar-e-nao-matar-disse-hitler-ou-bolsonaro/. Acesso em: 03 mai. 2021.
  • 4
    Bolsonaro em 25 frases polêmicas. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/bolsonaro-em-25-frases-polemicas/. Acesso em: 03 mai. 2021.
  • 5
    Algumas outras produções cinematográficas que têm como narrativa a Ditadura Civil-Militar: Lamarca (1994), O que é isso, companheiro? (1997), Tempo de resistência (2003), Zuzu Angel (2006), Diário de uma busca (2010), O dia que durou 21 anos (2013), Em busca da verdade (2015) e Marighella (2019).
  • 6
    Helvécio Ratton é também ex-militante e primo de Luiz Felipe Ratton Mascarenhas, um dos frades dominicanos que Frei Betto menciona em seu livro. Além de também ter integrado o movimento estudantil contra os militares em Belo Horizonte, o cineasta foi membro do grupo armado Comando de Libertação Nacional (Colina), que depois passou a ser VAR-Palmares, o qual lutava pelo fim do regime militar. Em 1969 fugiu para o Rio de Janeiro, passou a usar o codinome Clemente e, em 1970, partiu para o Chile como exilado, onde decidiu trabalhar com cinema. Em 1971, chegou a ter contato com frei Tito e, ao retornar para o Brasil, ficou preso por 40 dias no DOI-CODI no Rio de Janeiro, onde foi torturado e isolado nu em uma cela solitária. Depois de solto, retornou para Belo Horizonte e se dedicou ao cinema a partir de então. A experiência traumática que sofreu parece ter sido decisiva para incluir fortes cenas de tortura em Batismo de Sangue (FEIJÓ, 2011FEIJÓ, Sara Carolina Duarte. Memória da resistência à ditadura: uma análise do filme Batismo de Sangue. Dissertação (Mestrado), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), São Paulo, SP, 2011., p. 80).
  • 7
    Trata-se de um recurso cinematográfico que, ao contrário do flashback, retrata acontecimentos que ainda irão ocorrer ou, dito de outro modo, através dele, há a movimentação da narrativa do presente para o futuro. (TURIM, 2014TURIM, Maureen Cheryn. Flashbacks in film: memory and history. Nova York: Routledge, 2014.).
  • 8
    Importante ressaltar que o DOPS, sob comando de Fleury, à época, era vinculado ao DOI-CODI/SP comandado pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra que foi identificado, pelos trabalhos da CNV, como o órgão responsável pelo maior número de torturas e mortes da ditadura civil-militar.
  • 9
    “The flashback is particularly interesting to theoretical conceptualization of film. The flashback is a privileged moment in unfolding that juxtaposes different moments of temporal reference” (TURIM, 2014TURIM, Maureen Cheryn. Flashbacks in film: memory and history. Nova York: Routledge, 2014., p. 01).
  • 10
    “(...) two concepts are implied in this juncture: memory and history.” (TURIM, 2014, p. 01).
  • 11
    “(...) breaking up the story’s chronological order.” (BORDWELL, 2021, n. p.).
  • 12
    (...) a flashback can explain why one character acts as she or he does;” (BORDWELL, 2021, n.p).
  • 13
    “Quem tocou a górgona, não voltou para contar, ou voltou mudo; mas são eles, os ‘mulçumanos’, os que submergiram – são eles as testemunhas integrais, cujo depoimento teria um significado geral. Eles são a regra, nós, a exceção [...]” (LEVI, 2016LEVI, Primo. Os afogados e os sobreviventes: os delitos, os castigos, as penas, as impunidades. Trad. de Luiz Sério Henriques. 3ª ed. São Paulo/ Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016., p. 66).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    25 Ago 2021
  • Aceito
    09 Out 2021
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