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A Constituição de 1988 e o rompimento com os pactos de silêncio em torno dos quilombos

The 1988 Constitution and the breakdown with the silence pacts regarding the quilombos

Resumo

O artigo reflete sobre o rompimento do pacto de silenciamento em torno da resistência quilombola promovido a partir da Constituição de 1988. Para tanto, considerando que o Direito Constitucional demorou um século para reconhecer a resistência quilombola (1888 a 1988), parte do dispositivo previsto no art. 216, § 5º, da Constituição brasileira, para indagar a importância de se estudar a patrimonialidade dos sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos e as suas implicações no campo jurídico. A metodologia consistiu na revisão crítica de literatura.

Palavras-chave:
Constitucionalismo; Silêncios; Quilombos; Inclusão; Igualdade

Abstract

The article reflects on the rupture of the silence pact about the “quilombola” issue enhanced after the Constitution of 1988. To this end, considering that Constitutional Law took a century to recognize the legitimacy of the quilombola resistance (1888 to 1988), we start with the provision in art. 216, § 5, of the Brazilian Constitution, to inquire about the importance of studying the cultural heritage of sites that have historical reminiscences of the old quilombos and their implications in the legal field. The methodology used was a critical review of previous research.

Keywords:
Constitutionalism; Silence; Quilombos; Inclusion; Equality

Introdução: quilombos, terminologia e clausura jurídica

Qual foi a resposta constitucional ao silenciamento que se formou em relação à resistência quilombola? Qual a importância de se estudar a patrimonialidade dos sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos e as suas implicações no campo jurídico? Os quilombos constituíram, no passado, uma categoria jurídica objeto de rejeição, dado o seu caráter de insubordinação, inclusive com viés político, como já vem reconhecendo algumas pesquisas em Ciências Sociais1 1 Sintetizando as discussões a respeito do aspecto político dos quilombos, cf. ALMEIDA, Luiz Sávio de. Quilombo e política. In: MOURA, Clóvis (org.). Os quilombos na dinâmica social do Brasil. Maceió: EDUFAL, 2001, p. 89-101; GUIMARÃES, Carlos Magno. Quilombos e política (MG – Século XVIII). Revista de História, nº 132, p. 69-81, jan./jun. 1995; LEITE, Ilka Boaventura. O projeto político quilombola: desafios, conquistas e impasses atuais. Estudos Feministas, vol. 16, nº 3, p. 965-977, set./dez. 2008. .

Para tanto, considerando que o Direito Constitucional demorou um século para reconhecer a resistência quilombola (1888 a 1988), parte-se do dispositivo previsto no art. 216, § 5º, da Constituição brasileira, para indagar a importância de se estudar a patrimonialidade dos sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos e as suas implicações no campo jurídico. Dessa forma, o texto é sistematizado e aborda os seguintes temas: a) Terminologia e clausura jurídica; b) Insurgência ao sistema jurídico: contraponto à escravização; c) Relações com a sociedade envolvente: complexidade, dinamicidade e o mito do isolamento; d) Invisibilidade dos quilombos (ocultamento/silenciamento/esquecimento); e) A Constituição e o rompimento com o pacto de silêncio em torno dos quilombos.

Carlos Magno Guimarães (1995GUIMARÃES, Carlos Magno. Quilombos e política (MG – Século XVIII). Revista de História, São Paulo, nº 132, p. 69-81, jan./jun. 1995., p. 69, 73 e 89) defende a compreensão do quilombo enquanto fenômeno portador de caráter político que carece ser evidenciado. Por sua vez, esse caráter pode ser comprovado por via do trabalho de convencimento executado por parcela dos escravizados. Diversas ações voltam-se para a atividade específica de viabilizar a instalação e crescimento dos quilombos, a qual precisa ser entendida como manifestação eminentemente política.

Assim, a rejeição do caráter político do quilombo decorre, dentre outras coisas, de sua conceituação jurídica passada, que o considerava como um fenômeno que subvertia o sistema social, político e jurídico que legitimavam a escravização. Deve-se registrar, inicialmente, que a resposta portuguesa ao fenômeno dos quilombos foi bem posterior à resposta espanhola aos cimarrones, que data de fevereiro de 1571 (libro VII, título V, Ley XXI, publicado inicialmente por Don Felipe Segundo), readequado em agosto de 1574 e, finalmente, consolidado em 1671 (na Recopilación de Leys), na qual estavam na categoria quem havia fugido de seus limites determinados por seus amos durante um período maior do que quatro dias (DE LA SERNA, 2010DE LA SERNA, Juan Manuel. Los cimarrones en la sociedade novohispana. In: DE LA SERNA, Juan Manuel (Coord.) De la libertad y la abolición: africanos y afrodescendentes en Iberoamérica. Ciudad de México: INAH, 2010, p. 83-109., p. 89). Apesar da primeira aparição dos quilombos em documentos portugueses ter acontecido anteriormente, só em 1740, como resposta à consulta de Portugal, o Conselho Ultramarino apresentou definição institucionalizada (CUNHA; ALBANO, 2017CUNHA, Felipe Gibson; ALBANO, Sebastião G. Identidades quilombolas: políticas, dispositivos e etnogêneses. LatinoAmérica: Revista de Estudios Latinoamericanos, México, vol. 64, nº 01, p. 153-184, 2017., p. 159), definindo-o como:

Toda habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados e nem se achem pilões nele.

Posteriormente, como maneira mais eficaz de combatê-los, o número de escravizados diminuiu de 05 (cinco) para 02 (dois) (SILVA, 2000SILVA, Valdélio Santos. Rio das Rãs à luz da noção de quilombo. Afro-Ásia, Salvador, nº 23, p. 265-293, 2000.; ALMEIDA, 2002ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Os quilombos e as novas etnias. In: O’DWYER, Eliane Cantarino (org.). Quilombos: identidade étnica e territorialidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002, p. 43-81., p. 47; LEITE, 2008LEITE, Ilka Boaventura. O projeto político quilombola: desafios, conquistas e impasses atuais. Estudos Feministas, Florianópolis, vol. 16, nº 3, p. 965-977, set./dez. 2008., p. 966 e 970; LOUREIRO, 2014LOUREIRO, Maria L. de N. Matheus. A cidade e o quilombo: objeto, patrimônio e documento. Revista Museologia e Patrimônio: Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio, Rio de Janeiro, vol. 7 nº 1, p. 207-221, 2014., p. 216), demonstrando-se que o conceito teve que ser ressignificado juridicamente durante o próprio período da legislação repressora. Dessa forma, os quilombos passariam a representar importante ameaça simbólica, constituindo o pesadelo de senhores e funcionários coloniais, além de conseguir fustigar com insistência desconcertante o regime escravagista2 2 Décio Freitas (1982, p. 29), por sua vez, entendia que as lutas dos escravizados não tiveram força para destruir o sistema de opressão e exploração. (REIS, 95/96, p. 18).

Se, inicialmente, o Conselho Ultramarino, em 1740, o definiu como “toda habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados e nem se achem pilões nele” (LOUREIRO, 2014LOUREIRO, Maria L. de N. Matheus. A cidade e o quilombo: objeto, patrimônio e documento. Revista Museologia e Patrimônio: Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio, Rio de Janeiro, vol. 7 nº 1, p. 207-221, 2014., p. 216), devido ao aumento do número de quilombos, com mais resistência ao processo jurídico de escravidão, o Estado Imperial teve que alargar o conceito de quilombo, reduzindo o número de membros, que cai de cinco para três nas legislações de governos provinciais (CUNHA; ALBANO, 2017CUNHA, Felipe Gibson; ALBANO, Sebastião G. Identidades quilombolas: políticas, dispositivos e etnogêneses. LatinoAmérica: Revista de Estudios Latinoamericanos, México, vol. 64, nº 01, p. 153-184, 2017., p. 159). Na Província do Maranhão, por exemplo, o art. 12 da Lei nº 236, de 20 de agosto de 1847, considerava que se reputava escravizado aquilombado aquele que estivesse no interior das matas, vizinho, ou distante de qualquer estabelecimento, em reunião de dois ou mais com casa ou rancho (MARANHÃO, 1835-1849MARANHÃO. Leis, decretos e resoluções. Leis da Província do Maranhão. São Luís: I. J. Ferreira, 1835-1849.). Assim,

Art. 12- Reputa-se-há escravo aquilombado, logo que esteja no interior das matas, vizinho ou distante de qualquer estabelecimento, em reunião de dois ou mais com casa ou rancho.

