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A proteção dos direitos à identidade da criança intersexo: um olhar para além do registro civil

The protection of the intersex child identity: a look beyond civil register

Resumo

Quando uma criança nasce intersexo, demanda análise diferenciada do padrão identitário classificatório sexo masculino-feminino. O presente artigo visa discutir a garantia ao registro civil da criança intersexo na perspectiva do direito à identidade. Metodologia de natureza qualitativa: revisão de literatura, revisão legislativa e entrevista semiestruturada. A tendência da produção científica não privilegia o direito à identidade da criança intersexo. Ainda não é possível identificar um caminho legislativo específico e mais eficaz.

Palavras-chave:
Direitos Humanos; Direito à Identidade; Intersexo

Abstract

When a child is born intersex, it demands a different analysis of the male-female classificatory identity pattern. This article aims to discuss the guarantee to the civil registry of the intersex child from the perspective of the right to identity. Qualitative methodology: literature review, legislative review and semi-structured interview. The trend of scientific production does not favor the right to the identity of the intersex child. It is not yet possible to identify a specific and more effective legislative path.

Keywords:
Human rights; Right to Identity; Intersex

Introdução

Historicamente, o Direito Civil foi vinculado à perspectiva patrimonial, desconsiderando as discussões existenciais das pessoas humanas. A preocupação com os direitos extrapatrimoniais se fortaleceu no movimento pós Segunda Guerra Mundial, alcançando a Constituição Federal de 1988 e culminando em um capítulo específico no Código Civil de 2002, intitulado direitos da personalidade. O capítulo integra os direitos ao nome, à imagem, à intimidade, à privacidade, além do direito ao próprio corpo. Dentre esses, que são aspectos da identidade, estão os direitos fundamentais.

Com base em uma perspectiva identitária hegemônica, muitos corpos são silenciados dadas as suas especificidades, haja vista as corporeidades Intersexo. Em meio a uma multiplicidade de configurações corporais, o nascimento de crianças com genitália ambígua, por exemplo, configura uma situação complexa que, dada a natureza interdisciplinar, demanda análise diferenciada do padrão identitário classificatório binário (sexo masculino-feminino). Nesse sentido, urge a necessidade de analisar essa situação à luz do direito à identidade.

No âmbito das ciências sociais aplicadas, o tema “criança intersexo” ainda não tem sido discutido amplamente. O interesse em tratar do tema emergiu de duas situações objetivas. Uma situação a partir do aprofundado levantamento de artigos da área. Constatou-se que os trabalhos publicados têm abordado a temática a partir de perspectivas diferentes das que privilegiam os direitos da personalidade da criança intersexo. A outra situação advém da própria Lei de Registros Públicos vigente no Brasil (BRASIL, 1973BRASIL. Lei nº 6.015, 31 de dezembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. [internet]. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6015compilada.htm>. Acesso em: 03 mar. 2022.
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), que ainda reflete o padrão identitário binário, desconsiderando as demandas dissidentes.

A partir dessa constatação, emergiu o seguinte problema de pesquisa: de que forma é garantido o registro civil da criança intersexo na perspectiva do direito à identidade? Dessa maneira, o presente artigo objetiva discutir a garantia do registro civil da criança intersexo na perspectiva do direito à identidade.

Para resolver esse problema de pesquisa, optou-se por um método de abordagem de natureza qualitativa, que possibilita uma análise mais profunda das relações, dos processos e dos fenômenos que não serão reduzidos à operacionalização de variável (MINAYO, 2006MINAYO, M. C. de S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 9. ed. São Paulo: Hucitec, 2006.). Foram selecionados procedimentos para robustecer uma construção científica da resposta à pergunta norteadora: revisão de literatura, revisão legislativa e entrevista semiestruturada.

A primeira fase constituiu-se de uma revisão de literatura, materializando-se no levantamento da produção científica sobre a temática relativa às pessoas intersexo e desdobramentos sociojurídicos. A investigação contou com a metodologia de buscas na plataforma CAPES, por meio da seleção de teses, dissertações e artigos sobre o referido tema.

Quanto à segunda fase, essa compreendeu o levantamento normativo, cuja seleção se fez por meio de bases legislativas, pela disposição dos seguintes descritores: criança, intersexo, Direitos Humanos e Direitos da Personalidade.

Por fim, foram realizadas entrevistas semiestruturadas1 1 O projeto de pesquisa foi avaliado e aprovado pelo Comitê de ética em Pesquisa do Hospital Universitário Professor Edgar Santos (CAAE n°: 10492919.0.0000.0049). com pessoas intersexo, maiores de 18 anos, cadastrados no Ambulatório de Genética do Hospital Universitário Professor Edgar Santos (HUPES), diagnosticadas com Hiperplasia Adrenal Congênita. Adotou-se para escolha dos entrevistados o uso da técnica de casos críticos (FLICK, 2009FLICK, U. Introdução à pesquisa qualitativa. Trad. Joice Elias Costa. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2009.). Dentre os casos indicados pelos profissionais do ambulatório de genética, foram definidos critérios a partir da identidade de gênero. O primeiro caso no qual a identidade de gênero se alinha ao sexo que foi designado ao nascimento, enquanto no segundo caso, a identidade de gênero não se alinha ao sexo designado ao nascimento.

1. Direitos humanos, direitos fundamentais e direitos da personalidade: além do âmbito médico.

A Constituição (CF) adotou, entre os seus fundamentos, a dignidade da pessoa humana. Construídos ao longo da história, os direitos da pessoa representaram, após a Segunda Grande Guerra Mundial, um ideário consubstanciado na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) (ONU, 1948ONU. Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948.). A preocupação em garantir a efetividade dos direitos humanos (DH) constituiu um desafio do século XX (BUERGENTHAL, 1995BUERGENTHAL, Thomas. International human rights. 2nd . West Publishing, Minnesota, 1995.; PIOVERSAN, 2005PIOVESAN, Flavia. Ações afirmativas da perspectiva dos direitos humanos. Cad. Pesqui., v. 35, n. 124, São Paulo, abr. 2005 .) e continua a exigir empenho para dar efetividade às disposições da Carta das Nações Unidas (ONU, 1948ONU. Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948.).

A DUDH garante a dignidade da pessoa humana como atributo inseparável aos membros da família humana (SICHES, 1959SICHES, L. R. Tratado General de Filosofia Del Derecho. Primera edicion. Editorial Porrua, S.A. Mexico, 1959.). O conceito de dignidade humana está relacionado à concretização do princípio da liberdade individual (CASTÁN, 2007CASTÁN, M. L. M. La dignidad humana, los Derechos Humanos y los derechos constitucionales. Revista Bioetica y Derecho. Nº 9- enero 2007. P 1-8.). Orienta Felippe (1996FELIPPE, M. S. Razão jurídica e dignidade humana. Max Limonad, São Paulo, 1996, p. 67) que a inserção do princípio fundamental da dignidade humana na CF “significa representá-la empiricamente. Agregando-se nas normas infraconstitucionais e nas próprias normas constitucionais, dados da experiência social”.

