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A estratégia do neoconservadorismo revelada em suas intervenções como amici curiae no STF: da autoridade moral religiosa à luta contra a “doutrinação” LGBTQIA+

Neoconservatism’s strategy revealed through its interventions as amici curiae in the Brazilian Supreme Court: from religious moral authority to the fight against LGBTQIA+ “indoctrination”

Resumo

O presente artigo sugere uma investigação da estratégia neoconservadora que ameaça direitos LGBTQIA+ já conquistados ou que se pretende conquistar. Para tanto, além de investigações comparativas acerca dos conceitos chave deste novo conservadorismo emergente, cujo marco são as descrições propostas por Melinda Cooper e Marina Lacerda, pretende-se uma análise empírica de intervenções selecionadas desses grupos como amici curiae em ações do STF, partindo do método universalista descrito por Mark Tushnet e Ran Hirschl. Tal inquirição é capaz de revelar as estratégias específicas da luta contra o pluralismo e contra a liberdade das pessoas LGBTQIA+, que posicionam a diferença como inimiga e que vocalizam a autoridade moral como caminho para a erradicação do “mal”. Ao fim, a proposta ora avançada se revela uma importante ferramenta para compreensão dos desafios hoje evidentes, buscando que tal consciência revigore a luta pela construção de uma democracia verdadeiramente plural.

Palavras-chave:
Neoconservadorismo; Autoridade Moral; Religião; Direitos LGBTQIA+

Abstract

The present article suggests investigating the neoconservative strategy which threatens LGBTQIA+ already conquered or intended to. For the endeavor, beyond the comparative investigation of the new conservatism’s key concepts, based on Melinda Cooper’s and Marina Lacerda’s descriptions, it undertakes an empiric analysis of selected interventions from these groups as amici curiae before the Brazilian Supreme Court, with the outset of the universalist method described by Mark Tushnet and Ran Hirschl. Through the inquiry, it is possible to bring to the fore the specific strategies used to fight against pluralism and individual freedom of LGBTQIA+ people, which position difference as an enemy and vocalize moral authority as a way to eradicate “evil”. In the end, the proposal here fostered reveals itself as an important tool for the comprehension of current challenges, aiming that such conscience can reinvigorate the fight for the construction of a truly pluralistic democracy.

Keywords:
Neoconservatism; Moral Authority; Religion; LGBTQIA+ Rights

1. Introdução

O século XXI tem demonstrado a possibilidade de articulação de movimentos progressistas, com destaque para a comunidade LGBTQIA+, na luta pela concretização de direitos fundamentais e humanos. Até por isso, em um cenário político pulverizado, como o brasileiro, é natural que o Judiciário, e em especial o Supremo Tribunal Federal, acabe se confrontando com questões inerentes à maximização de direitos e liberdades individuais. A população LGBTQIA+, que existe e vive dentro do corpo social, passou a compreender a judicialização como um caminho necessário para a reafirmação de sua legitimidade, tendo desaguado em importantes conquistas, como o reconhecimento da união estável homossexual, a criminalização da homotransfobia, a garantia de alteração do nome e sexo por pessoas transexuais em seus documentos oficiais, dentre outros temas que já foram ou serão apreciados pelo STF.

O objeto do presente dossiê propõe a indagação acerca dos “novos rumos para o direito das pessoas LGBTI+”. Assim, em face das significativas conquistas alcançadas recentemente, propõe-se questionar: quais os caminhos para a continuidade da luta que se iniciou? Como avançar e garantir aquilo que já parece consolidado? Seriam as conquistas judiciais recentes suficientes para afirmação de que a causa se esvaziou? Há ainda campo de embate para o movimento? As respostas parecem simples, pois até o mais desatento observador se deparou com alguma notícia recente de supressão de direitos, inclusive por atores governamentais, que colocam em voga a pauta LGBTQIA+.

Se as últimas décadas pareceram promissoras para a efetivação de uma democracia plural, é preciso reconhecer que também há espaço para um contramovimento conservador que busca ressignificá-la. As mesmas decisões judiciais, celebradas no ambiente progressista, permitem uma tomada de consciência pela comunidade política, que se vê compelida a agir em matérias das quais outrora se esquivava e que são compreendidas como destoantes do perfil moral da sua base eleitoral majoritária (KLARMAN, 2013KLARMAN, Michael J. From the closet to the altar: courts, backlash, and the struggle for same-sex marriage. Oxford: Oxford University Press, 2013., p. 166). É nesse contexto que se concebe o fenômeno do backlash, como uma resposta política orquestrada, contrária ao avanço de movimentos progressistas.

O presente artigo parte, portanto, de um pressuposto fático: o de que há um movimento neoconservador no Brasil, cuja articulação política se intensificou nos últimos anos. Sob o prisma teórico, a delimitação do neoconservadorismo servirá para evidenciar como a moralidade religiosa majoritária impulsiona ações de mobilização contra direitos atrelados àquelas identidades minoritárias que lhe parecem opostas. Já sob o prisma empírico, o presente trabalho propõe uma investigação específica acerca da estratégia de litigância empregada por tais atores, com substrato em intervenções de grupos ligados a esse novo conservadorismo no STF, especialmente em questões afetas à comunidade LGBTQIA+.

Metodologicamente, é preciso reconhecer que a análise comparativa será indispensável, a fim de que se confrontem diferentes perspectivas teóricas acerca do fenômeno neoconservador e suas estratégias operacionais. A comparação, nesse contexto, assume a forma de um universalismo com referência a recursos contextuais, na esteira da proposta cogitada por Mark Tushnet (2010TUSHNET, Mark. Some Reflections on Method in Comparative Constitutional Law. In: CHOUDHRY, Sujit (org.). The migration of constitutional ideas. Cambridge: Cambridge University Press, 2010. p. 67-83., p. 83), já que permite o estudo dos elementos reitores que se replicam em diferentes cenários. Ademais, através da referência às práticas constitucionais e aos conceitos adotados em outros ordenamentos, é possível destacar o desenvolvimento de valores e estruturas que enriquecem a análise constitucional local, facilitando aquilo que Ran Hirschl (2007HIRSCHL, Ran. On the blurred methodological matrix of comparative constitutional law. In: CHOUDHRY, Sujit (org.). The Migration of Constitutional Ideas. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. p. 39-66., p. 42) denomina de edificação conceitual a partir do confronto entre múltiplas descrições.

Por outro lado, é igualmente indispensável a delimitação dos critérios para a investigação empírica proposta. O primeiro recorte adotado consistiu na seleção de intervenções realizadas por entidades defensoras do pensamento neoconservador no âmbito do STF, na condição de amici curiae, a fim de confrontar as estratégias teorizadas com aquelas efetivamente identificadas na prática dos litígios constitucionais. Ademais, empregou-se um filtro de cruzamento para restringir o escopo de investigação apenas àqueles casos que dialogam com temas afetos ao movimento LGBTQIA+ e que tiveram efetiva intervenção por parte de grupos neoconservadores1 1 Para a seleção dos documentos a serem investigados, imputou-se como neoconservadoras todas as entidades e grupos, inclusive frentes parlamentares, que defenderam expressamente o conservadorismo moral ou religioso em sua fundamentação. .

Tais critérios culminaram na seleção de cinco casos paradigmáticos: a ADI nº 5.668 (bullying homofóbico), que recebeu manifestações do Instituto de Defesa da Vida e da Família, da Associação Nacional de Juristas Evangélicos, da Frente Parlamentar Mista pela Juventude, do Instituto Federalista, da Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família e da Associação Pró-Evangélicos do Brasil e Exterior; a ADO nº 26 (criminalização da homotransfobia), que recebeu manifestações da Associação Eduardo Banks, da Associação Nacional de Juristas Evangélicos, da Frente Parlamentar Mista da Família e Apoio à Vida e da Convenção Brasileira das Igrejas Evangélicas Irmãos Menonitas; a ADI nº 4.277 (união homoafetiva), que recebeu manifestações da Associação Eduardo Banks e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil; bem como a ADI nº 5.537 e ADPF nº 522 (escola sem partido), que receberam, em ambos os casos, manifestações da Associação Escola Sem Partido e da Associação Nacional de Juristas Evangélicos.

A simples apresentação dos casos escolhidos e das intervenções destacadas demonstra a urgência que o tema recobra no atual cenário político. Conforme se observa, a ADI nº 5.668 e a ADO nº 26, cujas movimentações são mais recentes, receberam número significativamente maior de intervenções, inclusive de novas entidades, revelando que há um florescimento da articulação neoconservadora no Brasil. O que ora se propõe é o reconhecimento da ameaça imposta pelo novo conservadorismo ao avanço de pautas importantes para a comunidade LGBTQIA+, inclusive ameaçando conquistas que se pensava já estarem consolidadas. Não se trata da simples imposição de um pessimismo, mas de uma tarefa importante de mapeamento das estratégias neoconservadoras que, se bem compreendidas, permitirão o fortalecimento de novas táticas na luta por uma democracia verdadeiramente plural.

Dessa forma, o presente artigo percorrerá o caminho descrito com a divisão em duas seções. A primeira composta por duas dimensões principais: (i) uma destinada à apresentação do novo conservadorismo cuja emergência se observa, com destaque para a construção teórica fortemente moralista e religiosa do poder político; e (ii) outra focada na rejeição tão enfatizada aos conceitos de gênero e orientação sexual. Já a segunda se desdobrará em dois distintos momentos: (i) um centrado na investigação das estratégias empregadas na organização das forças neoconservadoras; e (ii) outro ancorado na identificação dos discursos empregados para sustentação de suas posições morais.

2. Neoconservadorismo e direitos LGBTQIA+ em rota de colisão

Conforme já se enfatizou, o florescimento de forças neoconservadoras no corpo social, especialmente na arena política, coloca em risco a consolidação de direitos LGBTQIA+ que foram conquistados, com muito esforço, dentro de um ordenamento jurídico que nunca lhes foi plenamente favorável. Cumpre inquirir, portanto, quais são os elementos centrais que caracterizam essa nova aliança conservadora. Isso terá lugar na primeira etapa desta seção, com particular destaque para a perspectiva moralizante religiosa, que busca trazer um ideal de família tradicional para o seio da política de Estado. O passo seguinte, como não poderia deixar de ser, consistirá na investigação específica, inclusive com referência às intervenções já elencadas, acerca da interpretação conferida a questões de gênero e orientação sexual, que lhes transformam em verdadeiros fantasmas a ameaçar a tradição moral da sociedade brasileira.

2.1 Uma aliança centrada na recuperação da autoridade moral fortemente religiosa

Para que se compreenda corretamente a dimensão disso que se convencionou denominar neoconservadorismo, é importante que se investigue os contornos do seu arranjo. Nesse ponto, especialmente no contexto brasileiro, parece haver uma propensão de descrição da emergência da Frente Parlamentar Evangélica como momento de catarse para que a expressão do conservadorismo moral assuma sua feição verdadeiramente política (CUNHA, 2016CUNHA, Magali do Nascimento. Religião e Política: ressonâncias do neoconservadorismo evangélico nas mídias brasileiras. Perseu: História, Memória e Política, n. 11, 2016., p. 149). Ganha destaque a retórica de defesa da família e da moral cristã contra os avanços nas pautas daqueles que são seus inimigos: as feministas e a população LGBTQIA+. Até por isso, o neoconservadorismo brasileiro denotaria uma reação conservadora, nova porque inserida na contemporaneidade e trazendo alianças anteriormente inconcebíveis, mas ainda conservadora, pois contrária ao movimento de globalização e consolidação de direitos humanos (CUNHA, 2016CUNHA, Magali do Nascimento. Religião e Política: ressonâncias do neoconservadorismo evangélico nas mídias brasileiras. Perseu: História, Memória e Política, n. 11, 2016., p. 152-153). A rigidez moral se converte em elemento retórico na luta por maior espaço e poder na esfera pública.

Movimento similar é identificado por Melinda Cooper (2017COOPER, Melinda. Family values: between neoliberalism and the new social conservatism. New York: Zone Books, 2017., p. 19-20) com referência ao contexto estadunidense, ainda que ela prefira denominá-lo de “novo conservadorismo social” (new social conservatism). Entretanto, assim como o prefixo neo já indicava, há uma novidade na congregação observada entre movimentos conservadores e religiosos para intensificação de suas posições políticas. Não se trata apenas de novas alianças que permitem atribuir a marca da novidade ao movimento que ora se investiga. A inovação está, também, na identificação de novas estratégias na atuação desses atores, que “podem ser definidos por sua orientação preemptiva ao futuro político”2 2 Tradução nossa. No original: “can be defined by their preemptive orientation toward the political future”. (COOPER, 2017COOPER, Melinda. Family values: between neoliberalism and the new social conservatism. New York: Zone Books, 2017., p. 313).

As pautas progressistas, na medida em que propõem uma quebra com o status quo e o enfraquecimento da ordem sexual preestabelecida, tradicionalmente ancorada em pilares religiosos, servem de combustível para a eclosão do novo conservadorismo (CECCHETTI; TEDESCO, 2020CECCHETTI, Elcio; TEDESCO, Anderson Luiz. Educação Básica em “xeque”: Homeschooling e fundamentalismo religioso em tempos de neoconservadorismo. Práxis Educativa, v. 15, p. 1-17, fev. 2020., p. 9). No entanto, seus contornos não são os de uma absoluta uniformidade ideológica, ainda que a expressão da moral cristã desempenhe um papel central em seu interior. O que existe é uma convergência de interesses entre grupos distintos, que, a despeito de suas diferenças, compartilham do sentimento de aversão ao paradigma pluralista prevalente. Tanto assim que, para Brown (2006BROWN, Wendy. American Nightmare: Neoliberalism, Neoconservatism, and De-Democratization. Political Theory, v. 34, n. 6, p. 690-714, 2006., p. 696), o “neoconservadorismo nasce de uma aliança literalmente profana, uma que é apenas desnivelada e oportunisticamente religiosa”3 3 Tradução nossa. No original: “neoconservatism is born out of a literally unholy alliance, one that is only unevenly and opportunistically religious”. .