A conceituação passou a permear o imaginário e a constituição da memória do que se entende por quilombo, o que causa confusões teóricas e práticas sobre a temática3 3 Sobre controvérsias e disputas em torno do conceito de quilombo, cf. CARVALHO, Roberta M. Amâncio; LIMA, Gustavo F. da Costa. Comunidades quilombolas, territorialidade e a legislação no Brasil: uma análise histórica. Revista de Ciências Sociais, nº 39, p. 329-346, out. 2013; HENRIQUES FILHO, Tarcísio. Quilombola: a legislação e o processo de construção de identidade de um grupo social negro. Revista de Informação Legislativa, vol. 48, nº 192, p. 147-170, out./dez. 2011; LIFSCHITZ, Javier A. Percursos de uma neocomunidade quilombola: entre a “Modernidade” afro e a “tradição” pentecostal. Afro-Ásia, nº 37, p. 153-173, 2008. até hoje, principalmente no que diz respeito à rejeição da contemporaneidade das comunidades quilombolas, como forma de negação de direitos, a partir do conceito jurídico formulado sobre quilombo, já que tais definições não corresponderam a todas as experiências do próprio passado, pois o fenômeno era mais dinâmico e complexo do que a própria legislação anti-quilombola, tanto que esta última teve de se adequar, por diversas vezes, a essa dinamicidade.

É importante, também, considerar que os registros oficiais costumam referir-se apenas àqueles quilombos que foram atacados pelas forças militares ou capitães-do-mato contratados, já que as informações coletadas em documentos geralmente provêm daqueles territórios que foram invadidos por forças repressoras (SILVA, 2000SILVA, Valdélio Santos. Rio das Rãs à luz da noção de quilombo. Afro-Ásia, Salvador, nº 23, p. 265-293, 2000., p. 271).

A ressalva é importante porque retira legitimidade das argumentações jurídicas que se baseiam na suposição de que os quilombos no Brasil teriam sido apenas aqueles registrados oficialmente, reprimidos e destruídos pela administração colonial, como um fenômeno social que existiu no passado sob controle estrito e absoluto das autoridades coloniais e imperiais; essa suposição, todavia, cai por terra não apenas com base nos estudos históricos mais recentes, como também ao se constatar a existência, atualmente, de comunidades que afirmam descenderem de quilombos, contrariando os supostos critérios definitivos de verdade da historiografia tradicional, a partir de seu confronto com a história oral preservada pelos quilombolas, que têm contribuído para suprir as lacunas da documentação oficial e até mesmo alterar as interpretações que se acreditavam definitivas (SILVA, 2000SILVA, Valdélio Santos. Rio das Rãs à luz da noção de quilombo. Afro-Ásia, Salvador, nº 23, p. 265-293, 2000., p. 272).

Como conclusão, o artigo expõe que o campo em torno dos quilombos é uma categoria jurídica em disputa e, dessa forma, sujeito às configurações das relações de poder, sendo necessário se conferir aos sujeitos quilombolas meios para que possam disputar esse campo com condições de igualdade mínimas, haja vista o histórico de violações aos seus direitos no passado e no presente. A metodologia consistiu na revisão crítica de literatura.

Mas, afinal, o que foram os quilombos para além de seu conceito jurídico, exposto nesta introdução, e qual a contribuição deles para o Direito Constitucional?

1. Insurgência ao sistema jurídico: contraponto à escravização

Antes de abordar o quilombo, é necessário relatar que o escravismo delineou o Brasil, país fortemente estruturado nas relações decorrentes da escravidão e cujos efeitos o sistema jurídico pouco enfrentou. O Brasil experimentou a formação escravista mais importante no Novo Mundo, pois nenhum outro país teve sua História tão modelada e condicionada pelo escravismo, em todos os aspectos, econômico, social e cultural, podendo-se dizer que a escravidão esboçou o perfil histórico do Brasil e produziu a matriz da sua configuração social: passados 130 anos da abolição, conserva toda a sua validez a observação de Nabuco (2011)NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. Introdução de Izabel A. Marson e Célio R. Tasinafo. Brasília: Editora UnB, 2011. de que a escravidão ainda continuaria por muito tempo uma característica nacional do Brasil (FREITAS, 1982FREITAS, Décio. O escravismo brasileiro. 2. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982., p. 11).

No entanto, a escravização produziu importante contraponto: os quilombos, pelos quais se pode inovar a respeito da reflexão constitucional sobre os direitos à liberdade e à igualdade. Para Edison Carneiro (2011CARNEIRO, Edison. O Quilombo dos Palmares. Prefácio de Flávio dos Santos Gomes. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011., p. XXXV), o recurso mais utilizado pelos escravizados, no Brasil, para escapar ao cativeiro foi à fuga para o mato, de que resultaram os quilombos, os quais teriam tido um momento determinado e o desejo de fuga era certamente geral, mas o estímulo à fuga vinha do relaxamento da vigilância dos senhores, causado pela decadência econômica. De acordo com Stuart B. Schwartz4 4 Ainda, sobre a resistência dos escravizados, cf. SCHWARTZ, Stuart B. El mocambo: resistencia esclava en la Bahía colonial. In: PRICE, Richard (comp.). Sociedades cimarronas: comunidades esclavas rebeldes en las Américas. México: Siglo Veintiuno, 1981, p. 162-184; SCHWARTZ, Stuart B. Escravos, roceiros e rebeldes. Santa Catarina: EDUSC, 2001. (2001, p. 49),

A resistência dos escravos e, em especial, a formação dos quilombos são atividades em que a iniciativa dos escravos é mais óbvia e, assim, continua a interessar os historiadores, bem como aqueles interessados nas comunidades do Brasil contemporâneo proveniente do assentamento de fugitivos.

Todavia, costuma-se dizer que, em geral, as fontes históricas a respeito dos quilombos são raras, quando não indiretas, pois, nas senzalas, “as coisas” costumavam ser clandestinas e, nos quilombos, os registros aparecem em fontes produzidas pela repressão (GOMES, 2011GOMES, Flávio dos Santos. Africanos e crioulos no campesinato negro do Maranhão oitocentista. Revista Outros Tempos, São Luís, vol. 8, nº 11, p. 63-88, 2011., p. 64).

A investigação histórica destas comunidades negras apresenta enormes e complexas dificuldades, pois não se dispõe de fontes diretas dos próprios quilombolas, que nada deixaram escrito, restando apenas as informações de seus inimigos (FREITAS, 1982FREITAS, Décio. O escravismo brasileiro. 2. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982., p. 38).

Apesar disso, a partir de estudos das Ciências Sociais, principalmente da contribuição da História e da Antropologia, pode-se saber a respeito da sua formação e, por consequência, suas implicações jurídicas passadas e presentes, inclusive compreender que não se tratou de fenômeno restrito às Américas, nem às áreas rurais5 5 Décio Freitas (1982, p. 42) registra que alguns dos primeiros subúrbios dos maiores centros urbanos brasileiros se originam de quilombos. (DE LA SERNA, 2010DE LA SERNA, Juan Manuel. Los cimarrones en la sociedade novohispana. In: DE LA SERNA, Juan Manuel (Coord.) De la libertad y la abolición: africanos y afrodescendentes en Iberoamérica. Ciudad de México: INAH, 2010, p. 83-109., p. 89).

A noção de quilombo antecede a sua disciplina jurídica no Brasil, tendo vindo da África e, ainda nos períodos colonial e imperial, sofrido as necessárias ressignificações. Na África6 6 Aqui, usa-se a expressão “África” sem nenhuma pretensão de reduzir a sua complexidade, mas como referência ao continente africano, em contraponto ao continente americano, tendo em vista que a aquele, assim como este continente, é repleto de diversidade geoespaciais, históricas etc. Nesse sentido, cf. SANTOS, Ynaê Lopes dos. História da África e do Brasil afrodescendente. Rio de Janeiro: Pallas, 2017. Sobre a temática, Achille Mbembe (2002, p. 192 e 198-199) critica, igualmente, o mito da unidade africana, argumentando que não há nenhuma identidade africana que possa ser designada por um único termo, ou que possa ser nomeada por uma única palavra, ou, por fim, que possa ser subsumida a uma única categoria, pois a identidade africana não existe como substância, eis que é constituída, de variadas formas, com base numa série de práticas. , a palavra teria a conotação de associação de homens, aberta a todos sem distinção de filiação a qualquer linhagem, na qual os membros eram submetidos a dramáticos rituais de iniciação que os retiravam do âmbito protetor de suas linhagens e os integravam como co-guerreiros em um regimento de super-homens invulneráveis às armas de inimigos; por outro lado, o quilombo amadurecido seria uma instituição transcultural que recebeu contribuições de diversas culturas: lunda, imbangala, mbundu, kongo, wovimbundu, etc.; os ovimbundu contribuíram com a estrutura centralizada de seus campos de iniciação, os quais ainda se encontram hoje entre os mbundu e cokwe de Angola central e ocidental (MUNANGA, 1995/1996MUNANGA, Kabengele. Origem e histórico do quilombo na África. Revista USP, São Paulo, vol. 28, p. 56-63, dez./fev. 1995/1996., p. 60; 2001).

