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Vírus e Telas: o direito econômico das plataformas digitais na pandemia de COVID-19

Virus and Screens: the economic law of digital platforms in the COVID-19 pandemic

Resumo

Escrito em meio à pandemia de COVID-19, o artigo discute os desafios do direito econômico associados à regulação das plataformas digitais. A primeira parte do artigo aborda questões de natureza concorrencial que emergiram no contexto da emergência sanitária, incluindo colaboração entre concorrentes e novas condutas. Na segunda parte, o artigo discute aspectos de natureza regulatória, sublinhando certos desafios de coordenação institucional que as plataformas digitais suscitam.

Palavras-chave:
COVID-19; Plataformas digitais; Direito econômico

Abstract

This paper, written in the context of the COVID-19 pandemic, discusses antitrust and regulatory challenges related to digital platforms. The first part of the paper addresses antitrust issues that emerged during the health emergency, including collaboration between competitors and new anticompetitive behaviours. In the second part of the paper, we discuss regulatory issues arising in the context of the crisis and stress the need for coordination to address challenges related to digital platforms.

Keywords:
COVID-19; Digital platforms; Economic law

Introdução

A pandemia de COVID-191 1 Doença causada pelo vírus SARS-CoV-2. levou governos ao redor do mundo a adotarem uma série de medidas de distanciamento social, que incluíram o fechamento de escolas, estabelecimentos comerciais e locais de trabalho, bem como a migração de inúmeros serviços antes prestados presencialmente para o ambiente virtual (HALE et al., 2020HALE, T. et al. Variation in government responses to COVID-19. Blavatnik School of Government Working Paper, 2020.). Durante esse período, as plataformas digitais desempenharam um papel fundamental, possibilitando a manutenção de contatos e compromissos profissionais e pessoais, bem como a continuidade de uma série de atividades, como o ensino à distância.2 2 É certo, ainda, que a pandemia descortinou e acirrou desigualdades preexistentes, entre outras razões porque revelou que o acesso às plataformas digitais (que dependem, por sua vez, do acesso à banda larga de alta velocidade) é assimétrico a ponto de privilegiar, por exemplo, famílias e crianças que têm acesso a dispositivos eletrônicos em detrimentos de outras que precariamente compartilham telefones celulares associados a planos ou assinaturas populares, quando muito. Enquanto a economia mundial como um todo enfrenta uma grave crise desencadeada pela pandemia, os negócios de algumas das maiores empresas de tecnologia continuaram estáveis e em alguns casos até prosperam. A Amazon contratou novos empregados, o Facebook viu seu tráfego de mensagens e vídeo explodir e a Microsoft notou um aumento expressivo em seu software de colaboração online.3 3 Artigo do jornal Valor Econômico reportou que Google, Amazon, Facebook e Apple registraram lucros bilionários no terceiro trimestre de 2020, durante a pandemia do coronavírus (Valor, 2020). Netflix e YouTube, na mesma toada, registraram um importante aumento de suas respectivas audiências.4 4 Cf WAKABAYASHI et al., 2020. Recentemente, em reação à explosão de tráfego no Netflix e outros serviços de streaming, a Comissão Europeia passou a advogar que o padrão HD (alta definição) fosse sacrificado em favor do padrão SD (standard definition) de definição para atender à nova e intensiva demanda (LOMAS, 2020). Um exemplo brasileiro que traduz a importância (e a concentração de poder econômico em plataformas digitais) é trazido por Miola (2020): “somente em abril [de 2020], por exemplo, a iFood, líder do segmento de serviço de entregas para restaurantes no Brasil, registrou um acréscimo de 12% de restaurantes que aderiram à plataforma. Em 15 de maio, a empresa anunciou aumentos de até 100% das taxas de entrega”. Acrescenta Miola: “[c]omo implica elevação do preço final, restaurantes provavelmente terão de absorver o aumento da taxa para sobreviverem, reduzindo preços dos seus produtos e, assim, transferindo parte de sua remuneração para a iFood” (MIOLA, 2020).

Mesmo antes da pandemia, plataformas digitais já mediavam quase todos os aspectos da vida moderna. A ubiquidade dessas plataformas e seus modelos de negócios inovadores vinham suscitando desafios prementes de desenho de novos instrumentos regulatórios, bem como de seus correspondentes arranjos institucionais de implementação. Por conta das medidas de enfrentamento ao coronavírus, no entanto, tais plataformas tornaram-se ainda mais imprescindíveis e, ao que tudo indica, mais poderosas em seus nichos. Evidências da dominância de tais plataformas foram reunidas em relatório do Subcomitê de Direito Antitruste, Comercial e Administrativo do Comitê sobre o Judiciário do Congresso norte-americano, que, em meio à crise sanitária, examinou a dominância da Amazon, da Apple, do Facebook e do Google. O objetivo dos parlamentares era verificar como o poder dessas empresas afeta a economia e a democracia nos Estados Unidos, mas a pandemia de COVID-19 escancarou também a importância de regular mercados digitais para manter a Internet competitiva, disponível e acessível para trabalhadores, famílias e negócios, além da necessidade de se preservar uma Imprensa livre e vibrante nos planos nacional e local.5 5 Cf. “Investigation of Competition in Digital Markets: majority staff report and recommendations" (2020), disponível em https://judiciary.house.gov/uploadedfiles/competition_in_digital_markets.pdf, acesso em 24.10.202

A situação crítica e inusitada causada pelo novo coronavírus torna alguns dos desafios jurídicos envolvendo plataformas digitais ainda mais agudos e complexos. Em muitas partes do mundo reguladores e formuladores de políticas públicas têm buscado soluções inovadoras para lidar com as novas questões trazidas pelos modelos de negócios que tais plataformas engendram, desde aspectos concorrenciais - como casos de abuso de posição dominante - passando por questões de privacidade e regulação de conteúdo online, como discurso de ódio e fake news.6 6 Vide, nesse sentido, a recente controvérsia em torno do compartilhamento de dados de usuários entre a plataforma de videoconferência Zoom, que vem sendo muito demandada em razão da crise, e o Facebook, entre outros, aparentemente sem autorização por parte dos usuários, ensejando uma ação coletiva (class action) ajuizada na Califórnia, entre outros pleitos (HAMILTON, 2020). Dito de outra forma, o direito econômico é novamente chamado a dar resposta imediata a dificuldades regulatórias complexas e até então desconhecidas.7 7 Sobre o direito econômico e seus novos desafios em meio à pandemia, cf. FARIA & VEIGA DA ROCHA (2020) e PEREIRA NETO et. al. (2020).

Este artigo trata dos desafios associados à regulação dessas plataformas digitais em meio à pandemia de COVID-19 como parte das preocupações do direito econômico. Parte do pressuposto teórico de que esse campo possui relações de vasos comunicantes – importantes, mas nem sempre percebidas - com os contextos históricos de economia política. Economia política e direito econômico são, em outras palavras, áreas interligadas e capazes de produzir influências recíprocas em cada época: a primeira é crucial na formação e mudança dos sistemas jurídicos à medida que dá contornos ao cenário no qual o direito é disputado, demandado e contestado.8 8 MILHAPUT, C.L; PISTOR, K. (2010). O segundo é quem, entre outras funções, traduz os objetivos de política econômica do Estado em cada momento histórico ao forjar instrumentos normativos e arranjos político-institucionais que convertem tais objetivos em medidas concretas de política pública.9 9 Cf. COUTINHO; SCHAPIRO (2013). Vale dizer: a economia política da pandemia, bem como o vertiginoso ritmo de mudanças tecnológicas que levou ao surgimento de plataformas digitais dominantes e virtualmente ubíquas, eventos sem precedentes recentes no capitalismo global, tem produzido mudanças paradigmáticas no direito econômico e este, por sua vez, reage buscando modificar o contexto em que opera.