Conforme anteriormente enfatizado, não é apenas no Brasil que tal fenômeno se manifesta. O governo de George Bush, nos Estados Unidos, já ilustrava a delicada imbricação entre ideais de piedade, moralidade e valores familiares associados à base eleitoral cristã e aqueles tipicamente conservadores, que reclamam o militarismo agressivo e uma agenda nacionalista (URBAN, 2007URBAN, Hugh B. Machiavelli Meets the Religious Right: Michael Ledeen, the Neoconservatives, and the Political Uses of Fundamentalism. Journal of Ecumenical Studies, v. 42, n. 1, p. 76-97, jan. 2007., p. 28). Trata-se de uma aliança precária pois, nesse paradoxal emaranhado, não há a plena realização de nenhum dos valores que lhe fundam. A técnica retórica prevalece sobre os valores sustentados, existindo uma manipulação explícita para que os sentidos conflitantes permaneçam aparentemente reconciliados. Não por outra razão, retomou-se a doutrina de Maquiavel para emprestar fundamentos retóricos de sustentação ao totalitarismo despojado por George Bush nos Estados-Unidos, durante seu governo (URBAN, 2007URBAN, Hugh B. Machiavelli Meets the Religious Right: Michael Ledeen, the Neoconservatives, and the Political Uses of Fundamentalism. Journal of Ecumenical Studies, v. 42, n. 1, p. 76-97, jan. 2007., p. 34). Tal exemplo ilustra como a religião serve ao neoconservadorismo de forma absolutamente profana, revelando abertamente seu interesse herético4 4 Herético porque, sobre diversas leituras religiosas, qualquer pretensão de controle totalitário sobre a comunidade política revelaria a usurpação de uma prerrogativa de julgamento que é exclusivamente afeta à divindade metafísica. de controle e manipulação sobre o corpo social.

Embora o neoconservadorismo se posicione, de modo geral, como uma reação à “ameaça progressista” por si próprio cunhada, é preciso reconhecer a existência de diferentes forças que concorrem nesse processo, cada uma carregando diferentes pretensões. Para Lacerda (2019LACERDA, Marina Basso. O novo conservadorismo brasileiro: de Reagan a Bolsonaro. Porto Alegre: Editora Zouk, 2019., p. 22) o neoconservadorismo revela seu traço conservador “por apostar na visão de ameaça e não de oportunidade, cultivando pessimismo sobre a democracia e a mudança social”. No contexto brasileiro, os elementos principais da coalização neoconservadora podem ser descritos como: “a defesa da família patriarcal, o sionismo, o militarismo anticomunista, o idealismo punitivo e o neoliberalismo” (LACERDA, 2019LACERDA, Marina Basso. O novo conservadorismo brasileiro: de Reagan a Bolsonaro. Porto Alegre: Editora Zouk, 2019., p. 30).

É interessante notar que o militarismo ocupa um espaço importante dentro da tipologia conceitual neoconservadora. Isso porque ele se associa a ideais de pátria e de nação que são sustentados como bandeira para a legitimação de práticas intrinsecamente discriminatórias. Nos Estados-Unidos, o militarismo está fortemente associado à renúncia ao discurso dos direitos humanos, em favor da intervenção sobre os inimigos, que ora são comunistas, ora são terroristas, mas que sempre são exemplificativos de cosmovisões antagônicas àquelas tradicionalmente nacionais (LACERDA, 2019LACERDA, Marina Basso. O novo conservadorismo brasileiro: de Reagan a Bolsonaro. Porto Alegre: Editora Zouk, 2019., p. 44). É nesse sentido, por exemplo, que a Associação Eduardo Banks, em sua manifestação na ADI nº 4.277, justifica sua objeção ao homossexualismo. O militarismo é conclamado pois, em seu entendimento, se o homossexualismo “afronta às Forças Armadas, afronta a todo o País, porque os militares são o que existe de melhor no nosso Povo” (ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS, 2009ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS. Petição de admissão como amicus curiae. Rio de Janeiro, 2009. ADI nº 4.277/DF. Peça nº 17 dos autos eletrônicos., p. 28). Em suma, os valores de patriotismo e nacionalismo tipicamente militares servem à construção de um inimigo que interessa à dinâmica de poder.

Em que pese esse inimigo esteja muitas vezes descrito sobre as bases da oposição nacionalista à ameaça estrangeira, o mesmo raciocínio é emprestado também, e principalmente, à construção dos inimigos políticos internos. A concorrência dos medos que faz florescer o patriotismo exacerbado acaba implicando no reconhecimento de que há uma infiltração terrorista no corpo social. O idealismo punitivo que dele decorre enfatiza a militarização como condição para manutenção de uma ordem tradicional, “estimulando o medo contra inimigos reais e imaginários” (LACERDA, 2019LACERDA, Marina Basso. O novo conservadorismo brasileiro: de Reagan a Bolsonaro. Porto Alegre: Editora Zouk, 2019., p. 48). O papel dos militares na retórica neoconservadora é justamente o de propagação do medo, pois o poder político é sempre maior em face de uma ameaça concreta, mesmo ela sendo forjada. Ainda mais ameaçadora é a constatação de que esse medo, imposto com base em um discurso de inimizade, é capaz de assumir tamanha urgência a ponto de suplantar o regime democrático e de autorizar a perseguição e a violência.

Em sentido complementar, o militarismo neoconservador se abastece de um medo não superado, que remonta à virada democrática pós-ditadura, e que não foi plenamente varrido do ideário social. Para além da exacerbada defesa da militarização que ignora, ou mesmo nega, o passado ditatorial do País, há a recorrência de um anticomunismo que funciona, em verdade, como selo vazio para a caracterização de qualquer mensagem como intrinsecamente errada. Se algo é ruim, deve ser necessariamente produto do comunismo. Tanto assim que a retórica neoconservadora associa, expressamente, discussões de gênero e orientação sexual ao marxismo. O exemplo russo é recuperado, pois supostamente ancorado em uma tentativa de dissolução da família, mas cujas “consequências foram delinquência juvenil na geração que nasceu logo após a revolução” (IDVF, 2020INSTITUTO DE DEFESA DA VIDA E DA FAMÍLIA - IDVF. Manifestação de amicus curiae. São Paulo, 2020. ADI nº 5.668/DF. Peça nº 154 dos autos eletrônicos., p. 12).

Se o nacionalismo exacerbado caracteriza uma ideologia tipicamente conservadora, a virada para o neoconservadorismo reside justamente nas novas alianças travadas como força motriz de sua pretensão política. Assim, consciente da necessidade de capilaridade para maximização da circulação de suas ideias, ele costurou uma indispensável aliança com as forças de mercado. Conforme demonstram os desdobramentos políticos recentes, houve uma boa recepção do conservadorismo pelo neoliberalismo, que se beneficiou exatamente do potencial conferido pela retórica moralizante e totalitária. O capitalismo e o livre-mercado, que existiam a nível teórico enquanto simples possibilidades de organização social do trabalho produtivo, transcendem ao nível de um imperativo natural através do tradicionalismo religioso tipicamente conservador. O neoliberalismo, assim, se transformou em parte do sistema divino, revelado aos seres humanos, e cuja aceitação é uma imposição de ordem moral (LACERDA, 2019LACERDA, Marina Basso. O novo conservadorismo brasileiro: de Reagan a Bolsonaro. Porto Alegre: Editora Zouk, 2019., p. 35).

Outro ponto de confluência entre o conservadorismo e o neoliberalismo se ancora na visão predominantemente crítica quanto ao papel do Estado na tutela dos direitos humanos. Isso porque a inclusão e o pluralismo democrático ameaçam as hierarquias tipicamente associadas ao ambiente familiar e ao mercado (MIGUEL, 2016MIGUEL, Luis Felipe. Da “doutrinação marxista” à “ideologia de gênero” - Escola Sem Partido e as leis da mordaça no parlamento brasileiro. Revista Direito e Práxis, v. 7, n. 3, p. 590-621, set. 2016., p. 617). Os esforços de ampliação da proteção social e da tutela de direitos humanos não são bem quistos em uma lógica de laissez-faire, nem tampouco sob a ótica conservadora, para quem tal proteção se resumiria a uma parcela inferior da sociedade, não aos “cidadãos de bem”. Daí porque, particularmente em um contexto de crise econômica, o ultraliberalismo se utiliza do pensamento neoconservador estatista (BURITY, 2018BURITY, Joanildo. A onda conservadora na política brasileira traz o fundamentalismo ao poder? In: ALMEIDA, Ronaldo de; TONIOL, Rodrigo (orgs.). Conservadorismos, fascismos e fundamentalismos: análises conjunturais. Campinas: Editora da Unicamp, 2018., p. 25).

A intersecção entre neoliberalismo e neoconservadorismo impõe, igualmente, uma ameaça à democracia, devido ao seu efeito de subversão do paradigma democrático pautado no pluralismo, cujas bases de solidariedade e tolerância acabam sendo destruídas (BROWN, 2006BROWN, Wendy. American Nightmare: Neoliberalism, Neoconservatism, and De-Democratization. Political Theory, v. 34, n. 6, p. 690-714, 2006., p. 691-692). O pensamento neoliberal, ainda que carregue discordâncias basilares em relação ao conservador, admite o florescimento do moralismo, estatismo e autoritarismo que sustentam o novo conservadorismo. Em comum, eles compartilham do sentimento de que a democracia, em sua vertente plural e inclusiva, precisa ser contrabalanceada pelo combate aos “desvios” e pela retomada dos valores tradicionais que imprimem disciplina e obediência hierárquica às relações humanas (MARTINS, 2019MARTINS, André Antunes. Sobre os dias atuais: neoconservadorismo, escolas cívico-militares e o simulacro da gestão democrática. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, v. 35, n. 3, p. 689, dez. 2019., p. 692).

Igualmente relevante para a compreensão do neoconservadorismo emergente nos últimos anos é a análise do papel central ocupado pelo discurso religioso, especialmente o cristão, na mobilização político-social. O neoconservadorismo se consolida justamente pelo movimento de articulação entre lideranças políticas desvinculadas de igrejas específicas com novas lideranças evangélicas emergentes no âmbito político e midiático (CUNHA, 2016CUNHA, Magali do Nascimento. Religião e Política: ressonâncias do neoconservadorismo evangélico nas mídias brasileiras. Perseu: História, Memória e Política, n. 11, 2016., p. 153). Uma ressalva é devida, pois o neoconservadorismo no Brasil, de fortes raízes cristãs, não é um movimento exclusivamente evangélico, ainda que lhe seja lançada maior luz. As forças conservadoras contemporâneas agregam, além de evangélicos, setores conservadores associados à Igreja Católica, à defesa de interesses agropecuários, ao setor de segurança pública e aos militares (MIGUEL, 2016MIGUEL, Luis Felipe. Da “doutrinação marxista” à “ideologia de gênero” - Escola Sem Partido e as leis da mordaça no parlamento brasileiro. Revista Direito e Práxis, v. 7, n. 3, p. 590-621, set. 2016., p. 593).

Mantida tal ressalva em mente, persiste significativa a constatação apontada por Marina Basso Lacerda (2019LACERDA, Marina Basso. O novo conservadorismo brasileiro: de Reagan a Bolsonaro. Porto Alegre: Editora Zouk, 2019., p. 81), ao destacar a proeminência do movimento evangélico na proposição e mobilização política em torno das pautas em defesa da família tradicional. Há, de fato, uma posição de destaque dentro no neoconservadorismo para o discurso moral, amplamente catalisado por grupos religiosos que, ao se aliarem ao ativismo conservador, angariam poder político (BIROLI, 2018BIROLI, Flávia. Reação conservadora, democracia e conhecimento. Revista de Antropologia, v. 61, n. 1, p. 83-94, abr. 2018., p. 88). No cerne do pensamento conservador que refloresce está, invariavelmente, o endosso a uma determinada visão política estritamente moral. Isso significa que o discurso de fortalecimento do Estado só tem sentido quando se compreende que a esse mesmo Estado está sendo dada uma atribuição de autoridade moral sobre os indivíduos (BROWN, 2006BROWN, Wendy. American Nightmare: Neoliberalism, Neoconservatism, and De-Democratization. Political Theory, v. 34, n. 6, p. 690-714, 2006., p. 697). O poder se associa à moralidade para enfatizar a dimensão de controle social.

Se outrora as comunidades religiosas se fechavam e proclamavam sua exclusão do “mundo decadente”, elas hoje se associaram aos padrões contemporâneos de mercado e da mídia, com particular destaque para o fortalecimento de suas reivindicações próprias nas arenas políticas (CUNHA, 2016CUNHA, Magali do Nascimento. Religião e Política: ressonâncias do neoconservadorismo evangélico nas mídias brasileiras. Perseu: História, Memória e Política, n. 11, 2016., p. 158). É nesse contexto, também, que ressurgem referências ao “fundamentalismo religioso”5 5 O fundamentalismo, para (BURITY, 2018, p. 43), “é associado a uma reação antiliberal, violenta ou antagonística, a uma tentativa integrista de reconquistar o controle da vida social contra os avanços da biopolítica, da equalização de condições e da pluralização social”. , como expressão de um movimento articulado pelos atores neoconservadores, pautado no ideal de recuperação da tradição cristã vista como ameaçada. Embora seja problemática a tentativa de emprego do termo para aglutinar os diferentes atores que contribuem para o novo conservadorismo, é certo que a referência ao fundamentalismo denota uma aliança e uma estratégia discursiva que serve ao neoconservadorismo (BURITY, 2018BURITY, Joanildo. A onda conservadora na política brasileira traz o fundamentalismo ao poder? In: ALMEIDA, Ronaldo de; TONIOL, Rodrigo (orgs.). Conservadorismos, fascismos e fundamentalismos: análises conjunturais. Campinas: Editora da Unicamp, 2018., p. 52). A construção fundamentalista fortemente calcada na verdade absoluta, religiosamente revelada, serve às novas forças conservadoras em seu ímpeto de desprezo às outras formas de compreensão da realidade que consigo competem (CECCHETTI; TEDESCO, 2020CECCHETTI, Elcio; TEDESCO, Anderson Luiz. Educação Básica em “xeque”: Homeschooling e fundamentalismo religioso em tempos de neoconservadorismo. Práxis Educativa, v. 15, p. 1-17, fev. 2020., p. 10).