No mesmo sentido, João José Reis (95/96, p. 16) afirma que o termo quilombo derivaria da palavra kilombo, que seria uma sociedade de iniciação de jovens guerreiros mbundu adotada pelos invasores jaga (ou imbangala), estes últimos, formados por gente de variados grupos étnicos desenraizada de suas comunidades; a instituição teria sido reinventada, embora não inteiramente reproduzida, pelos rebeldes dos Palmares para enfrentar problema semelhante, a perda de raízes, em seu processo diaspórico, deste lado do Atlântico; além disso, a terminologia quilombo foi notabilizada após Palmares ter se consagrado como definição de reduto de escravizados fugidos, pois, antes disso, a expressão utilizada era mocambo7 7 A fim de que não se pratiquem novos apagamentos da história, é importante que se registre a presença indígena nos quilombos. João José Reis (95/96, p. 16), assim como outros pesquisadores que têm prestigiado o trabalho da arqueologia informam a presença indígena em alguns quilombos, inclusive escavações arqueológicas na Serra da Barriga recolheram um grande volume de cerâmica indígena, o que pode significar uma presença indígena mais importante do que até agora se admitiu, ou a adoção intensiva pelos palmarinos da cultura material nativa. Diz-se “alguns quilombos”, porque a historiografia registra, por outro lado, intensos conflitos entre quilombolas e indígenas em outros quilombos históricos, como se vê em duas notas a seguir. Tratando das alianças, cf. WADE, Peter. Interações, relações e comparações afro-indígenas. In: ANDREWS, G. R.; DE LA FUENTE, A. Estudos afro-latino-americanos: uma introdução. Buenos Aires: CLACSO/Harvard University, 2018, p. 119-162. bell hooks (2019, p. 316-341), ao tratar de “renegados”, revolucionários: americanos nativos, afro-americanos e indígenas negros, também trata dessas alianças nos Estados Unidos da América do Norte. .

Em Palmares, por exemplo, mulheres e homens organizaram a produção de maneira eficiente e desenvolveram estruturas originais de parentesco e de poder, não se sabendo muito sobre estes e outros aspectos da organização interna, sendo que os autores frequentemente generalizam para toda a história palmarina informações tomadas de fontes que retratam, sem muita precisão, condições locais específicas e momentos isolados de uma sociedade composta de vários núcleos populacionais, que durou quase cem anos (REIS, 95/96, p. 16).

Ainda sobre a noção inicial de quilombo, Kabengele Munanga (1995/1996MUNANGA, Kabengele. Origem e histórico do quilombo na África. Revista USP, São Paulo, vol. 28, p. 56-63, dez./fev. 1995/1996., p. 63) chega a relatar o quilombo brasileiro como uma “cópia” do quilombo africano8 8 A respeito desse assunto’, cf. KENT, R. K. Palmares: un Estado africano en Brasil. In: PRICE, Richard (comp.). Sociedades cimarronas: comunidades esclavas rebeldes en las Américas. México: Siglo Veintiuno, 1981, p. 113-151. Em sentido contrário, Décio Freitas (1982, p. 30) argumenta que a investigação histórica elucida que não houve sequer semelhança entre as comunidades dos escravizados brasileiros e os quilombos angolanos, em nenhum aspecto, caracterizando-se eles pelo contrário como substancialmente antinômicos. . Segundo ele, o quilombo brasileiro foi reconstruído pelos escravizados para se opor à estrutura escravocrata, pela implantação de outra estrutura política na qual se encontraram todos os oprimidos; escravizados, revoltados, organizaram-se para fugir das senzalas e das plantações e ocuparam partes de territórios brasileiros não-povoados, geralmente de acesso difícil; imitando o modelo africano, eles transformaram esses territórios em espécie de campos de iniciação à resistência, campos esses abertos a todos os oprimidos da sociedade (negros, indígenas9 9 Sobre a nem sempre amistosa relação entre quilombolas e povos indígenas, cf. GOMES, Flávio dos Santos. Africanos e crioulos no campesinato negro do Maranhão oitocentista. Revista Outros Tempos, vol. 8, nº 11, p. 63-88, 2011; GOMES, Flávio dos Santos. Etnogénesis y ocupación colonial: africanos, indígenas, criollos y cimarrones en Brasl (siglo XVIII). Anuario IEHS, vol. 26, p. 55-73, 2011b. e brancos pobres), prefigurando um modelo de democracia plurirracial que o Brasil ainda está a buscar10 10 Nesse sentido, parece ser a visão de Edison Carneiro (2011, p. XL), para quem os quilombolas viviam em paz, em uma espécie de fraternidade racial, havendo nos quilombos uma população heterogênea de que participavam em maioria negros, mas que contava também com mulatos e indígenas. .

Entretanto, apesar de sua forma de resistência e constante (re)existência, para João José Reis (95/96, p. 19), isolados ou integrados, dados à predação ou à produção, o objetivo da maioria dos quilombolas não teria sido de demolir a escravidão, mas sobreviver e até viver bem em suas fronteiras; também, não procederia, exceto talvez em poucos casos, a ideia de que os quilombolas fugiam para recriar a África no interior do Brasil11 11 Todavia, Edison Carneiro (2011, p. XXXVI), parece sugerir tal ideia, ao dizer que o movimento de fuga era, em verdade, uma negação da sociedade oficial, que oprimia os escravizados negros, eliminando a sua língua, religião e estilos de vida; assim, o quilombo, constituiu uma reafirmação da cultura e do estilo de vida africanos; o tipo de organização social criado pelos quilombolas estava tão próximo do tipo de organização então dominante nos Estados africanos que, ainda que não houvesse outras razões, poderia se dizer que os negros responsáveis por ele eram em grande parte recém-vindos da África, e não negros crioulos, nascidos e criados no Brasil. , com o projeto de construir uma sociedade alternativa à escravocrata e além disso numa reação “contra-aculturativa” ao mundo dos brancos; obviamente, os quilombos formados por africanos-natos aproveitaram tradições e instituições originárias da África, como no caso de Palmares, porém, não seria um movimento privativo dos quilombos. É inegável, todavia, o protagonismo negro nos quilombos. Kabengele Munanga (1995/1996MUNANGA, Kabengele. Origem e histórico do quilombo na África. Revista USP, São Paulo, vol. 28, p. 56-63, dez./fev. 1995/1996., p. 63) lembra que,

Não há como negar a presença, na liderança desses movimentos de fuga organizados, de indivíduos escravizados oriundos da região bantu, em especial de Angola, onde foi desenvolvido o quilombo. Apesar de o quilombo ser um modelo bantu, creio eu que, ao unir africanos de outras áreas culturais e outros descontentes não-africanos, ele teria recebido influências diversas, daí seu caráter transcultural. Com efeito, a transculturação parece-me um dado fundamental da cultura afro-brasileira. A “pureza” das culturas nagô e bantu é uma preocupação de alguns pesquisadores e nada tem a ver com as práticas e estratégias dos que nos legaram a chamada cultura negra no Brasil. Com efeito, os escravizados africanos e seus descendentes nunca ficaram presos aos modelos ideológicos excludentes. Suas práticas e estratégias desenvolveram-se dentro do modelo transcultural, com o objetivo de formar identidades pessoais ricas e estáveis que não podiam estruturar-se unicamente dentro dos limites de sua cultura. Tiveram uma abertura externa em duplo sentido para dar e receber influências culturais de outras comunidades, sem abrir mão de sua existência enquanto cultura distinta e sem desrespeitar o que havia de comum entre seres humanos. Visavam a formação de identidades abertas, produzidas pela comunicação incessante com o outro, e não de identidades fechadas, geradas por barricadas culturais que excluem o outro.

Assombrada com as dimensões de Palmares, a metrópole portuguesa combateu os quilombos no nascedouro, dando-lhes disciplina jurídica (nomeação), no século XVIII, definindo-os como o ajuntamento de cinco ou mais negros fugidos arranchados em sítio despovoado: tratou-se de uma definição mesquinha, concebida para melhor controlar as fugas, mas que, por outro lado, terminou por agigantar o fenômeno aos olhos de seus contemporâneos e de estudiosos posteriores, pois contados a partir de cinco sujeitos, o número de quilombos foi inflacionado nas correspondências oficiais (REIS, 95/96, p. 18).

3. Relações com a sociedade envolvente: complexidade, dinamicidade e o mito do isolamento

O certo, e bem evidente, é que o quilombo brasileiro surgiu ressignificando à ideia vinda da África, pois teve de se ajustar à sociedade colonial e imperial e aos modelos jurídicos nacionais que se diferenciavam do africano, o que evidencia seu constante caráter ressignificante diante das relações jurídicas com as quais tinham que lidar. Assim como no presente, os quilombos jamais estiveram totalmente isolados da sociedade hegemônica; eles mantinham relações, de modo a ser mito o ideário de isolamento total, haja vista haver muita cautela nos processos de negociação e troca, os quais demonstravam uma lógica quilombola de constante negociação de suas relações sociais, políticas e jurídicas. Tão evidente era a relação de alguns quilombos com a sociedade hegemônica envolvente que, em Províncias como o Maranhão, necessitou-se, pelo menos no plano jurídico-formal, penalizar aqueles que contribuíssem para essa relação, sendo exemplo disso a Lei nº 1157, de 6 de setembro de 1876 (MARANHÃO, 1835-1849), que, dentre tantas outras posturas, previa:

Art. 17. Toda pessoa livre que negociar com escravos fugidos ou aquilombados e ministrar-lhes qualquer qualidade de armas, e bem assim munição ou fazenda e mantimentos, além do crime previsto no art. 115 do cod. Criminal, incorrerá na multa de 30500 rs. E o duplo na reincidência. Se o delinquente for escravo será paga a multa pelo senhor, além de incorrer o mesmo escravo nas mesmas penas do citado art. 115 do código criminal.