O texto é dividido em duas seções, além desta introdução e das considerações finais. Na primeira seção, abordamos questões de natureza concorrencial – com ênfase (i) em aspectos ligados à colaboração entre concorrentes para atender a demandas geradas pela pandemia do novo coronavírus e (ii) em condutas anticompetitivas associadas às plataformas digitais, com exemplos de questões que emergiram durante a pandemia. Na segunda seção discutimos aspectos de natureza regulatória, sublinhando certos desafios de coordenação institucional que as plataformas digitais suscitam. São recortes que fizemos a partir de um amplo espectro de questões relevantes a serem exploradas na confluência entre o vírus e as telas pelas quais interagimos com essas plataformas. Esperamos, com isso, contribuir para a compreensão de como a pandemia influencia e transforma o direito econômico, ao mesmo tempo, como a crise sanitária vem sendo enfrentada por ele.

Aspectos concorrenciais: colaboração em tempos de crise e condutas anticompetitivas em plataformas digitais

A pandemia de COVID-19 tem feito as autoridades de defesa da concorrência repensar e ajustar, em vários países, a aplicação tradicional do direito antitruste. Se, de um lado, os cartéis seguem sendo considerados uma das mais graves condutas anticompetitivas, de outro lado, algumas formas de cooperação entre empresas (que não passem pela fixação de preços e outras condutas coordenadas identificadas como hardcore, vale dizer) tem sido reputadas, em meio à circunstância excepcional, aceitáveis. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo, publicou documento tratando de como autoridades antitruste podem ajudar a enfrentar alguns dos desafios econômicos trazidos pela pandemia (OECD, 2020OECD. OECD competition policy responses to COVID-19. Organisation for Economic Co-operation and Development, 27 abr. 2020. Disponível em: <https://read.oecd-ilibrary.org/view/?ref=130_130807-eqxgniyo7u&title=OECD-competition-policy-responses-to-COVID-19>. Acesso em: 12 jun. 2020.
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). De forma similar, a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) também elaborou uma lista de recomendações para proteger a concorrência durante a crise causada pela COVID-19, incluindo a garantia de condições iguais para concorrentes e a aplicação vigorosa da legislação para evitar cartéis e abuso de poder de mercado (UNCTAD, 2020UNCTAD. Defending competition in the markets during COVID-19. United Nations Conference on Trade and Development, 8 abr. 2020. Disponível em: <https://unctad.org/en/pages/newsdetails.aspx?OriginalVersionID=2325>. Acesso em: 12 jun. 2020.
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).

A percepção, compartilhada entre alguns especialistas e autoridades antitruste, é a de que diante dos desafios extraordinários trazidos pelo coronavírus, exige respostas coordenadas de agentes econômicos. Alguma forma de colaboração entre tais agentes é necessária para lidar com os severos impactos causados em certos mercados, nos quais oferta e demanda foram impactadas a ponto de ameaçar perigosamente consumidores e, como um todo, a saúde pública.10 10 Nesse contexto, tratando da pandemia, Frederic Jenny, diretor do comitê de concorrência da OCDE, chegou a afirmar que “autoridades de defesa da concorrência terão de adotar uma visão mais alongada e dinâmica do processo de competição do que aquela até agora adotada, e terão de adaptar sua argumentação quanto a ajudas de Estado (state aids), cartéis de crise e fusões às circunstâncias de desequilíbrio causadas por choque exógeno no sistema econômico” (JENNY, 2020a). Nesse contexto, evitando o emprego do termo “cartéis de crise”, muitas autoridades antitruste reconheceram que certas condutas usualmente consideradas anticompetitivas poderão ser, ao menos temporariamente, toleradas. Isso não quer dizer que deixará de existir permanente vigilância e monitoramento para reprimir abusos.11 11 No âmbito europeu, ver a nota “Temporary Framework for Assessing Antitrust Issues Related to Business Cooperation in Response to Situations of Urgency Stemming from the Current COVID-19 Outbreak” (EUROPEAN COMMISSION, 2020). Sobre a noção (considerada problemática e, no contexto da crise do coronavírus, rejeitada) de “cartel de crise”, cf. EUROPEAN UNION (2020). Tampouco significa que a aplicação do direito antitruste em meio à pandemia não deva ser tornada mais severa ou rígida, em face do surgimento de novos riscos e ameaças à competição em diversos mercados.

A Competition and Markets Authority (CMA), autoridade de defesa da concorrência do Reino Unido, autorizou supermercados a cooperar ou a se coordenar quando se trata, por exemplo, de horários de funcionamento, bem como para compartilhar informações sobre estoques de alimentos (UK GOVERNMENT, 2020UK GOVERNMENT. Supermarkets to join forces to feed the nation. Press release, 19 mar. 2020. Disponível em: <https://www.gov.uk/government/news/supermarkets-to-join-forces-to-feed-the-nation>. Acesso em: 12 jun. 2020
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). Comerciantes também foram autorizados a compartilhar pontos de distribuição e veículos de transporte, assim como mão de obra, para atender à demanda por comida. Nos termos empregados pela CMA, a “situação extraordinária pode levar à necessidade de empresas cooperarem para garantir a oferta e justa distribuição de produtos e ou serviços escassos, afetados pela crise, para todos os consumidores”. Tal cooperação se justifica para evitar a falta de bens e serviços, para garantir segurança e suprimento, desde que claramente em nome do interesse público e desde de que contribua para o bem-estar dos consumidores em meio às medidas tomadas como resultado da pandemia de COVID-19. A CMA deixou claro, ademais, que tal prática não deve se prolongar por mais tempo do que necessário e que a orientação não deve ser entendida como “passe livre” para condutas que levem os consumidores a correr outros tipos de risco (CMA, 2020CMA. CMA approach to business cooperation in response to COVID-19. Londres: Competition and Markets Authority, 25 mar. 2020. Disponível em: <https://www.gov.uk/government/publications/cma-approach-to-business-cooperation-in-response-to-covid-19/cma-approach-to-business-cooperation-in-response-to-covid-19>. Acesso em: 12 jun. 2020.
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).

Entre as vedações expressamente previstas pela CMA estão a troca de informações comerciais sensíveis sobre preços e estratégias comerciais (não estritamente necessárias em face da situação excepcional), a exclusão de rivais menores dos esforços de cooperação, e a recusa a tais rivais de acesso a fornecedores e prestadores de serviços. Tampouco será tolerado que um agente econômico detentor de posição dominante (posição essa que pode ter sido conferida pela pandemia, inclusive) aumente preços “significativamente acima dos níveis competitivos”. Foram explicitamente vedadas, ainda, a colusão entre concorrentes voltada a mitigar as consequências da queda da demanda por meio da prática de manter preços artificialmente elevados em detrimento dos consumidores, bem como a coordenação entre empresas que transcenda o que for necessário para enfrentar a situação extraordinária que motiva a cooperação atualmente tolerada (CMA, 2020CMA. CMA approach to business cooperation in response to COVID-19. Londres: Competition and Markets Authority, 25 mar. 2020. Disponível em: <https://www.gov.uk/government/publications/cma-approach-to-business-cooperation-in-response-to-covid-19/cma-approach-to-business-cooperation-in-response-to-covid-19>. Acesso em: 12 jun. 2020.
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). A despeito das cautelas adotadas, as medidas implementadas foram questionadas quanto aos seus efetivos benefícios para a sociedade.12 12 Vide ORMOSI & STEPHAN (2020).