Em particular, o neoconservadorismo revela uma tensão latente na forma como a religiosidade recobra sua participação política. A confusão entre moral religiosa e moral política cria “uma linha cada vez mais tênue entre cultura religiosa e cultura política, e entre discurso teológico e discurso político” que “facilita a recepção das forças des-democratizantes do neoconservadorismo e do neoliberalismo”6 6 Tradução nossa. No original: “an increasingly blurred line between religious and political culture, and between theological and political discourse”; “facilitates the reception of the de-democratizing forces of neoconservatism and neoliberalism”. (BROWN, 2006BROWN, Wendy. American Nightmare: Neoliberalism, Neoconservatism, and De-Democratization. Political Theory, v. 34, n. 6, p. 690-714, 2006., p. 706). Como resultado, o ideal de Estado acaba amoldado àquela autoridade tipicamente eclesiástica centrada no exercício de um poder que se ancora na verdade revelada, enquanto aos seus opositores é imposta a marca da heresia. Tal proposta neoconservadora de retomada política da religiosidade, que delineia um Estado de forte controle moral das subjetividades, acaba por afastá-lo de valores democráticos indispensáveis ao convívio verdadeiramente plural (BROWN, 2006BROWN, Wendy. American Nightmare: Neoliberalism, Neoconservatism, and De-Democratization. Political Theory, v. 34, n. 6, p. 690-714, 2006., p. 708).

A retórica neoconservadora não esconde seu propósito, que é o de controlar “a formação dos conceitos de certo e errado acerca de moral e cultura, de bem e de mal” e de “delinear o senso de pudor, os critérios de normalidade, a matriz moral, o reflexo ético e a noção de justiça” (APEBE, 2020ASSOCIAÇÃO PRÓ-EVANGÉLICOS DO BRASIL E EXTERIOR - APEBE. Petição de admissão como amicus curiae. Brasília, 2020. ADI nº 5.668/DF. Peça nº 202 dos autos eletrônicos., p. 9). É sempre importante destacar que essa prerrogativa de controle não é propriamente individual, até porque ela se acentua principalmente na esfera pública, como vertente de reafirmação de uma moralidade supostamente predominante no seio social. A recuperação de valores religiosos revela “um conservadorismo ativo e não apenas reativo destinado à manutenção do status quo tradicional de caráter mais católico” (ALMEIDA, 2017ALMEIDA, Ronaldo de. A onda quebrada - evangélicos e conservadorismo. Cadernos Pagu, n. 50, out. 2017., p. 18).

A moralidade assume papel central dentro da nova articulação proposta. Ademais, sua feição específica implica na rejeição aos valores de democracia e pluralismo que inspiram o constitucionalismo contemporâneo. Se o progressismo ameaça levar o Estado a “afundar [...] na mais completa imoralidade”7 7 Tradução nossa. No original: “sombrer […] dans l'immoralité la plus complète”. , a correção política deve ser enfática em sentido moralizador (BAUBÉROT, 1997BAUBÉROT, Jean. La morale laïque contre l’ordre moral. Paris: Seuil, 1997., p. 14). A referência à imoralidade é proposital, pois necessária para que o neoconservadorismo concretize sua posição política privilegiada, como único defensor dos valores morais e da ordem social tradicional. É nesse contexto, também, que a célula familiar recobra centralidade, como espaço legítimo de autoridade moral contraposto ao Estado, cuja moral parece, ao menos aos neoconservadores, corrompida.

O exemplo do Movimento Escola Sem Partido é relevante, pois evidencia um dos elos principais entre conservadores e denominações religiosas, consistente no papel atribuído à família na educação das crianças. A despeito de suas diferenças, o neoconservadorismo consegue aglutinar diferentes grupos em torno da ideia de que a família é dotada de direitos próprios, sendo uma instituição inviolável e, em última instância, a única responsável pela educação moral dos seus integrantes (MIGUEL, 2016MIGUEL, Luis Felipe. Da “doutrinação marxista” à “ideologia de gênero” - Escola Sem Partido e as leis da mordaça no parlamento brasileiro. Revista Direito e Práxis, v. 7, n. 3, p. 590-621, set. 2016., p. 605). O interesse é evidente, pois permitiria retirar da escola a prerrogativa de educação plural e inclusiva, para permitir aos pais um controle acentuado sobre a formação da opinião dos seus filhos.

Tal posição resta enfatizada na constatação de que são os grupos neoconservadores que articulam o movimento pela liberação do homeschooling no Brasil (CECCHETTI; TEDESCO, 2020CECCHETTI, Elcio; TEDESCO, Anderson Luiz. Educação Básica em “xeque”: Homeschooling e fundamentalismo religioso em tempos de neoconservadorismo. Práxis Educativa, v. 15, p. 1-17, fev. 2020., p. 3). O objetivo é assegurar aos pais a possibilidade de rejeição de uma educação democrática e laica, resumida a uma suposta “doutrinação”. Ao contrário, tais movimentos defendem a promoção da educação exclusivamente domiciliar, com controle forte sobre os conteúdos ministrados e, principalmente, sobre os ideais prevalecentes em sua interpretação. É o moralismo de inspiração religiosa que propulsiona o movimento de renúncia à educação estatal, “para que mais uma vez se convoque ‘a família’ contra o fantasma da subversão moral” (BIROLI, 2018BIROLI, Flávia. Reação conservadora, democracia e conhecimento. Revista de Antropologia, v. 61, n. 1, p. 83-94, abr. 2018., p. 87). No entanto, o que se revela subjacente é um desejo do movimento neoconservador de retroalimentação, através da garantia de que as crianças sejam educadas sob sua rígida doutrina moral.

A compreensão da centralidade dada à instituição familiar pelo novo conservadorismo caminha, indispensavelmente, pela discussão do papel educador do Estado. O processo educacional é compreendido como um caminho para a imposição de princípios morais como fundamentos do ordenamento político (CECCHETTI; TEDESCO, 2020CECCHETTI, Elcio; TEDESCO, Anderson Luiz. Educação Básica em “xeque”: Homeschooling e fundamentalismo religioso em tempos de neoconservadorismo. Práxis Educativa, v. 15, p. 1-17, fev. 2020., p. 8). Uma escola inclusiva, aberta ao pluralismo e com forte inclinação social seria patentemente contrária à proposta de controle moral avançada por neoconservadores. Daí porque a família é recuperada como base da sociedade, em oposição expressa ao Estado, prevalecendo sobre ele na educação moral das crianças, uma vez que “é na família que devem ser estruturadas as bases do indivíduo” (IDVF, 2020INSTITUTO DE DEFESA DA VIDA E DA FAMÍLIA - IDVF. Manifestação de amicus curiae. São Paulo, 2020. ADI nº 5.668/DF. Peça nº 154 dos autos eletrônicos., p. 25).

De outro lado, Flávia Biroli (2018BIROLI, Flávia. Reação conservadora, democracia e conhecimento. Revista de Antropologia, v. 61, n. 1, p. 83-94, abr. 2018., p. 90) aponta que a célula familiar desempenha uma função clara de suporte ao modelo neoliberal que se associa ao novo conservadorismo emergente. Através da infusão do pensamento conservador e religioso, concebe-se uma célula familiar fortemente regrada e orientada para a manutenção de papéis de gênero e para a repressão sexual. O resultado serve às forças neoliberais, de um lado, pois retira do Estado a centralidade na condução dos processos educacionais, e serve aos neoconservadores, de outro, pois legitima a imposição moral no seio familiar.

É curioso observar que, dentro do pensamento neoconservador, a família que se enfatiza tem uma configuração específica. É aquela composta por homem e mulher (CNBB, 2011CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL - CNBB. Petição de admissão como amicus curiae. Brasília, 2011. ADI nº 4.277/DF. Peça nº 32 dos autos eletrônicos., p. 3). Assim, o sentido exato de família é equiparado apenas àquele tradicional e religioso, sem que se reconheça a outras conformações e arranjos igual centralidade. Ademais, essa família funciona como célula central de manutenção do moralismo religioso tradicional, já que ostenta como objetivo “defender a dignidade e pureza de seus filhos” (FRENTE PARLAMENTAR MISTA PELA JUVENTUDE, 2020FRENTE PARLAMENTAR MISTA PELA JUVENTUDE. Petição de admissão como amicus curiae. Brasília, 2020. ADI nº 5.668/DF. Peça nº 149 dos autos eletrônicos., p. 8). Portanto, se a complexa conjunção de interesses que constituem o neoconservadorismo desagua em uma moralização religiosa amplamente centrada no arranjo familiar tradicional, é indispensável que se avance um passo. É preciso compreender como esses argumentos interagem para impor a rejeição a direitos LGBTQIA+.

2.2 Uma aversão aos conceitos de gênero e de orientação sexual

Um dos traços da conjunção de forças mobilizada pela ideologia neoconservadora se resta na propagação de uma visão antifeminista e contrária ao movimento LGBTQIA+. Para compreensão desse fenômeno, o exemplo estadunidense é novamente relevante. Lá se observou, desde a década de 80, um movimento de intensificação da retórica conservadora como resposta à aparente permeação das discussões de gênero e orientação sexual na vida estatal pública (LACERDA, 2019LACERDA, Marina Basso. O novo conservadorismo brasileiro: de Reagan a Bolsonaro. Porto Alegre: Editora Zouk, 2019., p. 33-34). Diante do receio de uma degeneração do Estado e do distanciamento entre o ordenamento jurídico e o ordenamento religioso, o neoconservadorismo se articulou enquanto força capaz de se opor e obstruir o progressismo associado aos direitos humanos.

O crescente espaço dos movimentos LGBTQIA+ e feministas representou, em muitos sentidos, uma ameaça concreta à família em sua concepção tradicional e aos valores cristãos em geral (CECCHETTI; TEDESCO, 2020CECCHETTI, Elcio; TEDESCO, Anderson Luiz. Educação Básica em “xeque”: Homeschooling e fundamentalismo religioso em tempos de neoconservadorismo. Práxis Educativa, v. 15, p. 1-17, fev. 2020., p. 9). A diversidade, em que pese importante elemento indicativo de uma democracia plural, revelou ser uma ameaça à continuidade do controle conservador sobre crianças e adolescentes que, na escola laica, entram em contato com as mais diversas concepções de vida. A partir de uma objetividade simplista, o neoconservadorismo passou a refutar o conhecimento técnico produzido ao longo dos últimos anos, rechaçando a autonomia e o pluralismo inerentes ao campo científico e educacional (BIROLI, 2018BIROLI, Flávia. Reação conservadora, democracia e conhecimento. Revista de Antropologia, v. 61, n. 1, p. 83-94, abr. 2018., p. 86).

Luis Felipe Miguel (2016MIGUEL, Luis Felipe. Da “doutrinação marxista” à “ideologia de gênero” - Escola Sem Partido e as leis da mordaça no parlamento brasileiro. Revista Direito e Práxis, v. 7, n. 3, p. 590-621, set. 2016., p. 595) aponta que a mobilização neoconservadora foi fundamental para a potencialização de um discurso de “doutrinação ideológica” que angariou visibilidade política e midiática. Ao passo em que cresceram as iniciativas de combate à homotransfobia e à violência de gênero nas escolas, viu-se uma reação de grupos conservadores buscando apontar que a introdução de tais categorias na grade escolar revelaria uma guinada moral incompatível com o valor de neutralidade supostamente inerente à educação. Como resultado, a escola se colocou, para neoconservadores, em descompasso com a autoridade familiar, a quem seria exclusivamente dado o direito de definição sobre a educação moral e religiosa da criança.

É relevante destacar como os grupos neoconservadores rejeitaram, no bojo da ADI nº 5.668, o combate expresso ao sexismo e à homotransfobia nas escolas, por serem “tentativas dissimuladas de inserção no ambiente escolar das teorias de gênero, concepções estas eivadas de contradições e que colidem com valores morais e religiosos adotados por parte significativa da população brasileira” (ANAJURE, 2020ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JURISTAS EVANGÉLICOS - ANAJURE. Petição de admissão como amicus curiae. Brasília, 2020. ADI nº 5.668/DF. Peça nº 108 dos autos eletrônicos., p. 22). Gênero e orientação sexual passam a ser conceitos chave para a nova retórica conservadora, que se confundem e estampam um suposto movimento de desconstrução dos valores tradicionais da nação. Daí porque assumem, dentro dessa retórica, a função central na construção do novo inimigo político.

O moralismo também desempenha um importante papel ao condicional a postura neoconservadora em face da população LGBTQIA+. O padrão moral tradicional é visto como incontornável e, embora seja difícil precisá-lo, ele parece exigir que se observe “o próprio Gênio do Povo Brasileiro (Volkgeist), que não aceita que os homossexuais e transexuais se mostrem ostensivamente como tais” (ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS, 2014ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS. Petição de admissão como amicus curiae. Rio de Janeiro, 2014. ADO nº 26/DF. Peça nº 6 dos autos eletrônicos., p. 24). Por conseguinte, até mesmo a agressão seria justificável8 8 Tal posicionamento é reforçado: “por isso que as restrições ao homossexualismo são toleráveis, por fazerem parte do Gênio do Povo, isto é, de suas tradições culturais e religiosas” (ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS, 2014, p. 26). , já que “é usual no brasileiro médio o impulso de repreender os homossexuais ou transexuais que se beijam e/ou namoram em público, ou que se apresentem em público travestidos [...], ou que simplesmente assumem para a sociedade que são homossexuais ou transexuais” (ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS, 2014ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS. Petição de admissão como amicus curiae. Rio de Janeiro, 2014. ADO nº 26/DF. Peça nº 6 dos autos eletrônicos., p. 24).

