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“A HISTÓRIA QUE A HISTÓRIA NÃO CONTA”: Organizações e disputas narrativas pelas lentes dos entregadores grevistas na América Latina em 2020

"THE STORY THAT HISTORY DOES NOT TELL": Organizations and narrative disputes by the lenses of striking deliverers in Latin America in 2020

Resumo

Com base nas paralisações internacionais de entregadores latino-americanos de 22 de abril, 29 de maio, 1º de julho e 8 de outubro de 2020, o artigo objetiva analisar as disputas narrativas nos instrumentos de convocação e as formas de organização dos trabalhadores. Parte-se da compreensão de que esses movimentos não constituem uma realidade estática, mas, sim, discursivamente plurívoca e construída pelos atores sociais envolvidos.

Palavras-chave:
Greves de entregadores latino-americanos; Disputas narrativas; Organizações de trabalhadores

Abstract

Based on the context of the Latin-American deliverers’ strikes of April 22, May 29, July 1 and October 8, 2020, the paper aims to analyze the narrative disputes of the documents calling for international strikes and the forms of organization of these workers. It is assumed that these movements are not a static reality, but rather a discursively plural one, constructed by the social actors involved.

Keywords:
Latin-American deliverers’ strikes; Narrative disputes; Workers’ organizations

1. Introdução

A pesquisa tem por objetivo central analisar, a partir da perspectiva dos entregadores latino-americanos por plataformas digitais, as disputas narrativas e as formas de organização coletiva desses trabalhadores, tendo como foco as greves internacionais durante a pandemia de Covid-19 em 2020. Como recorte geográfico, centramo-nos no contexto social da América Latina, muito embora se verifique uma tendência crescente de adesão a esses movimentos por organizações advindas de outras partes do mundo.

Como recorte temporal, selecionamos as paralisações internacionais convocadas por organizações latino-americanas durante o ano de 2020, o que inclui quatro movimentos: os dos dias 22 de abril, 29 de maio, 1º de julho e 8 de outubro. Quanto aos métodos, conjugam-se, a partir de uma abordagem materialista, pesquisa bibliográfica e pesquisa empírica documental. Note-se que as fontes documentais consistem, sobretudo, nos instrumentos de convocação dos movimentos, bem como nos demais documentos extraídos dos perfis oficiais das organizações que os assinam.

Quanto à estruturação, o artigo se propõe a abranger três eixos centrais: (i) análise discursiva dos principais documentos de convocação das paralisações internacionais, buscando compreender as disputas de sentido envolvidas nesse discurso e o impacto das condições de trabalho em sua subjetividade; (ii) aprofundamento de mediações teóricas a respeito das relações entre narrativa e experiência, dos sentidos da inserção da gramática jurídica nas reivindicações, bem como das particularidades da exploração do trabalho no sul global; (iii) análise das organizações de trabalhadores que assinaram esses instrumentos de convocação, para investigar sua natureza e a forma de articulação empregada. Essa disposição da argumentação se justifica pelo esforço de, primeiramente, partir da concretude do material empírico dos instrumentos de convocação, para depois delinear o aporte teórico e o impacto das formas de articulação coletiva. Com isso, mitiga-se o risco de propor uma espécie de aplicação de teorias à realidade social.

Nesse sentido, o primeiro eixo se debruça sobre disputas narrativas passíveis de serem interpretadas a partir da análise dos arranjos discursivos veiculados nos instrumentos oficiais de convocação dos movimentos. Para tanto, essa pesquisa é dividida em três vias de investigação que se conectam e se complementam: (i) disputas narrativas em torno das expressões utilizadas para designar os movimentos, bem como as implicações políticas de cada qual (em especial, quanto aos termos paralisação, breque e greve); (ii) os possíveis sentidos para a escolha da veiculação das paralisações enquanto movimentos internacionais; (iii) a forma de apresentação das reivindicações nos instrumentos de convocação, com foco para seu caráter dinâmico e suas transfigurações ao longo dos meses.

A seu turno, o segundo eixo busca aprofundar uma reflexão teórica a respeito de três aspectos de análise: (i) o que as disputas narrativas observadas revelam sobre a construção discursiva de sentidos sociais, e como pensar a relação entre narrativa e experiência (tendo como aporte teórico as contribuições de Edward Palmer Thompson e Walter Benjamin); (ii) como compreender a inserção da gramática jurídica enquanto estratégia reivindicatória; (iii) como conectar as menções a expressões como “hiperexploração” e “precarização extrema” ao debate sobre as particularidades histórico-sociais do trabalho no chamado sul global.

Por fim, no terceiro eixo, analisam-se as organizações da América Latina signatárias dos documentos convocatórios para os quatro movimentos grevistas internacionais dos entregadores de plataformas digitais de entrega. Para tanto, foca-se na natureza e nas formas de constituição e de organização, com base nas informações colhidas nos sítios eletrônicos (quando existentes), bem como nas redes sociais dessas organizações, principais meios de comunicação entre elas e os entregadores, com a finalidade de compreender como tem se dado a organização coletiva desses trabalhadores.

2. Disputas narrativas nos instrumentos de convocação das paralisações

Brecht (2005BRECHT, Bertolt. Fragen eines lesenden Arbeiter. In Kalender Geschichten. Hamburgo: Hamburgo Rowohlt, 1989. In: LÖWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio: Uma leitura das teses “Sobre o conceito de história”. Tradução de Wanda Nogueira Caldeira Brant, Jeanne Marie Gagnebin, Marcos Lutz Müller. São Paulo: Boitempo, 2005., p. 77) questiona quais foram as mãos que construíram os monumentos históricos e que cozinharam os grandes banquetes. Afinal, só constam os nomes de reis nos livros. Na mesma linha, Benjamin (2005BENJAMIN, Walter. Tese VIII sobre o conceito de história. In: LÖWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio: Uma leitura das teses “Sobre o conceito de história”. Tradução de Wanda Nogueira Caldeira Brant, Jeanne Marie Gagnebin, Marcos Lutz Müller. São Paulo: Boitempo, 2005., p. 83), nas suas “Teses sobre o conceito de História”, sustenta a necessidade de uma história a contrapelo, contada pela tradição daqueles que são constantemente invisibilizados pela historiografia oficial. Nesse sentido, insere-se também a proposta do artigo, cujo título principal, não ao acaso, faz referência direta ao samba-enredo de 2019 do G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira (DOMÊNICO et al., 2019DOMÊNICO, Deivid et al. História para ninar gente grande. Samba-enredo da Mangueira no carnaval de 2019. Intérprete: Marquinho Art’ Samba. Disponível em: <http://liesa.globo.com/>. Acesso em: 01 dez. 2019, 18:05:00.
http://liesa.globo.com/...
).

E é por isso que se pretende começar a análise a partir de uma investigação discursiva em torno dos instrumentos de convocação dos entregadores latino-americanos para as paralisações internacionais de 2020, referentes aos movimentos dos dias 22 de abril, 29 de maio, 1º de julho e 8 de outubro. Em um primeiro momento, destrincharemos possíveis disputas narrativas extraídas da análise dos documentos convocatórios. Na sequência, no próximo subitem do artigo, cotejaremos essa exposição com um debate teórico a respeito da construção discursiva dessas disputas e reivindicações.

Passemos, portanto, à primeira parte dessa investigação. Nela, partiremos dos instrumentos de convocação divulgados pelas organizações que os assinaram em seus perfis oficiais de rede social (para fins de padronização das referências, mencionaremos as versões publicadas na página do facebook da Agrupación ATR). A propósito, vale destacar que a principal forma de convocação e mobilização para as paralisações tem sido articulada por esses perfis em redes sociais das organizações signatárias, como delineado no último tópico do desenvolvimento do artigo.

Quanto ao idioma dos documentos, analisamos as versões em língua espanhola das quatro paralisações internacionais, além da versão em língua portuguesa referente ao movimento do dia 8 de outubro de 2020. Isso se deve ao fato de que as organizações brasileiras somente passaram a constar no rol de signatárias dos documentos de convocação a partir do terceiro movimento, o que se reflete na inexistência de versões em português dos instrumentos relativos às duas primeiras greves internacionais. Mesmo com relação à convocação para 1º de julho, terceira paralisação internacional e que passou a contar com a assinatura de organizações brasileiras, foi possível ter acesso ao documento oficial apenas em língua espanhola. Ressalte-se que, quando mencionamos traduções em português de versões publicadas em língua espanhola, fazemos referência ao fato de se tratar de traduções livres para o português, isto é, realizadas por nós a partir do documento em espanhol. Nos casos em que há citações em português sem essa menção, foram extraídas de documento já originalmente em língua portuguesa.

Feitas essas observações iniciais sobre as fontes analisadas e sobre a forma de referenciar o idioma, revela-se interessante traçar algumas notas prévias acerca da proposta de investigação discursiva a que nos referimos nesse tópico do artigo. Essas notas importam para uma reflexão sobre a escolha de proceder a essa forma de abordagem, bem como de selecionar tais documentos como fonte central da pesquisa. Partimos da compreensão de que a análise das narrativas envolvidas na construção do conteúdo destes documentos de convocação fornece, com pluralidade de significados, relevante base de pesquisa, por veicular o discurso por meio do qual se publicizam as reivindicações tidas como centrais para as organizações de trabalhadores.

Ao procedermos à escolha dos documentos oficiais de divulgação dos movimentos, não ignoramos o fato de que existe uma multiplicidade de narrativas dos trabalhadores para além desses documentos. Trata-se, tão somente, de um recorte metodológico que se justifica pela compreensão de que, mesmo dentro dos instrumentos de convocação, não há que se falar em ausência de disputa narrativa e discursiva. Pelo contrário, é possível extrair deles uma série de questões de pesquisa interessantes, cujos contornos buscamos delimitar ao longo deste item, e que dizem respeito a produções de sentidos plurívocos, dinâmicos e axiologicamente amplos.

Antes de entrar na análise propriamente dita dos documentos de convocação das paralisações, é importante assentar a perspectiva em que utilizamos a expressão discurso. Não há aqui uma ideia de correspondência estática entre determinado enunciado proposto (neste caso, o conteúdo escrito da convocação dos movimentos internacionais) e o que poderia ser entendido enquanto discurso veiculado. Ao contrário, compreendemos que o discurso não configura uma categoria estanque ou unívoca, mas, sim, um processo que se perfaz de forma dinâmica e reciprocamente afetada pela realidade social.