A autoridade antitruste polonesa (UOKiK) iniciou investigações a partir da denúncia de que dois atacadistas teriam rescindido contratos de fornecimento a hospitais para oferecer os produtos (como máscaras protetoras) a preços mais altos no mercado (JENNY, 2020bJENNY, F. Competition Law Enforcement and the COVID-19 Crisis: Business As (Un)usual ? SSRN Electronic Journal, 2020b.). Já a Cofece (autoridade antitruste mexicana) reconheceu, no contexto da pandemia, que certos tipos de acordo de cooperação econômica podem gerar riscos à competição, mas, de outro lado, admitiu que eles podem ser necessários para manter ou aumentar a oferta, satisfazer a demanda, proteger cadeias produtivas e evitar, com isso, a escassez. E afirmou: “não serão objeto de persecução os acordos de colaboração que sejam necessários nesta emergência sanitárias, se e somente se, não tiveram por objeto o efeito de fixar preços ou segmentar mercados” (PALACIOS PRIETO; LÓPEZ RODRÍGUEZ, 2020). Medidas emergenciais semelhantes foram adotadas por autoridades antitruste em Hong Kong (SNYDER, 2020SNYDER, B. Striking a balance between principle and pragmatism in COVID-19-related enforcement in Hong Kong. Journal of Antitrust Enforcement, p. jnaa015, 9 jun. 2020.), Holanda (SNOEP, 2020SNOEP, M. Competition enforcement in times of crisis—a perspective from the ACM. Journal of Antitrust Enforcement, p. jnaa026, 11 jun. 2020.), Austrália (SIMS, 2020SIMS, R. Competition law in times of crisis—tackling the COVID-19 challenge: Australian Competition and Consumer Commission. Journal of Antitrust Enforcement, p. jnaa029, 9 jun. 2020.), Rússia (ARTEMIEV, 2020ARTEMIEV, I. Statement of Igor Artemiev, Head of the FAS Russia. Journal of Antitrust Enforcement, p. jnaa023, 11 jun. 2020.) e Estados Unidos (JONES, 2020).

A pandemia e a crise econômica desencadeada por ela criam também um cenário propício às chamadas “killer acquisitions” (no termo mais correntemente usado em inglês), por meio das quais grandes empresas adquirem empresas menores e inovadoras apenas com o objetivo de eliminar potenciais rivais. São operações de aquisição de empresas nascentes cujas tecnologias têm o potencial de desafiar produtos ou serviços existentes. Por meio dessas operações predatórias, elimina-se um concorrente potencialmente significativo, enfraquecendo, assim, a concorrência (CUNNINGHAM; EDERER; MA, 2018CUNNINGHAM, C.; EDERER, F.; MA, S. Killer Acquisitions. SSRN Electronic Journal, 2018.; VALLETTI; ZENGER, 2019VALLETTI, T. M.; ZENGER, H. Increasing Market Power and Merger Control. Competition Law & Policy Debate, 2019.). Nesse contexto, Shapiro (2019)SHAPIRO, C. Protecting Competition in the American Economy: Merger Control, Tech Titans, Labor Markets. Journal of Economic Perspectives, v. 33, n. 3, p. 69–93, 1 ago. 2019. sugere que as autoridades procedam com mais cautela quando uma empresa dominante procurar adquirir outra que opera em um mercado adjacente, “especialmente se a empresa-alvo estiver bem posicionada para contestar a posição do dominante em um futuro próximo”.

Um estudo recente da OCDE ressalta a importância de analisar, hipoteticamente, como seria o mercado caso a operação não se realizasse, incluindo novas ferramentas de investigação e, ainda, garantindo que considerações sobre eficiência sejam vinculadas à transação específica em questão. Isso pode exigir uma mudança significativa da política de análise de atos de concentração, por exemplo, com a adoção de novos critérios para que as operações sejam submetidas a exame prévio. Outra solução discutida é a inversão do ônus da prova em alguns casos, com a adoção da presunção de que as aquisições de empresas nascentes por empresas dominantes têm uma probabilidade razoável (25-30%) de causar dano (PIKE, 2020PIKE, C. Start-ups, Killer Acquisitions and Merger Control. SSRN Electronic Journal, 2020.).

Nos Estados Unidos, o Departamento de Justiça (DOJ) e a Comissão Federal de Comércio (FTC) emitiram comunicado conjunto anunciando um procedimento acelerado de revisão e aprovação de acordos de colaboração entre empresas que estejam trabalhando para fornecer serviços e produtos sanitários (DELRAHIM, 2020DELRAHIM, M. Tackling the COVID-19 challenge—a view from the DOJ. Journal of Antitrust Enforcement, p. jnaa032, 11 jun. 2020.). Mas há também vozes demandando mais cautela na revisão de atos de concentração durante a crise. A senadora Elizabeth Warren e a deputada Alexandria Ocasio-Cortez (ambas parlamentares norte-americanas) apresentaram um projeto de lei propondo uma moratória em fusões e aquisições durante a pandemia (“Pandemic Anti-Monopoly Act”) até que pequenas empresas, trabalhadores e consumidores não estejam mais sob estresse financeiro (CPI, 2020CPI. Warren, Ocasio-Cortez Want To Stop Mega-Mergers During COVID-19Competition Policy International, 28 abr. 2020. Disponível em: <https://www.competitionpolicyinternational.com/warren-ocasio-cortez-want-to-stop-mega-mergers-during-covid-19/>. Acesso em: 12 jun. 2020
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).

No Brasil, o Congresso Nacional aprovou, em maio de 2020, o Projeto de Lei n. 1.179/2020, de iniciativa do Senado Federal, que inclui, entre suas disposições, normas relacionadas à aplicação da Lei 12.529/11 durante a crise. De mais importante, destaca-se a isenção relativa à obrigação de notificar previamente ao CADE contratos associativos “iniciados a partir de 20 de março de 2020 (...) enquanto durar a declaração do estado de calamidade pública contida no Decreto Legislativo n.6, de 20 de março de 2020”.

O texto obteve sanção presidencial e foi publicado no artigo 14, §§ 1º e 2º da Lei 14.010, em junho de 2020. De um lado, ele pode dar margem ao entendimento de que quaisquer contratos associativos celebrados durante a vigência do estado de calamidade pública, independentemente de guardarem relação (direta ou indireta) com a crise, seriam beneficiados pela isenção. Entretanto, é razoável a interpretação de que o benefício somente seria aplicável enquanto perdurar o estado de calamidade pública, tornando-se obrigatória a notificação perante o CADE logo após o fim do período, se preenchidos os requisitos para tanto.13 13 O texto aprovado no Senado ressalva que “§ 2° A suspensão do inciso IV do art. 90 da Lei no 12.529, de 30 de novembro de 2011, não impede a possibilidade de análise posterior do ato de concentração o de apuração de infração à ordem econômica na forma do art. 36 da Lei no 12.529, de 30 novembro de 2011, caso em que se avaliará se realmente os acordos eram necessários ao combate ou à mitigação das consequências decorrentes da pandemia do Coronavírus (Covid-19) para efeito de avaliar a sua legitimidade.” Além disso, ficou preservada a competência prevista no art. 88, §7º, da Lei 12.529/11, que autoriza ao CADE “requerer a submissão dos atos de concentração que não se enquadrem” nos critérios de notificação prévia obrigatória.

Durante a tramitação do projeto de lei no Poder Legislativo, o CADE trabalhou na tentativa de alterar a redação do texto, para torná-la mais clara. Com a aprovação do projeto pela Câmara dos Deputados e manutenção do texto original, as autoridades à frente da autarquia, nomeadamente o seus Presidente e Superintendente-Geral, bem como Conselheiros, procuradores e economistas do órgão passaram a exercer o papel de “advogados da concorrência”, alertando os jurisdicionados não apenas de que o Conselho recomenda fortemente a notificação prévia de operações (ainda que venham a ser temporariamente dispensadas de submissão por lei), mas também de que a análise de acordos de colaboração entre concorrentes com justificativa na crise manterá os mesmos critérios rígidos usualmente adotados pela autoridade brasileira. O CADE reforçou, em inúmeras ocasiões, que a eventual sanção do Projeto de Lei 1.179/2020 não se traduziria em isenção antitruste para os participantes de acordos e poderia ensejar investigação em sede de processo administrativo, culminando, em julho de 2020, com a publicação da “Nota Informativa Temporária sobre colaboração entre empresas para enfrentamento da crise de COVID-19”.14 14 Para ilustrar, assista ao webinário sobre cooperação entre concorrentes, mudanças legislativas e o papel da autarquia em tempos de crise, realizado em 29 de maio de 2020 (CADE, 2020b). Na ocasião, o presidente do CADE informou que apresentou um documento ao Ministério da Economia, justificando a necessidade de veto aos artigos do PL n. 1179/2020 que suspendem a eficácia de dispositivos da Lei 12.529/11. Nesse documento, consta expressamente “a possibilidade de análise posterior do ato de concentração ou de apuração de infração à ordem econômica, na forma do art. 36 da Lei 12.529/2011, dos acordos que não forem necessários ao combate ou à mitigação das consequências decorrentes da pandemia, conforme determina o §2º do artigo 14, da Lei 14.010/2020”.