A rejeição a termos como gênero e orientação sexual não é meramente secundária. O ódio destilado contra a população LGBTQIA+ faz parte do cerne da postura neoconservadora, pois são eles os inimigos indispensáveis à propagação da cultura de medo que mobiliza suas forças políticas. O moralismo religioso incide propositalmente, reclamando a prevalência da ordem sexual tradicional, que se ancora em textos sagrados para atribuição de papéis femininos e masculinos (ANAJURE, 2020ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JURISTAS EVANGÉLICOS - ANAJURE. Petição de admissão como amicus curiae. Brasília, 2020. ADI nº 5.668/DF. Peça nº 108 dos autos eletrônicos., p. 23). Ser homem ou mulher, portanto, revelaria um fundamento de verdade inexorável e absoluto. Ademais, há uma inclinação à imposição de tal verdade sobre os processos formativos e o ambiente escolar, reforçando a discriminação que serve ao propósito neoconservador de manutenção do medo diante de uma diferença que lhes ameaça.

O novo conservadorismo exige, assim, a prevalência da verdade biológica, interpretada enquanto imperativo divino, para afastar construções acerca da identificação subjetiva de gênero. Tais atores chegam ao ponto de afirmar que “uma cirurgia que mutile a genitália de um indivíduo jamais redesignará verdadeiramente o seu sexo” (FRENTE PARLAMENTAR EM DEFESA DA VIDA E DA FAMÍLIA, 2020FRENTE PARLAMENTAR EM DEFESA DA VIDA E DA FAMÍLIA. Petição de admissão como amicus curiae. Brasília, 2020. ADI nº 5.668/DF. Peça nº 186 dos autos eletrônicos., p. 5). Trata-se de uma mensagem assustadora, capaz de afligir diversas pessoas que ainda se encontram presas em corpos que lhe são estranhos. O discurso neoconservador avança para além da simples afirmação de que a verdade biológica de cada pessoa não pode ser negada. Sua construção busca associar uma suposta confusão dos papéis masculinos e femininos à desordem social, de modo que o combate às pautas LGBTQIA+ deixa de ser algo estritamente individual, impondo-se como um imperativo de ordem política (MIGUEL, 2016MIGUEL, Luis Felipe. Da “doutrinação marxista” à “ideologia de gênero” - Escola Sem Partido e as leis da mordaça no parlamento brasileiro. Revista Direito e Práxis, v. 7, n. 3, p. 590-621, set. 2016., p. 599).

A discussão acerca da transexualidade e do reconhecimento de direitos a essas pessoas recobra atenção, pois está usualmente associada ao reconhecimento de um desvio não apenas moral, mas psicológico. Há uma persistência na compreensão problemática da transexualidade como uma patologia (COACCI, 2020COACCI, Thiago. A queima dos laudos: controvérsias e reconfigurações dos saberes e direitos trans na ADI 4275. Revista Direito e Práxis, v. 11, n. 2, p. 1188-1210, jun. 2020., p. 1194). O homossexualismo também carregaria esse signo. Salta aos olhos o emprego de termos como “perversão instintiva” e “portador de personalidade psicopática”, que reforçam o estigma do homossexualismo como patologia (ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS, 2009ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS. Petição de admissão como amicus curiae. Rio de Janeiro, 2009. ADI nº 4.277/DF. Peça nº 17 dos autos eletrônicos., p. 30). Em que pese tenha o STF buscado se distanciar dessa visão, ainda prevalece a manutenção de uma compreensão identitária tradicional, que impõe a todos a conformação ao modelo de gênero binário, tido como normal (RIOS, 2020RIOS, Roger Raupp. Tramas e interconexões no Supremo Tribunal Federal: Antidiscriminação, gênero e sexualidade. Revista Direito e Práxis, v. 11, n. 2, p. 1332-1357, jun. 2020., p. 1346). Isso revela como as construções conservadoras e religiosas são capazes de conformar o ordenamento jurídico pátrio, que permanece estritamente ancorado na verdade biológica como paradigma para a aferição da identidade.

É importante sublinhar, ademais, que o exemplo da luta pela alteração documental por pessoas transexuais revela uma importante face da imbricação existente entre Estado e gênero. Isso porque, a despeito dos avanços teóricos acerca da autodeterminação sexual, permanece existindo uma burocracia estatal que detém a prerrogativa de chancela daquilo que é subjetivamente expressado e vivido por cada pessoa (COACCI, 2020COACCI, Thiago. A queima dos laudos: controvérsias e reconfigurações dos saberes e direitos trans na ADI 4275. Revista Direito e Práxis, v. 11, n. 2, p. 1188-1210, jun. 2020., p. 1205). Mesmo quando se admite, formalmente, a flexibilização da divisão biológica tradicional de sexos, essa aparente conquista de liberdade persiste carregando uma forte dimensão de controle. Trata-se de um controle estatal que instrumentaliza o reconhecimento de gênero em favor da manutenção de estruturas tipicamente conservadoras.

Se a verdade biológica é um argumento secular empregado contra as pessoas LGBTQIA+, ela se conjuga ao argumento religioso que imputa um signo adicional de heresia à atitude de não conformação. No julgamento da ADO nº 26 houve interessante proliferação de manifestações advindas de grupos religiosos, sob a bandeira de uma necessária proteção da liberdade de pensamento. Em particular, havia o receio de que, com a criminalização da homotransfobia, restasse impedida a manutenção da visão religiosa tradicional, que considera o homossexualismo como um pecado que viola seus valores e princípios morais (ANAJURE, 2015ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JURISTAS EVANGÉLICOS - ANAJURE. Petição de admissão como amicus curiae. Brasília, 2015. ADO nº 26/DF. Peça nº 52 dos autos eletrônicos., p. 8-9). Nesse contexto, a retórica de rejeição ao gênero e à orientação sexual está embasada em um argumento de ofensa moral que reside unicamente na fuga da homossexualidade ao “modelo revelado por Deus, nas Sagradas Escrituras, à humanidade” (FRENTE PARLAMENTAR MISTA DA FAMÍLIA E APOIO À VIDA, 2015FRENTE PARLAMENTAR MISTA DA FAMÍLIA E APOIO À VIDA. Petição de admissão como amicus curiae. Brasília, 2015. ADO nº 26/DF. Peça nº 63 dos autos eletrônicos., p. 13).

Conforme se observa, o neoconservadorismo fortemente tradicionalista, que associa a homossexualidade a um desvio moral, nunca foi plenamente rechaçado. Eder Fernandes Monica (2020MONICA, Eder Fernandes. A hegemonia do discurso liberal sobre direitos homossexuais no STF. Revista Direito e Práxis, v. 11, n. 2, p. 1358-1390, jun. 2020., p. 1376) pontua, em sentido similar, que o julgamento da ADI 4.277 e da ADPF 132 pelo STF, ocasião em que se reconheceu a possibilidade da união estável para casais homossexuais, não promoveu verdadeira reconfiguração do arranjo familiar clássico. Ao contrário, a noção de família foi constantemente destacada, enquanto pedra basilar da sociedade brasileira. Daí porque se impôs que a afetividade entre homossexuais, desde que mimética ao arranjo familiar tradicionalmente esperado, deveria ser igualmente tutelada pelo Estado. O instituto da família, tão caro dentro do ideário neoconservador, nunca foi verdadeiramente tensionado. Ele foi apenas ampliado, para incluir os “bons homossexuais”9 9 Equiparável ao conceito de homonormativismo (MONICA, 2020, p. 1387-1388), que expressa o movimento pelo qual o exercício da sexualidade homossexual acaba condicionado ao padrão heterossexual para ser tido como válido dentro do sistema. , aqueles dessexualizados e naturalizados, aqueles de quem se espera conformação ao modelo típico de organização familiar (VIEIRA; EFREM FILHO, 2020VIEIRA, Adriana; EFREM FILHO, Roberto. O rei está nu: gênero e sexualidade nas práticas e decisões no STF. Revista Direito e Práxis, v. 11, n. 2, p. 1084-1136, jun. 2020., p. 1108-1109).

Resta evidente, portanto, que a rejeição a qualquer discussão de gênero e orientação sexual tem, por parte dos novos conservadores, um intuito muito mais perverso de caracterização da comunidade LGBTQIA+ como a inimiga depravada da nação. A desconstrução da verdade biológica em matéria sexual significa uma ameaça à hierarquia sexual tradicionalmente concebida. Ademais, na medida em que sua manutenção revela uma dimensão de poder político, a luta neoconservadora recorre, inevitavelmente, à desumanização e demonização de seus opositores com aparência, ao menos pretensamente, democrática. É preciso, agora, compreender as estratégias específicas que permitem a articulação dos novos conservadores na consecução de seus objetivos políticos, que será objeto da seção final deste artigo.

3. O antipluralismo discriminatório que se autoproclama democrático

Enquanto a primeira seção cuidou de delimitar o neoconservadorismo como conceito que compreende a articulação entre diferentes forças, que ao final culminam em um prevalente moralismo de feição religiosa que identifica a população LGBTQIA+ como inimiga, a parte final será dedicada à demonstração das táticas empregadas nesse processo. É preciso reconhecer que as novas forças conservadoras se articulam ativamente, mimetizando movimentos progressistas, inclusive em sua retórica democrática, mas com intuito de obstruir ou reduzir conquistas da comunidade LGBTQIA+. O primeiro momento desta seção será devotado aos objetivos específicos dessa articulação. Em seguida, a etapa derradeira permitirá observar, através de intervenções concretas de grupos neoconservadores junto ao STF, os contornos discursivos da oposição sustentada com tanta veemência contra direitos LGBTQIA+.

3.1 Desenhando o esquema tático da litigância neoconservadora

Conforme já se enfatizou na introdução deste artigo, o judiciário tem se colocado como importante campo para batalhas que envolvem a ampliação de direitos básicos das pessoas LGBTQIA+. Ao mesmo tempo, e como reação, os atores neoconservadores passaram a ingressar na esfera judicial para obstaculizar o pleno exercício das garantias inerentes aos grupos que lhes parecem moralmente antagônicos. Nesse sentido, é importante ressaltar que tal articulação já foi identificada em sentido análogo por Ran Hirschl e Ayelet Shachar (2018, p. 451), sob a ótica própria ao embate entre religiões e o constitucionalismo. Eles concluíram pela existência de um movimento estratégico de avanço dos setores religiosos conservadores junto a tribunais e cortes constitucionais. Um exemplo trazido é o da promoção de campanhas contrárias à proteção de direitos LGBTQIA+ no contexto africano, permitindo revelar como os atores das novas forças conservadoras ultrapassam fronteiras geográficas em prol de uma agenda política comum. Ademais, essa litigância não é aleatória e revela uma articulação específica com objetivo de deturpação do sentido da liberdade religiosa em desfavor da liberdade existencial de minorias.

Melinda Cooper (2017COOPER, Melinda. Family values: between neoliberalism and the new social conservatism. New York: Zone Books, 2017., p. 304-305) sublinha esse mesmo traço ao analisar a litigância cristã contra direitos reprodutivos nos Estados Unidos. Tal contexto permite ilustrar um movimento de empréstimo das ferramentas tipicamente constitucionais por atores neoconservadores, que depois utilizam-nas contrariamente à perspectiva pluralista que lhes dá base. Por conseguinte, a liberdade religiosa se torna propulsora do movimento de anulação das proteções baseadas em gênero que outrora existiram. De maneira similar, David A. J. Richards (1998RICHARDS, David A. J. Women, gays, and the constitution: the grounds for feminism and gay rights in culture and law. Chicago: University of Chicago Press, 1998., p. 383) se refere aos esforços legislativos contrários a direitos LGBTQIA+. Embora sejam verdadeiras manifestações de intolerância religiosa, sob a pretensa vestimenta de defesa de uma consciência moral cristã, eles acabam por revelar uma postura de recusa das identidades e da liberdade de consciência daqueles outros grupos combatidos.

Tal articulação ganha contornos particularmente relevantes na América Latina, dada a posição historicamente ocupada pela religião cristã na regulação da vida colonial e, em um segundo momento, na própria edificação dos novos Estados pós-independência. Na Argentina, por exemplo, a religião católica se organizou para intervir sobre o debate público em temas de liberdade individual sensíveis aos interesses e valores cristãos (PRIETO, 2018PRIETO, Sol. Bioética y catolicismo en la Argentina contemporánea: Un análisis en base a seis campos en disputa. Religião & Sociedade, v. 38, n. 2, p. 23-52, ago. 2018., p. 46). Dentre os mecanismos identificados, que incluem a participação de experts católicos em debates públicos e mensagens vinculadas através da Conferencia Episcopal Argentina, particular destaque foi dado ao acordo de cúpulas entre o Governo nacional e as lideranças católicas para alteração no anteprojeto do Código Civil argentino. Dessa forma, não só a religião logra efetiva participação na condução dos debates em matéria de políticas públicas, mas angaria posição de poder e interferência direta sobre a sua construção.

Eloísa Machado de Almeida (2019ALMEIDA, Eloísa Machado de. Capacidades institucionais dos amici curiae no Supremo Tribunal Federal: acessibilidade, admissibilidade e influência. Revista Direito e Práxis, v. 10, n. 1, p. 678-707, mar. 2019., p. 680) destaca que o litígio estratégico é uma ferramenta empregada inclusive pelos movimentos de defesa de direitos sexuais e reprodutivos, para organizar e impulsionar o julgamento de temas usualmente tidos como controvertidos pelo corpo político. Em particular, dada a posição do Supremo Tribunal Federal brasileiro, que atua como guardião e intérprete máximo da Constituição, a intervenção realizada em ações que tramitam na instância máxima ganhou proeminência. Isso se deve à abertura paulatina do STF para os amici curiae, instituto que facilita a participação de organizações da sociedade civil no curso dos processos, apresentando razões e sustentações para contribuir com o convencimento do julgador, ainda que não gozem dos requisitos necessários para o ingresso como proponentes de ações perante a Corte.