Lançadas essas notas preliminares (que serão complementadas e aprofundadas no tópico seguinte), estamos agora em condições de partir para a análise documental. Seguimos aqui, sempre que possível, a ordem cronológica dos movimentos, mas, de toda forma, priorizamos uma investigação que dê conta de confrontar a linguagem com aspectos materiais em disputa. Isto é, não se pretende um mero agrupamento estanque de uma ou outra citação dos documentos, mas tentar compreendê-las em movimento e em cotejo com as nossas interpretações acerca das possíveis construções de sentidos e estratégias políticas de reinvindicação social.

Para perseguir esse objetivo, dividimos a análise em três eixos ou questões-chave que envolvem disputas narrativas centrais: (i) as implicações de sentido na escolha pelos termos greve, paralisação ou breque; (ii) o autodeclarado caráter internacional da convocação; (iii) a forma de construção das reivindicações e as modificações observadas ao longo dos meses. A partir desses eixos, pretende-se inferir em que medida as disputas narrativas e as construções discursivas de sentido perfazem-se nos instrumentos de convocação dessas quatro paralisações internacionais.

Quanto à primeira questão-chave, a respeito do termo utilizado para designar os movimentos nos títulos dos instrumentos de convocação (se greve, paralisação ou breque), observamos que, em todos os instrumentos em língua espanhola, é utilizada a palavra “paro”, enquanto em língua portuguesa faz-se referência à expressão “breque”. Observemos os títulos dos documentos oficiais de convocação dos movimentos em ordem cronológica (isto é, para as paralisações de 22 de abril, 29 de maio, 1º de julho e 8 de outubro, respectivamente): “22 de abril Paro Internacional de Repartidores: Comunicado Internacional de Repartidores” (AGRUPACIÓN ATR, 2020aAGRUPACIÓN ATR. 22 de abril Paro Internacional de Repartidores: Comunicado Internacional de Repartidores. Disponível em: <https://www.facebook.com/agrupacionatr/photos/a.351555408798159/564161744204190/?type=3&theater>. Acesso em: 05 dez. 2020, 16:05:00.
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), “Comunicado Internacional de Repartidores” (AGRUPACIÓN ATR, 2020cAGRUPACIÓN ATR. Comunicado Internacional de Repartidores. Disponível em: <https://www.facebook.com/agrupacionatr/photos/a.351555402131493/583662165587481/?type=3&theater>. Acesso em: 05 dez. 2020, 16:10:00.
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), “Comunicado Internacional: 1/7 vamos a un nuevo paro internacional de repartidores”(AGRUPACIÓN ATR, 2020dAGRUPACIÓN ATR. Comunicado Internacional: 1/7 vamos a un nuevo paro internacional de repartidores. Disponível em: <https://www.facebook.com/pg/agrupacionatr/posts/?ref=page_internal>. Acesso em: 05 dez. 2020, 16:13:00.
https://www.facebook.com/pg/agrupacionat...
), “Declaración Internacional: 8 de octubre, 4to Paro Internacional de Repartidores”(AGRUPACIÓN ATR, 2020fAGRUPACIÓN ATR. Declaración Internacional: 8 de octubre, 4to Paro Internacional de Repartidores. Disponível em: <https://www.facebook.com/agrupacionatr/photos/a.515518125735219/664609970826033/?type=3&theater>. Acesso em: 05 dez. 2020, 16:15:00.
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) e “Chamamento Internacional: 8 de outubro, 4to Breque Internacional de Entregadores” (AGRUPACIÓN ATR, 2020bAGRUPACIÓN ATR. Chamamento Internacional: 8 de outubro, 4to Breque Internacional de Entregadores. Disponível em: <https://www.facebook.com/agrupacionatr/photos/a.515518125735219/664609970826033/?type=3&theater>. Acesso em: 05 dez. 2020, 16:15:00.
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).

Comecemos pela expressão “breque” em língua portuguesa. Uma vez que os movimentos se difundiram no Brasil, sobretudo, por meio das redes sociais, o apoio ao movimento e os demais materiais de mídia a ele relacionados foram divulgados nessas redes a partir do lema “Breque dos Apps” ou “Breque dos Aplicativos”: “Dia 1º de julho, bora brecar o Brasil!”, dizia a publicação do perfil Treta no Trampo (2020)TRETA NO TRAMPO. Paralisação dos Apps 1º de Julho. Disponível em: <https://www.facebook.com/tretanotrampo/photos/a.117238869922650/154807279499142/?type=3&theater>. Acesso em: 06 dez. 2020, 16:08:00.
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. A expressão, que se popularizou pelas redes sociais, é plena de sentidos políticos: “brecar” os aplicativos parece referir-se a uma conduta de rejeitar ou bloquear a forma de operação das plataformas. Conduta que deveria ser seguida, igualmente, pelos usuários das plataformas digitais de entrega - isto é, pela sociedade como um todo, para além dos entregadores em paralisação.

Além disso, podemos lançar uma hipótese complementar para a escolha desse termo: tendo em vista as controvérsias institucionais em torno da forma de caracterização jurídica do vínculo entre os entregadores e as plataformas, bem como as disputas sobre o tema dentro da própria classe trabalhadora, o termo breque poderia ser tido como uma forma de agregar diversas visões e reivindicações em torno de uma expressão comum. Essas disputas podem ser inferidas, inclusive, da forma de construção dos pleitos nos documentos de convocação para os movimentos, e das alterações por que essa construção passou ao longo dos meses, como exposto mais adiante neste item.

Uma observação interessante é que, muito embora o subtítulo do quarto documento de convocação seja, em língua portuguesa, “8 de outubro, 4to Breque Internacional de Entregadores”, a palavra “greve” é utilizada no corpo do documento, como no trecho que o encerra: “Viva a Greve Internacional do dia 8 de outubro das e dos trabalhadores de aplicativos!”. O mesmo termo aparece neste outro trecho: “As grandes lutas que estavam se formando em diferentes países do mundo [...] foram preparando as condições para realizar esta Quarta Greve Internacional de Entregadores e Trabalhadores de Aplicativos” (AGRUPACIÓN ATR, 2020bAGRUPACIÓN ATR. Chamamento Internacional: 8 de outubro, 4to Breque Internacional de Entregadores. Disponível em: <https://www.facebook.com/agrupacionatr/photos/a.515518125735219/664609970826033/?type=3&theater>. Acesso em: 05 dez. 2020, 16:15:00.
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).

De toda forma (e sem desconhecer, evidentemente, a relevância do termo “breque” para a difusão dos movimentos no Brasil e para a construção de seu sentido reivindicatório), optamos, no título deste artigo, pela expressão greve, com o objetivo de reafirmar que a relação entre os entregadores e as plataformas digitais é caracterizada, centralmente, pela mercantilização da força de trabalho daqueles que não possuem o real controle do processo laboral, tampouco da apropriação da riqueza por ele gerada - relação que, a propósito, espelha a forma basilar de autovalorização do capital.

Passemos agora à análise do termo em língua espanhola “paro” (“paro” de entregadores), utilizado para intitular todos os instrumentos de convocação para as paralisações internacionais nesse idioma em 2020. Na língua espanhola, as palavras greve e paralisação podem ser designadas, de forma geral, por “huelga” e “paro”. Apesar de existirem categorizações jurídicas1 1 Cf., a título de exemplo, CORTE CONSTITUCIONAL DE COLOMBIA, 2008: “La jurisprudencia constitucional ha sido clara al expresar que mientras que el derecho de huelga como derecho fundamental tutelado por la Constitución y la ley tiene una finalidad o propósito único definido en la misma ley, como es la solución de conflictos económicos o de interés y requiere una serie de pasos o trámites que deben ser agotados previamente, el denominado paro no está protegido ni por la Constitución ni por la ley, pues se trata de un acto de fuerza, una medida de hecho que no cumple ni con la finalidad prevista para la huelga, ni con los pasos previos establecidos por la ley para ésta. De otra parte, se encuentra proscrita conforme a lo señalado en el artículo 379 literal e) del Código Sustantivo del Trabajo, como actividad prohibida a los sindicatos.” , em determinados países, no sentido de diferenciar os atos de “huelga” e de “paro”, o termo “paro” pode ser compreendido aqui, em uma apreensão abrangente, como paralisação ou suspensão na prestação de determinado trabalho ou serviço. É possível, inclusive, traçar certa correspondência semântica entre “paro” e “breque”, uma vez que ambos parecem denotar um sentido de ação de bloqueio, de paralisação física, de interrupção do trabalho ou de rejeição material a determinada ordem social.

Passado esse ponto, o segundo eixo de análise aqui proposto, por sua vez, diz respeito aos contornos do autodeclarado caráter internacional dos movimentos, uma vez que todos os documentos oficiais de convocação se definem como “Comunicado Internacional”, “Chamamento Internacional” ou “Declaración Internacional” (cf. AGRUPACIÓN ATR, 2020aAGRUPACIÓN ATR. 22 de abril Paro Internacional de Repartidores: Comunicado Internacional de Repartidores. Disponível em: <https://www.facebook.com/agrupacionatr/photos/a.351555408798159/564161744204190/?type=3&theater>. Acesso em: 05 dez. 2020, 16:05:00.
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, 2020bAGRUPACIÓN ATR. Chamamento Internacional: 8 de outubro, 4to Breque Internacional de Entregadores. Disponível em: <https://www.facebook.com/agrupacionatr/photos/a.515518125735219/664609970826033/?type=3&theater>. Acesso em: 05 dez. 2020, 16:15:00.
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, 2020cAGRUPACIÓN ATR. Comunicado Internacional de Repartidores. Disponível em: <https://www.facebook.com/agrupacionatr/photos/a.351555402131493/583662165587481/?type=3&theater>. Acesso em: 05 dez. 2020, 16:10:00.
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, 2020dAGRUPACIÓN ATR. Comunicado Internacional: 1/7 vamos a un nuevo paro internacional de repartidores. Disponível em: <https://www.facebook.com/pg/agrupacionatr/posts/?ref=page_internal>. Acesso em: 05 dez. 2020, 16:13:00.
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, 2020fAGRUPACIÓN ATR. Declaración Internacional: 8 de octubre, 4to Paro Internacional de Repartidores. Disponível em: <https://www.facebook.com/agrupacionatr/photos/a.515518125735219/664609970826033/?type=3&theater>. Acesso em: 05 dez. 2020, 16:15:00.
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). Isso poderia soar trivial e ser justificado, simplesmente, pelo fato de que esses documentos são assinados, desde o ato de abril de 2020, por organizações provenientes de mais de um país. Segundo essa interpretação mais imediata, a autodenominação “internacional” se deveria, tão somente, à natureza de um movimento que vai além das fronteiras de uma determinada nação. Porém, como argumentado a seguir, é possível extrair um sentido político mais profundo dessa escolha.