No campo das condutas, a recente lei estabelece a suspensão da eficácia de dispositivos versando sobre preços predatórios e sobre a cessação total ou parcial de atividades empresariais (art. 36, §3º, incisos XV e XVII, da Lei 12.529/11) e determina que o CADE considere as circunstâncias extraordinárias decorrentes da pandemia do coronavírus” na apreciação das demais infrações à ordem econômica”.

Em abril de 2020, o CADE apoiou declaração da International Competition Network (ICN), afirmando que “é de suma importância garantir que produtos e serviços permaneçam disponíveis a preços competitivos, especialmente aqueles de caráter essencial às necessidades urgentes de saúde pública no contexto atual, como suprimentos e equipamentos médicos. Assim, as agências de concorrência devem permanecer vigilantes contra práticas anticompetitivas durante a crise” (CADE, 2020aCADE. Cade manifesta apoio a documento da ICN sobre concorrência durante a pandemia da Covid-19Conselho Administrativo de Defesa Econômica, 16 abr. 2020a. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/mais-noticias/cade-manifesta-apoio-a-documento-da-icn-sobre-concorrencia-durante-a-pandemia-da-covid-19>. Acesso em: 12 jun. 2020
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). Nessa linha, a autoridade brasileira de defesa da concorrência, em março de 2020, instaurou uma investigação “para apurar a ocorrência de suposta prática anticompetitiva no setor de produtos médicos-farmacêuticos”, mais especificamente, “se empresas do setor de saúde estariam aumentando os preços e lucros de forma arbitrária e abusiva, tendo em vista a elevada demanda por esses produtos”. Na frente de advocacia da concorrência, o Departamento de Estudos Econômicos do CADE emitiu notas técnicas apontando preocupações concorrenciais em relação a projetos de lei versando sobre regulação de preços de medicamentos, sobre o estabelecimento de teto máximo de preços para itens essenciais ao combate do novo coronavírus durante o período de crise, sobre descontos em mensalidades escolares, sobre medidas que buscam estabelecer preço máximo para a revenda de GLP durante a pandemia, e sobre potenciais efeitos concorrenciais negativos de intervenções nos mercados de aplicativos de transporte e de serviços funerários.

Em maio de 2020 o CADE reuniu-se em sessão extraordinária para discutir a colaboração entre um grupo de empresas concorrentes do setor de alimentos e bebidas, em iniciativa para minimizar os efeitos da crise sobre o varejo. O plenário do órgão, por unanimidade, permitiu a continuidade do projeto, sem criar, no entanto, qualquer imunidade do ponto de vista concorrencial. O acordo, com duração prevista para até outubro de 2020, é prorrogável em caso de “evolução do cenário da pandemia”. Ao sinalizar positivamente para o projeto, indicando não vislumbrar indícios de infração à ordem econômica, o órgão baseou-se na “excepcionalidade da situação enfrentada, urgência para a adoção de medidas, relação de causalidade entre a crise e a cooperação pretendida, universo temporal limitado para a coordenação, além de eficiências geradas e seu repasse ao consumidor”, consignando que, “além de ter prazo limitado para vigorar, o acordo não envolve coordenação de ações comerciais, (...) troca de informações concorrencialmente sensíveis entre as partes, por exemplo, de bases de dados de clientes entre empresas” e ainda, que “deverá haver a adoção de cuidados de prevenção a riscos de natureza antitruste específicos em reuniões de comitês e subcomitês relacionados às atividades previstas no acordo”(CADE, 2020cCADE. Cade autoriza colaboração entre Ambev, BRF, Coca-Cola, Mondelez, Nestlé e Pepsico devido à crise do novo coronavírus. Conselho Administrativo de Defesa Econômica, 4 jun. 2020c. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/noticias/cade-autoriza-colaboracao-entre-ambev-brf-coca-cola-mondelez-nestle-e-pepsico-devido-a-crise-do-novo-coronavirus>. Acesso em: 12 jun. 2020
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).15 15 Em outubro de 2020, o Tribunal do CADE autorizou a continuidade da cooperação por mais 30 dias. A “Nota Informativa Temporária sobre colaboração entre empresas para enfrentamento da crise de COVID-19”, publicada pelo CADE em julho de 2020, reforça o entendimento esposado na análise do caso concreto e esclarece que, para evitar ofensa à legislação concorrencial brasileira, as estratégias de cooperação empresarial devem ter escopo específico, delimitação temporal e territorial, e observar regras de governança, transparência e boa-fé. Na linha do quanto antecipado quando do julgamento do precedente no setor de alimentos e bebidas, “acordos entre concorrentes para combinação de preços, divisão de mercado e restrição de oferta continuarão sendo veementemente reprimidos pela autoridade da concorrência, bem como a troca de informações concorrencialmente sensíveis entre empresas…”.

Para além da flexibilização da aplicação do direito antitruste por meio da criação de parâmetros de coordenação de agentes econômicos em meio à pandemia, autoridades antitruste em diversas jurisdições também têm recrudescido a aplicação das normas de proteção da concorrência. Casos envolvendo condutas anticompetitivas por plataformas digitais têm recebido especial atenção. A autoridade antitruste italiana (AGCM), por exemplo, abriu investigação contra Amazon, eBay e Wish que teriam, alegadamente, disseminado informações inadequadas sobre a efetividade de certos produtos sanitários contra o vírus (como kits de teste, desinfetantes de mãos e máscaras de proteção), assim como praticado aumentos de preços não justificados. AGCM também requisitou que os principais buscadores online retirassem de seus resultados links que levassem a “farmácias abusivas”, que estariam vendendo remédios ilegalmente alegando eficácia contra o vírus (COSTA-CABRAL et al., 2020COSTA-CABRAL, F. et al. EU Competition Law and COVID-19. TILEC Discussion Paper No. DP2020-007, 2020.).

A crise causada pela pandemia pode gerar, ainda, mudanças nas circunstâncias de casos que já estavam em investigação pelas autoridades antitruste, como a aquisição pela Amazon de uma parcela minoritária da plataforma de entregas Deliveroo no Reino Unido, sob análise pela CMA. Na primeira fase da investigação, encerrada em dezembro de 2019, a autoridade havia decidido que a operação merecia investigação detalhada por conta dos riscos que apresentava para a concorrência. No entanto, por conta da crise econômica desencadeada pela pandemia e os impactos que teve nos negócios da Deliveroo, a decisão mais recente do órgão, em abril de 2020, concluiu que a operação não diminuiria a concorrência no mercado em questão. A decisão foi tomada com base no entendimento de que, sem o investimento da Amazon, a plataforma de entregas não sobreviveria à crise e seria forçada a sair do mercado, e tal saída causaria um mal maior aos consumidores do que o ato de concentração em si (JENNY, 2020bJENNY, F. Competition Law Enforcement and the COVID-19 Crisis: Business As (Un)usual ? SSRN Electronic Journal, 2020b.).

Como lembra Wilks (2010)WILKS, S. Competition Policy. In: The Oxford Handbook of Business and Government. Oxford: Oxford University Press, 2010., o antitruste – um capítulo do direito econômico – é um campo complexo que demanda não apenas conhecimentos técnicos (jurídicos e econômicos), como ainda exige familiaridade com o arcabouço de políticas públicas e sua implementação. A defesa da concorrência engendra, ademais, como defendido acima, uma economia política historicamente situada, pois é, ao mesmo tempo, uma área em crescimento em termos de regulação jurídica e “um modo de equilibrar o poder público e o poder privado na democracia liberal contemporânea” (WILKIS, 2010). Na economia política da pandemia de COVID-19, a aplicação do direito da concorrência, como visto, tem sido diretamente impactada por conta dos severos efeitos econômicos e sociais causados pelo vírus e também pelo dinamismo tecnológico que catalisa as plataformas digitais. Isso ocorre tanto no que diz respeito à análise de atos de concentração, quanto no que diz respeito à prática de condutas anticompetitivas.