No entanto, a mesma ferramenta que arma a luta progressista por direitos, também é empregada estrategicamente por opositores para miná-los. O ímpeto mimético dos grupos neoconservadores revela um objetivo inerente, o de “impregnar e recolonizar as instituições estatais [...] dada a sua importância sobre a formação das identidades da nova geração” (CECCHETTI; TEDESCO, 2020CECCHETTI, Elcio; TEDESCO, Anderson Luiz. Educação Básica em “xeque”: Homeschooling e fundamentalismo religioso em tempos de neoconservadorismo. Práxis Educativa, v. 15, p. 1-17, fev. 2020., p. 13). Assim, da mesma forma como os movimentos feministas e LGBTQIA+ buscaram na judicialização por um caminho de discussão e promoção de mudanças, o novo conservadorismo sustenta a estratégia de judicialização em defesa de seus valores tradicionais (VAGGIONE, 2005VAGGIONE, Juan Marco. Reactive Politicization and Religious Dissidence: The Political Mutations of the Religious. Social Theory and Practice, v. 31, n. 2, p. 233-255, maio 2005., p. 244).

Em suas manifestações junto ao Supremo Tribunal Federal, a Associação Eduardo Banks apresenta exemplos enfáticos da recolonização política operada, revelando uma articulação ativa contra o avanço na proteção dos direitos da comunidade LGBTQIA+. A entidade revela bastidores do movimento de pressão e sensibilização de parlamentares no Rio de Janeiro para que ingressassem com Representações de Inconstitucionalidade em face de novas leis municipais e estaduais que asseguravam pensões a casais homossexuais e proibiam a discriminação por orientação sexual (ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS, 2009ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS. Petição de admissão como amicus curiae. Rio de Janeiro, 2009. ADI nº 4.277/DF. Peça nº 17 dos autos eletrônicos., p. 5). Mas tal articulação não foi simplesmente legislativa, admitindo até mesmo a inclusão de setores do judiciário, para assegurar a obtenção de decisões contrárias ao reconhecimento de uniões homossexuais.

Em sua intervenção na ADO nº 26, a associação reconheceu igualmente a sua participação no lobby para retardar e impedir a aprovação de propostas legislativas de criminalização da homotransfobia junto ao Congresso Nacional (ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS, 2014ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS. Petição de admissão como amicus curiae. Rio de Janeiro, 2014. ADO nº 26/DF. Peça nº 6 dos autos eletrônicos., p. 3). Ademais, reconheceu a manutenção de comunicação direta com a Procuradoria Geral da Justiça no Rio de Janeiro, objetivando a propositura de ação de inconstitucionalidade contra a Lei Estadual nº 3.406 que punia administrativamente a prática da homotransfobia. Tal articulação culminou com o reconhecimento de vício formal de inconstitucionalidade e com a propositura de um novo projeto de lei pelo Governador. A estratégia, expressamente reconhecida pela associação em face do novo projeto, foi a de criar obstrução e impedir sua deliberação (ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS, 2014ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS. Petição de admissão como amicus curiae. Rio de Janeiro, 2014. ADO nº 26/DF. Peça nº 6 dos autos eletrônicos., p. 33).

Não é apenas através de articulações diretas entre neoconservadores e instituições de Estado que se faz a mobilização. Como existem obstáculos em alguns níveis para tratativas expressas, são empregados subterfúgios para o exercício de pressão política sobre órgãos decisórios do Estado. No julgamento da ADI nº 5.668, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal recebeu diversas moções de apelo10 10 Peças de nº 185, 198, 199, 200 e 201 dos autos eletrônicos. advindas de câmaras municipais de vereadores, em defesa da família tradicional. Salta aos olhos a similitude das redações utilizadas, que demonstram pouca compreensão do objeto específico de julgamento, mas que enfatizam uma ameaça vazia de que o acolhimento da ação resultaria na tomada da escola pela “ideologia de gênero”.

Novamente, a estratégia neoconservadora é a da construção de uma oposição entre tradição religiosa e imoralidade. O discurso neoconservador se vale de uma retórica específica que coloca todos os seus possíveis competidores (no campo democrático) como ameaças inadmissíveis aos valores fundantes do Estado (BROWN, 2006BROWN, Wendy. American Nightmare: Neoliberalism, Neoconservatism, and De-Democratization. Political Theory, v. 34, n. 6, p. 690-714, 2006., p. 699). Para sustentar a manutenção dos seus ideais particulares, ele acaba buscando defender, sob uma aparente exigência democrática, a suplantação do valor que lhe é mais caro: o pluralismo. A estratégia consiste na construção de uma ameaça fictícia, que associa o enfraquecimento do papel da religião na condução da vida pública com a destruição de crianças e jovens e o aumento da criminalidade (PAULINO, 2018PAULINO, Carla Viviane. O impulso neoliberal e neoconservador na educação brasileira: a imagem do “professor doutrinador” e o projeto “escola sem partido”. Educere et Educare, v. 13, n. 28, out. 2018., p. 7).

Tais ameaças, ademais, são rotuladas unilateralmente para apontar a globalização e o progressismo como fenômenos imperialistas externos que ameaçam a soberania nacional (VAGGIONE, 2005VAGGIONE, Juan Marco. Reactive Politicization and Religious Dissidence: The Political Mutations of the Religious. Social Theory and Practice, v. 31, n. 2, p. 233-255, maio 2005., p. 242). Destarte, toda a diferença, e consequentemente toda a oposição política, é arbitrariamente categorizado como bárbara, típica de um inimigo que se infiltrou no interior da própria cultura e civilização (CHAUÍ, 2006CHAUÍ, Marilena. Fundamentalismo religioso: a questão do poder teológico-político. In: BORON, Atilio A. (org.). Filosofia Política Contemporânea: Controvérsias sobre Civilização, Império e Cidadania. São Paulo: USP, 2006. p. 125-144., p. 125-126). Sob esse viés, o combate é necessário e favorecido pelas referências à autoridade divina e à autoridade governamental que deveriam se rebelar e se impor sobre o mal crescente. Assim, é natural que “a barbárie contemporânea provoque o retorno do recalcado ou do reprimido, isto é, o ressurgimento do fundamentalismo religioso não apenas como experiência pessoal, mas também como interpretação da ação política” (CHAUÍ, 2006CHAUÍ, Marilena. Fundamentalismo religioso: a questão do poder teológico-político. In: BORON, Atilio A. (org.). Filosofia Política Contemporânea: Controvérsias sobre Civilização, Império e Cidadania. São Paulo: USP, 2006. p. 125-144., p. 131).

Cumpre enfatizar que o novo conservadorismo opera sobre a construção do sentido de cidadania. O exemplo da barbárie é ilustrativo, pois a característica principal do poder político reside exatamente na prerrogativa de proclamar certos adversários como bárbaros, o de atuar como "máquina política que produz processos de subjetivação, identificação e demarcação das fronteiras que delimitam comunidades políticas”11 11 Tradução nossa. No original: “maquinaria política que produce procesos de subjetivación, identificación y trazado de fronteras que delimitan comunidades políticas”. (VAGGIONE, 2017VAGGIONE, Juan Marco. La Iglesia Católica frente a la política sexual: la configuración de una ciudadanía religiosa. Cadernos Pagu, n. 50, 2017., p. 12). Tal dimensão de poder é absoluta e legitima toda a articulação política destinada à imposição moral de verdades preconcebidas. A cidadania religiosa, sob essa feição, se revela como uma cidadania fortemente ancorada em exigências morais, resultando na consequente exclusão política da dissidência.

Também é relevante pontuar, para além da discriminação que lhe é inerente, que a conceituação do “outro” como inimigo desemboca em um processo de produção de “cidadãos não democráticos” (BIROLI, 2020BIROLI, Flávia. Gênero, “valores familiares” e democracia. In: BIROLI, Flávia; MACHADO, Maria das Dores Campos; VAGGIONE, Juan Marco. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2020. p. 135-188., p. 148). Através da edificação do binômio, o “nós” oposto ao “eles” se torna mais intransigente. A estratégia de participação neoconservadora nos debates sobre direitos LGBTQIA+ se revela, mesmo quando patentemente malsucedida, uma oportunidade para a demarcação da diferença que condiciona a vivência política. Ainda que saibam que há pouca chance de manutenção dos seus argumentos junto ao STF, a simples participação serve para inflamar o discurso contra a suposta ameaça progressista. Destarte, “a produção de subjetividades autoritárias pode ser um fator fundamental para a ascensão e o apoio posterior a lideranças e governos autoritários” (BIROLI, 2020BIROLI, Flávia. Gênero, “valores familiares” e democracia. In: BIROLI, Flávia; MACHADO, Maria das Dores Campos; VAGGIONE, Juan Marco. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2020. p. 135-188., p. 148).

O neoconservadorismo não se sustenta exatamente em uma reação a novas práticas sexuais, até porque elas sempre existiram, mas pela percepção de uma alteração na hierarquia sexual que sempre condicionou seu trato público (VAGGIONE, 2020VAGGIONE, Juan Marco. A restauração legal: o neoconservadorismo e o direito na América Latina. In: BIROLI, Flávia; MACHADO, Maria das Dores Campos; VAGGIONE, Juan Marco. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2020. p. 41-82., p. 57-58). É justamente por isso que Cooper (2017COOPER, Melinda. Family values: between neoliberalism and the new social conservatism. New York: Zone Books, 2017., p. 21) relaciona o florescimento da nova aliança conservadora estadunidense à redefinição da normatividade sexual que, até então, se ancorava em uma visão tipicamente fordista da célula familiar. A articulação neoconservadora depende da retórica de ofensa à família tradicional e de imoralidade para angariar espaço político. Até mesmo a violência se justifica, pois o que seria inadmissível em um Estado democrático e plural aparece como única alternativa para a defesa dos valores básicos de uma sociedade em crise. Omite-se, no entanto, que essa é uma crise fabricada, uma crise que utiliza o moralismo religioso como elemento necessário para a instrumentalização política da mobilização social, mascarando propositalmente suas próprias pretensões antidemocráticas (URBAN, 2007URBAN, Hugh B. Machiavelli Meets the Religious Right: Michael Ledeen, the Neoconservatives, and the Political Uses of Fundamentalism. Journal of Ecumenical Studies, v. 42, n. 1, p. 76-97, jan. 2007., p. 30).

Predomina na retórica do novo conservadorismo a afirmação de que a globalização e os direitos humanos construíram uma dualidade insuperável. De um lado, as minorias seriam excessivamente protegidas. De outro, a maioria acabaria sendo depreciada e impedida de cultivar seus próprios valores (ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS, 2009ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS. Petição de admissão como amicus curiae. Rio de Janeiro, 2009. ADI nº 4.277/DF. Peça nº 17 dos autos eletrônicos., p. 24-25). Por conseguinte, haveria uma suposta “cristofobia” caracterizada pela perseguição e descrédito do pensamento religioso nos espaços públicos do Estado. Trata-se de uma estratégia específica, que permite à maioria cristã assumir posição de vítima, afirmando que “o discurso da minoria gayzista a fim de calar a orientação dada com apreço à verdade moral [...] seria uma molestação conteudística que imporia a mordaça, por receio de sanção penal e civil, daí a ditadura cristofóbica e intolerante” (APEBE, 2020ASSOCIAÇÃO PRÓ-EVANGÉLICOS DO BRASIL E EXTERIOR - APEBE. Petição de admissão como amicus curiae. Brasília, 2020. ADI nº 5.668/DF. Peça nº 202 dos autos eletrônicos., p. 25).

No entanto, nem sempre as intervenções neoconservadoras defendem expressamente uma moral religiosa. No caso da escola sem partido, é curioso destacar que a ANAJURE tentou empregar uma retórica de distanciamento daqueles fundamentos puramente religiosos. Ela pretendeu não se limitar à incompatibilidade com a moralidade de substrato religioso presente no ideário social brasileiro, mas destacar que a rejeição às teorias de gênero se assentaria em supostas inconsistências teóricas e na ausência de lastro científico (ANAJURE, 2019ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JURISTAS EVANGÉLICOS - ANAJURE. Petição de admissão como amicus curiae. Brasília, 2019. ADPF nº 522/PE. Peça nº 44 dos autos eletrônicos., p. 31). A discussão acerca da criminalização da homotransfobia, igualmente, observou, por parte de atores neoconservadores, a remissão à liberdade de expressão e às garantias penais como elementos técnicos que suplantariam a discussão estritamente moral e religiosa (COBIM, 2016CONVENÇÃO BRASILEIRA DAS IGREJAS EVANGÉLICAS IRMÃOS MENONITAS - COBIM. Petição de admissão como amicus curiae. Brasília, 2016. ADO nº 26/DF. Peça nº 73 dos autos eletrônicos., p. 4). Isso revela uma compreensão técnica dos novos atores conservadores acerca dos limites jurídicos dentro dos quais o direito opera.