A veiculação do caráter internacional (e mesmo mundial) das paralisações vem acompanhada, desde o primeiro instrumento de convocação, da compreensão de que os movimentos atrelam-se a demandas e interesses que dizem respeito aos trabalhadores de entrega de todo o mundo, isto é, independentemente de sua nacionalidade. No chamado para o movimento do dia 22 de abril de 2020, denominado de primeira paralisação internacional de entregadores, essa ideia já vem expressa desde o início: “A pandemia em curso evidenciou e, inclusive, aprofunda cada dia mais as condições de superexploração e precarização trabalhista dos trabalhadores de entrega em todo o mundo”. Assim como começa com esse tom, o documento com ele também termina: “Os trabalhadores de todo o mundo, sem importar a nacionalidade nem a plataforma em que trabalhamos, temos que nos unir em uma luta para derrotá-las.” Ainda, os trabalhadores apontam que “a unidade e organização dos entregadores de todos os aplicativos de todos os países é o único caminho para conquistar todos os nossos direitos” (AGRUPACIÓN ATR, 2020aAGRUPACIÓN ATR. 22 de abril Paro Internacional de Repartidores: Comunicado Internacional de Repartidores. Disponível em: <https://www.facebook.com/agrupacionatr/photos/a.351555408798159/564161744204190/?type=3&theater>. Acesso em: 05 dez. 2020, 16:05:00.
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, tradução livre do espanhol).

O documento de convocação para a paralisação de 29 de maio de 2020 anota que, apesar de o primeiro movimento ter sido histórico, as plataformas não cumpriram as reivindicações postuladas pelos trabalhadores. Conclui, igualmente, com a necessidade de articulação de todos os entregadores em escala mundial. Nas palavras veiculadas pelo comunicado: “[...] devemos avançar para uma nova paralisação internacional, a fim de golpear as organizações multinacionais com um só punho, com a unidade de todos os trabalhadores em nível mundial” (AGRUPACIÓN ATR, 2020cAGRUPACIÓN ATR. Comunicado Internacional de Repartidores. Disponível em: <https://www.facebook.com/agrupacionatr/photos/a.351555402131493/583662165587481/?type=3&theater>. Acesso em: 05 dez. 2020, 16:10:00.
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, tradução livre do espanhol).

No mesmo sentido, coloca-se o tom reivindicatório do comunicado para a terceira paralisação internacional, realizada em 1º de julho, ao reforçar que as condições de exploração atingem os entregadores de todas as partes do mundo: “[...] a situação global dos entregadores é de hiperexploração e de uma precarização extrema”. E assim conclui: “Viva a unidade dos trabalhadores de todo o mundo, que enfrenta não só a crise sanitária, mas, sim, a crise capitalista que os governos e empresas tentam colocar sobre as costas dos trabalhadores” (AGRUPACIÓN ATR, 2020dAGRUPACIÓN ATR. Comunicado Internacional: 1/7 vamos a un nuevo paro internacional de repartidores. Disponível em: <https://www.facebook.com/pg/agrupacionatr/posts/?ref=page_internal>. Acesso em: 05 dez. 2020, 16:13:00.
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, tradução livre do espanhol). Esse trecho final, frise-se, evidencia a consciência coletiva de que não se trata de uma crise unicamente sanitária inaugurada pela pandemia, mas, sim, de uma amplificação das desigualdades fundantes do conflito capital-trabalho.

O documento de convocação para a quarta paralisação (realizada em 8 de outubro de 2020), veiculado simultaneamente em espanhol e em português, também ressalta o caráter internacional da proposta de unidade dos trabalhadores. Note-se, inclusive, que esse último documento contou também com a adesão de organizações provenientes de países de variadas partes do mundo, como Alemanha, Japão, Itália, França e Estados Unidos, dentre outros. O instrumento de convocação se inicia com a seguinte postulação: “Novamente a unidade das e dos entregadores e trabalhadores de aplicativos em luta será vista nas ruas em mais de 12 países do mundo [...]”. Ainda: “as empresas são multinacionais, a exploração é global, por isso esta luta é internacional”. Ao final do documento, reforça-se: “Viva a luta internacional das e dos trabalhadores!” (AGRUPACIÓN ATR, 2020bAGRUPACIÓN ATR. Chamamento Internacional: 8 de outubro, 4to Breque Internacional de Entregadores. Disponível em: <https://www.facebook.com/agrupacionatr/photos/a.515518125735219/664609970826033/?type=3&theater>. Acesso em: 05 dez. 2020, 16:15:00.
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).

Por fim, o terceiro eixo a ser analisado diz respeito à forma de construção das reivindicações nesses documentos ao longo dos movimentos. O primeiro instrumento de convocação, divulgado no perfil da Agrupación ATR (2020a)AGRUPACIÓN ATR. 22 de abril Paro Internacional de Repartidores: Comunicado Internacional de Repartidores. Disponível em: <https://www.facebook.com/agrupacionatr/photos/a.351555408798159/564161744204190/?type=3&theater>. Acesso em: 05 dez. 2020, 16:05:00.
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três dias antes da paralisação do dia 22 de abril de 2020, inicia-se pela enunciação do aprofundamento da condição de superexploração a que estão submetidos os entregadores durante a pandemia, bem como da transferência de riscos aos trabalhadores. A propósito, o falecimento de Emma na Argentina, enquanto realizava uma entrega, é apontado no documento. As reivindicações são veiculadas como aquelas mais urgentes, passando pelo aumento de 100% na remuneração por pedido e pelo fornecimento de equipamentos de proteção e higiene. O movimento se fez sentir na Argentina, Chile, Guatemala, Espanha, Peru, Equador e Costa Rica.

Já no instrumento de convocação para o movimento do dia 29 de maio de 2020, que contou com nova adesão, desta vez de organizações mexicanas, é destacado que a resposta das plataformas à paralisação do dia 22 de abril foi de teor punitivo: bloqueio de contas dos entregadores grevistas. Aos pleitos anteriores, somaram-se, assim, as pautas dos desbloqueios e de seguros para acidentes (AGRUPACIÓN ATR, 2020cAGRUPACIÓN ATR. Comunicado Internacional de Repartidores. Disponível em: <https://www.facebook.com/agrupacionatr/photos/a.351555402131493/583662165587481/?type=3&theater>. Acesso em: 05 dez. 2020, 16:10:00.
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). Por sua vez, na lista final de reivindicações do documento de convocação para a paralisação do dia 1º de julho, que foi formalmente aderida por organizações brasileiras2 2 Após a adesão de novas organizações, dentre elas os Entregadores Antifascistas Brasil e o Treta no Trampo Brasil, foi atualizada a versão do documento de convocação. Essa nova versão pode ser encontrada em: NIUNREPARTIDORMENOSPERU, 2020. O rol de reivindicações, de toda forma, é o mesmo em ambas. , agregaram-se pautas de renda, como bônus emergencial por se tratar de atividade essencial, bem como de justiça para os trabalhadores que perderam a vida, possibilidade de rejeitar pedido sem ser penalizado, além de protocolos específicos para a situação de pandemia - como testagem, quarentena e compensação aos que tiveram contato com ambientes ou usuários infectados por Covid-19 (AGRUPACIÓN ATR, 2020dAGRUPACIÓN ATR. Comunicado Internacional: 1/7 vamos a un nuevo paro internacional de repartidores. Disponível em: <https://www.facebook.com/pg/agrupacionatr/posts/?ref=page_internal>. Acesso em: 05 dez. 2020, 16:13:00.
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).

Apesar de o documento relativo à greve de 1º de julho já conter, em seu corpo, argumentação relacionada à garantia de direitos trabalhistas mínimos (como descanso, férias e adicional de insalubridade), bem como indicativos de pautas referentes à regulamentação da profissão3 3 “Há uma necessidade comum de lutar por uma regularização de nossa tarefa e desmascarar a relação de ‘colaboradores’, somos trabalhadores e reivindicaremos nossos direitos” (AGRUPACIÓN ATR, 2020d, tradução livre do espanhol). (AGRUPACIÓN ATR, 2020dAGRUPACIÓN ATR. Comunicado Internacional: 1/7 vamos a un nuevo paro internacional de repartidores. Disponível em: <https://www.facebook.com/pg/agrupacionatr/posts/?ref=page_internal>. Acesso em: 05 dez. 2020, 16:13:00.
https://www.facebook.com/pg/agrupacionat...
), é no documento de convocação da paralisação de 8 de outubro que essas pautas são veiculadas mais diretamente. Além da menção à Lei AB5 da Califórnia, e da explicitação do repúdio a determinadas propostas de regulamentação em outras partes do mundo que não levam em conta os interesses e demandas dos entregadores, a pauta do vínculo é inserida no rol final de reivindicações de forma manifesta: “levantaremos as bandeiras da justa reivindicação de reconhecimento trabalhista. Não somos colaboradores, somos trabalhadores!”4 4 Na versão em espanhol, é possível encontrar similar teor: “justo reclamo del reconocimiento laboral” (AGRUPACIÓN ATR, 2020f). (AGRUPACIÓN ATR, 2020bAGRUPACIÓN ATR. Chamamento Internacional: 8 de outubro, 4to Breque Internacional de Entregadores. Disponível em: <https://www.facebook.com/agrupacionatr/photos/a.515518125735219/664609970826033/?type=3&theater>. Acesso em: 05 dez. 2020, 16:15:00.
https://www.facebook.com/agrupacionatr/p...
).5 5 Outra inovação é a menção ao direito a licenças por enfermidade, acidente e gravidez (AGRUPACIÓN ATR, 2020b). Apesar da menção genérica ao “reconhecimento trabalhista”, sem entrar no mérito estrito do vínculo “empregatício”6 6 Até porque não é possível traçar uma uniformidade na utilização destes termos entre os diversos idiomas e países. Para uma análise do tema, tanto em língua espanhola quanto em língua portuguesa, conferir, respectivamente, BILBAO, 2000 e FONTES, 2017. (isto é, da relação de emprego em si), consideramos que a inserção do tema na lista final de reivindicações denota que as pretensões dos movimentos se transformam, cada vez mais, em demandas de largo alcance - que se estenderiam, portanto, muito para além da pandemia.