Na acepção de Kant (2003)KANT, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Martin Claret, São Paulo, 2003, o conceito de dignidade estaria estreitamente vinculado ao conceito de liberdade, pois a autonomia seria essencial para a dignidade da pessoa humana. Ao discutir o fundamento dos DH, Comparato (2013COMPARATO, F. K. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. 8ª ed., Saraiva. São Paulo, 2013., p. 64) destaca a relevância da compreensão filosófica da pessoa humana enquanto “supremo critério axiológico”. Na compreensão de que o “conceito de pessoa aparece como um norte a orientar toda a vida ética” o autor (COMPARATO, 2013COMPARATO, F. K. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. 8ª ed., Saraiva. São Paulo, 2013.) articula a dimensão de cada etapa histórica e a perspectiva de que os valores também refletem o seu tempo.

Sobre a clássica distinção que separa os DH e os direitos fundamentais dos direitos da personalidade, assevera Delgado (2006)DELGADO, M. L. Direito da Personalidade nas Relações de Família. In:Família e dignidade humana/V Congresso Brasileiro de Direito de Família; Rodrigo da Cunha Pereira. IOB Thomson, São Paulo, 2006. que essa classificação acarreta dificuldades para a proteção plena da pessoa humana. Considera-se inviável entender a complexidade e o alcance dos direitos da personalidade em função de sua restrição à concepção privada, sem que sejam vinculados aos direitos humanos e aos direitos fundamentais. Neste sentido, Oliveira e Muniz (1980OLIVEIRA, J. L. C.; MUNIZ, F. J. F. O Estado de Direito e os Direitos da Personalidade. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, nº19, ano 19. UFPR, Curitiba,1980., p. 228) recomendam “vincular a noção de direitos da personalidade à noção de direitos do homem” com o fito de conferir a real amplitude aos direitos da personalidade.

Para Pontes de Miranda (1955PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado. v. 7. Direito de Personalidade. Direito de Família. Borsoi, Rio de Janeiro,1955., p. 07), a partir da teoria dos direitos de personalidade, “começou, para o mundo, nova manhã do direito”. É uma afirmação que revela a importância desta classe de direitos para a revalorização do ser humano, em especial no campo do Direito Civil. Trata-se de direitos que visam garantir o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa humana, prevendo a proteção dos modos de ser da pessoa. Nesta vertente, num ramo de tradição tão patrimonialista, como costuma ser o Direito Civil, pode causar uma alteração de eixo axiológico, pondo o foco sobre a valorização da pessoa humana, deixando periféricas as relações puramente patrimoniais que sempre ocuparam a atenção dos civilistas.

Os direitos da personalidade (DsP) constituem categoria especial de direito, diferente dos direitos obrigacionais e dos direitos reais. Por meio dos direitos de personalidade se protegem a essência da pessoa e suas principais características. Os objetos destes direitos são os bens e valores considerados essenciais para o ser humano. São caracterizados por uma não exterioridade e constituem categorias do ser, não do ter (BORGES, 2007BORGES, R. C. B. Direitos de personalidade e autonomia privada. 2.ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2007(Col. Prof. Agostinho Alvim/coordenação Renan Lotufo).).

Os DsP tutelam os direitos subjetivos e visam a proteção “de valores essenciais da pessoa, no seu aspecto físico, moral e intelectual” (AMARAL, 2008AMARAL, F. Direito civil: introdução,7.ed. Renovar. Rio de Janeiro, 2008., p. 283), classificando-os como: direito à integridade física (direito à vida e direito ao próprio corpo), direito à integridade intelectual (direito autoral) e direito à integridade moral (direito à identidade pessoal, direito à honra, direito ao recato, direito à imagem e direito ao nome).

Os DsP constituem uma série aberta de direitos, com fundamento no artigo 5º, parágrafo 2º, da CF, que garante a proteção de qualquer situação que venha a expor a dignidade da pessoa humana (BORGES, 2007BORGES, R. C. B. Direitos de personalidade e autonomia privada. 2.ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2007(Col. Prof. Agostinho Alvim/coordenação Renan Lotufo).). Entende Borges (2007)BORGES, R. C. B. Direitos de personalidade e autonomia privada. 2.ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2007(Col. Prof. Agostinho Alvim/coordenação Renan Lotufo). que a impossibilidade de exaurir as possíveis violações aos DsP decorreria da evolução e constante mutação da sociedade que geram situações inéditas demandando a proteção do Estado.

2. Direito à identidade: para além do direito registral

A noção de direito à identidade pessoal, segundo Moraes (2000)MORAES, M. C. B. de. Sobre o Nome da Pessoa Humana. Revista da Emerj. v.3.Nº 12, 2000., transborda a tutela do direito ao nome e alcança as inúmeras situações decorrentes deste direito. Salienta a autora que na conceituação do direito à identidade é necessário abranger duas instâncias: a estática e a dinâmica. Nesta vertente, Moraes (2000MORAES, M. C. B. de. Sobre o Nome da Pessoa Humana. Revista da Emerj. v.3.Nº 12, 2000., p. 72) entende que “a identidade estática compreende o nome, a origem genética, a identificação física e a imagem; a identidade dinâmica se refere à verdade biográfica, ao estilo individual e social da pessoa, isto é, àquilo que a diferencia e singulariza.”

O direito à identidade corresponde, portanto, a uma singularidade diferenciadora que confere o perfil único do sujeito. Identidade é constituída, portanto, a partir de um conjunto de atributos.

Schreiber (2011Schreiber, A. Direitos da Personalidade. Atlas. São Paulo, 2011, p.205., p. 205) reforça que “o nome representa bem mais que o sinal de reconhecimento do seu titular pela sociedade: o nome estampa a própria identidade da pessoa humana”. Afirma que esta denominação própria representa um sistema complexo de situações que interferem integralmente na vida do ser humano.

Este autor destaca, ainda, a importância do nome como forma de reconhecimento da personalidade da pessoa humana, que contribui para a efetividade da sua dignidade. Neste ponto encontra-se o registro civil como necessário ao exercício da cidadania, conforme a Lei Nº. 9.534/97. Constitui o registro civil de nascimento um direito fundamental e uma obrigação legal dos pais, do Estado e da sociedade, conforme a CF e o ECA.

Num viés do direito registral, o direito ao nome é valorado por questões de ordem pública, prevalecendo características de direito público, como a imutabilidade e a obrigatoriedade, a fim de proteger terceiros e garantir segurança jurídica.

No contexto de constitucionalização, despatrimonialização e repersonalização do Direito Civil (FACHIN, 1999FACHIN, L. E. Teoria crítica do Direito Civil. 3. ed. Renovar. Rio de Janeiro, 2012; Perlingieri, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Renovar, Rio de Janeiro, 1999; Tepedino, Gustavo. Temas de direito civil. Renovar. Rio de Janeiro, 1999.; TEPEDINO, 1999), o tratamento jurídico do nome das pessoas exige uma releitura. Inserido na teoria dos direitos de personalidade, o direito ao nome deixa de ser um mero elemento do estado da pessoa natural para se tornar o principal elemento de identificação do indivíduo, revelando-se verdadeiro direito à identidade pessoal, necessário para a concretização da dignidade da pessoa humana (BORGES, 2007BORGES, R. C. B. Direitos de personalidade e autonomia privada. 2.ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2007(Col. Prof. Agostinho Alvim/coordenação Renan Lotufo).).