A retórica conservadora demonstra uma capacidade de adaptação estratégica, ainda que formal, às regras do jogo constitucional. Mas apenas formal, sublinhe-se, pois seu compromisso material permanece sendo o de subversão do paradigma democrático pluralista. A discussão sobre o aborto é exemplificativa. Se tradicionalmente havia uma primazia pelo argumento da instalação da alma no óvulo fecundado, houve uma guinada recente no discurso neoconservador em direção à qualificação do zigoto como detentor do genoma humano completo, que substitui a referência divina por outra científica (RUIBAL, 2014RUIBAL, Alba M. Feminismo frente a fundamentalismos religiosos: mobilização e contramobilização em torno dos direitos reprodutivos na América Latina. Revista Brasileira de Ciência Política, v. 14, p. 111-138, ago. 2014., p. 118). A característica desse novo conservadorismo é justamente a de operacionalização estratégica dentro dos marcos de legalidade e constitucionalidade formalmente colocados, “através de uma crescente articulação dos discursos seculares”12 12 Tradução nossa. No original: “by increasingly articulating secular discourses”. (VAGGIONE, 2005VAGGIONE, Juan Marco. Reactive Politicization and Religious Dissidence: The Political Mutations of the Religious. Social Theory and Practice, v. 31, n. 2, p. 233-255, maio 2005., p. 243).

Para Vaggione (2005VAGGIONE, Juan Marco. Reactive Politicization and Religious Dissidence: The Political Mutations of the Religious. Social Theory and Practice, v. 31, n. 2, p. 233-255, maio 2005., p. 239), o movimento neoconservador pode ser descrito como um fenômeno de “politização reativa”, na medida em que ele passa a simular articulações e estratégias usualmente associadas aos movimentos feministas e LGBTQIA+. Dessa forma, posições conservadoras e religiosas que outrora restaram privatizadas passam a recobrar uma centralidade política e a atuar como importantes mobilizadores do debate público. Em particular, a centralidade dessa estratégia culmina na manutenção de um controle moral sobre o corpo social. O direito se revela importante para o novo conservadorismo, “não tanto pela eficácia das leis ao controlar as práticas, mas pelo papel que assume na hierarquização da ordem sexual” (VAGGIONE, 2020VAGGIONE, Juan Marco. A restauração legal: o neoconservadorismo e o direito na América Latina. In: BIROLI, Flávia; MACHADO, Maria das Dores Campos; VAGGIONE, Juan Marco. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2020. p. 41-82., p. 43).

Embora se observe a tentativa de ocupação do judiciário e do STF por grupos neoconservadores, é interessante constatar que eles insistem em caracterizar as instâncias judiciais como parte da ameaça à hegemonia dos valores tradicionais que são defendidos (VIEIRA; EFREM FILHO, 2020VIEIRA, Adriana; EFREM FILHO, Roberto. O rei está nu: gênero e sexualidade nas práticas e decisões no STF. Revista Direito e Práxis, v. 11, n. 2, p. 1084-1136, jun. 2020., p. 1128) Em particular, prevalece a retórica de que há uma usurpação de competências pelo Supremo Tribunal Federal, sempre que ele decide matérias supostamente ideológicas, ainda que tal palavra seja empregada sem rigor técnico. Ideológico é tudo que está aberto a uma oposição moral por vertentes tradicionalistas. Assim, a acusação derradeira é a de que o judiciário acabaria por “impor uma visão de mundo ideológica e minoritária à inteireza da população, que, cumpre ressaltar, é majoritariamente cristã” (FRENTE PARLAMENTAR EM DEFESA DA VIDA E DA FAMÍLIA, 2020FRENTE PARLAMENTAR EM DEFESA DA VIDA E DA FAMÍLIA. Petição de admissão como amicus curiae. Brasília, 2020. ADI nº 5.668/DF. Peça nº 186 dos autos eletrônicos., p. 9).

Tal posição é acentuada pela prevalência de movimentos religiosos que vislumbram a ampliação de direitos das parcelas minoritárias da população, com destaque para a comunidade LGBTQIA+, como legítimo afronte ao padrão moral supostamente prevalente no ordenamento brasileiro. Daí porque a atuação dos novos grupos conservadores não se resume apenas ao processo legiferante, atuando como forças de subversão que impedem a plena efetivação de direitos já positivados (RUIBAL, 2014RUIBAL, Alba M. Feminismo frente a fundamentalismos religiosos: mobilização e contramobilização em torno dos direitos reprodutivos na América Latina. Revista Brasileira de Ciência Política, v. 14, p. 111-138, ago. 2014., p. 116). Klarman (2013KLARMAN, Michael J. From the closet to the altar: courts, backlash, and the struggle for same-sex marriage. Oxford: Oxford University Press, 2013., p. 215) traz um ilustrativo exemplo, ao enfatizar o forte movimento de reação por parte do novo conservadorismo estadunidense às decisões favoráveis ao reconhecimento de direitos LGBTQIA+, que culminou na retirada de diversos juízes de seus assentos.

O neoconservadorismo não esconde seu interesse de controle sobre a ordem moral e sexual. Em verdade, tal movimento é exemplificativo da estratégia de atuação desses grupos, que se concentra principalmente na defesa da religião e da tradição contra a ameaça fantasiosa do progressismo LGBTQIA+. O judiciário, nesse contexto, acaba sendo usado como meio para a defesa estratégica da retórica neoconservadora, ainda que acabe atacado como parte do problema. Não é possível ignorar, entretanto, que o discurso de controle e hierarquia sexual apregoado tem uma grande capacidade de ressonância no corpo social. É esse o desafio que se coloca ao movimento LGBTQIA+ e que precisa ser bem compreendido. Até por isso, a etapa derradeira do presente artigo será destinada a analisar a conformação discursiva concreta dessa ameaça.

3.2 Definindo os contornos discursivos do combate à “doutrinação” LGBTQIA+

Uma das principais estratégias empregadas por grupos neoconservadores na mobilização junto ao STF é o da alteração do sentido das discussões travadas, impondo conclusões desconectadas da realidade jurídica ou, até mesmo, propositalmente distorcidas e inverídicas. Tal intenção se revela, por exemplo, na manifestação da Associação Eduardo Banks (2009ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS. Petição de admissão como amicus curiae. Rio de Janeiro, 2009. ADI nº 4.277/DF. Peça nº 17 dos autos eletrônicos., p. 18), que traz uma longa passagem em sua intervenção na ADI nº 4.277 destinada a associar o reconhecimento da união estável entre homossexuais com uma possível legalização da bigamia e do incesto. Não há qualquer margem dentro da discussão jurídica estritamente delineada que admitiria uma insinuação como a proposta, sequer existindo impugnação quanto aos dispositivos diversos que os proíbem. No entanto, o argumento é lançado, não tanto para que produza efeitos jurídicos, mas para que a ameaça infundada ressoe com uma parcela específica da população para quem é direcionada.

A alteração pode ser ainda mais evidente. Em outra passagem da mesma manifestação da Associação Eduardo Banks na ADI nº 4.277 é possível observar um julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que dizia apenas: “no crime de atentado violento ao pudor, como em qualquer outro, é irrelevante apurar-se se a vítima é, ou não, homossexual - qualidade que ostentam, estes sim, os agentes ativos, ora apelantes” (ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS, 2009ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS. Petição de admissão como amicus curiae. Rio de Janeiro, 2009. ADI nº 4.277/DF. Peça nº 17 dos autos eletrônicos., p. 31). Trata-se de uma passagem aparentemente simples, que não traz qualquer juízo expresso de valor. No entanto, a interpretação conferida pela entidade imputa que todo indivíduo criminoso deve ser imediatamente portador de “qualidade homossexual”. A distorção, novamente, não é direcionada exatamente aos julgadores, mas a possíveis leitores que, até pela repetição, passam a interiorizar a associação da homossexualidade à transgressão criminal.

A estratégia é justamente a de distorção da realidade para que, a despeito da absurdidade dos argumentos levantados, se consiga imprimir um ônus negativo e um senso de depravação às lutas dos movimentos LGBTQIA+. Tal percepção é particularmente inflamada quando tais falsidades, ainda que mentirosas, angariam apelo midiático e adquirem ampla circulação digital (SUNSTEIN, 2021SUNSTEIN, Cass R. Liars: falsehoods and free speech in an age of deception. Oxford: Oxford University Press, 2021., p. 78). Ao mesmo tempo, tal característica interage com outra já destacada, na medida em que o discurso neoconservador também busca reconstruir o processo de formação identitária, favorecendo a recepção da desinformação como única expressão da verdade. Trata-se do fenômeno da polarização, que “ocorre quando a discussão coletiva leva seus membros para um ponto mais extremo, em sintonia com suas próprias tendências, antes de eles começarem a conversar”13 13 Tradução nossa. No original: “occurs when group discussion leads group members to a more extreme point in line with their tendencies before they started to talk”. (SUNSTEIN, 2021SUNSTEIN, Cass R. Liars: falsehoods and free speech in an age of deception. Oxford: Oxford University Press, 2021., p. 86).

O processo de desinformação midiático capitaneado pelo novo conservadorismo é particularmente impulsionado pela capacidade de ocupação de vulnerabilidades inerentes ao ecossistema digital, resultando em um acréscimo de exposição e audiência para mensagens de ódio e de desconstrução da oposição democrática (MARWICK; LEWIS, 2017MARWICK, Alice; LEWIS, Rebecca. Media Manipulation and Disinformation Online. New York: Data & Society Research Institute, 2017., p. 3). Até por isso, Fallis (2015)FALLIS, Don. What Is Disinformation? Library Trends, v. 63, n. 3, p. 401-426, 2015. propõe que a desinformação seja caracterizada como o processo de circulação de informações propositalmente enganosas, com o intuito de que determinado grupo se beneficie desse elemento. As manifestações de grupos neoconservadores junto ao STF apenas denotam a ausência de pudor na deturpação da informação. Mas o neoconservadorismo prospera em meio à disseminação constante de desinformação, utilizando-a, inclusive, como tática de reafirmação da autoridade moral que exerce sobre seus partidários.

Na ADO nº 26, a Associação Eduardo Banks apresenta novo exemplo de ênfase na propagação de desinformação. Imputa-se que o homossexualismo seria considerado legalmente torpe, como os jogos de azar e a auto-prostituição (ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS, 2014ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS. Petição de admissão como amicus curiae. Rio de Janeiro, 2014. ADO nº 26/DF. Peça nº 6 dos autos eletrônicos., p. 14-15). Em que pese não serem expressamente proibidas, prevalece a retórica de que as relações homossexuais seriam interpretadas como negócios jurídicos ilícitos. Tal hipótese, entretanto, é inexistente no ordenamento jurídico brasileiro. Também há na manifestação da entidade uma deturpação de tratados internacionais, para cogitar que, diante da inexistência de um tipo específico no Tribunal Penal Internacional para reprimenda da violência à comunidade LGBTQIA+, estaria chancelada a possibilidade de discriminação contra essa parcela da população (ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS, 2014ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS. Petição de admissão como amicus curiae. Rio de Janeiro, 2014. ADO nº 26/DF. Peça nº 6 dos autos eletrônicos., p. 16). São interpretações absurdas, cuja simples existência e publicidade ameaça a comunidade atingida. A sua permeabilidade também revela um risco maior, pois se aceitos, os argumentos distorcidos revelam uma inclinação totalitária que rejeita o diálogo.

O recurso ao convencimento e à discussão científica não tem lugar quando uma das partes prefere aderir a supostas verdades que são, antes de tudo, mentiras ou distorções. No caso da criminalização da homotransfobia, por exemplo, mesmo diante de inúmeros dados estatísticos apresentados, o discurso neoconservador insistiu em sustentar que inexiste uma base de dados dotada de oficialidade que permita constatar a existência de práticas violentas (ANAJURE, 2015ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JURISTAS EVANGÉLICOS - ANAJURE. Petição de admissão como amicus curiae. Brasília, 2015. ADO nº 26/DF. Peça nº 52 dos autos eletrônicos., p. 12). Trata-se de uma afirmação vazia, mas que acaba por desacreditar toda a evidência científica contrária sem que se promova uma verdadeira análise dos dados colocados ao debate. O diálogo é completamente impossibilitado. Para além de negar o problema sem qualquer embasamento, o discurso neoconservador tenta imputar à população LGBTQIA+ o estigma da criminalidade, o fazendo com base em uma inferência absolutamente fantasiosa de práticas de abusos e violência sexual contra crianças (IDVF, 2020INSTITUTO DE DEFESA DA VIDA E DA FAMÍLIA - IDVF. Manifestação de amicus curiae. São Paulo, 2020. ADI nº 5.668/DF. Peça nº 154 dos autos eletrônicos., p. 39).

Para além da deturpação de sentido empregada, o neoconservadorismo também se utiliza estrategicamente da contradição. De um lado, há o discurso de defesa do pluralismo enquanto condição para a participação religiosa e para maximização de suas liberdades. Exemplo claro é encontrado no julgamento da ADO nº 26, em que se conclamou o “respeito à diversidade do povo brasileiro, composto especialmente por protestantes, evangélicos e católicos que agora se veem ameaçados” (FRENTE PARLAMENTAR MISTA DA FAMÍLIA E APOIO À VIDA, 2015FRENTE PARLAMENTAR MISTA DA FAMÍLIA E APOIO À VIDA. Petição de admissão como amicus curiae. Brasília, 2015. ADO nº 26/DF. Peça nº 63 dos autos eletrônicos., p. 4). Entretanto, e paradoxalmente, igual posição não é estendida aos grupos vistos como seus adversários14 14 O exemplo advindo da intervenção da APEBE (2020, p. 4) na ADI nº 5.668 é latente, pois em um parágrafo afirma que “o pluralismo implica na participação de vários diferentes, em responsabilidades e vínculos sociais na vida democrática”, para no parágrafo subsequente refutar “uma ideologia de gênero que pretende definir os destinos da sociedade impondo valores diferentes dos que são aceitos pelas famílias brasileiras”. A conclusão é a de que é preciso exercitar a tolerância, mas visões diferentes de mundo não podem ser toleradas. . Quanto às pautas LGBTQIA+, por exemplo, não há tolerância, não podendo sequer serem mencionadas em sala de aula, uma vez que “os comportamentos sexuais especiais - bissexualidade, transexualidade, homossexualidade, entre outros - são complexos e impróprios para crianças e adolescentes” (IDVF, 2020INSTITUTO DE DEFESA DA VIDA E DA FAMÍLIA - IDVF. Manifestação de amicus curiae. São Paulo, 2020. ADI nº 5.668/DF. Peça nº 154 dos autos eletrônicos., p. 34).