Por fim, antes de passarmos ao tópico seguinte, é válido traçar algumas notas sobre um documento veiculado no dia 4 de agosto de 2020, na página da Agrupación ATR (2020e)AGRUPACIÓN ATR. Declaración Internacional de Repartidores. Disponível em: <https://www.facebook.com/agrupacionatr/photos/a.351555408798159/628828367737527/?type=3&theater>. Acesso em: 05 dez. 2020, 16:20:00.
https://www.facebook.com/agrupacionatr/p...
, que se intitula, em tradução livre para o português, “Declaração Internacional de Entregadores”. Além de reforçar a relevância dos movimentos, e de mencionar o repúdio às medidas de “flexibilização” e às reformas de austeridade trabalhistas e previdenciárias, o documento reitera que “a exploração é global e, por isso, a luta é internacional” (AGRUPACIÓN ATR, 2020eAGRUPACIÓN ATR. Declaración Internacional de Repartidores. Disponível em: <https://www.facebook.com/agrupacionatr/photos/a.351555408798159/628828367737527/?type=3&theater>. Acesso em: 05 dez. 2020, 16:20:00.
https://www.facebook.com/agrupacionatr/p...
, tradução livre do espanhol).

O que se observa, portanto, é que os instrumentos de convocação das primeiras manifestações tendiam a adotar um tom reivindicatório mais próximo de pautas consideradas imediatas, como o fornecimento de equipamentos de proteção individual e de acréscimo remuneratório. A resposta das plataformas, revertida em penalizações contra os trabalhadores grevistas, demandou que, logo na sequência do primeiro movimento, fosse necessário agregar demandas como desbloqueio de contas e maior autonomia na escolha das entregas. Com o passar dos meses e a internacionalização crescente dos movimentos, evidenciada na adesão de novas organizações de diversos países, as reivindicações foram, paulatinamente, incorporando pleitos de largo alcance, como a responsabilização trabalhista das plataformas digitais.

3. Narrativas, construção discursiva de sentidos histórico-sociais e uberização: reflexões teóricas

A partir dos elementos empíricos extraídos das fontes documentais citadas no subitem anterior, releva agora traçar possíveis mediações entre tais elementos e reflexões de cunho teórico-epistemológico. Essa tarefa propiciará as condições metodológicas necessárias a uma ponte entre, de um lado, a análise dos documentos de convocação (apresentados anteriormente); e de outro, a investigação sobre as formas de organização dos trabalhadores grevistas (tratadas no subitem seguinte).

Para tanto, centraremos a reflexão teórica em três aspectos, cotejando-a com as disputas narrativas observadas nos instrumentos convocatórios das paralisações dos entregadores: (i) o que essas disputas revelam sobre a construção discursiva dos sentidos sociais envolvidos nos movimentos?; (ii) em que medida a gramática jurídica é assumida como estratégia reivindicatória?; (iii) de que forma as menções à “hiperexploração” e à “precarização extrema” podem ser lidas em uma chave que as conecte com as particularidades histórico-sociais do trabalho no sul global?

Quanto ao primeiro aspecto, lançaremos mão, sobretudo, das contribuições teóricas de Edward Palmer Thompson e Walter Benjamin. O objetivo dessa análise é compreender os contornos das disputas narrativas enquanto formas de enunciação (ativa e dinâmica) de determinados sentidos sociais. De Thompson, recobraremos o papel da vivência na construção narrativa dos fenômenos histórico-sociais; de Benjamin, tomaremos a compreensão a respeito das relações entre narrativa e experiência.

Anota Thompson (1988THOMPSON, Edward Palmer. A formação da classe operária inglesa. 2ª ed. RJ: Paz e Terra, 1988., p. 343), ao analisar a formação da classe operária inglesa, que os historiadores ou sociólogos da história deveriam lançar o olhar para “os valores realmente partilhados pelos que viveram” determinado contexto. No mesmo sentido, observa que uma investigação sobre a qualidade de vida de certo grupo demanda que se determine a “experiência de vida como um todo” (Ibidem, p. 344). Isto é, requer que se leve em conta o horizonte sociocultural compartilhado pelas pessoas - que, longe de serem objetos alheios à sua realidade, vivenciam-na, conferem-lhe sentidos e refletem sobre ela.

Nessa linha, a ideia de analisar narrativas, e de fazê-lo a partir das enunciações reverberadas pelos próprios trabalhadores, auxilia-nos a lidar com o fato de que a história se perfaz - cotidiana, contraditória e dinamicamente - por seus atores sociais. Em sentido similar, Benjamin observa a existência de uma íntima conexão entre a experiência e a construção de narrativas. Diferentemente da mera informação, que se desmancha com o passar do tempo e que não demanda detidas e reflexivas apreensões, a narrativa “não se esgota jamais”: “ela conserva suas forças e depois de muito tempo ainda é capaz de desdobramentos” (BENJAMIN, 2012BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas. Vol. I: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução: Sérgio P. Rouanet. 7ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2012., p. 220). Enraizada, assim, na experiência, a narrativa não deve ser entendida como uma enunciação pura e simples de informações, mas como uma construção capaz de perenizar a memória coletiva.

É precisamente nesse sentido que, como observado no subitem anterior, os documentos de convocação das paralisações de entregadores tendem a mencionar não só a vivência e as condições de vida presentes, mas também a recobrar a memória de um passado que se renova e que não deve ser esquecido. Além de o pleito de justiça em nome dos entregadores vitimados no trabalho constituir tema recorrente nesses documentos, algumas das organizações signatárias se formaram, precisamente, a partir de tais acontecimentos (como será aprofundado no próximo tópico deste artigo).

Sem perder de vista esse aporte teórico, passemos ao segundo aspecto de análise supramencionado, isto é, à questão sobre em que medida a gramática jurídica do “reconhecimento de direitos” é manejada como estratégia reivindicatória na construção dessas narrativas - aparecendo também na descrição das organizações de trabalhadores. Vimos que a elaboração das pautas reivindicatórias, com o decorrer dos meses, inseriu-se em um movimento de tendência à incorporação de demandas de largo alcance. A gramática jurídica ganha maior relevo nos dois últimos instrumentos convocatórios analisados, com foco para a questão do reconhecimento do vínculo trabalhista entre os entregadores e as plataformas (muito embora perpassasse, desde o primeiro instrumento, pelas reivindicações de justiça pelos companheiros vitimados e de garantias mínimas de proteção sanitária).

Para conectar o debate à chave teórica proposta, é válido fazer alusão às contribuições de Thompson em Costumes em comum. No terceiro capítulo da obra, intitulado Costume, lei e direito comum, é apresentado um debate sobre os conflitos e disputas em torno da configuração dos sentidos do chamado direito comum no século XVIII (THOMPSON, 1998THOMPSON, Edward Palmer. Costumes em comum: Estudos sobre a cultura popular tradicional. Tradução: Rosaura Eichemberg. São Paulo: Companhia das Letras, 1998., pp. 86 e ss.). O que nos interessa aqui é menos a particularidade histórica envolvida no contexto analisado na obra, e mais o argumento analítico de que a relação entre costume, direito comum, resistências e poder político envolve um emaranhado de conflitos de classe (Ibidem, p. 95). Esse argumento nos auxilia a visualizar que a estratégia narrativa de incorporação da demanda por “direitos” vai muito além de uma percepção ingênua sobre o papel social das instituições e da normatividade jurídica.

Nossa posição passa, portanto, pela sustentação de que a inserção da gramática dos “direitos” nos instrumentos de convocação não os torna reduzidos a mero idealismo jurídico. Uma vez que esse recurso narrativo não é aposto de forma desconectada da materialidade das relações sociais, muito menos de forma alheia à compreensão da dinâmica do conflito capital-trabalho, reflete as complexas disputas de construção de sentidos reivindicatórios. O mesmo direito que lhes nega proteção social, portanto, é tido como um espaço aberto e contraditório, cujos sentidos podem ser vindicados.

A propósito, esse ponto nos leva ao terceiro aspecto de análise que nos propusemos a investigar neste subitem, relativo a menções como “hiperexploração” e “precarização extrema” nos instrumentos de convocação (especialmente, no documento referente ao movimento de 1º de julho de 2020). Como essas expressões se interligam com a compreensão das especificidades histórico-sociais das relações de trabalho no sul global? A narrativa construída nos documentos evidencia a percepção de uma ligação intrínseca entre, de um lado, a precarização estrutural do trabalho; e de outro, a expansão desigual da acumulação capitalista. Essa desigualdade lança os trabalhadores latino-americanos à condição de superexploração, enquanto mecanismo constitutivo da transferência de mais-valia para os países do chamado centro do capitalismo (cf. MARINI, 2000MARINI, Ruy Mauro Marini. Dialética da dependência. Petrópolis: Vozes, 2000.).

Essa formulação, tributária da teoria marxista da dependência, fornece-nos subsídios para compreender o contexto em que se insere a dinâmica das relações de trabalho na América Latina. Em referência a Marini, Neto (2014NETO, Rubens Bordinhão. Direito e Superexploração do Trabalho: Uma primeira aproximação ao problema do Direito da periferia do capitalismo. Revista Direito e Práxis, vol. 5, n. 9, 2014, pp. 226-250., p. 240) observa que, no contexto do capitalismo periférico, o capitalista busca compensar essa transferência de mais-valia a partir do rebaixamento da remuneração da força de trabalho (para aquém de seu valor real) e da maximização das formas de extração de valor. Em resumo, “a transgressão ao valor da força de trabalho manifesta-se, segundo Marini, no aumento da intensidade do trabalho, na prolongação da jornada de trabalho [...] e na expropriação de parte do trabalho necessário” (NETO, 2014NETO, Rubens Bordinhão. Direito e Superexploração do Trabalho: Uma primeira aproximação ao problema do Direito da periferia do capitalismo. Revista Direito e Práxis, vol. 5, n. 9, 2014, pp. 226-250., p. 241).