Nesse sentido, a historiografia reconhece, além desse processo de negociação realizado entre quilombolas e a sociedade que circuncidava as comunidades, existir processos políticos de negociação com o próprio Estado colonial e imperial, os quais são registrados no Brasil e no exterior, confirmando-se o seu caráter político, apesar de negada pelos abolicionistas brasileiros (MOURA, 1981MOURA, Clóvis. Os quilombos e a rebelião negra. São Paulo: Brasiliense, 1981.). O discurso liberal dos abolicionistas não aceitava as lutas dos escravizados como fato político, mas, de fato, como simples manifestação de homens que “mantidos até hoje ao nível de animais”, jamais poderiam participar do processo de mudança social no qual eram os principais interessados (MOURA, 1981MOURA, Clóvis. Os quilombos e a rebelião negra. São Paulo: Brasiliense, 1981., p. 80-81).

É que essa “rebeldia negra” antecede em muito o movimento abolicionista. Enquanto a primeira desde o século XVII já se consubstanciava em um fato histórico tão relevante como a República de Palmares, o movimento abolicionista somente se manifestará, organizada e politicamente, quando o sistema escravista entra em sua crise irrecuperável do final do século XIX. É exatamente a este movimento tardio que se deseja dar o mérito da Abolição. Ao contrário. Se méritos devem ser computados deverão ser creditados à rebeldia negra. Se houve limitações imperdoáveis elas devem ser computadas aos tímidos abolicionistas que a concluíram.

Os abolicionistas, com a exceções que veremos depois, se desejavam o fim da escravidão lenta, de um lado, temiam, de outro, aquela “vingança bárbara e selvagem” a que Nabuco se refere cautelosamente. No entanto, conforme já vimos, os quilombos nunca foram grupos fechados e já na República dos Palmares e no quilombo de Ambrósio, como em tantos outros, elementos de outras etnias, marginalizados pelo sistema escravista, se refugiavam naqueles espaços para participarem da vida comunitária que encontravam no quilombo (MOURA, 1981MOURA, Clóvis. Os quilombos e a rebelião negra. São Paulo: Brasiliense, 1981., p. 81-82).

Dessa forma, tendeu-se a evidenciar os processos de negociação e relações firmados com a sociedade hegemônica envolvente e não as negociações e relações com o Estado, geralmente omitidos da narrativa oficial. Por exemplo, no Maranhão, nas áreas do Gurupi e Turiaçu, são conhecidos os detalhes de um campesinato que articulava mocambos e senzalas, dando origem às comunidades negras rurais e o acesso à terra ainda na escravidão, sendo que o seu funcionamento se dava da seguinte maneira: alguns produtos que complementavam a economia de quilombos, servindo como moeda de troca, vinham das roças e da economia própria daqueles que permaneciam nas senzalas, estabelecendo alianças, ampliando bases econômicas, autonomia e proteção (GOMES, 2011GOMES, Flávio dos Santos. Africanos e crioulos no campesinato negro do Maranhão oitocentista. Revista Outros Tempos, São Luís, vol. 8, nº 11, p. 63-88, 2011., p. 64).

Os habitantes dos quilombos podiam fazer grandes deslocamentos para efetuarem trocas mercantis ou reencontrar seus parentes que continuavam nas fazendas e, ainda no Maranhão, província pródiga em quilombos, dizia-se: “encontram-se os quilombos bem providos de armamentos e munição, e dos escravos que podem recrutar aos lavradores, que lhes não dão apoio”; assim, os escravizados de fazendeiros que não apoiassem, por meio de comércio, proteção, negligência ou pouco interesse em capturá-los, seriam alvos da “sedução” no sentido de ir para o quilombo; com ou sem a conveniência e omissão de determinados fazendeiros, alguns quilombolas, além de realizarem trocas mercantis, pernoitavam nas senzalas ou acampavam nas próprias terras de grandes fazendas (GOMES, 2011GOMES, Flávio dos Santos. Africanos e crioulos no campesinato negro do Maranhão oitocentista. Revista Outros Tempos, São Luís, vol. 8, nº 11, p. 63-88, 2011., p. 65).

O envolvimento era tão grande que algumas fazendas podiam ser classificadas como verdadeiros quilombos, não só porque os seus escravizados mantinham contatos com os quilombolas, mas, também, devido à insubordinação cotidiana e pressão aos senhores por mais autonomia, negociando o tempo do trabalho nas lavouras, cultivando roças, comercializando produtos e realizando batuques e festas religiosas com maior frequência etc. (GOMES, 2011GOMES, Flávio dos Santos. Africanos e crioulos no campesinato negro do Maranhão oitocentista. Revista Outros Tempos, São Luís, vol. 8, nº 11, p. 63-88, 2011., p. 65). Os relatos da historiografia comprovam que os quilombolas utilizavam seu capital rebelde para contornar o sistema jurídico da escravidão12 12 Não se pode esquecer que a escravidão não constituía uma realidade fora do Direito. Contrariamente, o sistema jurídico legitimava a escravidão, a qual possuía um vasto complexo de princípios e normas para regê-la: cf. BRITO, Luciana da Cruz. Temores da África: segurança, legislação e população africana na Bahia oitocentista. Salvador: EDFUBA, 2016, p. 15-30; FISCHER, Brodwyn; GRINBERG, Keila; MATTOS, Hebe. Direito, silêncio e racialização das desigualdades na história afro-brasileira. In: ANDREWS, G. R.; DE LA FUENTE, A. Estudos afro-latino-americanos: uma introdução. Buenos Aires: CLACSO/Harvard University, 2018, p. 163-215; MALHEIRO, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil: ensaio histórico, jurídico, social. Petrópolis/Brasília: Vozes/INL, 1976. , pois a existência desse sistema pressupunha, logicamente, a instituição jurídica, que legitimava a propriedade do homem pelo homem (FREITAS, 1982FREITAS, Décio. O escravismo brasileiro. 2. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982., p. 46) e, além de tudo, combatendo-se a insurgência, pois,

Por um lado, não podiam existir resistência ou insubordinação, já que as reconhecer seria reconhecer a humanidade dos escravizados. Por outro lado, uma vez que a resistência existia, era preciso lidar com ela de modo bem severo, dentro das fazendas ou nos seus arredores. Assim, às voltas com um discurso que afirmava a satisfação dos escravos, uma pletora de leis, conselhos e medidas, legais e ilegais, foram concebidos para conter a mesma resistência que era negada na teoria. [...]

Mas, na medida em que passava o tempo, a sucessão de revoltas nas fazendas e especialmente a consolidação – na Jamaica e nas Guianas – de grandes colônias de fugitivos, com as quais os governos coloniais tinham de negociar, minaram paulatinamente a imagem de submissão e o argumento correlato de inadaptação patológica. Por mais que alguns observadores quisessem ver nessas fugas em massa um sinal da força que a natureza exercia sobre o animal-escravo, a possibilidade de resistência em massa penetrou o discurso ocidental (TROUILLOT, 2016TROUILLOT, Michel-Rolph. Silenciando o passado: poder e a produção da história. Tradução de Sebastião Nascimento. Curitiba: Huya, 2016., p. 136-138).

Portanto, os quilombolas, mesmo diante de um cenário jurídico que lhes negava os direitos mais elementares, tais quais a liberdade e a igualdade, estavam atentos aos processos de negociação, demonstrando que tinham capacidade de se articular social e politicamente, a fim de que a força do Direito não fosse usada contra os mesmos, já que qualquer sistema de dominação tende a proclamar sua própria normalidade e, no caso dos escravizados, reconhecer a resistência como um fenômeno de massa seria reconhecer a possibilidade de que alguma coisa estivesse errada com o sistema, assim tanto os fazendeiros caribenhos quanto seus pares no Brasil e nos Estados Unidos, rejeitavam sistematicamente qualquer concessão ideológica em favor da liberdade e seus argumentos em defesa da escravidão foram decisivos para o desenvolvimento do racismo científico (TROUILLOT, 2016TROUILLOT, Michel-Rolph. Silenciando o passado: poder e a produção da história. Tradução de Sebastião Nascimento. Curitiba: Huya, 2016., p. 138).

Hoje, em um cenário no qual saíram da situação, pelo menos, de invisibilidade jurídica formal13 13 Tratando da situação das quebradeiras de coco babaçu e quilombolas, cf. SHIRAISHI NETO, Joaquim. O direito das minorias: passagem do “invisível” real para o “visível” formal? Manaus: EDUEA, 2013. , as lições do passado podem contribuir para os processos não só de luta por direitos, muitos dos quais já reconhecidos, mas de efetivação/inclusão, mediante suas lutas políticas. Se, no passado, o essencial era usar a ação política para se fugir da opressão do Direito, no presente, contudo, há inversão na qual a ação do Direito deve ser usada para se escapar da opressão da política.