Leonardo Brandelli (2012BRANDELLI, L. Nome civil da pessoa natural. Saraiva, São Paulo, 2012, p. 62), com apoio em Rubens Limongi França, observa que o direito ao nome “tem duplo aspecto, privado e público”, configurando uma situação jurídica complexa, que “não contém em si apenas direitos”. Para o autor, do ponto de vista privado, é um direito de personalidade; do ponto de vista público, “tem-se a visão da coletividade [...] o interesse social em se distinguir seus membros a fim de imputar corretamente os ônus e bônus jurídicos, sociais e morais, permitindo assim a vida em sociedade”.

Logo, o tratamento jurídico do direito ao nome deve ter, como objetivo principal, a proteção da dignidade da pessoa no aspecto da sua identidade. Ao lado disso, mas em segundo plano, as regras jurídicas sobre o nome também servem para a estabilidade das relações jurídicas, para a garantia da segurança pública e administração da justiça.

Embora ainda vigorem as concepções mais tradicionais a respeito do direito ao nome, admite-se, cada vez mais, que a pessoa tem a faculdade de, em circunstâncias específicas, alterá-lo e até mesmo vir a negociar seu uso, inclusive em negócios jurídicos de conteúdo patrimonial, sobretudo devido à mudança de enfoque sobre sua ratio. Aí reside a possibilidade de exercício de certa autonomia jurídica sobre o direito ao nome, a fim de que ele possa ser verdadeiro elemento revelador da identidade da pessoa, considerada no seu contexto cultural (BORGES, 2007BORGES, R. C. B. Direitos de personalidade e autonomia privada. 2.ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2007(Col. Prof. Agostinho Alvim/coordenação Renan Lotufo).).

3. Da Criança Intersexo

A intersexualidade constitui-se em uma condição de nascença em que os órgãos sexuais e/ou reprodutivos não correspondem às corporeidades esperadas socialmente para o sexo masculino ou feminino (CANGUÇU-CAMPINHO, 2012CANGUÇU-CAMPINHO, A. K. A Construção Dialógica da Identidade em Pessoas Intersexuais: O X e o Y da questão. 2012. Tese (Doutorado em Saúde Pública). Instituto de Saúde Coletiva. Universidade Federal da Bahia, Salvador.). Dentre as possíveis expressões de intersexualidade, a mais comum é a denominada pela medicina de Hiperplasia Adrenal Congênita (HAC), que se apresenta na forma de ambiguidade genital, que é o foco deste trabalho.

No que diz respeito ao número de nascimentos entre a população dos indivíduos que apresentam caracteres tanto masculinos quanto femininos, temos a fração de 1 em cada 4.500 (DAMIANI, 2007DAMIANI, D.; GUERRA-JÚNIOR, G. As novas definições e classificações dos estados intersexuais: o que o Consenso de Chicago contribui para o estado da arte? Arq Bras Endocrinol Metab, São Paulo, v. 51, n. 6, Aug., 2007.; VILAR, 2009VILAR, L. Endocrinologia clínica. 4 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009.). Algumas literaturas apontam que esta incidência pode ser tão alta quanto 1:2.000 nascimentos (WILCHINS, 2002WILCHINS, R. A girl's right to choose: Intersexo children and parents challenge narrow standards of gender. National NOW Times, v. 34, n. 2, p. 5, 2002.). Segundo dados da ONU (2019), a ocorrência pode chegar a 1,7% da população mundial.

Em meio ao espectro de possibilidade de exposição de casos de intersexualidade, embora ocorram com maior constância casos de genitália ambígua ou indefinida, há situações em que os indivíduos “nascem com órgãos genitais identificáveis com um sexo, mas estes não são representativos daquilo que é considerado ideal - clitóris grandes e pênis pequenos são chamados de ‘femininos masculinizados’ ou ‘masculinos feminilizados’” (PINO, 2007PINO, N.P. A teoria queer e os intersex: experiências invisíveis de corpos des-feitos. Cadernos Pagu, Campinas, Unicamp, n. 28, 2007, p. 149-176. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cpa/n28/08.pdf> Acesso em: 18 jun. 2019
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, p. 154), respectivamente. Há ainda pessoas que “nascem com todas as características hormonais, genéticas e sexuais; por exemplo, uma mulher com cromossomos XX, com útero, ovários, mas sem vagina. Ou nos casos em que as pessoas nascem com mosaicos genéticos como XXY” (PINO, 2007PINO, N.P. A teoria queer e os intersex: experiências invisíveis de corpos des-feitos. Cadernos Pagu, Campinas, Unicamp, n. 28, 2007, p. 149-176. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cpa/n28/08.pdf> Acesso em: 18 jun. 2019
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, p. 154-155). Destarte, como já mencionado, a intersexualidade é passível de ser identificada no nascimento, na adolescência ou permanecer “desapercebida até o momento em que a pessoa viva a situação na qual se exige a verificação dos órgãos reprodutivos internos, como nos diagnósticos de infertilidade” (PINO, 2007PINO, N.P. A teoria queer e os intersex: experiências invisíveis de corpos des-feitos. Cadernos Pagu, Campinas, Unicamp, n. 28, 2007, p. 149-176. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cpa/n28/08.pdf> Acesso em: 18 jun. 2019
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, p. 154-155).

Sobre a classificação relativa à intersexualidade, atualmente, em termos biomédicos, há a divisão em quatro grandes grupos, a saber: 1. hermafrodismo verdadeiro; 2. disgenesia gonadal mista; 3. pseudo-hermafrodismo masculino; e 4. pseudo-hermafrodismo feminino (VILAR, 2009VILAR, L. Endocrinologia clínica. 4 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009.). Neste último grupo, a hiperplasia congênita adrenal é a causa mais comum da ambiguidade da genitália externa no nascimento (CASTRO, 2005CASTRO, M.; ELIAS, L.L. Causas raras de pseudo-hermafroditismo feminino: quando suspeitar?. Arq Bras Endocrinol Metab, São Paulo, v. 49, n. 1, Feb. 2005 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-27302005000100017&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 19 jun. 2019.
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) e, por isso, será o foco do nosso estudo.

A HAC, segundo a literatura médica, divide-se em duas formas: a clássica; e a não clássica ou de expressão tardia. A forma clássica divide-se em virilizante simples e perdedora de sal (BRASIL, 2015BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de atenção à saúde. Departamento de Atenção Especializada e Temática. Triagem neonatal: hiperplasia adrenal congênita. Brasília: Ministério da Saúde; 2015.a). A forma clássica de HAC é o tipo mais comum de ambiguidade genital, e a incidência mundial é de 1 a cada 15 mil nascidos vivos (PANG; CLARK; GIUGLIANI; et al, 1993PANG, S.; CLARK, A.; NETO, E.C.; GIUGLIANI, R.; DEAN, H.; WINTER, J.; et al. Congenital adrenal hyperplasia due to 21-hydroxylase deficiency: Newborn screening and its relationship to the diagnosis and treatment of the disorder. Screening, v.2, n.2-3, p.105-39, 1993.). No Brasil, a incidência varia de 1 a cada 7.500 nascimentos a 1 a cada 10 mil nascidos vivos, o que justifica a escolha desta variação como foco central deste trabalho (SILVEIRA; DOS SANTOS; BACHEGA; et al, 1993).