De um lado, como também visto, algumas plataformas digitais ganham importância e acumulam poder - o poder de, por exemplo, tornar cativos consumidores e outras empresas que passam a delas depender como fornecedoras ou clientes. Tal fato vem requerendo capacidade de adaptação do aparato antitruste às suas especificidades e às novas estruturas de mercado que tais plataformas ajudam a criar. O relatório Investigation of Competition in Digital Markets: majority staff report and recommendations do Subcomitê de Direito Antitruste, Comercial e Administrativo do Comitê sobre o Judiciário do Congresso norte-americano deixa isso muito claro, citando alguns exemplos envolvendo as empresas Amazon e Google.16 16 Disponível em https://judiciary.house.gov/uploadedfiles/competition_in_digital_markets.pdf, acesso em 24.10.2020. De outro lado, certos movimentos de coordenação passam a ser vistos como toleráveis ou mesmo necessários à luz da gravidade da crise causada pela pandemia de COVID-19. No caso brasileiro, como apontado, houve respostas no plano legislativo e haverá também, como se pode imaginar, a construção de um entendimento jurisprudencial por parte do CADE.

Aspectos regulatórios: coordenação institucional

A pandemia também joga luz sobre o tema da regulação das plataformas digitais e demanda que ele seja, complementarmente, discutido desde a ótica da coordenação institucional. Globais, multimercados, e cada vez mais conglomeradas, as plataformas digitais requerem um arcabouço regulatório e concorrencial igualmente complexo e interligado em sua ação. Vale lembrar, nesse contexto, que plataformas digitais, marcadas por certas características que as fazem caminhar para o resultado “winner-take-alI” (a tendência à dominação e à concentração de poder) não podem ser apenas objeto da disciplina antitruste. Regulação e defesa da concorrência, nas palavras de Kimmelman, devem estar sincronizadas, cabendo ao regulador, entre outras coisas, promover a concorrência nos mercados digitais de forma ativa. Não basta, por isso, “manter” a concorrência, uma vez que plataformas digitais demandam que o arcabouço regulatório estimule “nova” competição (KIMMELMAN, 2019).

Isso significa compreender, entre outras coisas, que no contexto das ações e políticas de desenvolvimento econômico em que este debate se insere, forma e função institucional são variáveis-chave cuja combinação depende de que se tenha clareza dos fins almejados, neles incluídos, claro, objetivos de política pública. Uma instituição pode servir a mais de uma função e muitas instituições podem servir à mesma função. A mesma função pode ser desempenhada por diferentes instituições em sociedades diferentes (ou na mesma sociedade em distintos momentos) (CHANG, 2006CHANG, H.-J. Understanding the Relationship between Institutions and Economic Development: Some Key Theoretical Issues. UNU-WIDER Discussion Paper No. 2006/05, 2006.). Ademais, instituições diferentes podem, em uma divisão de tarefas, desempenhar funções que, vistas como parte de uma mesma estratégia ou plano de desenvolvimento, se complementam. Por isso, a discussão sobre coordenação institucional demanda um debate prévio informado e um desenho feito com régua e compasso, sem improvisação. Testes e experimentos têm de ser feitos, ajustes e aperfeiçoamentos devem ser previstos e viáveis, mas precedidos de avaliações de impacto, que precisam igualmente ter lugar.

O quebra-cabeça não é simples: a construção de um arranjo institucional coordenado para a regulação concorrencial de plataformas digitais com crescente poder de mercado demanda que os contextos econômico, político, governamental e institucional sejam cuidadosamente avaliados. Isso implica, por sua vez, identificar e compreender os processos, instituições e atores hoje existentes, bem como novas configurações potenciais à luz das capacidades estatais e recursos administrativos e orçamentários (ALEXIADIS; PEREIRA NETO, 2019). Lacunas, sobreposições e disputas devem ser evitadas sob pena de paralisia e esclerose institucional. Sinergias devem ser buscadas, procedimentos de orquestração claramente traçados e procedimentalizados. “Quem faz o que?” é uma pergunta que não pode ficar sem resposta.17 17 Cf. KIRA, B.; GONÇALVES, P.B.; COUTINHO, D.R. (2020). Nesse esforço, bom lembrar, o dinamismo tecnológico não pode ser sacrificado pela regulação. Pelo contrário, a ação regulatória coordenada deve catalisar a inovação em favor da sociedade.18 18 AHDIEH (2009)

Nos Estados Unidos, o relatório do já citado subcomitê de direito antitruste do Congresso norte-americano, recomendou a adoção de medidas concorrenciais e regulatórias. Dentre elas se destacam intervenções estruturais e separação de atividades das grandes plataformas analisadas, com vistas a solucionar conflitos de interesses, evitar discriminação, promover a inovação, o acesso e a interoperabilidade, reduzir o poder de mercado e restabelecer a liberdade e a diversidade de Imprensa.19 19 O relatório citado está disponível em: https://judiciary.house.gov/uploadedfiles/competition_in_digital_markets.pdf, acesso em 24.10.2020). Tudo isso após concluir que as maiores empresas do setor vêm exercendo dominância com o efeito de restringir a liberdade de iniciativa, limitar a privacidade online, prejudicar a imprensa livre e diversa, além de reduzir a inovação, limitar a escolha dos consumidores e enfraquecer a democracia. Em opinião dissidente, liderado pelo congressista Ken Buck, do partido republicano (“The Third Way”, 2020), as conclusões do relatório principal sobre os efeitos danosos da atuação das chamadas “big tech”; (as plataformas digitais dominantes) sobre a economia norte-americana são endossadas, porém, medidas estruturais e separação de linhas de negócios, entre outras, são rechaçadas, sugerindo-se maior aplicação do direito concorrencial e medidas regulatórias mais ‘cirúrgicas’, não limitadas por ‘visões estreitas’ de precedentes judiciais, e afastando-se das doutrinas com foco em preços.

No Reino Unido, dois conjuntos de medidas foram anunciados em 2020 para enfrentar algumas dessas desafiadoras questões. Em janeiro, o governo britânico anunciou planos de atribuir à Ofcom, órgão regulador de telecomunicações, poderes para regular também a camada de conteúdo da internet (UK GOVERNMENT, 2020aUK GOVERNMENT. Government minded to appoint Ofcom as online harms regulator. Press release, 12 fev. 2020a. Disponível em: <https://www.gov.uk/government/news/government-minded-to-appoint-ofcom-as-online-harms-regulator>
https://www.gov.uk/government/news/gover...
). A medida daria à Ofcom competência para a fiscalizar e sancionar empresas de tecnologia com base no ‘dever de cuidado’ (duty of care), obrigação de proteger usuários contra conteúdo nocivo, incluindo material extremista e pornografia infantil. Na prática, isso significaria que o órgão passaria a tomar decisões sobre que tipo de conteúdo poderia ser removido da internet. A proposta de orçamento apresentada pelo governo de Boris Johnson incluiu a criação de uma força-tarefa de reguladores, liderada pela autoridade de defesa da concorrência, CMA, com representantes da Ofcom e da autoridade proteção de dados (ICO - Information Commissioner's Office) (UK GOVERNMENT, 2020bUK GOVERNMENT. Digital markets taskforce: terms of reference. Press release, 11 mar. 2020b. Disponível em: <https://www.gov.uk/government/publications/digital-markets-taskforce-terms-of-reference/digital-markets-taskforce-terms-of-reference--3>. Acesso em: 12 jun. 2020
https://www.gov.uk/government/publicatio...
). Seguindo as recomendações de um painel de especialistas comissionado pelo governo britânico - e apresentadas no chamado Furman Report -, tal força-tarefa será responsável por desenhar um regime regulatório pró-competitivo para plataformas digitais, que incluirá um código de conduta para aquelas plataformas detentoras do que se chamou de “poder de mercado estratégico” (FURMAN et al., 2019FURMAN, J. et al. Unlocking digital competition, Report of the Digital Competition Expert Panel. Digital Competition Expert Panel, mar. 2019. Disponível em: <https://assets.publishing.service.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/785547/unlocking_digital_competition_furman_review_web.pdf>.Acesso em: 12 jun. 2020.
https://assets.publishing.service.gov.uk...
).