4. Invisibilidade dos quilombos: ocultamento/silenciamento/esquecimento

Antes de tratar sobre como se formou o silêncio em torno dos quilombos, uma importante ressalva deve ser pontuada. Renomados cientistas sociais têm questionado se alguns grupos estiveram em situação de invisibilidade e, agora, tornaram-se visíveis. Dessa maneira, a questão da invisibilidade deve ser vista com cuidado, a fim de que não se cometam equívocos teóricos. Peter Wade (2003WADE, Peter. Compreendendo a “África” e a “negritude” na Colômbia: a música e a política da cultura. Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, ano 25, nº 1, p. 145-178, 2003., p. 154) registra, a partir do caso colombiano, que não havia interesse total em transformar os negros e os indígenas em “invisíveis”, como alegaram consideráveis cientistas sociais, ainda que aspectos valorosos das suas identidades fossem apagados, tendo em vista que o ideário de Nação dependia da ideologia da mestiçagem para se afirmar. Em outras palavras, o interesse em invisibilizar era limitado, diante da afirmação de que negros e indígenas estavam em posição inferior, atribuindo-lhes um caráter exótico e atrasado, a fim de reiterar a superioridade, Modernidade e progresso do embranquecimento biológico e cultural. Era comum, ainda, a apropriação de elementos da cultura negra, como o samba, no Brasil14 14 Análises próprias sobre apropriações culturais entre nós, cf. VELASCO MOLINA, M. Las políticas culturales y la apropiación de los elementos culturales afrobrasileños por parte de la elite brasileña. In: ________. Teorías y democracia raciales: la resignificación de la cultura negra en Brasil. México: UNAM, 2016, p. 223-309. , a rumba, em Cuba, e o porro e a cumbia, na Colômbia, exatamente, para se exaltar o elemento “negro” na formação do ideário de Nação (WADE, 2007WADE, Peter. Identidad racial y nacionalismo: una visión teórica de Latinoamérica. In: LA CADENA, Marisol. Formaciones de indianidad: articulaciones raciales, mestizaje y nación en América Latina. Popayán/Colombia: Envión Editores, 2007, p. 379-402., p. 389; 2003, p. 155).

O uso da imagem e da cultura da população negra e dos povos indígenas era imprescindível como ponto de referência definidor do branco e do futuro da Modernidade, ou melhor, as representações da Nação se nutriram das imagens dos “outros” racializados (WADE, 2007WADE, Peter. Identidad racial y nacionalismo: una visión teórica de Latinoamérica. In: LA CADENA, Marisol. Formaciones de indianidad: articulaciones raciales, mestizaje y nación en América Latina. Popayán/Colombia: Envión Editores, 2007, p. 379-402., p. 389). Foi assim que os Estados-Nações latino-americanos usaram as culturas subalternizadas para fortalecer a ideia da miscigenação e, no caso do Brasil, o mito da democracia racial. Porém, a seletividade dos elementos dessa cultura agiu principalmente sobre elementos culturais que pudessem passar por um processo de embranquecimento menos perceptível, ou cujo embranquecimento não pudesse ser atrelado a movimentos reivindicatórios: o encaixe dos quilombos nessa lógica seria bastante improvável, já que o próprio estereótipo que os definiu pressuponha insubordinação.

Isso explica o ocultamento/silenciamento/esquecimento a respeito do significado e contribuição dos quilombos para a formulação da narrativa oficial do Brasil, em que pese a sua proeminência em grande parte da História nacional. A esse fenômeno os historiadores têm denominado de silenciamento15 15 Fazendo intersecção entre silenciamento e tabu, cf. ANÓN, Valeria; RUFER, Mario. Lo colonial como silencio, la conquista como tabu: reflexiones en tiempo presente. Tabula Rasa, nº 29, p. 107-131, 2018. . Em importante obra a respeito do papel da História, principalmente a partir do silêncio que se formou a respeito da Revolução do Haiti, Michel-Rolph Trouillot16 16 Apresentando as posições do autor haitiano, cf. ARCO BLANCO, Miguel Ángel del. Nota introductoria: por qué publicar Silenciando el pasado. In: TROUILLOT, Michel-Rolph. Silenciando el pasado: el poder y la producción de la Historia. Granada: 2017; CARBY, Hazel V. Presentación. In: TROUILLOT, Michel-Rolph. Silenciando el pasado: el poder y la producción de la Historia. Granada: 2017; ESPINOSA ARANGO, Mónica L.¿Cómo escribir una historia de la imposible? Michel-Rolph Trouillot y la interpretación de la revolución haitiana. Memorias, año 4, nº 8, p. 30-40; MELLO, Marcelo Moura; PIRES, Rogério Brittess W. Trouillot, o Caribe e a Antropologia. Afro-Ásia, nº 58, p. 189-196, 2018; PRICE, Sally. Posfácio. Higienização da cultura: poder e produção de exposições museológicas. In: FILHO, Manuel F. Lima et al. Museus e atores sociais: perspectivas antropológicas. Recife: EDUFPE/​ABA, 2016, p. 273-283; TROUILLOT, Michel-Rolph. A região do Caribe: fronteira aberta na teoria antropológica. Afro-Ásia, nº 58, p. 196-232, 2018. Também, narrando ou contextualizando a Revolução, cf. GRAU, María Isabel. La revolución negra: la rebelión de los esclavos en Haití, 1791-1804. México: Ocean Sur, 2009; LAO-MONTES, Agustín. Descolonizar la memoria en aras de forjar futuros de liberación: repensar las independencias a la luz de la Revolución Haitiana. Sortuz. Oñati Journal of Emergent Social-legal Studies, vol. 5, issue 2, p. 90-105, 2013; VASTEY, Jean Louis. El sistema colonial develado. Buenos Aires: Ediciones del CCC, 2018. (2016, p. 18) diz que a mesma é fruto do poder, mas o próprio poder nunca é transparente a ponto de sua análise ser supérflua; como complemento, a marca infalível do poder pode bem ser sua invisibilidade; por outro lado, o desafio inescapável será expor suas raízes (TROUILLOT, 2016TROUILLOT, Michel-Rolph. Silenciando o passado: poder e a produção da história. Tradução de Sebastião Nascimento. Curitiba: Huya, 2016., p. 18), rompendo com os seus silêncios.

Nesse sentido, Michel-Rolph Trouillot (2016TROUILLOT, Michel-Rolph. Silenciando o passado: poder e a produção da história. Tradução de Sebastião Nascimento. Curitiba: Huya, 2016., p. 57) afirma que os silêncios ingressam no processo de produção histórica nos seguintes momentos: a) criação do fato: elaboração das fontes; b) composição do fato: elaboração dos arquivos; c) recuperação do fato: elaboração das narrativas e; d) significância retroativa: elaboração da história em última instância. Sobre o importante poder dos arquivos17 17 Jacques Derrida (2001, p. 7-17) já havia tratado da origem, do privilégio jurídico de arquivar e da violência do arquivo. Tratando, semelhantemente, do esquecimento, a historicização e a seletividade do arquivo, cf. LÜBBE, Hermann. Esquecimento e historicização da memória. Estudos Históricos, vol. 29, nº 57, p. 285-300, 2016. , registra que,

O controle desigual sobre a produção histórica persiste também no segundo momento da produção histórica, a elaboração de arquivos e documentos. Fontes e documentos podem, é claro, surgir simultaneamente e alguns analistas chegam mesmo a confundi-los (TROUILLOT, 2016TROUILLOT, Michel-Rolph. Silenciando o passado: poder e a produção da história. Tradução de Sebastião Nascimento. Curitiba: Huya, 2016., p. 91).

Em vista disso, para Michel-Rolph Trouillot (2016TROUILLOT, Michel-Rolph. Silenciando o passado: poder e a produção da história. Tradução de Sebastião Nascimento. Curitiba: Huya, 2016., p. 58), esses momentos são ferramentas conceituais, abstrações de segundo nível de processos que se alimentam uns dos outros e, como tais, não pretendem oferecer uma descrição realista da elaboração de qualquer narrativa individual, mas, ajudam a entender por que nem todos os silêncios são iguais e por que eles não podem ser abordados – ou eliminados – todos da mesma forma, ou seja, qualquer narrativa histórica é um conjunto específico de silêncios, resultante de um processo singular, e a operação necessária para desconstruir tais silêncios variará de acordo com eles.

Entendido como se forma a produção de silenciamentos na História, não se pode esquecer que eles decorrem das relações de poder em determinado momento. Além disso, a memória nacional, desde o início do século passado, no Brasil, deslocou, de certa maneira, o objeto do poder disciplinar exercido pelos órgãos e entidades estatais encarregados dessa atividade. São exemplos o Decreto-Lei nº 25/37 e a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN etc. Nunca é demais, porém, lembrar as palavras de Michel Foucault (2010FOUCAULT, Michel. Nascimento e transformações do racismo [Aula de 28 de janeiro de 1976]. In: ________. Em defesa da sociedade. Tradução de Maria Ermantina Galvão. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 55-71., p. 56) a respeito das relações entre História e poder:

Parece-me que se pode compreender o discurso do historiador como uma espécie de cerimônia, falada ou escrita, que deve produzir na realidade uma justificação do poder e, ao mesmo tempo, um fortalecimento desse poder. Parece-me também que a função tradicional da história, desde os primeiros analistas romanos até tarde na Idade Média, e talvez no século XVII e mais tardiamente ainda, foi a de expressar o direito do poder e de intensificar o seu brilho. Duplo papel: de uma parte, ao narrar a história, a história dos reis, dos poderosos, dos soberanos e de suas vitórias (ou eventualmente, de suas derrotas provisórias), trata-se de vincular juridicamente os homens ao poder mediante a continuidade da lei, que se faz aparecer no interior desse poder e em seu funcionamento; de vincular, pois, juridicamente os homens à continuidade do poder mediante a continuidade do poder.