Muito embora não seja tarefa simples dimensionar como se opera, geograficamente, a extração e a realização de mais-valia no caso do trabalho de entrega por plataformas digitais, uma vez que essas plataformas costumam se constituir a partir de domínios multinacionais, fato é que configurações especialmente precárias do mercado de trabalho tendem a propulsionar a degradação das condições laborais nessa relação. Impelidos pelo desemprego, pela ausência de perspectiva de inserção estável no mercado formal de trabalho, bem como pelo aviltamento do patamar remuneratório, os trabalhadores se veem diante da imperiosidade de alienar sua força de trabalho sob as mais adversas condições.

Antes de avançarmos ao próximo item, que propõe uma análise das organizações signatárias dos documentos de convocação dos movimentos, é válido delinear, ainda, notas teóricas sobre a chamada uberização do trabalho.7 7 Sobre as implicações entre a uberização e os fundamentos da qualificação jurídica do contrato trabalhista, cf. PASQUIER, 2017. Para Antunes (2020ANTUNES, Ricardo. Trabalho digital, “indústria 4.0” e uberização do trabalho. In: CARELLI, Rodrigo de Lacerda; CAVALCANTI, Thiago Muniz; FONSECA, Vanessa Patriota da (orgs.). Futuro do trabalho: os efeitos da revolução digital na sociedade. Brasília: ESMPU, 2020. p. 347-356., p. 347), a uberização consiste em um processo pautado pela individualização e invisibilização das relações laborais, que as faz parecer uma simples “prestação de serviços”, supostamente desconectada do fenômeno do assalariamento e de mecanismos exploratórios. Note-se que isso em nada se descola do “processo de precarização estrutural do trabalho”, aprofundado “desde 2008, com a eclosão da nova fase da crise estrutural do capital” (ANTUNES, 2018ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo. 2018., p. 61). Não se trata, portanto, de novidade qualitativa ou fora da curva na marcha expansiva capitalista, mas, sim, da explicitação de suas contradições.

Nessa perspectiva, é importante mencionar que a uberização se situa em um contexto global de desregulamentação de direitos. Trata-se do alargamento de uma tendência neoliberal que propõe uma leitura reducionista da relação de emprego (e, consequentemente, da subordinação), enquanto um modelo de trabalho que seja “binário”, ou seja, que conte com figuras estanques de empregado e empregador (SUPIOT, 2000SUPIOT, Alain. Les nouveans visages de la subordination. In: Droit social, n. 2, p. 131-145, 2000., p. 144). Segundo essa perspectiva, as plataformas digitais se colocariam entre o trabalhador e o usuário como meras intermediadoras e facilitadoras de um trabalho supostamente autônomo. Nesse sentido, faz-se uso de uma “economia de compartilhamento”, na qual o “prestador de serviços se cadastra e se disponibiliza para realizar o labor e o tomador de serviços igualmente preenche um cadastro de usuário, analisa os prestadores disponíveis e efetua a contratação do serviço que melhor lhe aprouver” (MELO, 2017MELO, Geraldo Magela. A uberização do trabalho doméstico Limites e tensões. In: LEME, Ana Carolina Reis Paes et al. (coords.). Tecnologias disruptivas e a exploração do trabalho humano. São Paulo: Ltr, 2017, p. 220-226., p. 221). Essa forma de se organizar o trabalho utiliza, especialmente, um discurso de liberdade ilimitada, segundo o qual o trabalhador pode, por exemplo, prestar seus serviços quando quiser, para auferir uma renda extra.

Contudo, o que se vê, na realidade, são trabalhadores que vivenciam uma autêntica subordinação, por meio de algoritmos que jogam com sua emoção, em um verdadeiro processo de “gamificação” (HAN, 2018HAN, Byung-Chul. Psicolopolítica: o neoliberalismo e as novas técnicas de poder. Belo Horizonte: Âyiné, 2018., p. 69). Afinal, os trabalhadores almejam, por exemplo, alcançar uma melhor pontuação, para gozarem de privilégios na plataforma, bem como acabam ficando à disposição das plataformas pela maior quantidade de tempo que seja possível, a fim de obterem uma melhor remuneração.

Dessa forma, é válido ressaltar que, apesar de todos os elementos da subordinação juslaboral se fazerem presentes, o fetiche neoliberal de desregulamentar “tudo” cria a figura de um “burguês-de-si-próprio e proletário-de-si-mesmo” (ANTUNES, 2018ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo. 2018., p. 39), como uma forma de deixar o trabalhador à deriva de qualquer proteção trabalhista ou social, assumindo todos os riscos do que suspostamente seria o seu negócio. Nesse cenário, faz-se necessária a compreensão de como os trabalhadores de plataformas digitais de entrega na América Latina têm se organizado e lutado por melhorias nas condições de trabalho.

4. As organizações de trabalhadores signatárias dos documentos de convocação e a busca por uma articulação coletiva bem estruturada

O presente tópico busca analisar a natureza, formas de constituição e de estruturação das organizações de trabalhadores que assinaram os documentos de convocação para as greves internacionais dos dias 22 de abril, 29 de maio, 1º de julho e 8 de outubro de 2020. Em primeiro lugar, é importante destacar que todas as organizações signatárias fazem uso das redes sociais, com destaque para o facebook e o instagram, para chamar novos membros, bem como para convocar reuniões e paralisações. Já com relação à natureza delas, é válido mencionar que o principal entrave para que sejam constituídas como sindicatos se pauta na falta de reconhecimento de vínculo de emprego.8 8 No caso brasileiro, por exemplo, o artigo 8º, da Constituição Federal de 1988, dispõe que o sindicato representa categorias profissionais, possuindo, dentre outras atribuições: a organização das greves e a possibilidade de levar as reivindicações dos trabalhadores para os empregadores. Por sua vez, no contexto argentino, o “Artículo 14 bis” da “Constitución de La Nación Argentina” (1995, tradução livre do espanhol) traz os seguintes deveres sindicais: “celebrar convenções coletivas de trabalho; recorrer à conciliação e arbitragem; o direito de greve. Os representantes sindicais contarão com as garantias necessárias ao cumprimento de sua gestão sindical e aquelas relativas à estabilidade do emprego”.

Em um cenário social de aprofundamento do conflito capital-trabalho, a representação coletiva desses trabalhadores, tidos como supostos empreendedores, encontra-se prejudicada, diante da hegemonia neoliberal de fragmentação e dispersão da classe trabalhadora. É interessante, sobre esse aspecto, recordar os ensinamentos de Palomeque Lopez (2001LOPEZ, Manuel Carlos Palomeque. Direito do Trabalho e Ideologia. Coimbra: Almedina, 2011., p. 24), que pontua dois processos históricos fundamentais para o surgimento do Direito do Trabalho, quais sejam: (1) a própria organização dos trabalhadores enquanto classe; (2) as leis protetivas trabalhistas. Tais processos veem-se fragilizados, cada vez mais, pelo fenômeno precarizante da uberização9 9 A chamada “uberização” do trabalho se pauta na desregulamentação de direitos e na ausência de qualquer proteção social. Insere-se no bojo da “flexibilização” das relações trabalhistas, que se aprofundou no contexto de afloramento do regime de acumulação neoliberal, e que traz à tona uma possível “deslaboralização” e “desregulação de facto” (WELLER, 2012), visando à supressão e descaracterização da normativa trabalhista. , externalizado, sobretudo, nos trabalhos realizados por meio de plataformas digitais, como as de entrega - contexto que ensejou os movimentos internacionais grevistas destacados na presente pesquisa.

No entanto, mesmo com as investidas neoliberais, percebe-se um movimento de articulação política por parte de parcela expressiva dos entregadores de plataformas digitais, o que culminou na constituição dessas organizações, que, apesar de não serem consideradas formalmente como sindicatos, têm buscado organizar a reivindicação dos trabalhadores e fazer “pressão” frente às plataformas, por melhores condições de trabalho. Dessa forma, a presente pesquisa busca apresentar, de forma sucinta, como cada organização da América Latina, signatária de cada um dos documentos convocatórios, tem realizado suas reivindicações e buscado fortalecer os movimentos.

A respeito das reivindicações, como já observado, têm-se utilizado, majoritariamente, as redes sociais como meio de publicização do trabalho precarizado, bem como para realizar a convocação dos entregadores para movimentos grevistas. Nesse sentido, a Agrupación ATR, signatária dos documentos de convocação desde o primeiro movimento grevista internacional de 22 de abril de 2020, define-se como um grupo de entregadores que se organizou para lutar por seus direitos, e pontua: “Não somos heróis, somos trabalhadores precarizados” (AGRUPACIÓN ATR, 2020gAGRUPACIÓN ATR. Página Inicial do Facebook. Disponível em: < https://www.facebook.com/agrupacionatr> Acesso em: 14 dez. 2020, 12:34:00.
https://www.facebook.com/agrupacionatr...
, tradução livre do espanhol). O grupo iniciou as reivindicações nas redes sociais a favor dos entregadores em 2018, ocasião em que já se pedia pelo aumento da remuneração e seguro por roubo e acidentes, tendo convocado movimentos grevistas nacionais já em 2019 (Ibidem).