A literatura médica aponta (MERKE; BORNSTEIN, 2005MERKE, D.P.; BORNSTEIN, S.R. Congenital adrenal hyperplasia. Lancet (London, England). v.365, n. 9477, p.2125-36, 2005.) que, devido à deficiência de aldosterona e cortisol, dois terços dos pacientes com a forma clássica de HAC são perdedores de sal. Esses são os casos de maior mortalidade quando não detectado precocemente, pois, quando não tratadas, essas crianças desenvolvem desidratação grave com choque hipovolêmico.

Já a prevalência da HAC não clássica (AZEVEDO; MARTINS; LEMOS; RODRIGUES, 2014AZEVEDO, T.; MARTINS, T.; LEMOS, M.C.; RODRIGUES, F. Hiperplasia congênita da suprarrenal não clássica - aspetos relevantes para a prática clínica. Revista Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo.v. 9, p. 59-64, 2014.) varia de acordo com a raça e etnia, e é a causa mais comum do hiperandrogenismo. Essa forma, de modo habitual, manifesta-se tardiamente, fim da infância, adolescência ou até na fase adulta. Em geral, não ocorre ambiguidade genitália, com sintomas típicos como infertilidade, acne, aparecimento de pelos pubianos precocemente.

O tratamento médico pode vir a se prolongar, em algumas circunstâncias, ao longo do curso de vida, com a necessidade de realização de exames, da utilização de medicamentos e, em alguns casos, de cirurgias corretivas (GUERRA-JÚNIOR; MACIEL-GUERRA, 2007GUERRA-JÚNIOR, G; MACIEL-GUERRA, A.T. O pediatra frente a uma criança com ambiguidade genital. J. Pediatr. (Rio J.), Porto Alegre, v. 83, n. 5, nov. 2007.). Além disso, a pessoa intersexo ainda tem de enfrentar o preconceito social e cultural.

Para o Conselho Federal de Medicina (CFM), na Resolução 1664/2003, a família e a equipe interdisciplinar são os responsáveis pela “definição” da designação sexual, e a pessoa apenas participa do processo se tiver maturidade etária, entendendo a criança e o adolescente enquanto incapazes, desprivilegiando seu posicionamento sobre o seu próprio corpo (CFM, 2003CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução CFM Nº 1.664/2003. Publicada no D.O.U. 13 Maio 2003, Seção I, pg. 101. Define as normas técnicas necessárias para o tratamento de pacientes portadores de anomalias de diferenciação sexual. Disponível em: < http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2003/1664_2003.htm> Acesso em: 19 jul. 2019.
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).

A referida Resolução ainda indica que a questão da intersexualidade é caso de urgência médica e social, que exige atendimento interdisciplinar para a realização de exames, e que, por falta de estudos a longo prazo de como ficaram as crianças que não realizaram cirurgia, logo ao nascer, deve ser feito a cirurgia de designação sexual. Destaque-se, ainda, que o Consenso de Chicago de 2006 determina que crianças com HAC, 46, XX, devem ser designadas para o sexo feminino.

Em 2012, foi incluído pelo Ministério da Saúde o rastreio para HAC ao Programa Nacional de Triagem Neonatal (BRASIL, 2012BRASIL. Lei nº 12.662, 5 de junho de 2012. Assegura validade nacional à Declaração de Nascido Vivo - DNV, regula sua expedição, altera a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e dá outras providências. - Brasília: Ministério da Saúde, 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12662.htm> Acesso em: 20 out. 2019.
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), esta triagem foi habilitada em 2014. A Bahia foi um dos estados habilitados para essa triagem (BRASIL, 2014BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 62, de 28 de janeiro de 2014. Habilita o estado da Bahia na Fase IV de implantação do Programa Nacional de Triagem Neonatal [Internet]. 2014 jan. 28. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2014/prt0062_28_01_2014.html.> Acesso em: 02 dez. 2017.
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), alocada na Associação de Pais e Amigos Excepcionais (APAE), que também possui atendimento especializado de endocrinologia pediátrica, possibilitando o suporte especializado imediato (BRASIL, 2016BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de atenção à saúde. Departamento de Atenção Especializada e Temática. Triagem neonatal biológica: manual técnico. Brasília: Ministério da Saúde; 2016.).

4.Implicação jurídica imediata diante do nascimento da criança intersexo: do papel para a vida real

A visibilização da criança intersexo perpassa por entraves que abrangem do reconhecimento social até a sua materialização jurídica por meio do registro civil, posto que muitas são as implicações diante do seu nascimento. Entre a necessidade de garantia do direito à saúde para a realização de exames, o acompanhamento com equipe interdisciplinar, a utilização de medicamentos, a garantia do respeito à opinião diante de uma decisão que afetará a sua vida, até a impossibilidade de registro civil (se não for determinado o sexo biológico), é perceptível a dificuldade com que é tratada essa temática.

A Declaração de Nascido Vivo (DNV) é o primeiro documento oficial da criança, sendo utilizada como controle para a confecção da Certidão de Nascimento. Desde 2011, na DNV, no campo do “sexo”, foi incluída a opção de “sexo ignorado” para utilização no caso de pessoas com ambiguidade na genitália, como é possível extrair da passagem do Manual de Instruções para o preenchimento desse documento (BRASIL, 2011BRASIL. Manual de Instruções para o preenchimento da Declaração de Nascido Vivo. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Análise de Situação de Saúde. - Brasília: Ministério da Saúde, 2011.).

Ocorre que a Lei nº 12.662/2012 (BRASIL, 2012BRASIL. Lei nº 12.662, 5 de junho de 2012. Assegura validade nacional à Declaração de Nascido Vivo - DNV, regula sua expedição, altera a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e dá outras providências. - Brasília: Ministério da Saúde, 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12662.htm> Acesso em: 20 out. 2019.
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), que assegura a validade nacional à DNV e regula a sua expedição, reafirma no art. 4º2 2 Art. 4º A Declaração de Nascido Vivo deverá conter número de identificação nacionalmente unificado, a ser gerado exclusivamente pelo Ministério da Saúde, além dos seguintes dados :I - nome e prenome do indivíduo; II - dia, mês, ano, hora e Município de nascimento; III - sexo do indivíduo; a necessidade de conter na referida declaração a indicação do sexo do indivíduo. Ou seja, a Lei, apesar de ser posterior à nova DNV, não trata da possibilidade de indicar “sexo ignorado”, descartando a mudança efetivada no referido formulário.