De forma evidente, os quilombos não foram silenciados por um ato administrativo deliberado, mas por resultado de um complexo de fatores sociais, políticos e jurídicos. Melhor dizendo, fatores de poder, sendo necessário rememorar a própria história daqueles, em processo no qual a função da História será o de mostrar que a legislação engana, que os governantes se mascaram, que o poder ilude e que os historiadores podem mentir; a nova História não será, portanto, a História da continuidade, contudo, será de decifração, detecção do segredo, devolução da astúcia, reapropriação de um saber afastado ou enterrado: será a decifração da verdade selada (FOUCAULT, 2010FOUCAULT, Michel. Nascimento e transformações do racismo [Aula de 28 de janeiro de 1976]. In: ________. Em defesa da sociedade. Tradução de Maria Ermantina Galvão. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 55-71., p. 61). No nosso caso, da revelação do tabu do racismo e da quebra do pacto de silêncio que se formou sobre ele, retirando os quilombos da zona de silenciamento, como forma de demonstrar que tais sujeitos foram capazes de lutar por seus direitos e que tal luta proporcionou resultados, os quais foram ocultados e esquecidos.

5. A Constituição e o rompimento com o pacto de silêncio em torno dos quilombos

Os quilombos brasileiros, assim como as sociedades cimarronas, designaram-se “comunidades concebidas”, organizadas à margem dos ordenamentos jurídicos vigentes. Em sua época, as autoridades coloniais e imperiais chegaram a declarar guerra, porém acabaram convertendo-se em indivíduos que desenvolveram novas e criativas formas de relação social entre os subalternizados, com o propósito de ser incluídos na sociedade de então (DE LA SERNA, 2010DE LA SERNA, Juan Manuel. Los cimarrones en la sociedade novohispana. In: DE LA SERNA, Juan Manuel (Coord.) De la libertad y la abolición: africanos y afrodescendentes en Iberoamérica. Ciudad de México: INAH, 2010, p. 83-109., p. 105).

Sob esse raciocínio, a questão inicial a ser levantada, quando se trata de comunidades quilombolas, é compreender que a Constituição Federal de 1988 apresentou resposta constitucional aos silêncios, à negação e ao ocultamento da resistência quilombola. No entanto, a resposta constitucional não menospreza o valor histórico do conceito de quilombo, valorado sob o aspecto patrimonial, como se verá adiante. A noção comum que se tem de quilombos transpassa mais pela noção decorrente de sua disciplina jurídica, em tempos coloniais e imperiais, à sua própria noção histórica apresentada pela historiografia. Boa parcela das controvérsias que circundam os conceitos decorre do ponto de partida da noção jurídica dos quilombos e não de sua realidade histórica apresentada pela historiografia tradicional e reinterpretada pelos historiadores contemporâneos.

Entende-se, entretanto, que a Constituição Federal de 1988 contestou esse historicismo jurídico, permitindo-se que a patrimonialidade quilombola não se confundisse com a sua contemporaneidade, apesar da correlação e complementariedade das questões. Fora isso, tratou tais institutos de diversas maneiras, conquanto os estudos relacionados à Antropologia e ao Direito tenham se centrado predominantemente no aspecto da contemporaneidade, pouco avançando no que diz respeito à patrimonialidade.

A Constituição Federal de 1988, após um século da abolição da escravização (1888), a partir das lutas do movimento negro brasileiro, trata dos quilombos em dois momentos distintos. Por meio dela, leva-se à compreensão de que as comunidades quilombolas, diante do fenômeno da Modernidade, como sujeitos contemporâneos, inserem-se na dialética de direitos assegurados pelo Estado Democrático de Direito e, consequentemente, pela cidadania (art. 1º, II, da CF). A Constituição Federal caminhou no sentido informado por Clóvis Moura (1993MOURA, Clóvis. Quilombos: resistência ao escravismo. 3. ed. São Paulo: Editora Ática, 1993., p. 13), para quem estaria havendo revisão na história social do Brasil, particularmente no que diz respeito à importância dos quilombos na dinâmica da sociedade brasileira. Eles se manifestaram nacionalmente como afirmação da luta contra o escravismo e as condições em que os escravizados viviam pessoalmente. Semelhante posição é compartilhada por Stuart B. Schwartz (2001SCHWARTZ, Stuart B. Escravos, roceiros e rebeldes. Tradução de Jussara Simões. Santa Catarina: EDUSC, 2001., p. 42), para quem, curiosamente,

Embora os estudos dos protestos escravos tenham prosperado nas duas últimas décadas e tenham se voltado cada vez mais para as interpretações culturais, os estudos da cultura escrava propriamente dita e, por conseguinte, as culturas africanas no Brasil não receberam atenção semelhante. A força óbvia da cultura afro-brasileira nos tempos da escravidão e a ampla difusão de elementos africanos por toda cultura brasileira levaram a uma aceitação um tanto tácita da cultura escrava. A ideia de sobrevivência cultural como uma espécie de resistência que conquistou alguma popularidade nos Estados Unidos não inspirou a historiografia brasileira recente, cujo foco tem sido o modo como a cultura escrava formou ou estimulou a resistência.

Nesse sentido, na lógica jurídica e constitucional, primeiro a Constituição Federal tratou de reconhecer os quilombos, no aspecto da patrimonialidade, denominadas de “reminiscências históricas dos antigos quilombos”, como exemplos de protagonismo do que se denomina processo civilizador nacional, que nada mais é do que fixar tal protagonismo dentro do mito fundador do Estado-Nação, ao inseri-los na seção correspondente à cultura nacional.

É importante registrar que antes de tratar dos quilombos em si, a Constituição Federal se preocupou em afirmar que as culturas indígenas e afro-brasileiras são construtoras do processo civilizador nacional, pois, além de dizer que “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais” (art. 215, caput), reafirma que esse mesmo “Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional (§ 1º do art. 215)”. Note-se que apesar do dispositivo tratar “de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”, dá-se ênfase às “manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras”, em uma tríade que ressalta o mito fundador baseado na formação indígena, europeia e africana.

Em seguida, a Constituição Federal, mais uma vez, ressalta o mito fundador, ao tratar do patrimônio cultural material e imaterial da Nação, estabelecendo que “constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”, nos quais devem se incluir: “I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico” (art. 216).

Para finalizar, a Constituição Federal, em 06 (seis) parágrafos complementares, após estabelecer o que constitui o patrimônio cultural brasileiro (art. 216), elenca as formas como tal patrimônio deve ser protegido, isto é, dá as diretrizes para que o Direito Administrativo possa atuar em favor daquilo que está no ideário do mito fundador do Estado-Nação brasileiro. É didático lembrar que, inicialmente, eram apenas 05 (cinco) parágrafos, pois o § 6º foi incluído pela Emenda Constitucional nº 42/2003.

Portanto, inicialmente, para os constituintes, o tombamento de “todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos”, teve um sentido especial, ao incluir na narrativa do próprio mito do Estado-Nação o protagonismo quilombola, proeminentemente negro, na formação do “processo civilizatório nacional” (§ 1º do art. 215), assim como espécie de bens “portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (art. 216, caput). A essa primeira disciplina constitucional a respeito dos quilombos, pode-se denominar de patrimonialidade quilombola, a qual corresponde ao reconhecimento e inclusão da historicidade da resistência quilombola à opressão jurídica que foi a escravidão. O mesmo conteúdo está presente no Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010), quando trata da cultura quilombola:

Art. 18. É assegurado aos remanescentes das comunidades dos quilombos o direito à preservação de seus usos, costumes, tradições e manifestos religiosos, sob a proteção do Estado.

Parágrafo único. A preservação dos documentos e dos sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos, tombados nos termos do § 5o do art. 216 da Constituição Federal, receberá especial atenção do poder público.

Incluídos na narrativa oficial do Estado-Nação (§ 5º do art. 216), em processo relevantíssimo de resistência à escravização do passado, apesar de ocultados, os quilombos, tiveram a sua contemporaneidade afirmada no art. 68 do ADCT, como fenômeno e sujeitos de direitos do presente, os quais devem ter tais direitos assegurados no presente e futuro, como forma de compensar as dívidas históricas com aqueles que foram vítimas da opressão, da escravidão e do racismo do Estado colonial, imperial e nacional. Portanto, este foi o segundo momento no qual a Constituição tratou dos quilombos, ao dispor que “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. Reafirma-se esta posição no Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010), no tocante ao acesso à terra:

Art. 27. O poder público elaborará e implementará políticas públicas capazes de promover o acesso da população negra à terra e às atividades produtivas no campo.