O esforço do Reino Unido para a criação de tal força-tarefa sugere que a regulação de mercados complexos como os mercados digitais não pode estar restrita a competência de um único órgão. Pelo contrário, o sucesso de iniciativas regulatórias como essa exige um alto grau de coerência e coesão entre os reguladores envolvidos. É necessário, como já mencionado, um arranjo institucional – intencional e cuidadosamente desenhado - cuja arquitetura possibilite a coordenação de diferentes órgãos e agências, de modo a garantir a proteção de consumidores e segurança jurídica para promoção dos desejáveis investimentos e inovação em plataformas digitais. A coordenação deve, ainda, ser capaz de dar conta do fato de que a internet tem sua economia política própria – ela desafia regulação cogente no plano doméstico, sobretudo em países periféricos consumidores, além de possuir sua própria governança, como regra soft, no plano internacional (HOFMANN; KATZENBACH; GOLLATZ, 2017HOFMANN, J.; KATZENBACH, C.; GOLLATZ, K. Between coordination and regulation: Finding the governance in Internet governance. New Media & Society, v. 19, n. 9, p. 1406–1423, set. 2017.).

No Brasil, tal arranjo deveria incluir, no mínimo, o CADE, a Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) - ambos operando virtualmente, porém a pleno vapor durante a crise -, e a futura agência de proteção de dados, cujas atividades têm início incerto, após a recente entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Muito se tem debatido, inclusive, se a LGPD implicaria um fardo adicional para as empresas ou uma garantia de que os dados pessoais não serão violados sob falsas justificativas em virtude da crise causada pelo coronavírus, o que teria levado o Congresso a adiar a aplicação das penalidades previstas na lei para agosto de 2021.

A coordenação institucional para promoção da concorrência em mercados regulados não é uma novidade para o CADE. Não é de hoje que a autarquia mantém convênios e acordos de cooperação técnica, além de participar de grupos de trabalho com diversas agências reguladoras - no âmbito federal, estadual e municipal (contando com a cooperação técnica dessas entidades na análise de atos de concentração e de condutas questionadas à luz da lei de defesa da concorrência) e oferecendo, por seu turno, amparo em relação a aspectos concorrenciais de políticas públicas adotadas. Ao longo de sua história, o CADE também integrou inúmeros grupos de estudos e publicou análises setoriais (além de contribuições, pareceres e notas técnicas) sobre indústrias tão diversificadas quanto varejo de gasolina, saúde, agricultura, transporte aéreo de cargas e passageiros, serviços portuários, entre outros. No início de 2020, o presidente da autarquia reforçou o papel institucional do CADE e a importância da cooperação com outros entes, indicando a sua intenção de atuar diretamente junto a agências reguladoras, mais especificamente à ANATEL, em relação ao leilão da 5ª geração de telefonia móvel (5G), junto às autoridades portuárias, no que se refere à praticagem e às taxas cobradas em portos públicos, bem como junto à ANAC no que tange à distribuição de slots em aeroportos (CAMAROTTO, 2020CAMAROTTO, M. Cade atuará em licitação de 5G, “slots” e portos. Valor Econômico, 20 jan. 2020.).

No setor de pagamentos, por exemplo, a intensa colaboração entre o CADE (e outras autoridades de defesa da concorrência) e o Banco Central vem rendendo frutos pelo menos desde 2010, como a publicação de relatório diagnóstico sobre a indústria de cartões de pagamentos, resultado de um convênio de cooperação técnica realizado em 2006 entre o BACEN e os Ministérios da Fazenda e da Justiça. Desde então, o CADE vem participando da formulação de políticas públicas para este setor, por meio de contatos institucionais mais ou menos formais, da interação com pares no BACEN em diferentes grupos de trabalho, bem como por meio de contribuições que fez em consultas públicas e realização de audiências e seminários abertos e com ampla participação dos diversos segmentos da indústria e da sociedade.20 20 Para ilustrar, destacamos o seminário promovido pelo Departamento de Estudos Econômicos do CADE sobre Regulação e Concorrência no Mercado de Instrumentos de Pagamentos, em novembro de 2019, com a participação do CADE, do BACEN e de lideranças políticas, bem como a Audiência Pública “Estrutura do setor financeiro nacional: impacto da verticalização sobre a concorrência”, ocorrida em novembro de 2018, entre inúmeros outros eventos, iniciativas e manifestações. O BACEN, por seu turno, opina em atos de concentração e investigações de condutas potencialmente anticompetitivas em trâmite perante o CADE.21 21 Recentemente, em razão da pandemia, o Departamento de Estudos Econômicos do CADE emitiu notas técnicas tratando das preocupações concorrenciais sobre diversos projetos de lei e iniciativas, tal como já mencionado. Quando da greve de caminhoneiros que paralisou o país em 2018, o CADE já havia se manifestado de forma semelhante em relação à tabela de preços mínimos de frete, evidenciando que a autarquia mantém acompanhamento atento de políticas públicas que possam interferir sobre o equilíbrio concorrencial.

Cooperação e arranjos institucionais também são corriqueiros para a SENACON, sucessora do Departamento Nacional de Defesa do Consumidor, ao qual a Lei 8.078/90 textualmente incumbiu de coordenar a Política Nacional do Consumidor. A SENACON tem entre suas funções precípuas a cooperação técnica com órgãos e agências reguladoras. Além de manter convênio com o CADE (reforçando um longo histórico de cooperação entre as agências de proteção da concorrência e do consumidor) e diversas outras entidades, a SENACON vem se dedicando, recentemente, a investigar e punir potenciais abusos contra os consumidores praticados por plataformas digitais, como Google e Facebook. Mais recentemente, a SENACON notificou o aplicativo de videoconferências Zoom – que observou um enorme aumento no número de usuários no contexto da pandemia – para fornecer informações sobre denúncias de violação de privacidade de usuários da plataforma, em particular alegações de compartilhamento de dados com a rede social Facebook (MJSP, 2020MJSP. Averiguação Preliminar ex officio - Zoom Videos Communications Inc. Ministério da Justiça e da Segurança Pública, 6 abr. 2020. Disponível em: <https://www.novo.justica.gov.br/news/ministerio-da-justica-e-seguranca-publica-notifica-o-aplicativo-zoom/sei_08012-000760_2020_41.pdf>. Acesso em: 12 jun. 2020
https://www.novo.justica.gov.br/news/min...
). Na mesma linha, ainda em 2020, a credenciadora Cielo foi questionada “por tentativa de acesso à base de dados de clientes do setor de marketplaces”. Segundo nota oficial do Ministério da Justiça, os “dados poderiam ser utilizados em benefício próprio como também para criar dificuldades para a atuação e o desenvolvimento de novos concorrentes”, razão pela qual “o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) também enviou um ofício ao Banco Central do Brasil (BACEN) e ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) questionando acerca de eventuais impactos sobre a concorrência e regulamentação acerca desses dados”.

É possível que o CADE inicie investigações próprias, a partir das averiguações da SENACON em face de grandes plataformas digitais. A eventual violação da privacidade dos usuários, não constitui, por si só, infração à ordem econômica. Para tanto há que se apontar indícios de efeitos deletérios à concorrência, ainda que potenciais. Tais indícios não estão presentes em todos os casos, mas parecem se destacar em alguns. A cooperação entre CADE e SENACON é fundamental para jogar luz no funcionamento dos mercados digitais e comportamento dos consumidores, influindo no controle de estruturas e de condutas. E, certamente, CADE e SENACON poderão auxiliar a futura Autoridade Nacional de Dados, na linha do que já fazem no âmbito administrativo, legislativo e judicial para a formulação e implementação de políticas públicas coerentes neste campo, em que coexistem bens jurídicos tutelados, nenhum deles de pouca importância para a nossa sociedade.