Essa supressão se corporifica em uma falha legislativa justamente por não acompanhar as discussões trazidas pelo Ministério da Saúde, furtando-se da oportunidade de alteração dos requisitos exigidos na DNV e, por conseguinte, da certidão de nascimento. Apesar de entender a existência desse equívoco do legislador, é importante destacar que este trabalho não entende que a expressão “sexo ignorado” seja a mais adequada para a garantia da certidão de nascimento da criança intersexo.

Mesmo constando na DNV o campo “sexo ignorado” por falta de mudança legislativa, na prática, a garantia da Certidão de Nascimento ainda é obstaculizada pelos cartórios, que exigem a marcação de um dos sexos biológicos determinados socialmente. Para garantir a confecção desse documento sem indicação do sexo biológico, é necessária ação judicial, dessa forma, mostra-se perceptível que os órgãos se utilizam dos instrumentos jurídicos para perpetuar valores que não primam pela dignidade da pessoa humana e ainda estão arraigados a uma concepção de ordenamento binário.

Destaque-se que, na contramão da garantia do direito fundamental à certidão de nascimento, dentre as orientações diante do nascimento de uma criança intersexo, alguns autores entendem pela não liberação do registro enquanto não houver certeza quanto ao sexo de criação (GUERRA-JÚNIOR; MACIEL-GUERRA, 2019GUERRA-JÚNIOR, G.; MACIEL-GUERRA, A.T. Definição do sexo de criação. In: MACIEL- GUERA, G.; MACIEL-Guerra, A.T. Menino ou Menina? Os Distúrbios da diferenciação do sexo: volume II. 3 ed. Curitiba: Appris, 2019, p. 113- 119.). Enreda-se a importância emergente de se questionar a hierarquização de certezas, sobretudo pela perspectiva biológica, uma vez que a constituição do sujeito perpassa por elementos culturais, psicológicos, sociais, não suportando as restrições impostas pelo olhar biomédico.

No ambulatório de genética do Hospital Universitário Professor Edgar Santos - HUPES -, as ações judiciais para garantia da certidão de nascimento são viabilizadas, gratuitamente, pelo setor jurídico, em alguns casos, com parceria do Ministério Público Estadual. Essas petições são encaminhadas para a Vara da Infância e da Juventude para a garantia da proteção integral da criança e pela necessidade de regularização do registro civil da criança e do adolescente, conforme determina o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Segue trecho da sentença de um dos processos em parceria com o Ministério Público Estadual da Bahia:

O Estatuto menoril, em seu artigo 102, § 1º, contempla como medida específica de proteção, a regularização do registro civil da criança ou do adolescente. Na mesma esteira, a Lei de Registros Públicos estipula a obrigatoriedade de registro de todo nascimento ocorrido no Território Nacional (Lei nº 6015, art. 50)3 3 Justiça Estadual da Bahia. Regularização de Registro Civil, processo nº 0381901-45.2013.805.0001. .

Na Bahia, apesar de judicialmente ser possível a obtenção da certidão de nascimento sem indicação do sexo biológico, a sentença aponta a obrigação de indicá-lo em momento oportuno, visando cumprir os requisitos legais para a obtenção do registro civil, conforme, pode-se conferir no trecho da sentença abaixo:

Portanto, considerando a amplitude do direito pleiteado em Juízo - art. 4º do ECA, a natureza da prestação jurisdicional art. 5º XXXV da CF e objetivo finalístico proteção integral a criança, consubstanciado no superior interesse da criança - art. 5º do ECA, o pedido não encontra-se exaurido com a abertura voluntário do registro do nascimento, mas torna-se merecedor de atenção a definição jurídica do sexo, que nos documentos apresentados existe possibilidades do quanto pedido. [Grifo nosso].

Interessante destacar o entendimento de Leandro Cunha (2018CUNHA, L.R. Capítulo 10 - Direito à indenização decorrente da ofensa à dignidade da pessoa humana do intersexual - Leandro Reinaldo da Cunha. IN: DIAS, M.B.; Barretto, F.C.L. (Orgs.). Intersexo: aspectos jurídicos, internacionais, trabalhistas, registrais, médicos, psicológicos, sociais, culturais. São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2018.b) que defende “a afirmação de que a legislação determina que seja apenas inserido o sexo daquele que está sendo registrado, não impondo que seja realizado nos termos da ordem binária ordinária, não havendo, portanto, qualquer urgência dessa natureza”. Com essa interpretação, o autor garante uma possibilidade de registro civil, sem que haja necessidade de judicialização da questão, já que não haveria qualquer impeditivo legal para isso. Este estudo entende a complexidade de se incluir mais uma categoria, de modo que, é provável não abarcar a multiplicidade existente e potencial de acepções dentro dessa ordem; contudo, acolhe toda e qualquer interpretação que deixe de lado o requisito formal da determinação do sexo biológico para garantir a certidão de nascimento de toda pessoa.

Em sentido oposto a esse entendimento, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou o provimento 63/2017 (CNJ, 2017CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento nº 63/CNJ de 14 de novembro de 2017. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3380> Acesso em: jun. 2019.
https://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?do...
) que objetiva assegurar a unificação do modelo de certidão de nascimento, reforça a obrigatoriedade do registro no prazo de 15 dias e determina a necessidade de indicar o sexo biológico. Ou seja, naquele momento, o CNJ ainda não tinha incorporado as discussões sobre a garantida do direito à cidadania da pessoa intersexo.

A necessidade de um provimento que abranja a questão das crianças intersexo atende a uma demanda da sociedade civil: no dia 21 de agosto de 2019, como parte do Fórum Nacional da Infância e da Juventude, o CNJ inseriu colóquio a respeito do registro de nascimento de pessoas intersexo (CNJ, 2019CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Fórum da Infância e da Juventude discute condição das pessoas intersexo. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/89411-forum-da-infancia-e-da-juventude-discute-condicao-de-pessoas-intersexo> Acesso em: 21 ago. 2019.
https://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/8941...
), com a participação de ativistas, pesquisadores, médicos, representantes dos cartórios e juristas. Esse evento iniciou o debate de uma possível normativa que unifique a garantia do registro civil das pessoas intersexo.

Acompanhando as recentes discussões e apelos à garantia os direitos fundamentais, a Corregedoria Geral da Justiça do Rio Grande do Sul elaborou, em junho de 2019, o provimento 016/2019, que determina:

Art. 101-A - Nos casos de diagnóstico de Anomalias de Diferenciação Sexual - ADS em recém-nascidos, o Registrador deverá lançar no registro de nascimento o sexo como ignorado, conforme constatação médica lançada na Declaração de Nascido Vivo - DNV.

Apesar da utilização ao termo ADS4 4 Termo que não é adotado por este trabalho. - que traz um viés mais medicalizado - o provimento aludido visa garantir a possibilidade de registro dessa criança sem a necessidade de procedimento judicial, posição que dialoga com o posicionamento de Lima e Canguçu-Campinho (2014CANGUCU-CAMPINHO, A.K.; Lima, I. M. S. O. Dignidade da Criança em situação de intersexo: orientação para família, Salvador, UFBA/UCSAL, 2014., p. 18), que sugerem a possibilidade de o registro no campo do nome constar os nomes dos genitores. Conforme se pode observar no seu parágrafo único do artigo 101-A:

Parágrafo único - Fica facultado que, a critério da pessoa que declarar o nascimento, no campo destinado ao nome conste a expressão "RN de", seguida do nome de um ou de ambos os genitores.