Art. 28. Para incentivar o desenvolvimento das atividades produtivas da população negra no campo, o poder público promoverá ações para viabilizar e ampliar o seu acesso ao financiamento agrícola.

Art. 29. Serão assegurados à população negra a assistência técnica rural, a simplificação do acesso ao crédito agrícola e o fortalecimento da infraestrutura de logística para a comercialização da produção.

Art. 30. O poder público promoverá a educação e a orientação profissional agrícola para os trabalhadores negros e as comunidades negras rurais.

Art. 31. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.

Art. 32. O Poder Executivo federal elaborará e desenvolverá políticas públicas especiais voltadas para o desenvolvimento sustentável dos remanescentes das comunidades dos quilombos, respeitando as tradições de proteção ambiental das comunidades.

Art. 33. Para fins de política agrícola, os remanescentes das comunidades dos quilombos receberão dos órgãos competentes tratamento especial diferenciado, assistência técnica e linhas especiais de financiamento público, destinados à realização de suas atividades produtivas e de infraestrutura.

Art. 34. Os remanescentes das comunidades dos quilombos se beneficiarão de todas as iniciativas previstas nesta e em outras leis para a promoção da igualdade étnica.

O art. 68 do ADCT vem em seguida à irrealizada promessa do Estado brasileiro de garantir os direitos territoriais aos povos indígenas, previsto no art. 67 do ADCT, que dispõe: “a União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição”. Com essa informação, a leitura dos dispositivos comprova a existência de um manifesto comando de inclusão de povos indígenas e afro-brasileiros na narrativa do Estado-Nação, por meio das políticas patrimoniais (patrimonialidade indígena e patrimonialidade quilombola), como reconhecimento do protagonismo dos mesmos na História, bem como a necessidade de que se assegurem seus direitos territoriais, assim como o reconhecimento da contemporaneidade de tais sujeitos, considerados povos e comunidades tradicionais pelos instrumentos jurídicos internacionais ou nacionais, como a Convenção 169 da OIT e o Decreto nº 8.750/2016, que institui o Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais.

Sem embargo, ressalva-se que o conceito de povos ou de populações tradicionais não se opõe necessariamente ao moderno, pois ele não significa um atraso, um resíduo, um vestígio e tampouco algo meramente remanescente, mas, se constitui em uma nova categoria operacional que o aparato do Estado utiliza para entender situações concretas (ALMEIDA, 2005bALMEIDA, Alfredo Wagner de. Conceito de terras tradicionalmente ocupadas: palestra no seminário sobre questões indígenas. Revista da AGU, Brasília, ano 4, nº 8, p. 1-10, set./dez. 2005b., p. 1-2). A terminologia “povos tradicionais” designa uma diversidade de situações sociais que têm como denominador comum condições de existência consideradas que contrastam com “Modernidade” e à margem das representações de “desenvolvimento” e “progresso” dos poderes econômicos e políticos hegemônicos; assim, a terminologia “povos tradicionais” é utilizada, de modo prevalente, no contexto dos processos de construção de Estados-Nações “modernizantes”, e engloba identidades sociais e políticas construídas em relação ao arcabouço constitucional e jurídico atual, tanto em ordenamentos nacionais quanto internacionais, como garantia de reconhecimento e reprodução dos seus modos de fazer, criar e viver (O’DWYER, 2018O’DWYER, Eliane Cantarino. Os antropólogos, as terras tradicionalmente ocupadas e as estratégias de redefinição do Estado no Brasil. Revista de Antropologia, São Paulo, vol. 61, nº 1, p. 33-46, 2018., p. 35), e, no caso dos quilombos, o conceito tem se libertado das definições focadas no conceito de raça social e partido para definições respaldadas pela origem da história escravista, trabalhando a noção de negro no campo do pertencimento étnico e cultural (CUNHA JUNIOR, 2012, p. 163).

6. Considerações finais

As formulações das noções de patrimônio, a partir do ideário dos Estados Nacionais, tiveram como preocupação a afirmação das identidades dominantes (brancas, predominantemente) e procuraram ocultar quaisquer outras formas identitárias dissidentes, tidas como atrasadas e pré-civilizacionais, a exemplo dos povos indígenas e da população negra.

A insurgência quilombola, como exemplo de patrimonialidade negra, portanto, constituiu categoria “perigosa”, a qual passou por um silenciamento objetivando que suas memórias fossem esquecidas, a fim de que suas narrativas não ingressassem na História oficial da Nação. A patrimonialidade negra, nesse sentido, foi vista como incivilizada e desmaterializada, impossível de tombamento, pois a narrativa da nacional necessitava do exemplo de incivilidade para se afirmar civilizada.

Por consequência, nada mais conveniente do que as memórias e histórias dos quilombos serem objeto de ocultamento, silenciamento e, finamente, de esquecimento: a contribuição não dava distinção em aspecto algum a uma Nação a qual queria se apresentar “civilizada”.

Tal negação, evidentemente, não ficaria sem resposta ou imune aos processos de conflito e negociação, sendo objeto de processo de luta que culminou com a Constituição de 1988, com o reconhecimento constitucional da contribuição quilombola ao direito constitucional à liberdade e à igualdade, assim como à própria narrativa do Estado-Nação, ao estabelecer o tombamento de todos os documentos e sítios com reminiscências históricas dos antigos quilombos.

Se no passado, para a população quilombola, a luta pela afirmação de direitos teve como foco principal a liberdade, no presente, o intuito é a formulação de direitos que reconheçam que tal liberdade possa ser exercida plenamente, superando-se uma zona de subcidadania. E, mais do que isso, possibilite o reconhecimento e a inclusão de direitos não só fundiários, mas culturais etc., sendo dever do Estado e da sociedade sempre respeitar a contemporaneidade dessas comunidades tradicionais.

Após a tríade temporal jurídico-racial (1888/1889/1891), consolidadora do racismo republicano, há inquietante silêncio jurídico em torno dos quilombos. A tríade temporal jurídico-racial constituída pela Abolição, Proclamação da República e Promulgação do primeiro texto constitucional republicano evidenciam o pacto de silêncio em relação ao processo de escravização, como forma do Estado e a sociedade brasileira não concederem quaisquer formas de reparação para aqueles que foram vítimas do fenômeno de violência, tutelado pelo Direito, de maior duração no Brasil: quase quatro séculos.

O silencio constitucional em torno do racismo e dos quilombos, por consequência, deixou marcas em nossa sociedade, mas o tabu racial não costuma tolerar que tal problemática venha à tona, a fim de que de que os pilares do mito da democracia racial, estruturantes do racismo brasileiro, não sejam comprometidos, assim como o desmascaramento das violências simbólicas e reais contra a população negra.

Fissuras nessa estrutura têm ocorrido, muitas das quais fomentadas pelas novas abordagens interpretativas que vem sendo formuladas a respeito de diversos direitos constitucionais após 1988: o patrimônio e ideia de Nação, que sempre se relacionaram muito bem entre nós, podem, também, ser uma forma de contribuir para essas novas abordagens em torno da formulação de direitos constitucionais, ao aturarem no campo simbólico e da representação, sendo fundamental que o Estado e a sociedade permitam que as vozes quilombolas possam ser ouvidas, no passado, presente e futuro.