Como forma de fortalecer o movimento, após as greves internacionais, ocorreu a convocação para uma plenária, por meio das redes sociais, para o dia 26 de outubro de 2020, a fim de realizar um balanço do movimento grevista internacional de 8 outubro e para discutirem, junto com os entregadores, como seguirão na luta pelo aumento do valor recebido pelas entregas e pelo reconhecimento do vínculo de emprego (AGRUPACIÓN ATR, 2020hAGRUPACIÓN ATR. Plenario Nacional de ATR. Disponível em: < https://www.facebook.com/agrupacionatr/photos/a.351555408798159/692638164689880/> Acesso em: 14 dez. 2020, 12: 42:00.
https://www.facebook.com/agrupacionatr/p...
). Já as organizações Glovers Unidos Argentina, Glovers Unidos España e Glovers Costa Rica possuem apenas grupos no facebook para os entregadores, criados em 2018. A Glovers Unidos España descreve o grupo da seguinte forma: “grupo de entregadores Glovo, UberEats e Deliveroo na Espanha. Vamos lutar por condições dignas para todos os entregadores. Chega de abuso!” (GLOVERS UNIDOS ESPAÑA, 2020GLOVERS UNIDOS ESPAÑA. Grupo do Facebook. Disponível em: < https://www.facebook.com/groups/583529788932588/about> Acesso em: 14 dez. 2020, 12:56:00.
https://www.facebook.com/groups/58352978...
, tradução livre do espanhol). O Glovers Costa Rica se descreve como um grupo de informação para trabalhadores e trabalhadoras da empresa Glovo (GLOVERS COSTA RICA, 2020GLOVERS COSTA RICA. Grupo do Facebook. Disponível em: <https://www.facebook.com/groups/582388555526296/about> Acesso em: 11 jan. 2021, 17:54:00.
https://www.facebook.com/groups/58238855...
, tradução livre do espanhol).

A organização Glovers Ecuador, também presente como apoiadora no primeiro documento de convocação, iniciou a movimentação nas redes sociais com reivindicações a favor dos entregadores em 2019 e utiliza, como forma de chamar a atenção da sociedade para a causa, uma foto de capa em seu perfil que destaca a imprescindibilidade do serviço desses trabalhadores que, rapidamente, entregam qualquer produto de que as pessoas necessitem (GLOVERS ECUADOR, 2020GLOVERS ECUADOR, 2020. Foto de capa do Facebook. Disponível em: < https://www.facebook.com/102966661386991/photos/a.102973674719623/102973654719625> Acesso em: 14 dez. 2020, 13:12:00.
https://www.facebook.com/102966661386991...
). Por fim, a Glovers Elite de Guatemala iniciou a movimentação nas redes sociais em 2020 e também tem reivindicado melhores condições de trabalho para os entregadores (Glovers Elite de Guatemala, 2020GLOVERS ELITE DE GUATEMALA. Perfil do Instagram. Disponível em: < <https://www.instagram.com/gloverselitegt/?igshid=8833pzgqnca8&fbclid=IwAR0eSF56v6ZgxvDYmsNKi6f_UpFyrfGZUZqts4Y0bc_FNoOh5fcFV6Z2iuw> Acesso em: 11 jan. 2021, 17:56:00.
https://www.instagram.com/gloverselitegt...
).

O segundo documento de convocação, para a greve do dia 29 de maio, contou com uma nova signatária, a organização Ni un repartidor menos, do México, que possui o lema “En tu pedido, va mi vida”10 10 Em tradução livre do espanhol: “em seu pedido, vai minha vida”. . Trata-se de um coletivo que surgiu após a morte do entregador José Manuel Matías, que foi atropelado por um trailer em 27 de novembro de 2018, ao realizar a entrega de um pedido. O coletivo destaca, em seu sítio eletrônico, a falsa ilusão de liberdade que o trabalho em plataformas digitais fornece, com base, sobretudo, na suposta possibilidade de a pessoa poder organizar seu horário de trabalho conforme desejar, e tem como reivindicação principal a melhoria das condições laborais dos trabalhadores de plataformas digitais (NI UN REPARTIDOR MENOS, 2020aNI UN REPARTIDOR MENOS. En tu pedido, va mi vida. Disponível em: < https://nosotrxs.org/en-tu-pedido-va-mi-vida/> Acesso em: 11 dez. 2020.
https://nosotrxs.org/en-tu-pedido-va-mi-...
). O desejo de maior conscientização e organização coletiva é notório, na medida em que realiza convocações, em seu sítio eletrônico, para a formação de lideranças (por meio de um curso promovido em diferentes regiões do México) que sejam capazes de realizar a organização de grupos e contribuir para que as reivindicações que buscam direitos para os entregadores sejam ouvidas (NI UM REPARTIDOR MENOS, 2020b).

No terceiro documento de convocação, para o dia 1º de julho, entraram como novas apoiadoras as seguintes organizações: Entregadores Antifascistas, Treta no Trampo, Repartidores de Apps Unidos Argentina (RedApps), Riders Unidos Ya Chile, Repartidorxs Unidxs Costa Rica e Motociclistas Unidos México. A primeira teve início em 2020, após Paulo Lima (conhecido como Galo) ter sido bloqueado pela uber eats por não conseguir realizar uma entrega, apesar de ter avisado que o pneu da sua moto havia furado. Segundo Galo, seu principal objetivo com o grupo é “descontruir essa mentira que somos empreendedores. Os entregadores estão com fome. Trabalhamos entregando comida nas costas e com fome” (ENTREGADORES ANTIFASCISTAS, 2020ENTREGADORES ANTIFASCISTAS. Relato de Paulo Lima. Disponível em: < https://www.instagram.com/p/CE7yctlH-6a/?igshid=4khevqgm2qbp&fbclid=IwAR3OghKKFYDOOb1CTxgEBCLRNRtZZIJL-Wgoupj4__Xh6uIcTQejhhaRXY0> Acesso em: 14 dez. 2020, 13:35:00.
https://www.instagram.com/p/CE7yctlH-6a/...
). Sobre a necessidade de organização coletiva, o entregador Matheus Souza do Distrito Federal destacou que “a gente precisa mostrar que a gente tem poder enquanto categoria [...] quem tem poder é a gente, não eles. Eles só administram o algoritmo” (DO.TRABALHADOR, 2020DO.TRABALHADOR. Entregadores e as condições de trabalho na pandemia. 2020. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=Ijt439vuy5o&t=3250s> Acesso em: 14 dez. 2020. 13:42:00
https://www.youtube.com/watch?v=Ijt439vu...
, 58 minutos e 12 segundos). Nesse sentido, os Entregadores Antifascistas têm buscado fortalecer esse sentimento de coletividade, ao organizar movimentos grevistas nacionais, bem como ao apoiar e aderir aos internacionais.

A organização Treta no Trampo, também brasileira, não se destina, especificamente, à causa dos entregadores, mas, segundo os militantes do movimento, busca acompanhar os “movimentos reais de recomposição da classe trabalhadora”, com o objetivo de “registrar essas tretas, estimular que elas se desenvolvam e refletir sobre seus sentidos” (CINÉTICA, 2020CINÉTICA, Cinema e Crítica. “A diferença na forma é um termômetro da luta” - Entrevista com militantes do canal Treta no Trampo. Disponível em: < http://revistacinetica.com.br/nova/entrevista-com-treta-no-trampo/> Acesso em: 14 dez. 2020, 13:54:00.
http://revistacinetica.com.br/nova/entre...
), o que tem sido feito por meio das redes sociais, com destaque para o youtube, facebook e instagram.

Já os Repartidores de Apps Unidos Argentina (RedApps) começaram a operar nas redes sociais em 2020 e se definem como “um grupo de trabalhadores independentes em busca de melhores condições laborais e benefícios para todos” (REDAPPS UNIDOS ARGENTINA, 2020dREDAPPS UNIDOS, ARGENTINA. Perfil do Twitter. Disponível em: < https://twitter.com/redappsarg?s=11 > Acesso em: 14 dez. 2020, 15:14:00.
https://twitter.com/redappsarg?s=11...
, tradução livre do espanhol). Esse grupo convoca greves nacionais, participa de greves internacionais e convocou assembleias com os trabalhadores, que organizou em conjunto com a Agrupación ATR e o Glovers Unidos Argentina. São exemplos: (i) a convocação para a Assembleia no dia 26 de abril, a fim de organizar os próximos passos depois da greve internacional de 22 de abril e elaborar um plano de luta (REDAPPS UNIDOS, 2020aREDAPPS UNIDOS, ARGENTINA. Documento de convocação para a Primeira Assembleia de Entregadores de todos os aplicativos da Argentina. Disponível em: < https://www.facebook.com/redappsunidosargentina/photos/a.100612028230925/131936748431786/> Acesso em: 14 dez. 2020, 19:04:00.
https://www.facebook.com/redappsunidosar...
, tradução livre do espanhol); (2) a “Segunda Assembleia Nacional”, para o dia 18/05, que possuía o objetivo de continuar “organizando a luta em todo o país” (REDAPPS UNIDOS, 2020bREDAPPS UNIDOS, ARGENTINA. Documento de convocação para a Segunda Assembleia de Entregadores de todos os aplicativos da Argentina. Disponível em: < https://www.facebook.com/redappsunidosargentina/photos/a.100612028230925/138344454457682/> Acesso em: 14 dez. 2020, 19:06:00.
https://www.facebook.com/redappsunidosar...
, tradução livre); (3) a “Terceira Assembleia Nacional”, no dia 22 de junho, para organizar a greve internacional de 1º de julho (REDAPPS UNIDOS, 2020cREDAPPS UNIDOS, ARGENTINA. Documento de convocação para a Terceira Assembleia de Entregadores de todos os aplicativos da Argentina. Disponível em: <https://www.facebook.com/redappsunidosargentina/photos/a.100612028230925/150056219953172/> Acesso em: 14 dez. 2020, 19:06:00.
https://www.facebook.com/redappsunidosar...
, tradução livre). O Riders Unidos Ya Chile também começou a operar em 2020 e faz uso das redes sociais para externalizar a insatisfação crescente dos entregadores e apoiar movimentos grevistas (RIDERS UNIDOS YA CHILE, 2020RIDERS UNIDOS YA CHILE. Perfil do Twitter. Disponível em: < https://twitter.com/riderunidosyacl> Acesso em: 11 jan. 2021, 18:01:00.
https://twitter.com/riderunidosyacl...
).