Isso significa atribuir às importantíssimas discussões trazidas pelos movimentos feministas e LGBTQIA+ a marca de uma moralidade que não deveria ter espaço na esfera pública, mas, ao mesmo tempo, sustentar que essa mesma esfera pública deve ser fortemente pautada em uma moralidade conservadora e cristã supostamente majoritária. Uma consideração breve e superficial acerca do significado de democracia e pluralismo já bastaria para apontar a necessidade de convivência entre conservadores e progressistas, entre esquerda e direita. No entanto, a contradição neoconservadora se revela propositalmente intransigente. Ela serve perfeitamente ao interesse de despolitização da pauta LGBTQIA+, apontada como exclusivamente afeta ao campo da moralidade. Se as pautas progressistas são despolitizadas, os preceitos religiosos assumem centralidade política e altivez hierárquica (MIGUEL, 2016MIGUEL, Luis Felipe. Da “doutrinação marxista” à “ideologia de gênero” - Escola Sem Partido e as leis da mordaça no parlamento brasileiro. Revista Direito e Práxis, v. 7, n. 3, p. 590-621, set. 2016., p. 597).

É relevante recuperar a crítica tecida pela ANAJURE, na ADPF nº 522, à ameaça do ensino da teoria de gênero em sala de aula. Isso porque se defendeu que não é “razoável e prudente adotar e aplicar nas escolas brasileiras uma corrente teórica que, embora evoque para si o posto de verdade absoluta, é desprovida de qualquer comprovação biológica/científica” (ANAJURE, 2019ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JURISTAS EVANGÉLICOS - ANAJURE. Petição de admissão como amicus curiae. Brasília, 2019. ADPF nº 522/PE. Peça nº 44 dos autos eletrônicos., p. 21). A despeito do equívoco básico, tal afirmação culmina em uma absoluta contradição, pois essa mesma associação advoga pelo ensino de teorias religiosas criacionistas e terraplanistas que tampouco tiveram comprovação científica. No entanto, a contradição serve ao propósito neoconservador, mantendo vivas as expectativas de maximização de suas próprias liberdades em detrimento da minimização das liberdades alheias.

Se há dois pesos e duas medidas evidenciadas no raciocínio destacado, essa contradição se revela estratégica justamente porque atua para retirar a importância política das conquistas humanitárias já alcançadas e, simultaneamente, fortalecer a centralidade política das novas forças conservadoras. No exemplo do Movimento Escola Sem Partido, há uma defesa acentuada da neutralidade política como fundamento para que a escola não desenvolva atividades que dissonem das convicções morais familiares (MIGUEL, 2016MIGUEL, Luis Felipe. Da “doutrinação marxista” à “ideologia de gênero” - Escola Sem Partido e as leis da mordaça no parlamento brasileiro. Revista Direito e Práxis, v. 7, n. 3, p. 590-621, set. 2016., p. 607). Curiosamente, essa neutralidade opera apenas em um sentido, para evitar a suposta “doutrinação feminista e gayzista”. O alinhamento das diretrizes escolares com a moralidade cristã não é jamais rechaçado, sendo, inclusive, encorajado.

De um lado, há a afirmação de que é preciso promover a tolerância, especialmente a tolerância com o pensamento religioso e conservador, mas, de outro, se diz que a discussão sobre teorias de gênero e sobre orientação sexual é impossível na escola. Se é impossível mencioná-las, não são toleradas e não há tolerância quanto a elas. A contradição é latente. A própria Associação Escola Sem Partido traz em suas diretrizes o endosso ao direito de “conhecer o outro lado das questões controvertidas” (ESP, 2016ASSOCIAÇÃO ESCOLA SEM PARTIDO - ESP. Petição de admissão como amicus curiae. Maceió, 2016. ADI nº 5.537/AL. Peça n° 16 dos autos eletrônicos., p. 3). Entretanto, o outro lado a ser conhecido é apenas o que se alinha a valores neoconservadores, porque o lado que propõe discussões sobre gênero e orientação sexual não ostenta similar espaço no ambiente educacional.

Ademais, ao impossibilitar o debate e a orientação quanto aos temas, haverá a consequente imposição de um obstáculo ao enfrentamento da discriminação e do preconceito. Novamente, o efeito almejado é o do silenciamento da diferença opositora, pois “se a família tradicional, assim como os papéis de gênero convencionais, são tanto naturais quanto de origem divina, qualquer discussão está encerrada. A ordem natural e divina é, por definição, incontestável” (MIGUEL, 2016MIGUEL, Luis Felipe. Da “doutrinação marxista” à “ideologia de gênero” - Escola Sem Partido e as leis da mordaça no parlamento brasileiro. Revista Direito e Práxis, v. 7, n. 3, p. 590-621, set. 2016., p. 613). A prevalência da retórica neoconservadora impõe um fechamento político que é, em essência, antidemocrático. A moralidade religiosa enquanto fundamento de controle político sobre a ordem sexual, informada por preceitos divinos tidos como incontestáveis, não admite espaço para a dissidência democrática legítima (CHAUÍ, 2006CHAUÍ, Marilena. Fundamentalismo religioso: a questão do poder teológico-político. In: BORON, Atilio A. (org.). Filosofia Política Contemporânea: Controvérsias sobre Civilização, Império e Cidadania. São Paulo: USP, 2006. p. 125-144., p. 132).

O medo, igualmente, atua sob essa mesma vertente, para desumanizar a oposição e legitimar violências inconstitucionais. Daí porque o novo conservadorismo se preocupa tanto em publicizar que “a dissolução da moral sexual convencional é um passo da estratégia comunista” (MIGUEL, 2016MIGUEL, Luis Felipe. Da “doutrinação marxista” à “ideologia de gênero” - Escola Sem Partido e as leis da mordaça no parlamento brasileiro. Revista Direito e Práxis, v. 7, n. 3, p. 590-621, set. 2016., p. 601). Cumpre notar que o medo e o inimigo são constituídos sobre as mesmas bases contraditórias e deturpadas já mencionadas. Ademais, é intrigante que os próprios conservadores reconheçam que os governos tidos como comunistas são até mais restritivos aos direitos das pessoas LGBTQIA+. No que lhes beneficia, reforçam que “no único país da América Latina onde o Socialismo de Estado é praticado, a conduta homossexual é que é passível de sofrer as penas da Lei” (ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS, 2014ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS. Petição de admissão como amicus curiae. Rio de Janeiro, 2014. ADO nº 26/DF. Peça nº 6 dos autos eletrônicos., p. 60). Entretanto, ignoram que esse é o contraponto para a retórica da ameaça comunista, que persiste sendo empregada como elemento de mobilização política neoconservadora.

O exemplo da escola sem partido é igualmente relevante, pois evidencia uma estratégia de disseminação de medo. Ainda que não exista fundamento concreto capaz de associar as discussões escolares de gênero e orientação sexual com uma efetiva doutrinação, há uma crescente vocalização pelos novos conservadores de que a simples presença de tais termos em sala de aula bastaria para caracterizar uma propaganda ideológica inadmissível. O que se anuncia indiscriminadamente é a “imposição de uma ideologia infundada à população brasileira, que se presta ao papel de destruir a instituição familiar” (IDVF, 2020INSTITUTO DE DEFESA DA VIDA E DA FAMÍLIA - IDVF. Manifestação de amicus curiae. São Paulo, 2020. ADI nº 5.668/DF. Peça nº 154 dos autos eletrônicos., p. 5). A escola estaria tomada por comunistas e depravados, cabendo à família lutar para a neutralização dos conteúdos programáticos, garantindo a prerrogativa exclusiva de formação moral dos seus filhos.

Não raras vezes, o discurso empregado pelo neoconservadorismo para defesa de sua pauta moral se ancora em ameaças que ressonam diretamente no âmago das pessoas a que são direcionadas. Assim, por exemplo, se empregam seletivamente alguns dados empíricos para afirmar que a redefinição de gênero é capaz de “desestabilizar a psique de um ser humano a tal ponto de levá-lo ao suicídio” (FRENTE PARLAMENTAR MISTA PELA JUVENTUDE, 2020FRENTE PARLAMENTAR MISTA PELA JUVENTUDE. Petição de admissão como amicus curiae. Brasília, 2020. ADI nº 5.668/DF. Peça nº 149 dos autos eletrônicos., p. 17). Tal visão ignora uma análise concreta das causas, focando apenas na orientação sexual identificada da vítima, quando a própria intolerância religiosa e o moralismo extremado concorrem para um quadro depressivo que leva a algo tão grave como o suicídio. No entanto, a ameaça ressona profundamente no ideário social, que receia a perda precoce da população jovem, mas que prefere não avaliar sua própria participação na produção dos quadros que lhe fomentam. É sempre preferível eleger um vilão externo.

Nesse aspecto, a construção de um ideal de “minoria” pode se converter em munição para impedir a concretização da igualdade estampada no texto constitucional. Isso se reflete na forma como o STF julga as questões sensíveis à população LGBTQIA+, sempre destacando diferenças e estigmas (MONICA, 2020MONICA, Eder Fernandes. A hegemonia do discurso liberal sobre direitos homossexuais no STF. Revista Direito e Práxis, v. 11, n. 2, p. 1358-1390, jun. 2020., p. 1384). Ao reforçar as cicatrizes da comunidade, a Corte acaba agindo para reforçar a desigualdade que supostamente caracterizaria a distinção entre maioria e minoria. Ademais, há um efeito de homogeneização das diferenças internas nos próprios grupos ditos minoritários, que não pensam de forma perfeitamente uniforme. Esses elementos acabam sendo reapropriados por movimentos conservadores, para associar minoritização e vitimização15 15 Conforme enfatizam Vieira e Efrem Filho (2020, p. 1111), o discurso prevalente nos julgamentos do STF associa grupos minoritários a uma vulnerabilidade acentuada. , reforçando os argumentos para a discriminação política dos seus adversários.

Há, na verdade, uma hierarquia em termos de gênero e sexualidade que prestigia os homens heterossexuais, eleitos como sujeitos ideais para a comparação necessária à apuração do “nível de humanidade” daqueles sujeitos que integram as minorias (RIOS, 2020RIOS, Roger Raupp. Tramas e interconexões no Supremo Tribunal Federal: Antidiscriminação, gênero e sexualidade. Revista Direito e Práxis, v. 11, n. 2, p. 1332-1357, jun. 2020., p. 1341). Daí porque, ainda que bem-intencionados, os julgamentos do STF acabam por reforçar a assimetria existente entre maioria e minoria, prevalecendo sempre a necessidade de que a última se adeque aos padrões e exigências morais da primeira. Tanto assim que se preferiu substituir, no julgamento da ADI nº 4.277, a referência à sexualidade pela referência à afetividade, contrapondo a união estável heterossexual à homoafetiva. Da mesma forma, o discurso prevalente no julgamento foi o de defesa do grupo tido como minoritário e ameaçado em face da maioria (VIEIRA; EFREM FILHO, 2020VIEIRA, Adriana; EFREM FILHO, Roberto. O rei está nu: gênero e sexualidade nas práticas e decisões no STF. Revista Direito e Práxis, v. 11, n. 2, p. 1084-1136, jun. 2020., p. 1110).

Se a relação que envolve partes com sexos biológicos opostos é tida como natural, a relação homossexual permanece marcada pelo signo da depravação. Nesse contexto, a afetividade aparece elemento de purificação da conjunção “errada”, para que ela possa ser assimilada ao paradigma de família, tão caro aos movimentos neoconservadores (RIOS, 2020RIOS, Roger Raupp. Tramas e interconexões no Supremo Tribunal Federal: Antidiscriminação, gênero e sexualidade. Revista Direito e Práxis, v. 11, n. 2, p. 1332-1357, jun. 2020., p. 1342). Entretanto, ao promover tal distinção, acaba havendo um reforço da desigualdade. Enquanto estratégia, o novo conservadorismo se mune do conceito de minoria para evidenciar a diferença existente entre indivíduos “bons” e indivíduos “maus”. Em suma, se o reconhecimento jurídico dos direitos das pessoas LGBTQIA+ perpassa sempre a flexibilização de uma assimetria inata entre o ideal e o real (entre o certo e o errado), então haverá sempre, nas entrelinhas, espaço para a manutenção do raciocínio neoconservador discriminatório. Isso porque a população dita minoritária acaba aprisionada em um quadro de sofrimento intrínseco que impede “qualquer existência para além dos limites dessa condição” (VIEIRA; EFREM FILHO, 2020VIEIRA, Adriana; EFREM FILHO, Roberto. O rei está nu: gênero e sexualidade nas práticas e decisões no STF. Revista Direito e Práxis, v. 11, n. 2, p. 1084-1136, jun. 2020., p. 1117).

Tal movimento já era enfatizado por Pierucci (1990PIERUCCI, Antônio Flávio. Ciladas da diferença. Tempo Social, v. 2, n. 2, p. 7-33, 1990., p. 30), quando destacava a ideia de diferença, tão importante para o movimento LGBTQIA+, e seu emprego em benefício da visão religiosa moralizante que se sustenta na manutenção de desigualdades. Na medida em que a diferença opera como fundamento para a proteção judicial por vezes conferida, essa mesma diferença reforça a retórica neoconservadora de quebra igualitária. Ela se transforma em fundamento para a manutenção de comportamentos discriminatórios. Conforme pontua Biroli (2020BIROLI, Flávia. Gênero, “valores familiares” e democracia. In: BIROLI, Flávia; MACHADO, Maria das Dores Campos; VAGGIONE, Juan Marco. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2020. p. 135-188., p. 175), “o fato de ser possível postular abertamente o valor desigual de heterossexuais e homossexuais e as hierarquias que configuram desvantagens para as mulheres, legitimando essas posições, pressiona os limites do aceitável em direção à justificação da violência”.