Conclusão

O direito econômico, por conta de sua relação umbilical com as transformações e metamorfoses do capitalismo, é um direito dinâmico e essencialmente aplicado, bem como, historicamente, moldado pelas circunstâncias de economia política. Nascido sob o signo da guerra e das crises econômicas e sociais que ela traz, o campo vem hoje sendo utilizado como espada e como escudo - isto é, como medida proativa e como medida reativa – na batalha contra a pandemia do coronavírus.22 22 Sobre as origens do direito econômico na Primeira Guerra Mundial e posteriormente, cf., entre outros, STOLLEIS (2004). Entre inúmeras medidas macro e microeconômicas adotadas nas economias desenvolvidas e em desenvolvimento, ações importantes têm sido adotadas no campo da concorrência e da regulação de plataformas digitais, modelos de negócio inovadores e dotados de grande crescente poder de mercado.

Essas plataformas digitais, em vários casos bem-sucedidos no contexto adverso da pandemia de COVID-19, têm como visto, demandando soluções inovadoras e sofisticadas por parte das autoridades de defesa da concorrência e de reguladores setoriais. Trata-se da emergência de um direito econômico dotado de instrumentos analíticos e remédios específicos, que procuram, como “vacina”, enfrentar novos problemas – alguns dos quais tão patológicos quanto o vírus que nos assola. Exemplos disso são as discussões em torno da criação de autoridades reguladoras especificamente voltados a disciplinar tais agentes econômicos no ambiente da internet, bem como o acirrado debate – técnico, mas também político - em torno da quebra (break up) das plataformas digitais dominantes em seus mercados.23 23 O assunto voltou à tona em outubro de 2020 com a recente iniciativa do Departamento de Justiça (DoJ) norte-americano de acionar o Google para investigar diversas condutas anticoncorrenciais a tal plataforma atribuídas. “Esqueça o direito concorrencial, para conter as tech [grandes plataformas digitais], alguns dizem que um novo regulador é necessário”, sugeriu um editorial do New York Times (acessível em: https://www.nytimes.com/2020/10/22/technology/antitrust-laws-tech-new-regulator.html). Sobre a “quebra” das grandes plataformas digitais (big tech), cf., por exemplo, o debate “Break Up The Tech Giants”, organizado pela organização Intelligence Squared e realizado no final de 2018 (antes da pandemia, portanto), do qual participaram especialistas, acessível em https://www.youtube.com/watch?v=ay4bKauK-UU&feature=youtu.be

Como procuramos mostrar neste artigo, a noção de cooperação entre concorrentes, bem como a abordagem concorrencial quanto a certas condutas e estratégias empresariais, de um lado, e, de outro lado, as possibilidades de coordenação institucional entre reguladores e demais autoridades ligadas à proteção do consumidor (no caso brasileiro) têm sido revisitadas em face do crescimento da importância e do poder dessas plataformas. Trata-se, resumidamente, de responder à difícil e intrincada pergunta: como regular - em um sentido amplo, que abarca diversos instrumentos como a defesa da concorrência e a regulação em um sentido mais estrito - esses novos e sui generis agentes econômicos que são as plataformas digitais? A resposta será dada com o tempo e para ela contribuirá uma agenda de pesquisas aplicadas e interdisciplinares que no direito econômico encontram uma referência e ferramental valiosos.

Para lembrar um trabalho clássico do campo no Brasil, de um lado se espera do jurista que defina e integre categorias e institutos jurídicos de modo a aprimorar sua expressão formal, de outro dele também se exige a capacidade de escolher e aprimorar as instituições sociais existentes, ou de criar outras, novas, em função de objetivos que lhe são propostos pelas necessidades da vida. Ao dizê-lo há mais de cinquenta anos, seu autor descortinava uma nova agenda de pesquisas, instigando os juristas brasileiros a refletir, de forma consciente, sobre o papel do direito econômico na construção institucional do desenvolvimento (COMPARATO, 1965COMPARATO, F. K. O indispensável direito econômico. Revista dos Tribunais, n. 353, 1965.). Tal tarefa, que hoje se traduz em desafios nada triviais, nos convida, mais uma vez, a reconhecer sua missão histórica de ferramenta de construção institucional, disciplina de mercados e implementação de políticas públicas. 24 24 Sobre tais funções do direito econômico, cf. COUTINHO (2016). Escritas em meio à pandemia de COVID-19, estas breves reflexões procuram contribuir com essa nova agenda ao mapear parte dos desafios trazidos pelas plataformas digitais em meios à disseminação disruptiva do vírus pandêmico.