O provimento ainda aponta a possibilidade de retificação futura diretamente no ofício do registro de nascimento, desde que acompanhado de laudo médico que ateste o sexo da criança. Contudo, não indica em quanto tempo isso deverá acontecer, assim como vincula a retificação a uma necessidade médica, descartando a discussão de identidade de gênero e atesta uma validação da lógica biomédica.

Art. 101-B - Assim que definido o sexo da criança, o registro deste e do nome poderão ser retificados diretamente perante o ofício do registro do nascimento, independentemente de autorização judicial.

§1º - O requerimento para retificação mencionada neste artigo deverá ser acompanhado de laudo médico atestando o sexo da criança, podendo ser formulado por qualquer de seus responsáveis.

Como não há qualquer indicação do tempo para a retificação, entende-se que a interpretação mais adequada é aquela que não indicará tempo máximo para essa retificação, podendo acontecer a qualquer tempo.

Sobre o tema, é possível destacar quatro Projetos de Lei que se pautam pela necessidade de garantir o direito fundamental à certidão de nascimento às crianças intersexo, são eles: a) Projeto de Lei n. 1475/2015 (MATO GROSSO, 2015MATO GROSSO. Assembleia Legislativa. Projeto de Lei nº 1475/2015. Deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT), "Inclui parágrafo, dispondo sobre o assento de nascimento de pessoas intersexuais, no art. 54 da Lei nº 6.015, de 31 de Dezembro de 1973. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=B71587D0ED1DA4640914DFB2BB60F119.proposicoesWebExterno2?codteor=1331687&filename=Tramitacao-PL+1475/2015> Acesso em: jun. 2019
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb...
), apresentado pelo Deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT), que: Inclui parágrafo, dispondo sobre o assento de nascimento de pessoas intersexo, no art. 54 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, determinando que registro civil será realizado sem a informação do sexo, e o interessado no primeiro ano após a maioridade civil poderá “suprir tal informação”5 5 “Art. 54 (...) § 4° Salvo manifestação contrária do declarante, o assento do nascimento não conterá o sexo do registrando que apresentar características intersexuais.” (NR) § 5° O interessado cujo assento do nascimento não contenha informação sobre o sexo, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, suprir tal omissão. .

Na justificativa para o referido Projeto ainda destaca que as condutas definidas pela medicina não garantem a definição do sexo do indivíduo e, por isso, é necessário permitir que esta definição seja resultado da determinação do indivíduo.

Este Projeto de Lei já aponta um prazo para a determinação do sexo, como não determina que esse sexo precisa se adequar ao sexo binário, pode ser interpretado como informação, inclusive, de uma possível “não-binaridade”. Entende este trabalho que o prazo de 1 ano após a maioridade é razoável. Em pesquisa, no dia 16 de setembro de 2019, no site da Câmara, esse projeto estava na mesa da Câmara de Deputados desde 16 de maio de 2016.

b) Projeto de Lei n. 5255/2016 (RIO DE JANEIRO, 2016aRIO DE JANEIRO. Assembleia Legislativa. Projeto de Lei n. 5255/2016, apresentado pela Deputada Laura Carneiro (PMDB-RJ), que também acrescenta § 4º ao art. 54 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1456906&filename=Tramitacao-PL+5255/2016> Acesso em: out. 2016.
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb...
), apresentado pela Deputada Laura Carneiro (PMDB-RJ), que também acrescenta § 4º ao art. 54 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, mas sugere que o recém-nascido intersexo seja registrado como sexo indefinido ou intersexo6 6 Art. 54[...] § 4º O sexo do recém-nascido será registrado como indefinido ou intersexo quando, mediante laudo elaborado por equipe multidisciplinar, for atestado que as características físicas, hormonais e genéticas não permitem, até o momento do registro, a definição do sexo do registrando como masculino ou feminino.” (NR) .

Este trabalho não concorda com o registro como “indefinido”, porquanto o adjetivo expressa uma sensação de necessidade de definição, retomando a imposição da binaridade que é vivenciada na sociedade brasileira hodierna. Na pesquisa realizada no dia 16 de setembro no site da Câmara, a última movimentação do projeto foi no dia 23 de maio de 2016, na Coordenação de Comissões Permanentes.

c) Projeto de Lei n. 5453/2016 (RIO DE JANEIRO, 2016bRIO DE JANEIRO. Assembleia Legislativa. Projeto de Lei n. 5453/2016, apresentado pela Deputada Laura Carneiro (PMDB-RJ), Dispõe sobre indicação do sexo em documento de identidade. Disponível em: < https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1463201&filename=Tramitacao-PL+5453/2016> Acesso em: out. 2016.
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb...
), apresentado pela Deputada Laura Carneiro (PMDB-RJ), "Dispõe sobre indicação do sexo em documento de identidade”, sugerindo também a inclusão da expressão “indefinido”7 7 Art. 1º Esta Lei inclui, nos documentos de identificação, a opção de indicação da expressão indeterminado na referência do sexo. Art. 2º A referência do sexo, em documentos de identificação, será feita com as opções masculino, feminino e indeterminado. .:

Esse projeto segue a mesma lógica do projeto 5255/2016, o qual retoma a reflexão da sugestão da categoria indeterminado, que reforça o estigma vivenciado em uma sociedade binária heteronormativa. Na pesquisa feita no site da Câmara, também dia 16 de setembro de 2019, o projeto encontra-se na mesa diretora da Câmara dos Deputados desde 28 de junho de 2016.

d) O projeto de Lei do Senado nº 134, de 2018, de autoria da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, conhecido como Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero (BRASIL, 2018BRASIL. Projeto de Lei do Senado nº 134, de 2018, autoria da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, conhecido como Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero. Disponível em: <https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7651096&ts=1567530304171&disposition=inline> Acesso em: out. 2019.
https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter...
), com última movimentação em 15/03/2019, encontra-se na Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (Secretaria de Apoio à Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor), e, no que tange às pessoas intersexo, determina que seja permitida a retificação do nome independente de cirurgia de designação sexual, e que essa retificação possa ser feita diretamente no cartório de Registro Civil8 8 Art. 39. É reconhecido aos transgêneros e intersexuais o direito à retificação do nome e da identidade sexual, independentemente de realização da cirurgia de readequação sexual, apresentação de perícias ou laudos médicos ou psicológicos. Art. 40. A alteração do nome e da identidade sexual pode ser requerida diretamente junto ao Cartório do Registro Civil, sem a necessidade de ação judicial ou a representação por advogado, garantida a gratuidade do procedimento. § 1º A alteração será averbada no Livro de Registro Civil de Pessoas Naturais. .