  • 1
    Sintetizando as discussões a respeito do aspecto político dos quilombos, cf. ALMEIDA, Luiz Sávio de. Quilombo e política. In: MOURA, Clóvis (org.). Os quilombos na dinâmica social do Brasil. Maceió: EDUFAL, 2001, p. 89-101; GUIMARÃES, Carlos Magno. Quilombos e política (MG – Século XVIII). Revista de História, nº 132, p. 69-81, jan./jun. 1995; LEITE, Ilka Boaventura. O projeto político quilombola: desafios, conquistas e impasses atuais. Estudos Feministas, vol. 16, nº 3, p. 965-977, set./dez. 2008.
  • 2
    Décio Freitas (1982FREITAS, Décio. O escravismo brasileiro. 2. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982., p. 29), por sua vez, entendia que as lutas dos escravizados não tiveram força para destruir o sistema de opressão e exploração.
  • 3
    Sobre controvérsias e disputas em torno do conceito de quilombo, cf. CARVALHO, Roberta M. Amâncio; LIMA, Gustavo F. da Costa. Comunidades quilombolas, territorialidade e a legislação no Brasil: uma análise histórica. Revista de Ciências Sociais, nº 39, p. 329-346, out. 2013; HENRIQUES FILHO, Tarcísio. Quilombola: a legislação e o processo de construção de identidade de um grupo social negro. Revista de Informação Legislativa, vol. 48, nº 192, p. 147-170, out./dez. 2011; LIFSCHITZ, Javier A. Percursos de uma neocomunidade quilombola: entre a “Modernidade” afro e a “tradição” pentecostal. Afro-Ásia, nº 37, p. 153-173, 2008.
  • 4
    Ainda, sobre a resistência dos escravizados, cf. SCHWARTZ, Stuart B. El mocambo: resistencia esclava en la Bahía colonial. In: PRICE, Richard (comp.). Sociedades cimarronas: comunidades esclavas rebeldes en las Américas. México: Siglo Veintiuno, 1981, p. 162-184; SCHWARTZ, Stuart B. Escravos, roceiros e rebeldes. Santa Catarina: EDUSC, 2001.
  • 5
    Décio Freitas (1982FREITAS, Décio. O escravismo brasileiro. 2. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982., p. 42) registra que alguns dos primeiros subúrbios dos maiores centros urbanos brasileiros se originam de quilombos.
  • 6
    Aqui, usa-se a expressão “África” sem nenhuma pretensão de reduzir a sua complexidade, mas como referência ao continente africano, em contraponto ao continente americano, tendo em vista que a aquele, assim como este continente, é repleto de diversidade geoespaciais, históricas etc. Nesse sentido, cf. SANTOS, Ynaê Lopes dos. História da África e do Brasil afrodescendente. Rio de Janeiro: Pallas, 2017. Sobre a temática, Achille Mbembe (2002MBEMBE, Achille. As formas africanas de auto inscrição. Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, ano 23, nº 1, p. 171-209, 2002., p. 192 e 198-199) critica, igualmente, o mito da unidade africana, argumentando que não há nenhuma identidade africana que possa ser designada por um único termo, ou que possa ser nomeada por uma única palavra, ou, por fim, que possa ser subsumida a uma única categoria, pois a identidade africana não existe como substância, eis que é constituída, de variadas formas, com base numa série de práticas.
  • 7
    A fim de que não se pratiquem novos apagamentos da história, é importante que se registre a presença indígena nos quilombos. João José Reis (95/96, p. 16), assim como outros pesquisadores que têm prestigiado o trabalho da arqueologia informam a presença indígena em alguns quilombos, inclusive escavações arqueológicas na Serra da Barriga recolheram um grande volume de cerâmica indígena, o que pode significar uma presença indígena mais importante do que até agora se admitiu, ou a adoção intensiva pelos palmarinos da cultura material nativa. Diz-se “alguns quilombos”, porque a historiografia registra, por outro lado, intensos conflitos entre quilombolas e indígenas em outros quilombos históricos, como se vê em duas notas a seguir. Tratando das alianças, cf. WADE, Peter. Interações, relações e comparações afro-indígenas. In: ANDREWS, G. R.; DE LA FUENTE, A. Estudos afro-latino-americanos: uma introdução. Buenos Aires: CLACSO/Harvard University, 2018, p. 119-162. bell hooks (2019, p. 316-341), ao tratar de “renegados”, revolucionários: americanos nativos, afro-americanos e indígenas negros, também trata dessas alianças nos Estados Unidos da América do Norte.
  • 8
    A respeito desse assunto’, cf. KENT, R. K. Palmares: un Estado africano en Brasil. In: PRICE, Richard (comp.). Sociedades cimarronas: comunidades esclavas rebeldes en las Américas. México: Siglo Veintiuno, 1981, p. 113-151. Em sentido contrário, Décio Freitas (1982FREITAS, Décio. O escravismo brasileiro. 2. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982., p. 30) argumenta que a investigação histórica elucida que não houve sequer semelhança entre as comunidades dos escravizados brasileiros e os quilombos angolanos, em nenhum aspecto, caracterizando-se eles pelo contrário como substancialmente antinômicos.
  • 9
    Sobre a nem sempre amistosa relação entre quilombolas e povos indígenas, cf. GOMES, Flávio dos Santos. Africanos e crioulos no campesinato negro do Maranhão oitocentista. Revista Outros Tempos, vol. 8, nº 11, p. 63-88, 2011; GOMES, Flávio dos Santos. Etnogénesis y ocupación colonial: africanos, indígenas, criollos y cimarrones en Brasl (siglo XVIII). Anuario IEHS, vol. 26, p. 55-73, 2011b.
  • 10
    Nesse sentido, parece ser a visão de Edison Carneiro (2011CARNEIRO, Edison. O Quilombo dos Palmares. Prefácio de Flávio dos Santos Gomes. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011., p. XL), para quem os quilombolas viviam em paz, em uma espécie de fraternidade racial, havendo nos quilombos uma população heterogênea de que participavam em maioria negros, mas que contava também com mulatos e indígenas.
  • 11
    Todavia, Edison Carneiro (2011CARNEIRO, Edison. O Quilombo dos Palmares. Prefácio de Flávio dos Santos Gomes. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011., p. XXXVI), parece sugerir tal ideia, ao dizer que o movimento de fuga era, em verdade, uma negação da sociedade oficial, que oprimia os escravizados negros, eliminando a sua língua, religião e estilos de vida; assim, o quilombo, constituiu uma reafirmação da cultura e do estilo de vida africanos; o tipo de organização social criado pelos quilombolas estava tão próximo do tipo de organização então dominante nos Estados africanos que, ainda que não houvesse outras razões, poderia se dizer que os negros responsáveis por ele eram em grande parte recém-vindos da África, e não negros crioulos, nascidos e criados no Brasil.
  • 12
    Não se pode esquecer que a escravidão não constituía uma realidade fora do Direito. Contrariamente, o sistema jurídico legitimava a escravidão, a qual possuía um vasto complexo de princípios e normas para regê-la: cf. BRITO, Luciana da Cruz. Temores da África: segurança, legislação e população africana na Bahia oitocentista. Salvador: EDFUBA, 2016, p. 15-30; FISCHER, Brodwyn; GRINBERG, Keila; MATTOS, Hebe. Direito, silêncio e racialização das desigualdades na história afro-brasileira. In: ANDREWS, G. R.; DE LA FUENTE, A. Estudos afro-latino-americanos: uma introdução. Buenos Aires: CLACSO/Harvard University, 2018, p. 163-215; MALHEIRO, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil: ensaio histórico, jurídico, social. Petrópolis/Brasília: Vozes/INL, 1976.
  • 13
    Tratando da situação das quebradeiras de coco babaçu e quilombolas, cf. SHIRAISHI NETO, Joaquim. O direito das minorias: passagem do “invisível” real para o “visível” formal? Manaus: EDUEA, 2013.
  • 14
    Análises próprias sobre apropriações culturais entre nós, cf. VELASCO MOLINA, M. Las políticas culturales y la apropiación de los elementos culturales afrobrasileños por parte de la elite brasileña. In: ________. Teorías y democracia raciales: la resignificación de la cultura negra en Brasil. México: UNAM, 2016, p. 223-309.
  • 15
    Fazendo intersecção entre silenciamento e tabu, cf. ANÓN, Valeria; RUFER, Mario. Lo colonial como silencio, la conquista como tabu: reflexiones en tiempo presente. Tabula Rasa, nº 29, p. 107-131, 2018.
  • 16
    Apresentando as posições do autor haitiano, cf. ARCO BLANCO, Miguel Ángel del. Nota introductoria: por qué publicar Silenciando el pasado. In: TROUILLOT, Michel-Rolph. Silenciando el pasado: el poder y la producción de la Historia. Granada: 2017; CARBY, Hazel V. Presentación. In: TROUILLOT, Michel-Rolph. Silenciando el pasado: el poder y la producción de la Historia. Granada: 2017; ESPINOSA ARANGO, Mónica L.¿Cómo escribir una historia de la imposible? Michel-Rolph Trouillot y la interpretación de la revolución haitiana. Memorias, año 4, nº 8, p. 30-40; MELLO, Marcelo Moura; PIRES, Rogério Brittess W. Trouillot, o Caribe e a Antropologia. Afro-Ásia, nº 58, p. 189-196, 2018; PRICE, Sally. Posfácio. Higienização da cultura: poder e produção de exposições museológicas. In: FILHO, Manuel F. Lima et al. Museus e atores sociais: perspectivas antropológicas. Recife: EDUFPE/​ABA, 2016, p. 273-283; TROUILLOT, Michel-Rolph. A região do Caribe: fronteira aberta na teoria antropológica. Afro-Ásia, nº 58, p. 196-232, 2018. Também, narrando ou contextualizando a Revolução, cf. GRAU, María Isabel. La revolución negra: la rebelión de los esclavos en Haití, 1791-1804. México: Ocean Sur, 2009; LAO-MONTES, Agustín. Descolonizar la memoria en aras de forjar futuros de liberación: repensar las independencias a la luz de la Revolución Haitiana. Sortuz. Oñati Journal of Emergent Social-legal Studies, vol. 5, issue 2, p. 90-105, 2013; VASTEY, Jean Louis. El sistema colonial develado. Buenos Aires: Ediciones del CCC, 2018.
  • 17
    Jacques Derrida (2001DERRIDA, Jacques: Mal de arquivo: uma impressão freudiana. Tradução de Cláudia de Moraes Rego. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001., p. 7-17) já havia tratado da origem, do privilégio jurídico de arquivar e da violência do arquivo. Tratando, semelhantemente, do esquecimento, a historicização e a seletividade do arquivo, cf. LÜBBE, Hermann. Esquecimento e historicização da memória. Estudos Históricos, vol. 29, nº 57, p. 285-300, 2016.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Set 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022

Histórico

  • Recebido
    21 Mar 2020
  • Aceito
    11 Jan 2021
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