A Repartidorxs Unidxs Costa Rica11 11 Em maio de 2021, a organização se intitulava, no seu perfil do facebook, como "Unión Nacional de Trabajadores de Plataformas" (UNIÓN NACIONAL DE TRABAJADORES DE PLATAFORMAS, 2020c), e, no grupo fechado do facebook, como “Organización de Repartidores Unidøs” (ORGANIZACIÓN DE REPARTIDORES UNIDØS, 2021). , que também iniciou suas atividades nas redes em 2020, define-se como uma “organização de entregadores de Rappi, Glovo e Uber Eats” na Costa Rica (UNIÓN NACIONAL DE TRABAJADORES DE PLATAFORMAS, 2020cUNIÓN NACIONAL DE TRABAJADORES DE PLATAFORMAS. Perfil do Facebook. Disponível em: <https://www.facebook.com/repartidoresunidxs/> Acesso em: 14 dez. 2020.
https://www.facebook.com/repartidoresuni...
, tradução livre do espanhol). Essa organização, buscando fortalecer a luta internacional coletiva, realizou a convocação para uma “Grande Assembleia Internacional de Trabalhadores de Aplicativos”, pontuando a necessidade de consolidar uma “ação mundial” após a greve internacional de 8 de outubro (UNIÓN NACIONAL DE TRABAJADORES DE PLATAFORMAS, 2020bUNIÓN NACIONAL DE TRABAJADORES DE PLATAFORMAS. Convocatoria para la Gran Asamblea Internacional de Trabajadores de Aplicaciones. Disponível em: < https://www.facebook.com/trabajadoresdeplataformas/photos/a.1708200082611079/3188503257914080/ > Acesso em: 12 mai. 2021.
https://www.facebook.com/trabajadoresdep...
, tradução livre do espanhol).

No mesmo sentido, realizou convocação para uma Plenária Internacional, organizada pela Agrupación ATR no dia 20 de julho, para continuar a luta após as três greves internacionais que já haviam ocorrido, tendo como pautas, dentre outras: (1) que a atividade realizada por eles fosse regulada; (2) o posicionamento contrário à precarização a que estão submetidos; (3) a busca por justiça para os entregadores que faleceram; (4) uma maior organização internacional (UNIÓN NACIONAL DE TRABAJADORES DE PLATAFORMAS, 2020aUNIÓN NACIONAL DE TRABAJADORES DE PLATAFORMAS. Convocatoria para la Gran Asamblea Internacional de Trabajadores de Aplicaciones. Disponível em: < https://www.facebook.com/trabajadoresdeplataformas/photos/a.1708200082611079/3188503257914080/ > Acesso em: 12 mai. 2021.
https://www.facebook.com/trabajadoresdep...
). Nessas duas assembleias, é perceptível a preocupação com uma organização não só em nível nacional, mas também internacional bem estruturada, de modo a unificar a luta ao redor do globo. Por fim, ainda com relação às novas signatárias da terceira greve internacional, a Motociclistas Unidos México é uma ONG que luta pelos direitos dos motociclistas mexicanos como um todo. Eles defendem, sobretudo, a existência de um piso salarial para motociclistas, bem como uma maior segurança no trânsito (cf. MOTOCICLISTAS UNIDOS ONG DE LA CIUDADE DE MEXICO, 2020MOTOCICLISTAS UNIDOS ONG DE LA CIUDADE DE MEXICO, 2020. Perfil do facebook. Disponível em: <https://www.facebook.com/mucmamONG2016/> Acesso em: 14 dez. 2020. 19:15:00.
https://www.facebook.com/mucmamONG2016/...
).

A quarta greve internacional, do dia 8 de outubro de 2020, contou com a adesão de organizações da Itália, Japão, França, Alemanha, Reino Unido e EUA. Também teve o apoio de mais uma organização do Brasil (Entregadores do Breque); da Argentina (Dar vuelta todo - precarizados e informales); da Colômbia (MNRPD - Movimiento Nacional de Repartidores de Plataformas Digitales) e do Equador (Observatorio de Pataformas). O Dar vuelta todo - precarizados e informales, constituído em 2020, define-se como um “coletivo nacional de trabalhadorxs precarizadxs e informais” (DAR VUELTA TODO, 2020DAR VUELTA TODO. Perfil do Instagram. Disponível em: < https://www.instagram.com/darvueltatodo.precarizadxs/?igshid=12nv5on9yruaq> Acesso em: 14 dez. 2020, 19:35:00.
https://www.instagram.com/darvueltatodo....
), assim, abraçando a causa não só dos entregadores, mas de todo e qualquer trabalhador informal que se encontre em condições precárias de trabalho.

O Movimiento Nacional de Repartidores de Plataformas Digitales possui um grupo no facebook, originado em agosto de 2020, que se define como um “grupo criado com a finalidade de ajudar os entregadores da Colômbia a lutarem por melhores condições de trabalho para todos e por um trabalho digno” (MOVIMIENTO NACIONAL DE REPARTIDORES DE PLATAFORMAS DIGITALES, 2020MOVIMIENTO NACIONAL DE REPARTIDORES DE PLATAFORMAS DIGITALES. Grupo do Facebook. Disponível em: < https://www.facebook.com/groups/2832830006944841/about> Acesso em: 14 dez. 2020, 19:39:00.
https://www.facebook.com/groups/28328300...
, tradução livre do espanhol). Por fim, o Observatorio de Plataformas, constituído em 2020, pontua ser um observatório que tem como objetivo, segundo eles, “repensar as formas de trabalho nas economias de plataforma. Acreditamos que é preciso gerar momentos de diálogo, crítica e luta, por condições dignas de trabalho” (OBSERVATORIO DE PLATAFORMAS, 2020bOBSERVATORIO DE PLATAFORMAS. Objetivo. 29 de junho de 2020. Disponível em: < https://www.instagram.com/p/CCBm4-2hmiN/?igshid=1ksoxlag6wjku> Acesso em: 14 dez. 2020. 20:04:00.
https://www.instagram.com/p/CCBm4-2hmiN/...
, tradução livre o espanhol). Nesse sentido, expõe no seu perfil do instagram a precarização a que estão sujeitos os entregadores e os motoristas de plataformas digitais. A respeito das condições de trabalho nas plataformas de entrega do Equador, por exemplo, apresentam a seguinte imagem ilustrativa12 12 Em tradução livre do espanhol: 69% dos entregadores trabalham 7 dias da semana e 31% entre 2 e 6 dias. Quanto às horas de trabalho por semana, a imagem destaca que 90% dos entregadores trabalham entre 1 e 80 horas e 10% entre 81 e mais de 120 horas. Já as entregadoras mulheres trabalham em média 29 horas semanais, o que se deve, segundo o observatório, a papeis de gênero, como o trabalho de cuidado e o fato de a entrega ser considerada uma atividade masculina. :

Figura 1
Condições de Trabalho nas plataformas de entrega do Equador

A partir das análises realizadas, pode-se observar que a maior parte das organizações se autodenomina um “grupo” ou um “coletivo”, o que mostra, justamente, a informalidade em suas constituições. Outra prova dessa informalidade é a maior parte da comunicação com os entregadores ser realizada por meio das redes sociais. Além disso, pode-se notar que a união coletiva é buscada a partir dos movimentos grevistas e da realização de plenárias ou assembleias, a fim de levantar as pautas da luta dos entregadores e melhor organizá-las e fortalecê-las no âmbito nacional, internacional e até regional - como observado no caso do Ni un repartidor menos, ao buscar lideranças para cada região do México.

Por fim, a respeito da constituição dessas organizações, podem-se dividir os dados verificados em três grupos: (i) algumas tiveram como impulso um fato de injustiça contra um entregador - como o atropelamento do entregador José Manuel Matías (Ni un Repartidor Menos) e o bloqueio de Paulo Lima (Entregadores Antifascistas) - para serem constituídas; (ii) outras surgiram tendo como base fatos mais gerais, como a própria precarização a que esses trabalhadores estão submetidos, como a Agrupación ATR; (iii) algumas organizações foram constituídas para englobar causas mais amplas que abarcam esses trabalhadores, como o Dar vuelta todo - precarizados e informales; (iv) outras surgiram devido ao crescimento da luta coletiva com a exacerbação da precarização durante a pandemia de Covid-19, como o Riders Unidos Ya Chile.

5. Conclusão

A proposta central do artigo consistiu, portanto, em analisar os movimentos internacionais de paralisação dos trabalhadores de entrega por plataformas digitais, com foco para o âmbito da América Latina e para o contexto da pandemia de Covid-19 em 2020. Nesse cenário, buscamos compreender os contornos sociais das paralisações dos dias 22 de abril, 29 de maio, 1º de julho e 8 de outubro de 2020. Porém, a forma de análise desses movimentos não se caracterizou por uma observação que se pretendesse objetiva ou estanque, mas, sim, pela escolha epistemológica de fazer partir a investigação da subjetividade dos trabalhadores, por meio das narrativas nos instrumentos de convocação e das formas de articulação das organizações que assinaram tais convocações.

Nesse sentido, o primeiro item do desenvolvimento se dedicou a uma investigação discursiva do conteúdo dos documentos oficiais de divulgação das quatro paralisações internacionais mencionadas. Tais fontes foram extraídas, em sua maioria, da página de facebook da Agrupación ATR, organização argentina signatária desses documentos desde a primeira paralisação internacional (de 22 de abril de 2020). Uma vez que esses movimentos são convocados e divulgados por meio das redes sociais, a escolha dessa forma de extração dos documentos se revelou a mais fidedigna possível. Note-se que, como advertido no momento oportuno, analisamos documentos em língua espanhola e em língua portuguesa, sempre que disponíveis.

A partir dessa investigação, bem como da compreensão de discurso enquanto um complexo enunciativo que não é estanque, percebemos a existência de significativas disputas narrativas na construção do arcabouço discursivo veiculado nos instrumentos de convocação. Procedemos a essa pesquisa a partir do delineamento de três vertentes básicas, por meio das quais pudemos verificar: (i) disputas em torno da nomenclatura do movimento (greve, paralisação e breque) e seus possíveis sentidos; (ii) a caracterização do movimento como internacional não só por agregar organizações de diversos países, mas também (e sobretudo) pela compreensão de que as demandas dos trabalhadores são comuns em todo o mundo, assim como o são os interesses das multinacionais que gerenciam as plataformas; (iii) uma tendência de, com o desenvolvimento das paralisações ao longo dos meses, agregar demandas não só imediatas e estritamente vinculadas à pandemia, mas de largo alcance.