Esse Projeto de Lei inova pelo fato de não exigir apresentação de laudo médico ou psicológico para a retificação do nome, solapando a visão patologizante como nos demais projetos. Nesse sentido, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, na opinião consultiva 24/17 (Núcleo Interamericano de Direitos Humanos, 2018), afirma que a identidade de gênero não se prova, portanto, o trâmite deve estar baseado na mera expressão de vontade do solicitante.

Percebe-se que todos os supracitados projetos trazem a urgente necessidade de garantir a certidão de nascimento às pessoas intersexo, questionando os requisitos atualmente estabelecidos9 9 Entrevista da primeira autora ao Jornal “O Tempo”, em 2016, questiona a exigência da indicação do sexo no registro civil, que é resultado de uma sociedade binária. Disponível em: <https://www.otempo.com.br/interessa/legislacao-brasileira-impede-registro-de-bebes-intersexuais-1.1245846>> Acesso em: out. 2019. . A experiência do ambulatório do HUPES aponta para a dificuldade vivenciada pelas pessoas intersexo diante da demora do Judiciário em garantir esse direito mínimo fundamental. A retificação também simboliza a “garantia” na vida em sociedade, o que reforça a importância de ser mais célere e menos burocrática. Exemplifica-se com o caso do entrevistado A (a ser analisado na seção de entrevista), que ficou sem estudar porque o nome não representava o seu gênero e esperou quase 3 anos para a sentença10 10 Justiça Estadual da Bahia, Retificação de Registro Civil. Processo nº 0515009-73.2013.8.05.0001 que garantiu a retificação do registro civil.

O recente provimento n°122/2021 (CNJ, 2021) do Conselho Nacional de Justiça dispõe sobre o assento de nascimento do registro civil das pessoas intersexo, determina que o registro seja lavrado com o sexo” ignorado”, quando na DNV o campo de sexo tenha sido preenchido como “ignorado”, decisão que reforça um processo de estigma vivenciado pelas pessoas intersexo, colocando-as com o status de “ignorado”.

Apesar da mencionada crítica a ser feita ao Provimento, o mesmo avança ao indicar que a designação de sexo será feita de forma opcional, e poderá ser realizada a qualquer tempo, não exigindo autorização judicial, comprovação de realização de cirurgia, tratamento hormonal ou laudo médico ou psicológico, sendo a opção, se for o caso, averbada no registro de nascimento pelo Cartório.

Notadamente, “O mérito do provimento nº 122 consiste em ser a primeira norma em âmbito nacional a abordar a especificidade do registro do recém-nascido intersexo, tornando-o menos burócratico para as famílias de tais bebês” (ALMEIDA; SÁ; LIMA, 2021ALMEIDA, L. L. de; SÁ, S. M. P.; LIMA, I. M. S. O. O direito ao nome da criança intersexo. In: COSTA, Jessica Hind Ribeiro (org.). Minorias e vulnerabilidades: um estudo sobre desigualdades no Brasil [e-book]. 1.ed.Salvador-Ba: Editora Lexis, 2021. p.94., p. 94). Ressalte-se, ainda, que o CNJ em diálogo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, garante a necessidade do consentimento do optante quando maior de 12 (doze) anos.

Da análise das entrevistas a garantia do direito a um nome que expresse sua identidade de gênero emerge como fator preponderante para a vida em sociedade, um marco para que o entrevistado pudesse encontrar um novo caminho para a sua vida.

P1: O que você espera dessa cirurgia?

R: Ah, nascer outra pessoa, né... [...] Vai ser o segundo passo da minha vida.

P1: O primeiro foi qual?

R: O nome. Agora é o segundo. Cada expectativa é o que me livra de uma espera. (ENTREVISTADO A)

É importante lembrar que o nome é a primeira grande chancela do indivíduo na sociedade (BORGES, 2007BORGES, R. C. B. Direitos de personalidade e autonomia privada. 2.ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2007(Col. Prof. Agostinho Alvim/coordenação Renan Lotufo).). Como indica o entrevistado, o nome é o que está exposto, é o que aparece para as pessoas, o nome é o elemento identificador da essência, ainda que superficial, da pessoa.

P1: Você acha que essa sua característica física atrapalha ou interfere de alguma forma na sua vida?

R: Olha... Não. Agora, não. Mas quando eu tinha o outro nome, misericórdia... Nossa... Pessoal olhava assim pra mim e dizia “não, véi...” tipo, elas achavam até que eu era uma travesti (risos) Sai fora (risos). Está repreendido, né: tipo, nada contra, viu? Quem é... Mas... Tipo, meu nome interferia muito... Agora... De boa, sabe? Eu era, tipo, muito privado na época, sabe? Naquela época eu tinha um outro nome que eu não vou falar... Entendeu? (ENTREVISTADO A)

Interessante observar que apesar do entrevistado ressaltar a importância do nome para a consolidação do encontro com o seu “verdadeiro eu”:

Ah, sei lá, meu, quando você é uma coisa não tem como esconder, cara. Sabe? Vem lá de dentro. (ENTREVISTADO A)

A escolha do nome foi feita por sua mãe, momento em que ele destaca como essencial para cristalizar sua decisão:

Nossa, sobre a mudança de nome foi até uma coisa meio estranha assim, porque foi meio rápido, sabe? Do nada, assim. Eu fui morar no bairro... Eu moro aqui na Bahia agora né? E lá... Sei lá, é um bairro perigoso (risos) então minha mãe... Sei lá, eu comecei a vestir roupa de homem assim e do nada minha mãe falou assim: “você vai se chamar [...].” pra todo mundo aqui... Aí tudo bem, tipo... Tranquilo. Falei “Oh, legal”. Minha mãe já sabia já, sabe? Sabia de tudo... Aí já vesti a roupa e tudo certinho... Ai eu falei “mãe eu quero correr atrás do meu sonho” - falei pra ela. Ai minha mãe: “você tem certeza que quer isso?” eu falei que “sim, eu quero”. “Ah então fala com a médica aqui de Salvador e fala que você quer mudar de novo, corre trás desse objetivo seu”. Aí então passei pela [...], acho que foi três anos ou quatro anos, na psicóloga. Aí pra mudar, ai veio o processo do... do advogado, né? (ENTREVISTADO A)

O processo, já referido na seção 2, demorou mais de 3 anos. Na audiência, a juíza perguntou sobre a orientação sexual do entrevistado, quando a discussão era acerca de identidade de gênero. Enquanto advogada na audiência, a primeira autora quis intervir para impedir perguntas abusivas, mas o entrevistado respondia às perguntas com esperança, contando detalhes da sua orientação sexual. Parecia entender que seria necessário “convencer” a juíza a permitir que ele fosse quem ele é. Esta percepção foi confirmada quando o entrevistado disse que a audiência foi tranquila e sem qualquer constrangimento.

P1: E sobre o processo em si, como foi? Você foi para audiências, você conseguiu contar sua história, você se sentiu invadido, como foi?

R: Não, na verdade quem contou a minha história foi a advogada mesmo, né? Que estava me representando, a advogada. A juíza só me fez umas perguntinhas só, mas nem lembro... A juíza... Eu não lembro, mas quem me representou mais foi a advogada, eu nem respondi muito em termo dela, pra juíza... Não.