  • 1
    Doença causada pelo vírus SARS-CoV-2.
  • 2
    É certo, ainda, que a pandemia descortinou e acirrou desigualdades preexistentes, entre outras razões porque revelou que o acesso às plataformas digitais (que dependem, por sua vez, do acesso à banda larga de alta velocidade) é assimétrico a ponto de privilegiar, por exemplo, famílias e crianças que têm acesso a dispositivos eletrônicos em detrimentos de outras que precariamente compartilham telefones celulares associados a planos ou assinaturas populares, quando muito.
  • 3
    Artigo do jornal Valor Econômico reportou que Google, Amazon, Facebook e Apple registraram lucros bilionários no terceiro trimestre de 2020, durante a pandemia do coronavírus (Valor, 2020VALOR. Big techs têm lucros bilionários na pandemia. Valor Econômico, 2020. Disponível em: <https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/10/29/big-techs-tem-lucros-bilionarios-na-pandemia.ghtml>
    https://valor.globo.com/empresas/noticia...
    ).
  • 4
    Cf WAKABAYASHI et al., 2020. Recentemente, em reação à explosão de tráfego no Netflix e outros serviços de streaming, a Comissão Europeia passou a advogar que o padrão HD (alta definição) fosse sacrificado em favor do padrão SD (standard definition) de definição para atender à nova e intensiva demanda (LOMAS, 2020LOMAS, N. Netflix and other streaming platforms urged to switch to SD during COVID-19 crisis, 19 mar. 2020. Disponível em: https://techcrunch.com/2020/03/19/keep-calm-and-switch-to-sd/
    https://techcrunch.com/2020/03/19/keep-c...
    ). Um exemplo brasileiro que traduz a importância (e a concentração de poder econômico em plataformas digitais) é trazido por Miola (2020)MIOLA, I. Pandemia não pode ser oportunidade para abusos do poder econômico. Nexo, 10 jun. 2020. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/ensaio/debate/2020/Pandemia-não-pode-ser-oportunidade-para-abusos-do-poder-econômico>
    https://www.nexojornal.com.br/ensaio/deb...
    : “somente em abril [de 2020], por exemplo, a iFood, líder do segmento de serviço de entregas para restaurantes no Brasil, registrou um acréscimo de 12% de restaurantes que aderiram à plataforma. Em 15 de maio, a empresa anunciou aumentos de até 100% das taxas de entrega”. Acrescenta Miola: “[c]omo implica elevação do preço final, restaurantes provavelmente terão de absorver o aumento da taxa para sobreviverem, reduzindo preços dos seus produtos e, assim, transferindo parte de sua remuneração para a iFood” (MIOLA, 2020MIOLA, I. Pandemia não pode ser oportunidade para abusos do poder econômico. Nexo, 10 jun. 2020. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/ensaio/debate/2020/Pandemia-não-pode-ser-oportunidade-para-abusos-do-poder-econômico>
    https://www.nexojornal.com.br/ensaio/deb...
    ).
  • 5
    Cf. “Investigation of Competition in Digital Markets: majority staff report and recommendations" (2020), disponível em https://judiciary.house.gov/uploadedfiles/competition_in_digital_markets.pdf, acesso em 24.10.202
  • 6
    Vide, nesse sentido, a recente controvérsia em torno do compartilhamento de dados de usuários entre a plataforma de videoconferência Zoom, que vem sendo muito demandada em razão da crise, e o Facebook, entre outros, aparentemente sem autorização por parte dos usuários, ensejando uma ação coletiva (class action) ajuizada na Califórnia, entre outros pleitos (HAMILTON, 2020HAMILTON, I. A. Zoom is being sued for allegedly handing over data to Facebook. Business Insider, 31 mar. 2020.).
  • 7
    Sobre o direito econômico e seus novos desafios em meio à pandemia, cf. FARIA & VEIGA DA ROCHA (2020) e PEREIRA NETO et. al. (2020).
  • 8
    MILHAPUT, C.L; PISTOR, K. (2010).
  • 9
    Cf. COUTINHO; SCHAPIRO (2013)COUTINHO, D. R.; SCHAPIRO, M. G. Economia Política e Direito Econômico: do desenvolvimentismo aos desafios da retomada do ativismo estatal. In: COSTA, J. A. F.; ANDRADE, J. M. A. DE; MATSUO, A. M. H. (Eds.) . Teoria e Experiência: Estudos em Homenagem a Eros Roberto Grau. São Paulo: Malheiros, 2013. v. 1..
  • 10
    Nesse contexto, tratando da pandemia, Frederic Jenny, diretor do comitê de concorrência da OCDE, chegou a afirmar que “autoridades de defesa da concorrência terão de adotar uma visão mais alongada e dinâmica do processo de competição do que aquela até agora adotada, e terão de adaptar sua argumentação quanto a ajudas de Estado (state aids), cartéis de crise e fusões às circunstâncias de desequilíbrio causadas por choque exógeno no sistema econômico” (JENNY, 2020a).
  • 11
    No âmbito europeu, ver a nota “Temporary Framework for Assessing Antitrust Issues Related to Business Cooperation in Response to Situations of Urgency Stemming from the Current COVID-19 Outbreak” (EUROPEAN COMMISSION, 2020). Sobre a noção (considerada problemática e, no contexto da crise do coronavírus, rejeitada) de “cartel de crise”, cf. EUROPEAN UNION (2020)EUROPEAN UNION. Crisis Cartels. Organisation for Economic Co-operation and Development, 27 jan. 2020. Disponível em: <https://ec.europa.eu/competition/international/multilateral/2011_feb_crisis_cartels.pdf>.Acesso em: 12 jun. 2020.
    https://ec.europa.eu/competition/interna...
    .
  • 12
    Vide ORMOSI & STEPHAN (2020)ORMOSI & STEPHAN. The dangers of allowing greater coordination between competitors during the COVID-19 crisis. Journal of Antitrust Enforcement, 2020, 8, 299–301. Disponível em: doi: 10.1093/jaenfo/jnaa028, 2020
    https://doi.org/10.1093/jaenfo/jnaa028...
    .
  • 13
    O texto aprovado no Senado ressalva que “§ 2° A suspensão do inciso IV do art. 90 da Lei no 12.529, de 30 de novembro de 2011, não impede a possibilidade de análise posterior do ato de concentração o de apuração de infração à ordem econômica na forma do art. 36 da Lei no 12.529, de 30 novembro de 2011, caso em que se avaliará se realmente os acordos eram necessários ao combate ou à mitigação das consequências decorrentes da pandemia do Coronavírus (Covid-19) para efeito de avaliar a sua legitimidade.”
  • 14
    Para ilustrar, assista ao webinário sobre cooperação entre concorrentes, mudanças legislativas e o papel da autarquia em tempos de crise, realizado em 29 de maio de 2020 (CADE, 2020b). Na ocasião, o presidente do CADE informou que apresentou um documento ao Ministério da Economia, justificando a necessidade de veto aos artigos do PL n. 1179/2020 que suspendem a eficácia de dispositivos da Lei 12.529/11. Nesse documento, consta expressamente “a possibilidade de análise posterior do ato de concentração ou de apuração de infração à ordem econômica, na forma do art. 36 da Lei 12.529/2011, dos acordos que não forem necessários ao combate ou à mitigação das consequências decorrentes da pandemia, conforme determina o §2º do artigo 14, da Lei 14.010/2020”.
  • 15
    Em outubro de 2020, o Tribunal do CADE autorizou a continuidade da cooperação por mais 30 dias. A “Nota Informativa Temporária sobre colaboração entre empresas para enfrentamento da crise de COVID-19”, publicada pelo CADE em julho de 2020, reforça o entendimento esposado na análise do caso concreto e esclarece que, para evitar ofensa à legislação concorrencial brasileira, as estratégias de cooperação empresarial devem ter escopo específico, delimitação temporal e territorial, e observar regras de governança, transparência e boa-fé. Na linha do quanto antecipado quando do julgamento do precedente no setor de alimentos e bebidas, “acordos entre concorrentes para combinação de preços, divisão de mercado e restrição de oferta continuarão sendo veementemente reprimidos pela autoridade da concorrência, bem como a troca de informações concorrencialmente sensíveis entre empresas…”.
  • 16
  • 17
    Cf. KIRA, B.; GONÇALVES, P.B.; COUTINHO, D.R. (2020)KIRA, B.; GONÇALVES, P. B.; COUTINHO, D. R. Quem faz o que: coordenação institucional para regulação de mercados digitais. JOTA, 14 abr. 2020. Disponível em: <https://www.jota.info/tributos-e-empresas/regulacao/quem-faz-o-que-coordenacao-institucional-para-regulacao-de-mercados-digitais-14042020>. Acesso em: 12 jun. 2020
    https://www.jota.info/tributos-e-empresa...
    .
  • 18
    AHDIEH (2009)AHDIEH, R. B. The Visible Hand: Coordination Functions of the Regulatory State. SSRN Electronic Journal, 2009.
  • 19
    O relatório citado está disponível em: https://judiciary.house.gov/uploadedfiles/competition_in_digital_markets.pdf, acesso em 24.10.2020).
  • 20
    Para ilustrar, destacamos o seminário promovido pelo Departamento de Estudos Econômicos do CADE sobre Regulação e Concorrência no Mercado de Instrumentos de Pagamentos, em novembro de 2019, com a participação do CADE, do BACEN e de lideranças políticas, bem como a Audiência Pública “Estrutura do setor financeiro nacional: impacto da verticalização sobre a concorrência”, ocorrida em novembro de 2018, entre inúmeros outros eventos, iniciativas e manifestações.
  • 21
    Recentemente, em razão da pandemia, o Departamento de Estudos Econômicos do CADE emitiu notas técnicas tratando das preocupações concorrenciais sobre diversos projetos de lei e iniciativas, tal como já mencionado. Quando da greve de caminhoneiros que paralisou o país em 2018, o CADE já havia se manifestado de forma semelhante em relação à tabela de preços mínimos de frete, evidenciando que a autarquia mantém acompanhamento atento de políticas públicas que possam interferir sobre o equilíbrio concorrencial.
  • 22
    Sobre as origens do direito econômico na Primeira Guerra Mundial e posteriormente, cf., entre outros, STOLLEIS (2004)STOLLEIS, M. A History of Public Law in Germany (1914-1945). Oxford University Press 2004..
  • 23
    O assunto voltou à tona em outubro de 2020 com a recente iniciativa do Departamento de Justiça (DoJ) norte-americano de acionar o Google para investigar diversas condutas anticoncorrenciais a tal plataforma atribuídas. “Esqueça o direito concorrencial, para conter as tech [grandes plataformas digitais], alguns dizem que um novo regulador é necessário”, sugeriu um editorial do New York Times (acessível em: https://www.nytimes.com/2020/10/22/technology/antitrust-laws-tech-new-regulator.html). Sobre a “quebra” das grandes plataformas digitais (big tech), cf., por exemplo, o debate “Break Up The Tech Giants”, organizado pela organização Intelligence Squared e realizado no final de 2018 (antes da pandemia, portanto), do qual participaram especialistas, acessível em https://www.youtube.com/watch?v=ay4bKauK-UU&feature=youtu.be
  • 24
    Sobre tais funções do direito econômico, cf. COUTINHO (2016)COUTINHO, D. R. O Direito Econômico e a Construção Institucional do Desenvolvimento Democrático. Revista de Estudos Institucionais, v. 2, n. 1, p. 214, 31 jul. 2016..

Referências Bibliográficas

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    14 Jun 2020
  • Aceito
    17 Nov 2020
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