No segundo tópico do desenvolvimento, dedicamo-nos ao aprofundamento de possíveis mediações teórico-epistemológicas. A partir, sobretudo, de Thompson, Benjamin, Marini e Antunes, a exposição teórica se debruçou sobre três aspectos de análise. De início, observamos uma íntima conexão entre as noções de narrativa e de experiência na (re)construção de um fenômeno histórico-social. Na sequência, sustentamos que a inserção da gramática de “direitos” não deve ser lida como idealismo jurídico, mas, sim, enquanto uma complexa disputa de sentidos reivindicatórios. Ainda, analisamos que as alusões à superexploração e ao recrudescimento da precarização estrutural, nos documentos de convocação, podem ser conectadas a uma chave de leitura das relações laborais na América Latina que as toma como fruto das desigualdades geográficas na expansão capitalista.

Por sua vez, no último tópico do artigo, analisamos as organizações da América Latina signatárias dos documentos de convocação para os quatro movimentos grevistas internacionais, focando na natureza, constituição e formas de organização. Foi observada, quanto à natureza, a informalidade dessas organizações, não enquadradas como sindicatos, definindo-se, em sua maioria, como um “grupo” ou um “coletivo”. Quanto à constituição, notou-se que: (i) algumas tiveram, como impulso definitivo para sua criação, a ocorrência de injustiças em casos específicos (como a Ni un Repartidor Menos e os Entregadores Antifascistas); (ii) outras surgiram em virtude, exclusivamente, de fatos gerais, como a própria precarização do trabalho (como a Agrupación ATR); (iii) algumas organizações foram criadas para englobar causas mais amplas (como a Dar vuelta todo - precarizados e informales); (iv) outras se constituíram devido ao robustecimento da luta coletiva no cenário de exacerbação da precarização na pandemia de Covid-19 (como o Riders Unidos Ya Chile). Por fim, quanto às formas de organização, pôde-se perceber que utilizam, principalmente, as redes sociais para realizar o contato com os entregadores, bem como para convocar greves e assembleias. Em última análise, o que pode ser verificado é a busca por uma organização coletiva bem estruturada, desde o âmbito regional até o âmbito internacional.

Dessa forma, foi possível também constatar, além das conclusões supramencionadas, que se encontra em marcha um movimento de internacionalização da organização coletiva dos trabalhadores de entrega por plataformas digitais, tendo em vista a adesão crescente de grupos e coletivos provenientes de distintas partes do mundo às paralisações. Essa articulação, frise-se, tende a se estender para além da pandemia, principalmente se tomarmos em conta que, ao longo das manifestações, pautas de viés duradouro passaram a ser inseridas no rol de reivindicações. Além disso, pudemos analisar o surgimento e o fortalecimento de novas formas de articulação organizativa dos entregadores, além do fato de que, ao invés de se constituírem como fenômenos sociais estáticos, os movimentos grevistas possuem caráter dinâmico e envolvem narrativas, discursos e construções de sentido plurais.

  • 1
    Cf., a título de exemplo, CORTE CONSTITUCIONAL DE COLOMBIA, 2008CORTE CONSTITUCIONAL DE COLOMBIA. Sentencia C-858/08. Disponível em: <https://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2008/C-858-08.htm>. Acesso em: 06 dez. 2020, 11:52:00.
    https://www.corteconstitucional.gov.co/r...
    : “La jurisprudencia constitucional ha sido clara al expresar que mientras que el derecho de huelga como derecho fundamental tutelado por la Constitución y la ley tiene una finalidad o propósito único definido en la misma ley, como es la solución de conflictos económicos o de interés y requiere una serie de pasos o trámites que deben ser agotados previamente, el denominado paro no está protegido ni por la Constitución ni por la ley, pues se trata de un acto de fuerza, una medida de hecho que no cumple ni con la finalidad prevista para la huelga, ni con los pasos previos establecidos por la ley para ésta. De otra parte, se encuentra proscrita conforme a lo señalado en el artículo 379 literal e) del Código Sustantivo del Trabajo, como actividad prohibida a los sindicatos.”
  • 2
    Após a adesão de novas organizações, dentre elas os Entregadores Antifascistas Brasil e o Treta no Trampo Brasil, foi atualizada a versão do documento de convocação. Essa nova versão pode ser encontrada em: NIUNREPARTIDORMENOSPERU, 2020NIUNREPARTIDORMENOSPERU. Comunicado Internacional: 1/7 vamos a un nuevo paro internacional de repartidores. Disponível em: <https://www.facebook.com/108545750783756/photos/pcb.155478239423840/155478156090515/?type=3&theater>. Acesso em: 06 dez. 2020, 15:05:00.
    https://www.facebook.com/108545750783756...
    . O rol de reivindicações, de toda forma, é o mesmo em ambas.
  • 3
    “Há uma necessidade comum de lutar por uma regularização de nossa tarefa e desmascarar a relação de ‘colaboradores’, somos trabalhadores e reivindicaremos nossos direitos” (AGRUPACIÓN ATR, 2020dAGRUPACIÓN ATR. Comunicado Internacional: 1/7 vamos a un nuevo paro internacional de repartidores. Disponível em: <https://www.facebook.com/pg/agrupacionatr/posts/?ref=page_internal>. Acesso em: 05 dez. 2020, 16:13:00.
    https://www.facebook.com/pg/agrupacionat...
    , tradução livre do espanhol).
  • 4
    Na versão em espanhol, é possível encontrar similar teor: “justo reclamo del reconocimiento laboral” (AGRUPACIÓN ATR, 2020fAGRUPACIÓN ATR. Declaración Internacional: 8 de octubre, 4to Paro Internacional de Repartidores. Disponível em: <https://www.facebook.com/agrupacionatr/photos/a.515518125735219/664609970826033/?type=3&theater>. Acesso em: 05 dez. 2020, 16:15:00.
    https://www.facebook.com/agrupacionatr/p...
    ).
  • 5
    Outra inovação é a menção ao direito a licenças por enfermidade, acidente e gravidez (AGRUPACIÓN ATR, 2020bAGRUPACIÓN ATR. Chamamento Internacional: 8 de outubro, 4to Breque Internacional de Entregadores. Disponível em: <https://www.facebook.com/agrupacionatr/photos/a.515518125735219/664609970826033/?type=3&theater>. Acesso em: 05 dez. 2020, 16:15:00.
    https://www.facebook.com/agrupacionatr/p...
    ).
  • 6
    Até porque não é possível traçar uma uniformidade na utilização destes termos entre os diversos idiomas e países. Para uma análise do tema, tanto em língua espanhola quanto em língua portuguesa, conferir, respectivamente, BILBAO, 2000BILBAO, Andrés. Trabajo, empleo y puestos de trabajo. In: Política y sociedad, 34, 2000, p. 69-81. e FONTES, 2017FONTES, Virgínia. Capitalismo em tempos de uberização: do emprego ao trabalho. In: Marx e o marxismo, v. 5, n. 8, 2017, p. 45-67..
  • 7
    Sobre as implicações entre a uberização e os fundamentos da qualificação jurídica do contrato trabalhista, cf. PASQUIER, 2017PASQUIER, Thomas. Sens et limites de la qualification de contrat de travail: de l’arrêt FORMACAD aux travailleurs “ubérisés”. Revue de Droit du Travail, Dalloz, Paris, 2017, pp. 95-109..
  • 8
    No caso brasileiro, por exemplo, o artigo 8º, da Constituição Federal de 1988, dispõe que o sindicato representa categorias profissionais, possuindo, dentre outras atribuições: a organização das greves e a possibilidade de levar as reivindicações dos trabalhadores para os empregadores. Por sua vez, no contexto argentino, o “Artículo 14 bis” da “Constitución de La Nación Argentina” (1995, tradução livre do espanhol) traz os seguintes deveres sindicais: “celebrar convenções coletivas de trabalho; recorrer à conciliação e arbitragem; o direito de greve. Os representantes sindicais contarão com as garantias necessárias ao cumprimento de sua gestão sindical e aquelas relativas à estabilidade do emprego”.
  • 9
    A chamada “uberização” do trabalho se pauta na desregulamentação de direitos e na ausência de qualquer proteção social. Insere-se no bojo da “flexibilização” das relações trabalhistas, que se aprofundou no contexto de afloramento do regime de acumulação neoliberal, e que traz à tona uma possível “deslaboralização” e “desregulação de facto” (WELLER, 2012WELLER, Jürgen. Panorama das condições de trabalho na América Latina. In: Nueva Sociedad, junho de 2012. Disponível em: <https://nuso.org/articulo/panorama-das-condicoes-de-trabalho-na-america-latina/> Acesso em: 08 abr. 2021.
    https://nuso.org/articulo/panorama-das-c...
    ), visando à supressão e descaracterização da normativa trabalhista.
  • 10
    Em tradução livre do espanhol: “em seu pedido, vai minha vida”.
  • 11
    Em maio de 2021, a organização se intitulava, no seu perfil do facebook, como "Unión Nacional de Trabajadores de Plataformas" (UNIÓN NACIONAL DE TRABAJADORES DE PLATAFORMAS, 2020cUNIÓN NACIONAL DE TRABAJADORES DE PLATAFORMAS. Perfil do Facebook. Disponível em: <https://www.facebook.com/repartidoresunidxs/> Acesso em: 14 dez. 2020.
    https://www.facebook.com/repartidoresuni...
    ), e, no grupo fechado do facebook, como “Organización de Repartidores Unidøs” (ORGANIZACIÓN DE REPARTIDORES UNIDØS, 2021ORGANIZACIÓN DE REPARTIDORES UNIDØS. Grupo do Facebook. Disponível em: <https://www.facebook.com/groups/3409841705763809´> Acesso em: 12 mai. 2021.
    https://www.facebook.com/groups/34098417...
    ).
  • 12
    Em tradução livre do espanhol: 69% dos entregadores trabalham 7 dias da semana e 31% entre 2 e 6 dias. Quanto às horas de trabalho por semana, a imagem destaca que 90% dos entregadores trabalham entre 1 e 80 horas e 10% entre 81 e mais de 120 horas. Já as entregadoras mulheres trabalham em média 29 horas semanais, o que se deve, segundo o observatório, a papeis de gênero, como o trabalho de cuidado e o fato de a entrega ser considerada uma atividade masculina.

Referências bibliográficas

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    12 Jan 2021
  • Aceito
    26 Jun 2021
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