P1: Entendi. Você não se sentiu invadido de forma nenhuma?

R: Não, nem um pingo. (ENTREVISTADO A)

No Brasil, a discussão da indicação do sexo na certidão de nascimento ainda se defronta com duas grandes questões: a aposentadoria e o alistamento militar. Em um primeiro momento, é importante ressaltar que essas sugestões legislativas não trariam qualquer impedimento para tais temas já que a “definição” ou “retificação” ocorreria até os 18 anos de idade, momento em que ocorre o alistamento militar, e que se inicia a contribuição previdenciária.

Em um segundo plano, é importante questionar a necessidade da adequação binária e buscar garantir direitos fundamentais mínimos, sem que haja imposição de convenções sociais de gênero. Este trabalho reconhece que a sociedade brasileira ainda precisa direcionar-se para uma discussão social mais vanguardista a fim de conseguir a garantia de uma vida livre de definições obrigatórias.

Considerações Finais

A criança intersexo é considerada como um caso de urgência médica e social (BRASIL, 2003). O nascimento desta criança requer uma atenção imediata por parte da equipe de saúde. Conforme os princípios da prioridade absoluta e do melhor interesse da criança, a atenção e o apoio devem ser revestidos de maiores cuidados e primazia de atenção.

Através da revisão de literatura percebeu-se que a doutrina se posiciona favorável diante da importância da tutela do direito à identidade, e entende o direito ao nome como forma de reconhecimento da personalidade humana, que transborda à questão do nome, diante da complexidade que lhe cerca.

Neste ponto encontra-se a Lei nº 6.015/1973, Lei de Registros Públicos (BRASIL, 1973BRASIL. Lei nº 6.015, 31 de dezembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. [internet]. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6015compilada.htm>. Acesso em: 03 mar. 2022.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
), que dispõe, dentre outros temas, sobre o registro civil de nascimento, encontra-se ultrapassada, por não abranger as necessidades da sociedade, e que em muitos momentos, diante do seu rigor excessivo, torna-se um obstáculo para a concretização do direito à identidade da criança com intersexo. O recente provimento n°122/2021 do Conselho Nacional de Justiça representa um avanço e conquista ao garantir o registro civil da criança intersexo de imediato, considerando, ainda, que a designação do sexo é opcional e poderá ser feita a qualquer tempo, porém no momento que obriga a utilização do termo de sexo “ignorado” na Declaração de Nascido Vivo, ainda chancela uma lógica binária heteronormativa, reforçando o estigma vivenciado pelas pessoas intersexo. Este trabalho sugere que não seja necessário indicar no “campo sexo” nenhuma informação.

Entrevistaram-se duas pessoas intersexo que estão cadastradas no ambulatório de genética do HUPES, maiores de 18 anos, diagnosticadas com HAC, sendo que uma a identidade de gênero se alinha ao sexo que foi designado ao nascimento, e a outra que a identidade de gênero não se alinha ao sexo designado ao nascimento.

Foi possível identificar uma categoria essencial na análise da entrevista do “entrevistado A”, qual seja: o nome como direito. Nesse ponto, retoma-se a urgente necessidade de adequação legislativa para garantir a inclusão da diversidade humana, descartando a lógica binária, já que o direito ao nome é um direito fundamental mínimo.

O primeiro passo para a efetivação dos direitos da personalidade é a busca pela disseminação do conhecimento, fazendo com que as pessoas sejam não só possuidoras de direitos, mas conhecedoras dos seus direitos. Nesse entendimento, percebe-se a necessidade de maior demanda de pesquisas nas diversas áreas de conhecimento e sobretudo na área de ciências sociais aplicadas. A defesa dos direitos da personalidade da criança em situação de intersexo interessa ao debate dos Direitos Humanos e à proteção integral do segmento infanto-juvenil.

A questão da criança intersexo, no entanto, enseja outros delineamentos para além da originalidade do tema. O Poder Público, cujas políticas devem visar à proteção destas crianças, deve zelar pelo status moral da criança em situação de intersexo. Necessária não só a mobilização da sociedade civil e da comunidade acadêmica, responsável por estudos aprofundados que, muitas vezes, servem de base para políticas públicas: fundamental pensar a proteção dos direitos de personalidade da criança com intersexo muito além do corpo em si, mas na condição de titular de direitos.

  • 1
    O projeto de pesquisa foi avaliado e aprovado pelo Comitê de ética em Pesquisa do Hospital Universitário Professor Edgar Santos (CAAE n°: 10492919.0.0000.0049).
  • 2
    Art. 4º A Declaração de Nascido Vivo deverá conter número de identificação nacionalmente unificado, a ser gerado exclusivamente pelo Ministério da Saúde, além dos seguintes dados :I - nome e prenome do indivíduo; II - dia, mês, ano, hora e Município de nascimento; III - sexo do indivíduo;
  • 3
    Justiça Estadual da Bahia. Regularização de Registro Civil, processo nº 0381901-45.2013.805.0001.
  • 4
    Termo que não é adotado por este trabalho.
  • 5
    “Art. 54 (...) § 4° Salvo manifestação contrária do declarante, o assento do nascimento não conterá o sexo do registrando que apresentar características intersexuais.” (NR) § 5° O interessado cujo assento do nascimento não contenha informação sobre o sexo, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, suprir tal omissão.
  • 6
    Art. 54[...] § 4º O sexo do recém-nascido será registrado como indefinido ou intersexo quando, mediante laudo elaborado por equipe multidisciplinar, for atestado que as características físicas, hormonais e genéticas não permitem, até o momento do registro, a definição do sexo do registrando como masculino ou feminino.” (NR)
  • 7
    Art. 1º Esta Lei inclui, nos documentos de identificação, a opção de indicação da expressão indeterminado na referência do sexo. Art. 2º A referência do sexo, em documentos de identificação, será feita com as opções masculino, feminino e indeterminado.
  • 8
    Art. 39. É reconhecido aos transgêneros e intersexuais o direito à retificação do nome e da identidade sexual, independentemente de realização da cirurgia de readequação sexual, apresentação de perícias ou laudos médicos ou psicológicos. Art. 40. A alteração do nome e da identidade sexual pode ser requerida diretamente junto ao Cartório do Registro Civil, sem a necessidade de ação judicial ou a representação por advogado, garantida a gratuidade do procedimento. § 1º A alteração será averbada no Livro de Registro Civil de Pessoas Naturais.
  • 9
    Entrevista da primeira autora ao Jornal “O Tempo”, em 2016, questiona a exigência da indicação do sexo no registro civil, que é resultado de uma sociedade binária. Disponível em: <https://www.otempo.com.br/interessa/legislacao-brasileira-impede-registro-de-bebes-intersexuais-1.1245846>> Acesso em: out. 2019.
  • 10
    Justiça Estadual da Bahia, Retificação de Registro Civil. Processo nº 0515009-73.2013.8.05.0001

Referências bibliográficas

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    30 Jan 2022
  • Aceito
    29 Abr 2022
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