Por fim, cabe enfatizar que a estratégia neoconservadora inclui, igualmente, a promoção do medo, sustentando até mesmo a insurgência e revolução caso se acolham tópicos da pauta LGBTQIA+. Tal construção retoma a ideia já destacada de que há uma investida contra os valores tradicionais da sociedade brasileira. Tanto assim que se ameaçou, no bojo da ADO nº 26 direcionada à criminalização da homotransfobia, que eventual acolhimento do pedido resultaria em possível revolta popular e em uma campanha de desobediência civil (ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS, 2014ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS. Petição de admissão como amicus curiae. Rio de Janeiro, 2014. ADO nº 26/DF. Peça nº 6 dos autos eletrônicos., p. 27). Na medida em que se propaga, no próprio entorno neoconservador, que a pauta LGBTQIA+ carrega uma ideologia capaz de destruir o ser humano e acabar com a sociedade, é natural que se reivindique a possibilidade de luta contra tal ameaça. A defesa de valores familiares tradicionais e religiosos revela um movimento de reocupação do discurso conservador, que deve “se impor, para que a sociedade, a economia, a política se reergam, reajam aos sinais de corrupção e de decomposição do tecido social” (BURITY, 2018BURITY, Joanildo. A onda conservadora na política brasileira traz o fundamentalismo ao poder? In: ALMEIDA, Ronaldo de; TONIOL, Rodrigo (orgs.). Conservadorismos, fascismos e fundamentalismos: análises conjunturais. Campinas: Editora da Unicamp, 2018., p. 21).

A combinação entre o discurso da barbárie inimiga e da necessidade de reação violenta para defesa de valores tradicionais culmina em um delicado panorama para a concretização de direitos LGBTQIA+. As intervenções de grupos neoconservadores no STF revelam justamente a defesa de um aparente formalismo constitucional como canal para que a discriminação se perpetue, transmutada em exigência democrática. A estratégia, no entanto, é a de disseminação do medo em relação à diferença, construída semanticamente como inimiga da tradição nacional. Para alcançar tais objetivos, os contornos dessa retórica neoconservadora demonstram a manipulação das discussões travadas judicialmente e a deturpação de conceitos jurídicos básicos. O resultado é a insinuação de uma ameaça progressista a ser erradicada, ainda que a verdadeira ameaça seja inversa, imposta à comunidade LGBTQIA+, diante da supressão do pluralismo democrático que permitiu a conquista de direitos hoje ameaçados.

4. Conclusão

O presente artigo partiu de uma importante indagação: se as últimas décadas permitiram avanços significativos no reconhecimento de direitos LGBTQIA+, haveria ainda algo pelo que lutar? A resposta é positiva. Isso porque, em paralelo à mobilização de forças progressistas na luta pela concretização de direitos fundamentais e humanos, houve a ascensão de uma nova articulação contrária, marcada pela aliança entre atores conservadores, neoliberais e religiosos. A primeira seção buscou caracterizar esse neoconservadorismo com base em seus diferentes vetores, com ênfase para a recuperação de uma autoridade moral que se impõe sobre o corpo social. Se o Estado é visto como demasiadamente progressista, a família acaba sendo destacada como instituição que permite a manutenção de um controle moral estrito.

A oposição entre a família conservadora e o Estado plural é ainda mais enfática na discussão acerca da “doutrinação” escolar. Constrói-se uma retórica antiplural para afirmar que crianças não podem ser expostas a nada relacionado ao universo LGBTQIA+, que nem mesmo teriam a capacidade para discutir tais questões e suas implicações em sala de aula. O emprego do medo, como ferramenta de construção de um inimigo fictício, se destaca. Retomando o exemplo, cultiva-se o medo de que os alunos sejam obrigados a realizar exercícios em que se colocam na posição de alguém “desviante” (que foge ao paradigma religioso tradicional), e que se exponham, assim, a uma doença que lhes tornará igualmente “desviantes”. O que espanta, entretanto, é que o ato de se colocar na situação do desviante é justamente o cerne da atitude adotada por Jesus Cristo em diversas passagens bíblicas, que enfatizam a compaixão e o perdão direcionado ao próximo, ainda que “pecadores”.

Isso revela que a proposta neoconservadora de erradicação da diferença não é democrática e, inclusive, é intrinsecamente antirreligiosa. Ela ofende postulados básicos de compaixão e tolerância. No entanto, conforme pontuado na abertura da segunda seção deste artigo, a construção do inimigo é elemento indispensável da estratégia de ocupação política defendida pelas novas forças conservadoras. A contradição é latente nessa retórica, mas como elemento estratégico. Tais grupos defendem o direito da criança de não ser doutrinada pelas forças progressistas, mas, ao mesmo tempo, exigem da família uma forte atitude de controle moral que em muito se assemelha à doutrinação combatida.

Ademais, a desinformação está no centro da estratégia neoconservadora. A análise dispendida na etapa derradeira deste artigo logrou evidenciar, através de intervenções concretas de amici curiae no STF, como a prática discursiva empregada é a de manipulação de sentidos e de propagação de ameaças infundadas contra a comunidade LGBTQIA+. Portanto, a resposta à pergunta inaugural culmina em uma exigência. A despeito das diversas conquistas já angariadas, é preciso estejamos atentos à estratégia neoconservadora de reocupação do espaço público que se sustenta na rejeição ao paradigma democrático pluralista. Como bem adverte Vaggione (2020VAGGIONE, Juan Marco. A restauração legal: o neoconservadorismo e o direito na América Latina. In: BIROLI, Flávia; MACHADO, Maria das Dores Campos; VAGGIONE, Juan Marco. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2020. p. 41-82., p. 82), “intensificou-se uma ‘evangelização secular’ que busca recristianizar a sociedade por meio da letra da lei e dos direitos cidadãos”.

A atenção é crescentemente urgente, na medida em que a máscara de aderência formal à constituição já não é mais capaz de esconder a verdadeira propensão antidemocrática das novas forças conservadoras. Se sua estratégia é de uma aberta desumanização e demonização de tudo que é diferente, de tudo que destoa da tradição religiosa supostamente prevalente na nação, inclusive através da rejeição aos direitos humanos, então haverá sempre espaço para a desconstrução das garantias já conquistadas. É isso que revigora a necessidade de luta pelo pluralismo constitucional. Uma vez mais, é preciso que estejamos atentos à estratégia neoconservadora, não apenas para que a pauta LGBTQIA+ consiga avançar, mas, principalmente, para assegurar que não sejam dados passos para trás.

  • 1
    Para a seleção dos documentos a serem investigados, imputou-se como neoconservadoras todas as entidades e grupos, inclusive frentes parlamentares, que defenderam expressamente o conservadorismo moral ou religioso em sua fundamentação.
  • 2
    Tradução nossa. No original: “can be defined by their preemptive orientation toward the political future”.
  • 3
    Tradução nossa. No original: “neoconservatism is born out of a literally unholy alliance, one that is only unevenly and opportunistically religious”.
  • 4
    Herético porque, sobre diversas leituras religiosas, qualquer pretensão de controle totalitário sobre a comunidade política revelaria a usurpação de uma prerrogativa de julgamento que é exclusivamente afeta à divindade metafísica.
  • 5
    O fundamentalismo, para (BURITY, 2018BURITY, Joanildo. A onda conservadora na política brasileira traz o fundamentalismo ao poder? In: ALMEIDA, Ronaldo de; TONIOL, Rodrigo (orgs.). Conservadorismos, fascismos e fundamentalismos: análises conjunturais. Campinas: Editora da Unicamp, 2018., p. 43), “é associado a uma reação antiliberal, violenta ou antagonística, a uma tentativa integrista de reconquistar o controle da vida social contra os avanços da biopolítica, da equalização de condições e da pluralização social”.
  • 6
    Tradução nossa. No original: “an increasingly blurred line between religious and political culture, and between theological and political discourse”; “facilitates the reception of the de-democratizing forces of neoconservatism and neoliberalism”.
  • 7
    Tradução nossa. No original: “sombrer […] dans l'immoralité la plus complète”.
  • 8
    Tal posicionamento é reforçado: “por isso que as restrições ao homossexualismo são toleráveis, por fazerem parte do Gênio do Povo, isto é, de suas tradições culturais e religiosas” (ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS, 2014ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS. Petição de admissão como amicus curiae. Rio de Janeiro, 2014. ADO nº 26/DF. Peça nº 6 dos autos eletrônicos., p. 26).
  • 9
    Equiparável ao conceito de homonormativismo (MONICA, 2020MONICA, Eder Fernandes. A hegemonia do discurso liberal sobre direitos homossexuais no STF. Revista Direito e Práxis, v. 11, n. 2, p. 1358-1390, jun. 2020., p. 1387-1388), que expressa o movimento pelo qual o exercício da sexualidade homossexual acaba condicionado ao padrão heterossexual para ser tido como válido dentro do sistema.
  • 10
    Peças de nº 185, 198, 199, 200 e 201 dos autos eletrônicos.
  • 11
    Tradução nossa. No original: “maquinaria política que produce procesos de subjetivación, identificación y trazado de fronteras que delimitan comunidades políticas”.
  • 12
    Tradução nossa. No original: “by increasingly articulating secular discourses”.
  • 13
    Tradução nossa. No original: “occurs when group discussion leads group members to a more extreme point in line with their tendencies before they started to talk”.
  • 14
    O exemplo advindo da intervenção da APEBE (2020ASSOCIAÇÃO PRÓ-EVANGÉLICOS DO BRASIL E EXTERIOR - APEBE. Petição de admissão como amicus curiae. Brasília, 2020. ADI nº 5.668/DF. Peça nº 202 dos autos eletrônicos., p. 4) na ADI nº 5.668 é latente, pois em um parágrafo afirma que “o pluralismo implica na participação de vários diferentes, em responsabilidades e vínculos sociais na vida democrática”, para no parágrafo subsequente refutar “uma ideologia de gênero que pretende definir os destinos da sociedade impondo valores diferentes dos que são aceitos pelas famílias brasileiras”. A conclusão é a de que é preciso exercitar a tolerância, mas visões diferentes de mundo não podem ser toleradas.
  • 15
    Conforme enfatizam Vieira e Efrem Filho (2020VIEIRA, Adriana; EFREM FILHO, Roberto. O rei está nu: gênero e sexualidade nas práticas e decisões no STF. Revista Direito e Práxis, v. 11, n. 2, p. 1084-1136, jun. 2020., p. 1111), o discurso prevalente nos julgamentos do STF associa grupos minoritários a uma vulnerabilidade acentuada.

5. Referências Bibliográficas

5. Referências Bibliográficas
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  • ASSOCIAÇÃO ESCOLA SEM PARTIDO - ESP. Petição de admissão como amicus curiae Maceió, 2016. ADI nº 5.537/AL. Peça n° 16 dos autos eletrônicos.
  • ASSOCIAÇÃO ESCOLA SEM PARTIDO - ESP. Petição de admissão como amicus curiae Brasília, 2018. ADPF nº 522/PE. Peça nº 14 dos autos eletrônicos.
  • ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JURISTAS EVANGÉLICOS - ANAJURE. Petição de admissão como amicus curiae Brasília, 2018. ADI nº 5.537/AL. Peça nº 99 dos autos eletrônicos.
  • ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JURISTAS EVANGÉLICOS - ANAJURE. Petição de admissão como amicus curiae Brasília, 2019. ADPF nº 522/PE. Peça nº 44 dos autos eletrônicos.
  • ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JURISTAS EVANGÉLICOS - ANAJURE. Petição de admissão como amicus curiae Brasília, 2015. ADO nº 26/DF. Peça nº 52 dos autos eletrônicos.
  • ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JURISTAS EVANGÉLICOS - ANAJURE. Petição de admissão como amicus curiae Brasília, 2020. ADI nº 5.668/DF. Peça nº 108 dos autos eletrônicos.
  • ASSOCIAÇÃO PRÓ-EVANGÉLICOS DO BRASIL E EXTERIOR - APEBE. Petição de admissão como amicus curiae Brasília, 2020. ADI nº 5.668/DF. Peça nº 202 dos autos eletrônicos.
  • CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL - CNBB. Petição de admissão como amicus curiae Brasília, 2011. ADI nº 4.277/DF. Peça nº 32 dos autos eletrônicos.
  • CONVENÇÃO BRASILEIRA DAS IGREJAS EVANGÉLICAS IRMÃOS MENONITAS - COBIM. Petição de admissão como amicus curiae Brasília, 2016. ADO nº 26/DF. Peça nº 73 dos autos eletrônicos.
  • FRENTE PARLAMENTAR EM DEFESA DA VIDA E DA FAMÍLIA. Petição de admissão como amicus curiae Brasília, 2020. ADI nº 5.668/DF. Peça nº 186 dos autos eletrônicos.
  • FRENTE PARLAMENTAR MISTA DA FAMÍLIA E APOIO À VIDA. Petição de admissão como amicus curiae Brasília, 2015. ADO nº 26/DF. Peça nº 63 dos autos eletrônicos.
  • FRENTE PARLAMENTAR MISTA PELA JUVENTUDE. Petição de admissão como amicus curiae Brasília, 2020. ADI nº 5.668/DF. Peça nº 149 dos autos eletrônicos.
  • INSTITUTO DE DEFESA DA VIDA E DA FAMÍLIA - IDVF. Manifestação de amicus curiae São Paulo, 2020. ADI nº 5.668/DF. Peça nº 154 dos autos eletrônicos.
  • INSTITUTO FEDERALISTA - IF BRASIL. Petição de admissão como amicus curiae Brasília, 2020. ADI nº 5.668/DF. Peça nº 157 dos autos eletrônicos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    27 Abr 2022
  • Aceito
    27 Abr 2022
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